quinta-feira, 15 de julho de 2010

“Preciosa - uma história de esperança”

“Preciosa - uma história de esperança” (“Precious”, Lee Daniels, Estados Unidos, 2009)
Postado em 12 de março de 2010, às 13:00

Pior do que ser negra, obesa e analfabeta é não ter a menor ideia de como mudar o que se passa à sua volta.
É uma vida de pesadelo interminável.
Para se defender ela se fecha em um automatismo desolado. Às vezes consegue devanear sobre o que seria uma vida melhor: certamente não ser ela mesma.
Esse é o trágico pano de fundo da vida da jovem de 16 anos que mora no Harlem, Nova Iorque, em 1987, com uma mãe perversa e violenta. Está grávida de seu segundo filho, todos os dois frutos de incesto.
Clareece “Precious” Jones não conseguiria nada nesse mundo se não encontrasse a professora Blu Rain. Expulsa da escola onde não aprendia nada, na escola alternativa para a qual é enviada, ela finalmente, é tratada com cuidado e respeito.
A professora consegue atravessar as defesas monolíticas de Preciosa e tocá-la como ser humano. Começa assim o resgate de uma vida.
“Tudo é uma dádiva do universo” (Ken Keynes) é a epígrafe do filme.
A jovem Preciosa aproveita esse encontro com a professora que vai fazer sua vida fazer sentido. Ela vai entender, por fim, o que é o amor.
-“Ninguém me ama”, diz Preciosa para a professora.
“O amor me violentou, me chamou de animal, me fez adoecer...”
-“Isso não é o amor. Seu bebê ama você. Eu amo você.”
O roteiro do filme, premiado com o Oscar de roteiro adaptado, é baseado no livro “Push” de 1996 da escritora negra Sapphire que contou em uma entrevista que quase tudo é real nessa história de “Preciosa”. Ela escutou diversos relatos de meninas negras carentes quando era professora e baseou-se neles para escrever o livro.
Atriz estreante, Gabourey Sidibe que é a Preciosa, vive aos 26 anos o oposto do que foi o destino de sua personagem. Como em um conto de fadas, foi indicada para o Oscar de melhor atriz, concorrendo com monstros sagrados como Meryl Streep.
Apadrinhada por Ophra Winfrey, que aparece nos créditos como produtora executiva do filme, a garota de origem senegalesa e estudante de psicologia, é hoje uma celebridade. A Cinderela americana, como a chamou Oprah na cerimônia do Oscar.
Dirigido por Lee Daniels, o primeiro negro a ser indicado para o Oscar de melhor diretor, “Preciosa” tem um ótimo elenco de atores negros e hispânicos. Paula Patton é a amorosa professora Blu Rain, Mariah Carey a assistente social e Lenny Kravitz o enfermeiro simpático.
Mo’Nique faz a mãe monstruosa com tal realismo que ganhou o Globo de Ouro e levou o Oscar de atriz coadjuvante, para o qual era a favorita em todas as listas.
O filme ainda concorreu ao Oscar do melhor filme do ano e na véspera foi premiado com cinco Spirit, o Oscar dos independentes: melhor filme, direção, roteiro adaptado, atriz (Gabourey Sidibe, a Gabby) e atriz coadjuvante (Mo’Nique).
Não é fácil assistir ao filme “Preciosa” porque ele trata de questões que a maioria das pessoas gosta de ignorar por puro sentido de auto-preservação.
Mas, se você é uma pessoa que já ultrapassou essa barreira e tem interesse em observar o processo de humanização, encare “Preciosa”. Talvez o filme ensine a você uma ou duas coisas importantes.

3 comentários:

  1. Comentário encaminhado ao Mpost, em 15 de março de 2010, às 10:48
    Querida Eleonora,
    Sua análise de filmes, principalmente desta última safra do Oscar, é muito pontual e sensível como a de “Preciosa”. Para quem não assistiu o filme, chega a ser um roteiro colorido. Para quem já teve a oportunidade de ver, fica a vontade de esmiuçar sua análise vendo-os. Parabenizo-a pelo poder de síntese e por escolher os que merecem ser vistos.
    Beijos com saudades
    Beatriz

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  2. Debora Ganc, em 14 de março de 2010, às 22:29
    Querida,
    Gostei muito do filme e seu texto, sensível como sempre o retrata lindamente.
    Parabéns e ficamos aguardando o comentário do próximo filme....
    carinho,
    Deby

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  3. Sylvia Manzano, em 12 de março de 2010, às 20:46
    A professora Blu Rain pouco fala, mas tudo ouve, tudo vê, comprende e acolhe.
    Seria bom se os professores assistissem esse filme e aprendessem a ouvir mais do que falar, do que passar lição de moral, repreensões e castigos.
    Até hoje não entendi porque pais, adultos e professores são tão apegados a dar respostas às crianças e jovens e ainda não perceberam que quem fala quer ser ouvido, mais nada.
    Tantas e tantas vezes uma criança ou jovem abre seu coração para um adulto e ouve uma enxurrada de frases feitas como respostas.
    O modo de uma criança abrir o seu coração é muitas vezes através do desenho e isso também é difícil de ser enxergado.
    Sempre tem um “sabereta” por perto dizendo que cavalo não é azul, etc, etc, etc.
    Na escola alternativa o ensino da leitura e da escrita é para a vida e dá um gosto enorme ver isso acontecendo, mesmo que a seja só em filmes.
    No Brasil, pelo menos, a leitura e a escrita servem única e exclusivamente ao famigerado vestibular e não é de espantar que o Brasil seja um país com tão poucos leitores.
    Outro dia, por curiosidade fui ver a prova de redação da Unicamp e não consegui entender nem a proposta.
    Fiquei chocada.
    Sou uma leitora ávida, desde os 6 anos de idade, e não consegui entender uma pergunta na prova de literatura.
    Me deu vontade de ir devolver o meu diploma de filosofia para a PUC, certamente se fosse fazer um vestibular hoje não passaria jamais...
    Eu fico perguntando aos meus botões: oras, se a literatura não servir para nos revelar o humano que há em nós, pra que ela serviria?
    Quem gostou muito, muito dessa professora, certamente vai gostar do livro COMO UM ROMANCE do Daniel Penac, que relata uma experiência de leitura semelhante a dessa vivida por Blu Rain e Preciosa.
    E tô me lembrando agora, que desde que o Objetivo foi criado, eu sonho em criar uma escola chamada SUBJETIVA.

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