sexta-feira, 29 de maio de 2015

O Homem que elas Amavam Demais


“O Homem que Elas Amavam Demais”- “L’homme qu’on aimait trop”, França, 2014
Direção: André Téchiné

Depois de informar secamente que se trata de um filme baseado em fatos reais, a câmera mostra uma mão desenhando um homem envelhecido. Só no fim vamos entender do que se trata.
A Côte D’Azur, no sul da França, com seu mar azul, falésias que mergulham na espuma das ondas e suas enormes vilas com palmeiras e jardins que descem para o mar, é um cartão postal conhecido.
Nesse cenário e ao redor de um cassino em Nice, vai se desenrolar uma história de ambição desmedida, traições, amores loucos, carência afetiva e mistério, no fim dos anos 70.
Catherine Deneuve é Renée Le Roux, dona atual do Cassino, herdado de seu marido rico, que lhe deixou uma filha, Agnès (Adèle Haenel).
Ela desfila pelos salões de jogo em figurinos de finos brocados cintilantes, jóias de bom gosto e cabelos presos em coques caprichados.
Maurice Agnelet (Guillaume Canet, 42 anos, marido de Marion Cotillard, ator e diretor), advogado de Madame Le Roux, acompanha a pedido dela o divórcio de sua filha e vai buscá-la no aeroporto quando ela volta da África.
Ele é sedutor, ambicioso e inescrupuloso. Vamos entendendo isso ao longo das cenas que mostram  amantes que o disputam, homem casado com um filho. Relaciona-se com a máfia que cobiça o Cassino, às escondidas de Madame Le Roux.
Preterido por ela num posto de diretor, que ele ambicionava, nada mais natural para Agnelet que voltar-se para um novo alvo, a conquista de Agnès, uma moça com baixa auto-estima, que vive num constante atrito com a mãe por causa da herança do pai.
A verdade é que o Cassino tem dívidas, perdeu muito dinheiro por trapaças e é ideal para o chefe local da máfia, o calabrês Fratoni, para lavagem de dinheiro.
E apesar de saber das amantes, da mulher, do mau caráter, Agnès se entrega com paixão cega a Maurice. Ela vai lhe dar o que ele mais quer: contas e cofres de banco partilhados, depois que ela recebe o dinheiro da herança quando o cassino é vendido para a máfia.
O caso Le Roux apaixonou a França desde 1977 quando Agnès desapareceu sem deixar vestígios.
Com muitas reviravoltas no tribunal, entendemos agora o desenho do começo do filme, um longo “flash-back”. O retratado é Maurice Agnelet, acusado de assassinato.
André Téchiné, 72 anos, faz seu 21º filme, o sétimo em que trabalha com Catherine Deneuve, dirigindo com talento um filme que conta a história sem se prestar a julgamentos.
O diretor deixa ao espectador a tarefa de entender as motivações dos personagens, todos complexos em seus conflitos psicológicos.
Quando o filme acaba, não há certezas ainda, porque o caso ainda não acabou no tribunal, apesar da última condenação, em 2014, de Maurice Agnelet a 20 anos de prisão. Ainda cabe uma outra apelação, já que testemunhas se contradizem e se desdizem.
Esse deve ter sido o motivo mais forte que levou Techiné a filmar a história, que ainda permanece em sombras, passados quase 40 anos do desaparecimento de uma pobre moça apaixonada.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

A Incrível História de Adaline


“A Incrível História de Adaline”- “The Age of Adaline”, estados Unidos, 2015
Direção: Lee Toland Krieger

Na história da humanidade, quem primeiro conseguiu a imortalidade foram os deuses. No Olimpo grego, parece que se aborreciam tanto com a monotonia de suas vidas eternas, que começaram a descer de lá para compartilhar amores e conflitos com os mortais.
No século XIX, Oscar Wilde imaginou um homem que só envelhecia em seu retrato.
O fato é que a imortalidade é um sonho ligado à estética da eterna juventude mas também à nossa frustração com nossas vidas paralelas, imaginadas e nunca acontecidas, porque temos a desculpa de não as termos vivido já que o nosso tempo de vida é curto.
Para Adaline, entretanto, o fato dela não mudar nunca de aparência, ter eternos 30 anos, depois de um acidente que aconteceu com ela, não foi buscado. Ela nem se dá  conta imediatamente do fato.
Seu marido morre e ela consegue viver bem com a filha até os 45 anos, sempre cercada de elogios e feições surpresas quando descobrem sua idade:
“- Sua filha? Mas parece sua irmã! Qual o seu segredo? Que cremes você usa?”
Blake Lively constrói sua personagem com leveza e logo nos divertimos com ela e as caras espantadas das pessoas ao admirar sua aparência.
Mas isso até ela chamar a atenção de investigadores (FBI?) que querem estudar o fenômeno e fazer experimentos com ela. Na verdade, nem ela mesma compreende o que aconteceu, mas teme o que pode vir a acontecer como cobaia do governo.
É sua primeira fuga e mudança de identidade. Mas, a cada década, ela compra um novo cãozinho de companhia, igual ao anterior que morreu de velhice ou foi posto para dormir porque ficou doente demais e muda de cidade.
E, tirando a filha que vai envelhecendo longe dela, com encontros escondidos com Adaline, ninguém sabe a verdade sobre ela.
Adaline está condenada a uma vida vazia, sem amigos íntimos, com poucos relacionamentos e sempre superficiais e, apesar de falar quatro línguas e ter testemunhado toda a história do século XX, ter lido muitos livros e viajado pelo mundo, ela começa a sentir falta de proximidade, intimidade, um amor.
Em sua primeira parte, o filme mostra cenas rápidas para a compreensão da história e uma narrativa em “off”, que tenta explicar o acidente mas que soa estranha e dispensável.
Nascida em 1907, é só em 2014 que ela conhece um homem que mexe realmente com ela. E começa a segunda parte do filme.
O roteiro de J. Mills Goodloe e Salvador Pascowitz é bem bolado mas raso no trato com a imortalidade.
O visual do filme é bonito, Adaline usa figurinos elegantes e bem escolhidos e o par Blake Lively e o holandês Michiel Huisman convence com uma boa química. Mas a atuação de Harrison Ford, como o pai do namorado e Ellen Burstyn como a filha de Adaline é o que levanta o filme.
“A Incrível História de Adaline” é um filme gostoso de se ver quando não se tem grandes expectativas. É um passatempo bem feito.

sábado, 23 de maio de 2015

Miss Julie



“Miss Julie”- Idem, Noruega, Reino Unido, 2014
Direção: Liv Ullmann

Uma menina ruiva lê para sua boneca, sentada numa cama de dossel e cortinas da cor de seu cabelo:
“- Ela ganhou uma linda boneca de presente.”
Vai até o outro quarto, com dossel e cortinas da mesma cor do seu e joga-se na cama:
“- Mamãe...” diz num lamento.
E a menina solitária e enlutada corre pela escada majestosa da mansão. Passa pela sala de jantar com a mesa adornada com cristais que brilham sob a luz da grande janela. A câmara faz um “close”: pele branca, olhos azuis, cabelos ruivos. Miss Julie.
Ela sai pela janela e corre para um lugar idílico. Um bosque com flores e um riacho.
Mas há algo dissonante. Por que ela olha para a boneca despida, presa na forquilha do alto da árvore e sorri?
Já sabemos muita coisas sobre ela. É só, triste, carente, o pai está longe, faz o luto da mãe e cultiva devaneios que só ela sabe.
Quando volta à casa e entra pela mesma janela, já é uma mocinha (Jessica Chastain).
Assim começa o filme de Liv Ullmann.
Estamos na Irlanda, 1890 e aquele dia é o mais longo do ano. Tudo pode acontecer no solstício do verão. Ricos e pobres misturam-se nos festejos. Segundo a lenda pagã, a noite é mágica para os apaixonados.
Na cozinha, John (Colin Farrell) e Kathleen (Samantha Morton) conversam sobre a beleza de Miss Julie:
“- Ela é magnífica! Aquela cintura, o pescoço..” diz John.
“- Pare!” interrompe Kathleen.
“- O que você cozinha que cheira tão mal?”
“- Miss Julie prefere ver a cadelinha morta do que tendo uma ninhada...Viu o cão do patrão rondando e mandou fazer essa poção abortiva. Mas não vou fazê-la forte... Pobrezinha...”
Miss Julie espreita pela porta e entra.
“- Vocês estão fazendo bruxarias na noite do solstício? Venha dançar John!”
E assim começa um jogo. Miss Julie não sabe que é perigoso? Mas ela quer companhia. E seduzir John parece ser divertido.
A arrogância de Miss Julie esconde uma fragilidade doentia. Tem como herança da mãe o ódio aos homens, o que aumenta sua curiosidade por John. E tirar o noivo da empregada soa como música para a menina cujo pai ausente nunca se fez próximo o suficiente para ser seduzido.
John, por sua vez, a vê como um troféu inalcançável. Só ele sabe a inveja e o temor que sente pelo patrão.
Strindberg (1849-1912), é o autor sueco da peça “Miss Julie”, escrita em em 1888, que é retomada pela dinamarquesa Liv Ullmann. O encontro na cozinha entre John e Julie renova-se sob o olhar da diretora, musa do inesquecível Ingmar Bergman.
Atriz, ela sabe dirigir atores e foca principalmente em Jessica Chastain, talentosa e adorável, que entrega uma performance dilacerante, que caminha da arrogância à psicose. Liv Ullmann leva seu filme muito além das diferenças de classes sociais e mergulha no psíquico.
Um filme para quem gosta de ir fundo na natureza humana.




domingo, 17 de maio de 2015

Um Pombo pousou num Galho refletindo sobre a Existência


“Um Pombo pousou num Galho refletindo sobre a Existência”- “En duva satt pa en green och funderade pa tillvaron”, Suécia, França, Alemanha, Noruega, 2014
Direção: Roy Andersson

O pombo aparece na primeira cena do filme. Só que está empalhado numa vitrine de uma espécie de museu de História Natural. Um homem apatetado observa o pombo e é observado por uma mulher.
O humor negro ou melhor, sardônico, do diretor sueco Roy Andersson parece beber da mesma fonte de inspiração de Samuel Beckett (1906-1989), escritor e dramaturgo irlandês, um dos mais influentes do século XX, Nobel de literatura em 1969.
Assim como em Beckett (“Esperando Godot”, “Dias Felizes”), a maioria dos personagens de Andersson são patéticos mais do que engraçados e sofrem de angústia e solidão. Há uma crítica ácida à natureza humana e sua tendência à crueldade, seja em situações terríveis como as guerras e a colonização da África, seja na amizade e nas relações familiares, como também no trato com os animais.
Em 39 quadros, Andersson mostra um sofrimento mudo ou pouco refletido do ser humano em situações de relacionamento com os outros.
Seus principais personagens, uma dupla tipo “Gordo e Magro”, quer divertir as pessoas com produtos ridículos como dentes de vampiro, saco de risadas e uma máscara grotesca de um velho. Devem dinheiro a seus fornecedores e não são pagos pelos poucos produtos que vendem. Há uma relação sado-masoquista e uma dependência perversa entre os dois, que se sentem solitários sem a presença do outro e por isso não se separam.
A morte é um tema que abre os três primeiros quadros e não há piedade nem compaixão nessa hora.
O uso do telefone celular é ridicularizado. As pessoas escutam e escutam, só murmurando sons apaziguadores e, no fim, dizem sempre a mesma frase;
“- Estou feliz em saber que você está bem.”
E vivem ligando para saber se há mensagens e escutam sempre:
“- Você não tem mensagens.”
O amor contrariado, a vida como espera de algo que nunca se encontra, o desespero mudo das pessoas bebendo sózinhas no bar ou o choro convulsivo no qual ninguém presta atenção, são situações exploradas em outros quadros.
Entretanto, há alguns momentos de descontração e felicidade num casal que acaba de fazer amor e fumam abraçados na janela, numa mãe que brinca com seu bebê, num casal jovem que se ama na praia e na dona de um bar que aceita beijos como pagamento.
E há reflexão, ainda que tardia, em um único momento. O quase desespero de um velho que, na hora em que o bar fecha, repete seguidamente:
“- Eu fui ganacioso e não generoso na minha vida toda. Por isso terminei infeliz.”
Então temos escolha, parece dizer o diretor sueco que ganhou o Leão de Ouro de Veneza 2014.
O filme é uma reflexão sobre o ser humano que, talvez, poucos vão apreciar. Afinal, para a grande maioria, infelizmente, é o “pombo” que tem que refletir sobre a existência e não eles.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Gangue


“A Gangue”- “The Tribe”, Ucrânia, 2014
Direção: Myroslav Slaboshpytskiy

De cara, ficamos sabendo que não haverá letreiros nem vozes em “off” narrando os acontecimentos. Isso causa imediatamente uma aflição no espectador que se pergunta: mas como vou entender?
Porém, se houver um pouco de paciência e nos convencermos que não vamos entender mesmo a linguagem de sinais que os surdos-mudos ucranianos usam no filme, acontece uma experiência única.
De repente, vamos vendo pela sequência das ações, que aquilo que pensamos que estava acontecendo, é o que estava realmente acontecendo.
Como é estranho, e ao mesmo tempo surpreendente, que as ações falem mais que mil palavras. É nesse momento que mergulhamos no filme, nos identificando com o protagonista (Grigory Fesenpo) .
O garoto chega de mochila e mala numa escola para surdos-mudos. Lugar decadente, com paredes descascadas, portas de ferro enferrujadas e móveis precários.
Aparentemente, há algum interesse nas crianças e nos jovens que ali estudam, com professores também surdos- mudos. Mas, como aquele lugar é um microcosmo, em tudo igual ao mundo em que vivemos, logo aparecem os sinais, para o novato, que ele vai ter que se adequar às regras impostas pelos mais violentos.
Ele é forte, alto e é logo assediado para pertencer à gangue que comete todo tipo de crimes: roubo, prostituição infantil, contrabando. São violentos e vivem se atracando.
Em nada diferentes de jovens delinquentes de qualquer lugar do planeta.
Mas o novato é tanto capaz de ódio como de ternura. A bela loirinha (Yana Novikova) desperta nele uma paixão intensa. Ela retribui e  são muito bonitas as cenas de sexo, filmadas com bastante realismo.
Só que, num ambiente como esse, o amor é uma flor bissexta.
O diretor usou atores surdos-mudos que recrutou em um ano, a maioria pela internet.
A câmera sensível acompanha longamente o que acontece, sem cortes abruptos. O tempo é cronológico e as cenas se passam em tempo real.
Não à toa, “A Gangue” causou espanto e polêmica em Cannes no ano passado, onde ganhou a “Caméra d’Or” e o prêmio da Semana da Crítica. A violência aqui é bastante real e causa incômodo para um público acostumado com os filmes de ação corriqueiros.
“A Gangue” abala mesmo. Principalmente porque topamos com a nossa própria natureza humana em carne viva.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Casa Grande


“Casa Grande”, Brasil, 2014
Direção: Felipe Barbosa

São muitos os Brasís que se entrelaçam num mesmo país. Sabemos todos disso. A sala e a cozinha abrigam mundos diferentes, que se interpenetram no dia a dia de uma casa de família de classe média alta no filme “Casa Grande”.
O que chama a atenção no roteiro do diretor Felipe Barbosa e Karen Sztajnberg é o flagrante da decadência dos que não produzem e vivem do mercado financeiro, como o pai dessa família, Hugo (Marcello Novaes). Como os tempos não estão bons para esse tipo de pessoa que, na verdade, apostou com o dinheiro dos outros e se deu mal, ele está estressado. Mas o orgulho o impede de abrir o jogo com os filhos. Ou mesmo de ir à luta e procurar um trabalho de verdade.
A mãe Sonia (Susana Pires), professora de francês a domicílio e depois vendedora de cosméticos, mima toda a família mas percebe-se que também não vê uma saída para a crise que vivem.
Jean, o filho adolescente de 17 anos, o protagonista do filme, carente, espinhas pelo rosto ainda imberbe, não entende por que não pode usar mais a jacuzzi, nem o ar condicionado e precisa ir para a escola de ônibus porque o motorista sumiu. Mas, se reclama da falta de dinheiro, não faz disso seu problema central:
“- E o Severino?” pergunta ao pai, sentindo mais falta da pessoa que do carro.
“- Foi para a Paraíba encontrar com o filho”.
Mas Jean (Thales Cavalcanti, um novato brilhante), descobre as mentiras do pai e fica ainda mais inseguro do que já é.
Sofrendo com a inexperiência do sexo, primeiro ele corre para o quarto da empregada divertida e bonitona (Clarissa Pinheiro), que não o leva a sério, mas depois vai ter que crescer e enfrentar a vida. O que é bom para ele. No ônibus,  Jean conhece Luiza (Bruna Amaya) e experimenta algo novo.
O retrato dos pais dessa família, representando uma geração que caminha para a indigência em tudo, é desolador.
A esperança está justamente na cozinha, onde pessoas que dão duro, veem uma melhora para a vida de seus filhos. O filme toca no assunto das cotas para negros nas universidades mas não faz disso sua bandeira.
Da mesma forma, alude aos direitos que os trabalhadores conquistaram. Os tempos do “sinhôzinho” já passaram, queiram ou não.
“Casa Grande” é um retrato de um pedaço do Brasil, o Rio de Janeiro dos condomínios da Barra e das favelas (que poderia ser qualquer outra grande cidade brasileira), visto pelos olhos de uma geração que ainda não assumiu suas responsabilidades mas que já antevê as dificuldades do processo.
Bem feito, ótimo elenco e roteiro estimulante valeram a “Casa Grande” vários prêmios, inclusive o de melhor longa de ficção no Festival do Rio, além de melhor atriz coadjuvante para Clarissa Pinheiro e melhor ator coadjuvante para Marcello Novaes.


quinta-feira, 7 de maio de 2015

Winter Sleep

“Winter Sleep” – Idem, Turquia, Alemanha, França, 2014
Direção: Nuri Bilge Ceylan

Uma paisagem de grandes pedras, neve e lama. Na Anatólia, região central da Turquia, os homens habitam em cavernas nas rochas, há milênios. Dentro delas, hibernam durante o inverno rigoroso.
Um jeep laranja vai no seu caminho, com dois homens dentro. De repente, uma pedra atinge o vidro da janela do passageiro. O motorista corre atrás de um garoto que foge. Por que aquele menino fez isso?
A partir daí, presenciamos a um demorado desmoronar das certezas de Aydin (Haluk Bilginer, excelente),dono de um hotel na região, homem rico, herdeiro de propriedades do pai.
Aquele menino pertence a uma família que não consegue pagar o aluguel da casa alugada. São inquilinos de Aydin e submissos a ele, mas numa postura de fachada. Por trás há ódio.
Mas o ex-ator e escritor de colunas num jornalzinho local parece não se interessar pelo vil metal. Deixa seus negócios, básicamente aluguéis e o hotel, nas mãos do motorista, Hydaiat, enquanto se refugia, com seu computador, em seu estúdio aconchegante.
Ele pretende, um dia, escrever a história do teatro turco. Diz que será um livro importante, já que conhece bem o assunto.
Mas essa pose de “grand seigneur”que Aydin mantém, com discursos longos nas conversas com a irmã Necla (Demet Akbaj) ou com a esposa Nihal (Melisa Sozen), muito mais jovem que ele, fica cada vez difícil de ser mantida.
Acusa a irmã, recém divorciada e a esposa, de preguiça e de viver às custas dele. Através da disfarçada desvalorização dos outros, Aydin consegue manter sua auto-estima num nível alto.
Para ele, só vale o que ele pensa sobre o mundo. Arrogante, pede a opinião dos outros apenas para reduzir tudo que a outra pessoa fala em seu oposto. É distante e frio, com aparência de ser magnânimo e generoso.
A caçada de um cavalo selvagem, que se joga na água lamacenta do rio para lutar por sua liberdade, abala  Aydin, que começa lentamente a dar-se conta de sua crueldade. Não apenas com as outras pessoas com quem convive mas principalmente consigo mesmo. Ainda frouxamente, algo dentro dele quer também libertar-se do jugo desse tirano que domina a personalidade dele.
É com interesse que seguimos os lances dessa luta interna.
O filme ganhou a Palma de Ouro em Cannes 2014, a terceira de Ceylan e o prêmio da Federação Internacional dos Críticos de Cinema, o FIPRESCI.
O diretor e co-roteirista, o turco Nuri Bilge Ceylan, de “Era Uma Vez na Anatólia” 2011, consegue criar um clima que vai se adensando e que, como gelo fino, ameaça o lugar e a pose imperial de Aydin.
“Winter Sleep” alude a um longo periodo de hibernação da alma de Aydin, que, frente a um fato que o atinge mais fortemente que os estilhaços do vidro daquela janela, vai despertar para a vida.
Tarde demais?