terça-feira, 26 de junho de 2018

O Amante Duplo



“O Amante Duplo”- “L’Amant Double”, França, Bélgica, 2017
Direção: François Ozon

Imagens desconcertantes na tela. Uma mocinha tem o cabelo longo cortado. Ela olha sedutora para a câmera. Há um close de uma vagina cor de rosa que parece uma flor. A imagem de um olho enorme se segue.
Chloé (Matina Vacth de “Jovem e Bela”) está na ginecologista. Que a avisa:
“- Se você emagrecer muito, suas regras não vão voltar...”e acrescenta, “acho que as dores abdominais que você tem são psicológicas. Procure fazer uma terapia. ”
E vemos Chloé subindo as escadas para o consultório do Dr Paul Meyer, indicado pela médica. E, na primeira vez que vê o terapeuta sentado na frente dela, um rapaz bonito, louro, de óculos (Jérémie Renier), ela diz:
“- Tenho dores na barriga. Fiz regimes especiais. Cortei o glúten. Fui a especialistas. Dizem que o intestino é o segundo cérebro. Tenho 25 anos. Moro sozinha com meu gato Milo. Fui modelo. Tive histórias de amor. Meu trabalho me estressa. Acho que sou incapaz de amar. Sinto-me vazia. Algo me falta. Choro sem razão. Você pode me ajudar? ”
“- Sua dor fala por você, vamos ver juntos do que se trata ”, responde ele.
E começam as sessões. Numa delas ela diz:
“- Quando eu era criança, eu imaginava que tinha uma irmã gêmea. Um duplo para me proteger. ”
Em outra:
“- Fui educada por meus avós. Minha mãe não me ama e isso me faz mal. No enterro dela eu me via no caixão...  Quando você me olha assim, digo a mim mesma que eu existo. “
Já dá para ver que estamos frente a uma mocinha muito doente. E, quando o terapeuta encerra as sessões porque se apaixona por ela e vão morar juntos, Chloé vai ficar desprotegida.
Será através dos olhos dela que vamos conhecer o desenrolar da história. E vamos nos perguntar: mas o que é sonho ou alucinação e o que é realidade? Os limites estão borrados. Vamos acompanhando Chloé e percebendo que tudo fica cada vez mais confuso e amedrontador.
François Ozon, 60 anos, é um diretor francês muitas vezes premiado por seus filmes originais. Podemos citar “Frantz”2016, “Uma Nova Amiga”2014, “Dentro de Casa”2012, “8 Mulheres”2010, ”Ricky”2009, “Sob a Areia”2000. Ele gosta de desafiar a inteligência do espectador e surpreender.
Em “O Amante Duplo”, inspirado por Joyce Carol Oates no seu “Lives of the Twins” (com o pseudônimo de Rosamond Smith), usa a sexualidade para falar de dissociação de personalidade, duplicidade, alucinação do duplo. Mas tudo isso com um erotismo a um passo da pornografia leve, que não é ofensivo nem de mau gosto.
Espelhos de todos os tamanhos e vidros que refletem as pessoas estão em toda parte onde Chloé vai. Dentro dela, um labirinto onde ela se perde.
O filme vai montando um suspense e lembramos de Hitchcock em “Marnie, confissões de uma ladra” e Paul Verhoeven em “Elle”.
Exótico, Ozon seduz pela beleza das imagens, dos corpos dos atores e pelo apelo à excitação que alimenta a libido da plateia.
Mas, nem todos vão gostar. Eu digo: experimente.

domingo, 24 de junho de 2018

Desobediência



“Desobediência”- “Disobedience”, Inglaterra, Irlanda, Estados Unidos, 2018
Direção: Sebastián Lelio

O velho rabino Rav Kruschka (Anton Lesser) fala para sua comunidade de judeus ortodoxos na sinagoga no norte de Londres. E o assunto é a “Criação” e a liberdade. Diferente dos anjos e dos animais, seres que seguem o plano em que “Hashem” os criou, o homem e a mulher podem desobedecer, diz ele.
“- Hashem nos deu livre arbítrio. Ele nos deixou escolher...”e, não conseguindo terminar sua fala, cai morto.
Assim começa o filme “Desobediência”. E está colocada a questão para uma reflexão através dos personagens que vivem o drama da história a ser contada.
Em Nova York, Ronit (a bela Rachel Weisz, Oscar pelo filme de Fernando Meirelles, “O Jardineiro Fiel”), uma fotógrafa famosa, recebe uma estranha ligação. O que ficou sabendo que a tirou completamente fora de seu eixo?
Foge para um bar, bebe e transa com um homem desconhecido. Parece desnorteada. Depois vai patinar no gelo com um semblante grave e olhos vazios. Até que, sentada, tira os patins e rasga sua camisa. Tomou uma decisão. E a vemos num avião.
Seu destino é o norte de Londres, uma rua tranquila, casinhas geminadas. Bate na porta de uma delas:
“-  Dovit está? ”
E vem atendê-la um jovem rabino (Alessandro Nivola, excelente):
“- Ronit! Não esperávamos você...”
Ela ensaia um abraço mas recua a tempo. Rememora quem está à sua frente. Não mais o amigo íntimo da juventude, o discípulo mais próximo do pai dela, o rabino Rav, mas alguém que talvez ela não conheça mais.
Entra na casa e mulheres de peruca e roupas simples e escuras a olham com curiosidade.
“- Ronit! Então você veio! ”exclama com simpatia a única que a recebe com um abraço, tia Fruma.
Todos os outros ali a fazem sentir-se deslocada.
E quando chega Esti (Rachel McAdams, comovente), a mulher de Dovit, ela fica surpresa. Sentimos que há algo mais acontecendo naquele reencontro. Logo percebemos que o motivo do exílio de Ronit é Esti. As duas viveram na juventude uma relação proibida.
Mas o diretor chileno Sebastián Lelio, 43 anos, que foi escolhido por Rachel Weisz, também produtora do filme, é talentoso. Não à toa, ganhou o Oscar pelo melhor filme estrangeiro do ano passado, “Uma Mulher Fantástica”. É dele também o filme “Glória”, que premiou Paulina Garcia como a melhor atriz do Festival de Berlim de 2013. Filmes sobre mulheres incomuns.
Em “Desobediência” também há mulheres transgressoras aos olhos da comunidade à qual pertencem. E novamente o diretor usa de delicadeza, cuidado e respeito, dirigindo com maestria seus esplêndidos atores. O que faz o filme não ser apenas um drama sobre mulheres que se amam, mas algo bem mais profundo. Trata-se de uma reflexão complexa sobre a liberdade, a fé, a responsabilidade, o perdão e o amor.
Adaptado do romance da escritora inglesa Naomi Alderman, o filme teve o roteiro escrito pelo próprio diretor e Rebecca Lenkiewicz (de “Ida”), que conseguiram criar diálogos naturais e humor, o que muitas vezes alivia o peso das situações vividas pelos personagens.
Sem julgamentos morais, o filme coloca em foco a tolerância, a compaixão e a complexidade das decisões que são tomadas.
Um dos melhores filmes do ano.

terça-feira, 19 de junho de 2018

Dovlátov



“Dovlátov”- Idem, Rússia, Polônia, Sérvia, 2018
Direção: Aleksei Guerman Jr

Estamos na antiga União Soviética, atual Rússia, em 1º de novembro de 1971, em Leningrado, atual São Petersburgo. Vamos ficar seis dias por lá e vai ser necessário ter paciência com o ritmo do filme porque isto é essencial para que o diretor possa passar para a plateia o clima psicológico que as pessoas vivem nesse momento.
Um homem jovem aparece na tela. E escutamos em “off ”:
“- Fui expulso da escola... fui carcereiro... a relativa liberdade dos anos 60 acabou. Nem eu nem meus amigos podemos publicar nada do que escrevemos. Os anos 70 começam com uma geada...”
Trata-se do poeta e escritor russo de ascendência armênia e judeu, Serguei Dovlátov (!941-1990), que caminha com seu cachorro no colo numa neblina que será onipresente durante todo o filme. Ele é interpretado por um ator sérvio, excelente, Milan Moric, que foi dublado já que não fala russo.
O escritor Dovlátov não pertence à União dos Escritores, já que seus escritos não são aprovados por seus chefes. E então não pode ser publicado.
Ele e seus amigos sobrevivem como podem, pedindo dinheiro emprestado, escrevendo artigos sobre animais e entrevistas com operários. São dissidentes do regime e estão
Vivendo ou morrendo à mingua. Outros emigraram para o Báltico.
O clima do filme é melancólico, faz muito frio mas há um certo humor nas conversas regadas a muita bebida, ao som de jazz cantado tristemente.
Outro aniversário da revolução está sendo celebrado. Há feriados. Mas não há liberdade no país sob o comando de Brejnev.
Dovlátov está se separando da mulher, Lena (Helena Sujecka). A filha pequena, Katya, quer uma boneca do seu tamanho e a pede ao pai. Ele pergunta a todos que encontra onde pode achar a tal boneca, mesmo sabendo que não pode comprá-la. Há desejos insatisfeitos em toda a parte. Mas não há revolta.
Dovlátov exilou-se nos Estados Unidos nos anos 80 e lá conseguiu ser publicado em russo, ficou famoso e hoje em dia é um dos autores mais lidos na Rússia, onde só foi publicado depois de sua morte, aos 48 anos.
O filme de Aleksei Guerman Jr, exibido no Festival de Berlim desse ano, ganhou o Urso de Prata, prêmio para a melhor contribuição artística.
No circuito comercial europeu, “Dovlátov” obteve algum sucesso e foi visto como uma obra de contestação ao governo Putin, que também usa de censura para calar os que se colocam contra o governo.
Agora, como antes, há um regime autoritário no país, que viveu sob os czares e o comunismo. Alguns são muito ricos, outros muito pobres e a corrupção é constante como a neblina que envolvia Dovlátov em Leningrado.
O filme tem imagens de um sonho melancólico onde nada de bom pode acontecer. Dirige-se a um público especial.


domingo, 17 de junho de 2018

Minha Amada Imortal



“Minha Amada Imortal”- “Immortal Beloved”, Reino Unido, Estados Unidos, 1994
Direção: Bernard Rose

Quem foi a “amada imortal” de Ludwig van Beethoven (1770-1827)? A carta endereçada a ela foi encontrada entre os pertences do compositor depois de sua morte, aos 56 anos, devido à falência do fígado. Dizem que ele tinha hepatite crônica e bebia muito.
Apesar da fama de feio, Beethoven teve muitos casos amorosos, dado o carisma de sua personalidade e a fama que tinha. No filme, interpretado com talento por Gary Oldman, podemos ter uma ideia sobre seu temperamento violento mas também romântico.
Seus biógrafos escrevem que ele começou a sentir mais fortemente o comprometimento da audição aos 25 anos e que aos 46 estava completamente surdo. Mas continuava compondo. Parece que a surdez deveu-se a uma doença na infância e aos maus tratos do pai, que batia nele na cabeça, exigindo que estudasse quatro horas ao piano por dia. Ele queria exibir o filho como menino prodígio, tal Mozart, mas não teve êxito. Chegou até a mentir a idade do menino e o próprio Beethoven pensava que era dois anos mais moço do que realmente era.
Muito jovem, tornou-se arrimo de família, dado o alcoolismo do pai. Mas sempre estudou piano e aos 12 já compunha.
O filme mostra o empenho de seu secretário e amigo, Anton Schindler, na procura de quem seria a mulher para quem Beethoven escrevera a carta. Jeroen Krabbé faz Schindler, devotado a essa causa, último desejo de Beethoven.
Ele vai atrás de Giulietta Guicciardi (Valeria Golino), que era sua aluna e para quem o compositor dedicou a “Sonata ao Luar”, da húngara Anna Marie Herdody (Isabella Rossellini) e de Johanna ter Steege (Johanna Reiss), que se casou com o irmão de Beethoven. Até hoje há desacordo entre os biógrafos sobre a identidade dessa mulher. O mistério permanece.
O diretor Bernard Rose escreveu o roteiro em ordem cronológica e há “flashbacks” sobre a vida do compositor.
A cena mais bela acontece depois que o menino leva uma surra do pai, foge de casa e vai até o lago, iluminado pelas estrelas. Ele boia entre as luzes do céu enquanto ouvimos os acordes da “Nona Sinfonia” que quase todos consideram sua obra prima.
Belo filme sobre um gênio, dono de uma música divina.


sábado, 16 de junho de 2018

Do Jeito que Elas Querem




“Do Jeito que Elas Querem”- “Book Club”, Estados Unidos, 2018
Direção: Bill Holderman

Se você quiser passar umas duas horas em boa companhia, vá ver esse filme. Nada mais, nada menos que quatro mulheres carismáticas, maravilhosas, atrizes de primeira linha, levam a plateia a rir com elas, mesmo quando a piada é conhecida. Tudo que elas fazem na tela é sedutor e de bom gosto.
O diretor estreante e também roteirista, é o jovem Bill Holderman que produziu e também escreveu o roteiro  de “Uma Caminhada na Floresta” de 2015, que está no Netflix com Robert Redford. Apesar dos preconceitos, ele conseguiu impor suas quatro atrizes, Jane Fonda, 80, Diane Keaton, 72, Candice Bergen, 72 e Mary Steenburger, 65. Porque parece natural falar de sexo e homens mais velhos com garotas mas não o contrário, ou mesmo com homens maduros.
E o filme que custou 10 milhões de dólares, rendeu 58 nas três primeiras semanas nos Estados Unidos, desbancando os tabus.
A história é simples. As quatro amigas se reúnem uma vez por mês em Los Angeles para conversar sobre o livro que leram, beber vinho branco e falar sobre suas vidas. Começaram nos anos 70 com “Fear of Flying” de Erica Jong, grande sucesso na época.
Jane Fonda é Vivian, dona de um hotel de luxo, onde mora solteira. Diane Keaton é Diane, viúva recente, que tem duas filhas que insistem em tomar conta dela. Candice Bergen é Sharon, que é juíza federal, divorciada há 18 anos. E Mary Steenburger é Carol, uma “chef” casada com o homem que ama mas que é aposentado da vida.
Jane Fonda e a única que faz sexo ocasional e não quer saber de compromissos. O filme começa quando ela reencontra Arthur (Don Johnson), um flerte que ela não via há 40 anos.
Ela leva o livro “Cinquenta Tons de Cinza” para dar para as amigas. Será o livro do mês. Todas reclamam. Ouviram falar do livro mas não querem ler.
“- Eu escolhi. Cinquenta milhões vendidos. Quando for a vez de vocês, tragam aqueles livros deprimentes. Dessa vez é esse! ” diz Vivian.
E assim fazem. E todas se surpreendem gostando de saber o que acontece com Anastasia Steele e Christian Grey naquele quarto tão falado. Não é segredo nenhum que mulheres gostam de fantasias sadomasoquistas. E nossas quatro amigas começam a despertar para o sexo oposto, cada uma à sua maneira.
Assim, Andy Garcia é Mitchell, piloto de avião que vai encantar Diane Keaton. Craig T. Nelson é Bruce, marido aposentado da carente Carol que tenta entusiasmá-lo para a cama. E Richard Dreyfuss é George, que a juíza Sharon encontra num site de relacionamentos.
O filme é leve, bem cuidado e fotografado para valorizar cada uma das atrizes, belos cenários, mas o principal é que elas são ótimas. Olhar para elas e sentir a graça e a energia no que dizem e fazem é um bom alívio, apesar de momentâneo, para os dias que vivemos.


quarta-feira, 13 de junho de 2018

Anna Karenina - A História de Vronsky



“Anna Karenina - A História de Vronsky”- “Anna Karenina - Istoriya Vronskogo”, Rússia, 2017
Direção: Karen Shakhnazarov

A novela “Anna Karenina” de Leon Tolstoi, um dos maiores escritores russos, foi publicada em fascículos de 1873 a 1877 no jornal “The Russian Messenger”, até ser lançada como livro em 1877.
A personagem principal, uma mulher casada da alta sociedade, vive o tema da infidelidade conjugal, um amor proibido, sem medir as consequências. Vai pagar um alto preço por isso.
Estamos na Rússia czarista e a religião e as regras não escritas regem o comportamento das pessoas.
A mesma história do romance de Tolstoi vai ser contada nesse filme russo atual mas com uma inovação. Vamos ouvir e ver em “flashbacks” o que aconteceu, levados pela memória do Conde Alexei Vronsky (Max Matveev), 30 anos depois do acontecido e a pedido do médico Sergei Karenini (Kirill Grebenchikov), filho de Anna, que só sabe de coisas ruins a respeito de sua mãe.
O filme começa em 1904, na Manchúria, onde o exército russo enfrenta o japonês.
O Conde Vronsky ferido, recebe a visita de Sergei, que conhecera criança, e que pede a ele que fale sobre sua mãe. Quer saber sobre ela pela boca do homem que a amou. Como viveu com o pai Karenin (Vitaly Kishchenko), sem nenhum contato com a mãe, o filho a vê sob a luz dos sentimentos daquele que foi abandonado e enganado e negou-se a dar o divórcio.
“- Eu costumava odiá-la. Tudo que ouvi dela foi de pessoas que a odiaram. Nunca entendi por que fez aquilo. Uma morte tão horrível? ”
“- Como sabe que vou dizer a verdade? No amor não existe verdade...” responde o Conde.
“- Conte-me a sua verdade. ”
E vamos escutar a história daquele amor fatal entre uma bela mulher, casada e com um filho pequeno e um aristocrata másculo, bonito e rico. Anna e Alexei vão viver uma paixão tumultuada em cenários suntuosos, cercados de luxo e beleza, em palácios ornados de belos mármores, estátuas majestosas e afrescos gigantescos como os que adornavam a biblioteca da casa de Karenin, marido de Anna, em Saint Petersburgo.
Ela, morena, pele muito branca, olhos azuis e covinhas quando abre seu sorriso sedutor. Tem um corpo esguio e flexível e se veste com elegância e bom gosto, em sedas e rendas preciosas, peles, veludos em azuis, verdes e tons de vermelho que realçam sua figura sensual. O rosto encantador muitas vezes é coberto com um véu de renda. Anna Karenina é misteriosa e adorável, como a descreve o Conde quando a viu pela primeira vez, em 1871.
Na cena do baile, inesquecível, os dois dançam a valsa, embevecidos ambos, seguindo a coreografia e se destacando dos demais, escandalizando aquela sociedade machista, pudica e maldizente. Como ousa uma mulher casada se entregar a tal desfrute?
Anna ama essa embriaguez da paixão. E não hesita em entrar em choque com preconceitos. Antes, parece ávida para viver a vida num rodopio.
Mas é quase como se o Conde Vronsky servisse de pretexto para o desencadeamento de pulsões autodestrutivas em Anna. Um lado escuro aflora naquela mulher intensa, que a levará a seu fim trágico.
Nunca ninguém saberá o que a levou àquele surto insano?
Misteriosa e adorável, ela permanecerá para sempre um enigma? Ou talvez seria o exemplo de uma insatisfação perniciosa, numa personalidade frágil, afogada em culpas?
O filme russo é intenso e envolvente, com belas cenas nos palácios e no teatro, nas corridas de cavalo e nas ruas da cidade com carruagens levadas por cavalos em galope, filmados em câmera lenta.
Um filme original, já que conta a história conhecida de outro ponto de vista, com imagens belíssimas e atuações comoventes.


sábado, 9 de junho de 2018

Oito Mulheres e um Segredo




“Oito Mulheres e um Segredo”- “Ocean’s 8”, Estados Unidos, 2018
Direção: Gary Ross

Cuidado com elas. Agora, até no crime as mulheres estão competindo com os homens.
Com inteligência, senso de oportunidade, criatividade e companheirismo, sem quebrar nem sequer uma unha e ninguém ir parar no hospital, elas conseguem o que seria impossível. Mas nada de cassinos em Las Vegas. Aqui temos um plano bem feminino envolvendo um objeto do desejo de toda mulher poderosa: diamantes.
O projeto foi criado por Debbie Ocean (Sandra Bullock), irmã de Danny Ocean (George Clooney) do filme de Steven Soderbergh “Onze Homens e um Segredo” de 2001. Ela usou seus 25 anos, 8 meses e 12 dias na prisão para pensar e chegar à conclusão que seria possível roubar um maravilhoso colar de diamantes da Cartier, o “Toussant”, com três quilos de pedras, valendo 150 milhões de dólares.
Mas como chegar a uma joia guardada no subterrâneo blindado da Cartier num cofre ultra protegido?
Debbie encontra-se com sua amiga Lou (Cate Blanchett, divina) e elas conseguem formar um time de oito mulheres especiais, cada uma craque em uma área necessária para resolver cada ponto do projeto que precisava ser detalhado.
Porque a ideia de Debbie é roubar o colar em pleno “Gala” do Museu Metropolitan de Nova York, para o qual são convidadas as celebridades do momento.
Então a primeira dificuldade já parece intransponível. Como estar lá dentro no jantar mais exclusivo do ano?
O filme é interessante pela maneira ardilosa como elas derrubam cada um dos obstáculos. As especialistas são chamadas uma a uma. Assim, há uma joalheira indiana que entende de pedras, Amita (Mindly Kaling), uma esperta ladra de rua, Constance (Awkwafina), uma receptadora que se infiltra na revista Vogue, Tammy (Sarah Paulson), a hacker Bola 9 (Rihanna), e a estilista irlandesa Rose Weil (Helena Bonham Carter) que vai fazer o vestido, que será usado com o famoso colar, para a badalada atriz Daphne Kruger (Anne Hattaway) , figura importante do plano.
Os homens que participam da história tem pouco espaço mas são indispensáveis para que ocorra uma vingança (Richard Armitage) e para um deles ser feito de bobo (James Corden).
Talvez o filme agrade mais às mulheres porque, além do plano bem bolado e executado com maestria, elas vestem roupas fabulosas (figurinos de Sarah Edward), como o vestido cor de jade de Cate Blanchett, que é a mais elegante, inclusive quando veste um terninho azul céu bem ajustado no corpo ou o blusão de roqueiro com calça de couro e mesmo o blaser de veludo verde esmeralda que realça a cor  dos olhos dela. Sandra Bullock sai da prisão com um vestido negro transparente bordado e um maxi casaco dramático.
No jantar do MET, a capa de Anne Hattaway combina com seu colar fabuloso e ela fica linda tanto de frente quanto de costas, para delírio dos fotógrafos.
No local do jantar está havendo, na sala ao lado, uma exposição de joias e vestidos da realeza europeia mas ninguém dá muita bola porque todos querem ver e ser vistos no jantar.
E esperem uma surpresa que torna o final mais saboroso.
“Oito Mulheres e um Segredo” não é um grande filme mas é bom entretenimento. Leve e divertido.


quarta-feira, 6 de junho de 2018

Uma Janela para o Amor




“Uma Janela para o Amor”- “A Room with a View”, Reino Unido, 1986
Direção James Ivory

“O mio babbino caro” canta a soprano no início do filme da dupla Ismail Merchant (1936-2005), produtor e James Ivory, diretor. E quem conhece a ária pensa logo em Florença.
Estamos no começo do século XX e duas inglesas chegam na pensão recomendada. Mas, para desapontamento da jovem Lucy Honeychurch (Helena Bonham Carter) e sua acompanhante Charlotte Bartlett (Maggie Smith, esplêndida, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante), a prometida janela para o rio Arno não acontecera. Seus quartos não tem vista.
Apressam - se para o jantar onde, além do reverendo Beebe (Simon Callow), não conheciam mais ninguém entre os hóspedes sentados à mesa. Conversa vai e vem e elas comentam sua decepção com os quartos.
Imediatamente, Mr Emerson (Denholm Elliot) que está acompanhado pelo filho George (Julian Sands), oferece seus dois quartos com vista para as duas embaraçadas inglesas que, depois de recusarem com educação e dada a insistência do reverendo, aceitam a oferta com entusiasmo.
E lá vão elas para seus quartos de janelas com a vista mais linda de Florença.
E começam as visitas turísticas aos monumentos, fontes, igrejas, ruas e arredores da cidade.
Quando Lucy resolve sair sozinha e vai descobrir a grande praça, presencia uma briga entre italianos e acontece uma morte. Ela desmaia e é amparada por George que percebe a presença da moça e seu susto.
A proximidade dos corpos cria um clima sensual entre eles. Os rostos brilham e o calor dos corpos se faz sentir. É o desejo brotando inesperadamente.
Porém Lucy não quer acreditar em seus sentimentos. Foge.
Entre os ingleses da pensão está uma escritora (Judy Dench) que veio à Itália para se inspirar para seu próximo romance. E aquele casal de jovens parece bem interessante. A prima Charlotte fica horrorizada quando essa outra inglesa faz alusão a romance entre o par de jovens.
Um beijo roubado num piquenique, longe da vista dos outros, mostra que George está apaixonado e não esconde isso. Mas Lucy, que não evita o beijo, convence a si mesma que aquilo não queria dizer nada. Conta o acontecido à prima Charlotte que, escandalizada, começa a fazer as malas imediatamente. Resolvem voltar à Inglaterra sem mais um dia em Florença. E com elas vai o segredo do beijo, guardado a sete chaves.
Lucy, que se faz de forte, é infantil e medrosa. Só se percebe  o ardor de seu temperamento quando, ao piano, toca Beethoven com força e  calor. Mas, na vida, finge para si mesma e refugia-se no noivado com Cecil Vyse (Daniel Day Lewis, numa ponta, magnífico), frio e pomposo, que trata Lucy como se já fosse sua propriedade. E implica com tudo que ela gosta.
Mas o amor teima em aparecer e Lucy vai ter uma surpresa quando a vila ao lado da casa dela receber novos ocupantes.
E.M. Foster (1879-1970) escreveu o livro, adaptado para o cinema pela roteirista Ruth Prawer Jhabuala, aos 29 anos, seu terceiro romance. O autor criticava a moral vitoriana e colocou, no personagem do pai de George, a figura de um livre pensador. Ou seja, ele condenava as convenções sociais puritanas que achava que eram uma trava à vida. Aquilo que fazia com que Lucy não pudesse reconhecer prontamente seus próprios sentimentos com relação ao jovem George.
O filme foi indicado a oito Oscars e levou três: melhor roteiro adaptado, melhor direção de arte e melhores figurinos.
“Uma Janela para o Amor – A Room with a View” é um clássico do cinema.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

A Amante




“A Amante”- “Hedi”, Tunísia, Bélgica, França, 2016
Direção: Mohamed Ben Attia

A Tunísia é um país do norte da África, banhado pelo Mediterrâneo. Foi lá que começou a Primavera Árabe e o resultado foi a queda do regime de Ben Ali e uma transição democrática. Porém o país vive uma crise econômica.
Mas Mohamed Ben Attia, diretor e roteirista, não quer falar diretamente de política em seu filme. Seu foco é um rapaz de 25 anos, Hedi, que vai viver uma crise existencial num lugar onde a tradição ainda comanda a vida das pessoas, apesar dos ventos de liberdade.
Ele é vendedor de carros Peugeot mas logo vemos que seu trabalho não o entusiasma. Vai casar-se logo e fica sabendo que terá que adiar a lua de mel por causa da crise. Mas isso não parece afetá-lo.
Durante uma visita à casa da noiva de Hedi, podemos notar que sua mãe Baya (Sabah Bouzouita) é quem manda em sua vida. Esse casamento é arranjado e planejado sem a participação do filho. Hedi obedece. Parece que para ele tanto faz.
Khedija (Omnia Ben Ghali), a noiva, é uma moça bonita mas quase tão indiferente a Hedi quanto ele a ela. Em seus poucos encontros no carro dele à noite, não há nenhum sinal de paixão e a conversa é superficial e desanimada. Ela só mostra entusiasmo nas mensagens que envia para o celular de Hedi. Parece outra pessoa.
A paixão de Hedi são seus desenhos que sonha publicar um dia numa revista de quadrinhos. Mas sua mãe desdenha desse “hobby”. É evidente pela conversa na casa da noiva que a mãe não considera Hedi um filho de quem se orgulha, diferente do mais velho a quem ela só tece elogios. Falam todo dia pelo Skype porque ele mora na França e casou por lá. Conta, mentindo, que o maior desejo desse filho é voltar para casa.
Bem, tudo se daria conforme o que quer a mãe de Hedi, se não fosse por um encontro casual num hotel em Mahdia, onde Hedi fora enviado para prospectar novos clientes.
Ao ver a bela dançarina Rim (Rym Messaoud) no cenário tropical do palco ao ar livre, sorrindo ao cantar e dançar para os hóspedes, Hedi descobre pela primeira vez na vida o que é o poder de atração que uma mulher pode exercer sobre um homem.
A química entre os dois é perfeita e Hedi se apaixona a poucos dias do seu casamento. Aflora sua espontaneidade e ele se mostra carinhoso com Rim, que é um pouco mais velha do que ele. Eles se divertem e riem o tempo todo.
Mas ao viver toda essa felicidade e prazer, desconhecidos para ele até então, Hedi também vai ter que enfrentar seus limites como pessoa e decidir o que vai fazer com sua vida.
No Festival de Berlim o filme ganhou o Urso de Prata como melhor filme de diretor estreante e O Urso de Prata para o melhor ator, Majd Mastoura, que faz o papel principal.
Com o selo de qualidade dos irmãos Dardenne que figuram como produtores, “A Amante” é um interessante estudo psicológico do homem na tradição muçulmana, tão sujeito quanto a mulher à sua força, representada pela família.

sábado, 2 de junho de 2018

Paraíso Perdido




“Paraíso Perdido”, Brasil, 2017
Direção: Monique Gardenberg

Uma cortina vermelha iluminada e um bolero romântico são a apresentação sedutora do filme que vamos ver.
O grandão Erasmo Carlos docemente apresenta seu cabaré:
“- Esqueçam a vida lá fora e sejam felizes aqui no Paraíso Perdido, lugar para aqueles que sabem amar. “
Mas a cena corta para um “flashback” que só vamos entender depois. Uma mocinha grávida, com o rosto machucado, dá um tiro em alguém que está numa cama, flagrada por um menino que se esconde.
Há um amor que exige vingança? Violência gera violência.
E somos reconduzidos ao palco onde canta Ímã (Jaloo) num vestido longo cor de rosa, peruca de cabelos escuros e franja. Doçura e sensualidade nos envolvem, atraídos pela voz suave. Olhares são trocados com um rapaz na plateia (Humberto Carrão) que segue o vestido rosa até a rua. Trocam beijos que vão se tornando mais quentes. Mas o rapaz empurra o objeto do seu desejo e foge.
E lá, no espaço fora do ninho, irrompe a violência covarde. No chão, Ímã, agredida por homens anônimos, é acudida por um anjo da guarda, como diz o avô José (Erasmo Carlos). Odair (Lee Taylor) é policial de dia e é contratado para proteger Ímã à noite.
Aparece outro tipo de violência, aquela que não admite o diferente que exerce o desejo proibido.
Aos poucos, vamos conhecendo a família de José: o filho Ângelo (Júlio Andrade) que canta tão bem as músicas de amor magoado é pai de Celeste (Júlia Konrad) que está grávida do namorado. Ângelo é também irmão de Eva (Hermila Guedes), que vai aparecer depois, mãe de Ímã. Seu Jorge faz o irmão adotivo.
O cabaré no Baixo Augusta é o refúgio dessa família que viveu e ainda vive dores de amores e violências. Mas há entre eles muita solidariedade e respeito. É como se nos ensinassem que cada qual precisa aprender a viver a própria vida e perdoar, porque o amor não existe sem desencontros. Nessa família, vítimas de todo tipo de violência apontam para a tragédia da vingança e a necessidade de perdão que quebra esse ciclo perverso.
Monique Gardenberg conseguiu reunir um elenco extraordinário e todos tem seu momento de protagonista. E a música romântica, de gosto popular, costura as histórias através das canções que são apresentadas no palco iluminado por cores de Almodóvar e David Linch. São sucessos como “De que vale tudo na vida” e “Todo sujo de batom” na voz bonita de Júlio Andrade, grande ator e até agora desconhecido como cantor. Ou “Amor Marginal” que Jaloo interpreta com um vestido prateado e peruca platinada num lindo visual, sem esquecer de “You’re so vain” sucesso dos anos 70 traduzido do inglês que virou “Você vem”. Isso para não falar de Erasmo em “Quem tudo quer nada tem”, fazendo tão bem o personagem do avô e pai amoroso.
A luz de Pedro Farkas cria o clima de paraíso com cores delicadas e pinta de realidade o espaço fora do palco.
Os figurinos de Cassio Brasil são originais e vestem cada personagem de acordo com sua personalidade. Destaque para o paletó de veludo com rosas de Seu Jorge e a jaqueta de couro azul turquesa que veste Júlio Andrade e todos os visuais de Ímã.
Zeca Baleiro é dono da produção musical que ajudou a diretora a achar a trilha sonora ideal para o sonho dela.
Saímos felizes de “Paraíso Perdido”, um filme bem Brasil, que traz esperanças e nos encanta nesses tempos tão difíceis.