quarta-feira, 29 de abril de 2020

Viver Duas Vezes


“Viver Duas Vezes”- “Vivir Dos Veces”, Espanha, 2019
Direção: Maria Ripoli

Acontece na vida de algumas pessoas algo singular. O tempo passa e elas não se esquecem de alguém que teima em voltar em sonhos ou até mesmo quando algo banal acontece e tem alguma relação com o passado.
Justamente porque quase nada aconteceu, essa pessoa fica na lembrança como um não acontecido que, muito alimentado por sentimentos ilusórios, emociona mais do que lembranças de algo vivido. Torna-se uma fantasia que incomoda mas ao mesmo tempo é cara ao coração.
É um fenômeno de vidas paralelas. Ou seja, a mente leva-nos a imaginar como seria a vida não acontecida que sempre brilha mais do que aquela vida que vivemos.
Em “Viver Duas Vezes” o professor de matemática da Universidade, Emilio Pardo (Oscar Martinez), aposentado e viúvo, que tem no currículo a descoberta de um número primo, leva uma vida metódica e sem graça. Seu passatempo preferido é o sudoku que ele chama de Quadrado Mágico e que resolve laboriosamente um atrás do outro, desde menino. No mais é rabugento e não aprecia a companhia de ninguém. Nem da família. Vive só e gosta disso.
Vez por outra vem à sua mente a lembrança de um dia de verão à beira mar quando ouve uma garota cantar uma música que ele conhecia. Ela o convida para ir à praia mas ele responde que tem que estudar. Estava decifrando um sudoku e não dá muita atenção à menina chamada Margarita, bela e simpática.
E tudo vai bem até que um dia, saindo do pequeno restaurante onde sempre toma café da manhã, ele tem um branco e não se lembra mais do caminho para voltar à casa.
Diagnosticado como sofrendo de Alzheimer tem que mudar-se de má vontade para a casa da filha Julia (Inma Custa) que também tem que esforçar-se para ser uma boa filha. Eles sempre foram muito diferentes e os poucos momentos de intimidade que Julia se lembra com o pai foram as aulas de matemática e química para ajudá-la no colégio.
A neta, Blanca, adolescente que se dá melhor com o avô, é tão realista quanto Emilio e também não mostra auto piedade com o seu problema de deficiência física.
É manca e faz piada com isso. Uma defesa, claro, assim como o jeito do avô de estar sendo sempre irônico com sua doença. Os dois ficam muito amigos.
Até que um dia Emilio pede algo inusitado à filha. Precisa procurar Margarita antes de esquecê-la e perguntar se ela ainda pensa um pouco nele.
O choque da filha é enorme mas acede ao desejo do pai. O preço a pagar foi o de enfrentar a crise em seu próprio casamento.
Maria Ripoli faz um filme singelo e comovente, com diálogos afiados do roteiro de Maria Minguez, atores competentes, principalmente Oscar Martinez, que não faz uma caricatura mas um retrato sincero e fiel da doença que acomete aos poucos o professor de matemática e o sofrimento que decorre disso.
E uma intrigante cena final nos espera. Sonho ou realidade? Não importa. É delicada e emocionante.

domingo, 26 de abril de 2020

O Céu é Rosa


“O Céu é Rosa”- “The Sky is Pink”, Índia, 2019
Direção: Shonali Bose

“- Estou morta. Mas vamos esquecer isso? ”diz uma garota de voz travessa.
Essa é uma história verídica. Aisha Chaudhary realmente existiu e foi vítima de uma doença genética rara que a levou aos 18 anos de idade. Ela é a narradora do filme, o que pode causar estranheza em alguns mas isso foi um ótimo achado do roteiro, escrito pela diretora Shonali Bose e Nilesh Maniyar. Assim, conseguiram dar leveza a um tema que nos toca a todos mas que é desconfortável para a maioria.
O espectador brasileiro tem pouco contato com os filmes de Bolywood, como são chamados os estúdios indianos.
Mas, apesar de muito vistos na própria Índia, que tem uma população de mais de um bilhão de pessoas, começam a querer ganhar terreno principalmente nos Estados Unidos. Costumavam ser filmes que eram interrompidos na narração por dança e música, o que acontece também nesse “O Céu é Rosa” mas de forma mais leve e natural.
Aqui é contada a história de um casal que se ama, Aditi (Priyanka Chopra Jonas, atriz ótima e belíssima) e Niren (Farhan Aktar). Quando Aditi descobre que está grávida começa o drama porque, convertida ao cristianismo, se recusa a abortar. Mas por que aquela criança não poderia nascer? O medo todo é que uma doença genética rara, que já tinha sido a causa da morte deTanya, muito cedo, levasse também o novo bebê.
Mas Aisha (Zaira Wasim) conta de forma nada trágica seus primeiros meses de vida, até fazendo piada sobre ela mesma e a preocupação dos pais. Constatada a doença, foi necessário fazer uma arrecadação pública de doações, já que o tratamento era caríssimo.
O pai foi o doador da medula óssea e Aisha teve que fazer a quimioterapia. A mãe e a bebê ficaram em Londres. O pai voltou mas o irmão sente falta da mãe.
Através das falas em um telefonema entre a mãe e o filho, entendemos o título do filme. Ele conta que pintou de rosa o céu do desenho e que todos disseram que a cor estava errada, já que o céu é azul. A mãe entendeu a queixa percebendo que a cor rosa do céu era a fantasia de estar com a mãe e ser a bebê Aisha, o centro das atenções dela.
A diretora acertou quando escreveu o roteiro em “flashbacks”e “flashforwards”’, dando assim dinamismo e suspense ao que é contado.
Aisha tornou-se conhecida pelas palestras motivacionais que ela fazia, contando sua história e o convívio com sua doença. Falava muito naturalmente sobre a morte, que é algo que todos vamos conhecer, mais cedo ou mais tarde, e o quanto isso faz com que cada dia seja precioso. Ela também escreveu um livro ilustrado com seus desenhos.
“O Céu é Rosa” mostra como o cinema da Índia pode ser universal e comover plateias que nunca tinham tido contato com esse belo país, onde vivem pessoas que ultrapassam suas dificuldades com muita sabedoria.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

O Milagre



“O Milagre”- “Mucize”, Turquia, 2015
Direção: Mahsun Kirmizgul

Quem já visitou a Turquia sabe o belo país que nossos olhos descobrem. Istambul, a entrada da Europa para a Ásia, já foi Bizâncio e Constantinopla e é tão fascinante que nos perdemos nos brilhos das águas do Bósforo nas noites de lua e ficamos deslumbrados nas visitas à Agia Sofia, Mesquita Azul, o palácio Topkapi e o Grande Bazar.
Mas a história desse filme se passa no interior da Turquia, nos anos 60, logo após o golpe militar, o primeiro da história moderna do país.
As belezas lá são outras. Cadeias de montanhas de pedras altíssimas, nevadas em seus picos e um grande lago azul são o cenário onde vai acontecer o “milagre” do título do filme. Não do jeito que entendemos os milagres que precisam de santos para intermediar os acontecimentos. Aqui os milagres que acontecem são devidos ao amor e à solidariedade entre as pessoas.
Um professor (Talat Bulut) é nomeado pelo governo para ensinar num vilarejo nas montanhas. Ele vai sozinho porque a mulher e as duas filhas se recusam a deixar suas vidas na cidade. Mas ele decide que vai. É seu dever. Faz parte de sua carreira e não haverá aposentadoria se recusar o posto.
E lá vai ele, de terno e gravata, no ônibus que leva gente e galinhas, sacolejando por uma estrada mal conservada. E uma surpresa no final. O professor fica sabendo que dali teria que seguir à pé porque a estrada para o vilarejo ainda não fora construída.
Ele olha para as duas montanhas que teria que atravessar, além do rio e quase desanima. Mas é verão, os campos estão verdes e com a mala na cabeça e calças arregaçadas, ele atravessa o rio andando.
Um bom tempo depois, ele avista o vilarejo e outra surpresa o espera. Todos os homens armados, o esperam. Afinal ele é um estranho. Mas ficam felizes quando escutam sua explicação de que veio da cidade nomeado como professor pelo governo.
Os chefes do vilarejo se entreolham quando o professor pede para ver a escola. Porque a escola prometida nunca fora construída.
Qualquer outro menos imbuído do dever teria dado meia volta e partido para onde viera. Mas não aquele professor. E a escola é construída com a ajuda dos temidos bandoleiros, o povo da montanha, sempre armados e montados em seus cavalos. Que desmontam e erguem a escola. Um milagre.
Mas o maior milagre que aconteceu foi a relação do professor com Aziz, o filho caçula do chefe do vilarejo, considerado deficiente. Não falava e tinha grande dificuldade para andar por causa dos movimentos espásticos. Seu único amigo era um belo cavalo negro com quem diziam que ele conversava.
Quando o professor conseguiu conquistar sua confiança a vida de Aziz começou a mudar.
O cenário natural é belíssimo e as pessoas parecem pertencer ao local do vilarejo com suas roupas coloridas e típicas. Custa a crer que são atores.
E quem mais se destaca é Mert Turak que interpreta Aziz, “o louco da aldeia”, que vai ser tratado como deveria pelo professor, que encontra o caminho para fazer aparecer o que se encontrava oculto nele.
“O Milagre”, dirigido e roteirizado por Mahsun Kirmizigul é um filme bem cuidado, que faz o espectador conhecer um lugar, uma cultura e uma tradição diferentes das nossas e principalmente se emocionar com uma história bem contada.

terça-feira, 21 de abril de 2020

Só Você



“Só Você”- “Only You”, Estados Unidos, 1994
Direção: Norman Jewison

Por que será que comédias românticas fazem tanto sucesso? Certamente porque todo mundo, lá no fundo, cultiva seus sonhos de amor.
É o caso da personagem de “Só Você”, Marisa Tomei, que desde pequena se preocupa com quem vai se casar. Brincando com o irmão aos 11 anos com uma daquelas tábuas Ouija, que “respondem” a perguntas que fazemos através de letras, Faith (que significa fé em inglês) recebe um nome como resposta.
Pronto. Lá vai ela com esse nome “Damon Bradley” na cabeça, a imaginar como seria ele, sua alma gêmea. Fica certa de que isso vai acontecer quando uma cigana, vidente de circo, vê na sua bola de cristal o nome secreto. Se bem que ela acrescenta que seria bom Faith procurá-lo. Até então a menina imaginava que ele iria aparecer do nada à sua procura. O conselho foi seguido mas não resultou em nada. Ninguém conhecia um Damon Bradley.
Faith resignou-se, tocou a vida e resolveu dizer sim a um médico bem sem graça.
Dias antes do casamento entretanto, ela atende ao telefone do noivo e é um paciente dele chamado Damon Bradley, cancelando sua consulta por causa de uma viagem naquele dia para Veneza.
Sem fala, Faith desliga o telefone em estado de choque. E o sonho de encontrar a alma gêmea volta com tudo.
Decidida, arrasta consigo a cunhada Kate (Bonnie Hunt) em crise no casamento, ao aeroporto com destino à Veneza onde está certa de que encontrará o seu par destinado pelos céus.
O roteiro tem confusões bem escritas e um passeio pela Itália. Em Veneza elas se hospedam no Hotel Danielli, um dos mais famosos da Itália. Dali seguimos a perseguição em Roma e ficamos encantados com o beco onde está o hotelzinho charmoso onde as duas ficam. Vamos à Bucca de la Veritá onde Marisa Tomei e Robert Downey Jr, o guia, lembram-se de uma cena com Audrey Hepburn e Gregory Peck, em “A Princesa e o Plebeu”. E desfrutamos da visão de praças com fontes, escadarias e estátuas belíssimas. Roma é muito fotogênica.
Seguindo uma pista vamos parar em Positano, no hotel La Sirineuse, debruçado sobre o mar, um dos mais famosos da Itália.
Sempre atrás do homem de sua vida, Faith leva muito tempo para perceber o que acontece com ela. É a lição do filme. No amor, não siga nada que não seja seu próprio coração.
O sorriso aberto e contagiante de Marisa Tomei, o jeitinho engraçado de Robert Downey e até a coadjuvante Bonnie Hunt, que se contagia com o clima de romance, fazem de “Só Você” um filme gostoso de ver, divertido e com uma qualidade de atuações, direção e locações raras nas outras comédias românticas menos votadas.


sábado, 18 de abril de 2020

Sergio



“Sergio”- Idem, Estados Unidos, 2020
Direção: Greg Barker

Ele se foi cedo demais.
Sergio Vieira de Mello (1948-2003), um brasileiro dono de uma liderança carismática, movido por compaixão e empatia em seu trabalho como Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, poderia ser útil para o Brasil de hoje, tão pobre em líderes humanistas.
Aqueles que o conheceram contam como ele tinha um jeito especial de lidar com as pessoas, de forma a se comunicar para querer entender aqueles que sofrem e ajudar sem necessidade de fazer brilhar o próprio ego.
Filho de diplomata, morou em muitas cidades pelo mundo, conheceu gente de todo tipo e estudou filosofia em Paris para melhor entender a natureza humana. Não tomava partido até entender a causa dos conflitos. E tentava fazer a paz onde antes havia ódio.
Seu trabalho com pessoas vítimas de guerras o levaram em missões da ONU para Bangladesh, Chipre, Moçambique, Líbano e Camboja.
Seu maior triunfo foi no Timor-Leste onde por 24 anos lutavam guerrilheiros que queriam a independência de seu país da Indonésia.
“- Estamos construindo a primeira nação do século XXI”, dizia ele.
O filme de Greg Barker mostra que foi lá que ele conheceu Carolina Larreira (Ana de Armas). Os dois eram parecidos. Belos, idealistas, ele estudara na Sorbonne, ela em Harvard. Fizeram planos para ir ao Rio e passar um tempo por lá. Talvez Sergio abandonasse o posto que o obrigava a tantas viagens perigosas, apesar de que ele era tido como sucessor de Kofi Anan, que comandava a ONU e era seu amigo.
Sergio estava dividido entre seu trabalho incansável e a vida em família que ele nunca tinha tido com os filhos no Rio. A mãe deles morava em Génève e estavam separados.
O filme nos faz conhecer episódios da vida de Sergio em seus últimos momentos, em flashbacks. Somente 5 dias haviam se passado desde que a Missão de Assistência da ONU tinha chegado ao Iraque e um carro bomba destrói o prédio do Hotel Canal em Bagdá, onde a ONU tinha seus escritórios.
E tragicamente Sergio fica preso nos escombros. Em meio às dores, a mente de Sergio escapa para boas lembranças do mar do Arpoador, seu encontro com Carolina, o triunfo no Timor-Leste.
O filme tem Wagner Moura muito bem no papel de Sergio, a bela Ana de Armas faz uma Carolina apaixonada e os outros personagens não tem muito destaque.
Talvez seja um sinal dos tempos falar sobre Sergio Vieira de Mello num filme que tem ficção e romance e pouco espaço para mostrar o homem extraordinário que ele foi.
Queria mais.


domingo, 12 de abril de 2020

Encontro Marcado (Meet Joe Black)




“Encontro Marcado”- “Meet Joe Black”, Estados Unidos, 1998
Direção: Martin Brest

Será que vamos pressentir a chegada do final de nossas vidas? Pois é isso que acontece nesse filme com o bilionário interpretado por Anthony Hopkins, às vésperas de seus 65 anos.
Ele é William Parrish que começa a ouvir uma voz que só ele escuta. Estranha. Mas segue a vida.
Só que quando está em seu escritório é surpreendido pela chegada de um jovem, belo como um anjo, que se apresenta a ele como sendo a Morte (Brad Pitt). Não é sem espanto que Bill aceita a presença daquele estranho que passa a ser chamado de Joe.
Por uma coincidência inexplicável, esse mesmo rapaz acabara de ser atropelado depois que se despede da médica que conheceu num café. Algo havia acontecido entre os dois, que não sabiam nada sobre o outro mas que se sentiam fortemente atraídos. E acontece que ela é a filha mais nova do magnata que a Morte veio buscar.
Joe e Will fazem um acordo e o recém chegado vai acompanhar o homem de negócios, pai de duas filhas que o adoram, nos dias finais de sua vida. Joe quer conhecer mais sobre como vivem os mortais.
E o impossível acontece. A Morte, que todos chamam de Joe Black, se apaixona e é correspondido pela filha mais nova de Will, a quem confessa esse amor e diz que a levará com eles quando partir.
Susan não entende porque tem um certo receio de Joe. Para ela, ele era o rapaz que conhecera no café. Não sabia do atropelamento. Havia qualquer coisa diferente nele agora.
O filme é bem cuidado e mesmo luxuoso na produção. Locações vistosas, figurinos alinhados e elenco de primeira.
Brad Pitt se sai bem no papel duplo. Quando é Joe Black tem um ar surpreso perante tudo que acontece. Tudo é novidade. Já no começo do filme, quando era o desconhecido do café, parecia um garotão impulsivo e doce.
Mas quem arrasa mesmo é Anthony Hopkins. Ator experimentado, ele está impecável como um homem poderoso que tem que aceitar o inevitável e o faz com grandeza. Susan, interpretada por Claire Forlani também está muito bem, fazendo acreditar que ela ama o desconhecido mas sente falta de algo nele.
O público gostou mais do filme do que a crítica. Mas, apesar das 3 horas de duração, eu fui daquelas que me envolvi com a história e com as interpretações nos cenários magníficos.
A trilha sonora é muito bem escolhida e as cenas finais nos jardins palacianos com fogos de artifício são de encher os olhos.
Experimente.


quinta-feira, 9 de abril de 2020

Destinos Cruzados



“Destinos Cruzados”- “Random Hearts”, Estados Unidos, 1999, NETFLIX
Direção: Sydney Pollack

O quanto de coincidências acontecem em nossas vidas? Alguns acreditam em destino, outros no acaso.
Quando despediu-se de Peyton (Susanna Thompson), sua mulher, naquela manhã e ela saiu para seu voo a trabalho para Miami, Dutch Van Den Brock (Harrison Ford) não podia adivinhar o que estava para acontecer.
Em outro lugar, na mesma cidade, outro casal também se despede. Ele, Cullen Chandler (Peter Coyote) diz que está indo para o aeroporto. Sua mulher Kay (Kristin Scott Thomas) empenhada em sua campanha para o Senado, presta pouca atenção ao que ele diz.
E quando ao longo do dia vão saindo notícias sobre o avião que ia para Miami que caiu matando todos os passageiros, Dutch fica muito aflito. Pensa na mulher e corre para saber se o nome dela constava na lista de passageiros. Ele relaxa quando a resposta é negativa mas não está inteiramente sossegado. O celular dela está sempre fora de área.
E ele se pergunta o tempo todo: mas qual avião ela pegou? Como policial que era, tivera acesso a todas as listas de voos naquele dia para Miami e ela não estava em nenhuma. O que acontecera?
Ele vai para o departamento de polícia onde trabalha e se mete numa confusão por causa de uma arma roubada. Mas percebemos por causa de seu rosto crispado e seu jeito nervoso, que ele não parava de pensar no enigma do avião. Onde estava ela?
E chega finalmente a uma hipótese que não passara pela cabeça do pessoal da companhia aérea. E se ela estivesse no avião acidentado se fazendo passar por mulher de algum dos passageiros? Na lista ela estaria sob o nome de Sr e Sra Fulano de Tal.
E parece que Dutch acertou em cheio. Seu luto não poderia ser mais enlouquecedor. Ele começa a alimentar dúvidas sobre o que tinha acontecido com o casamento dele e sobre o que teria feito de errado. Culpa e raiva o atormentam. Mas isso tudo é dedução porque ele não dá mostras de nada. Até que fica conhecendo Kay, a mulher do homem que estava com Peyton.
A candidata ao Senado está preocupada com os jornais e pede discrição para Dutch. Mas ele está possuído pelo desejo de saber mais e mais sobre o caso dos dois que morreram lado a lado.
E entramos em uma situação que vai depender de decisões de Dutch e Kay. O que vão fazer com o que descobriram?
Harrison Ford que está atualmente com 77 anos, tinha 57 durante a filmagem. Bonitão, olhos que dispensam palavras de explicação para a gente entender o que o seu personagem sente, cabelo curto e ar juvenil. Ele convence no papel do viúvo que não se perdoa porque foi enganado, traído e não percebeu. Uma ferida narcísica difícil de ser curada.
Já Kristin Scott Thomas, com sua beleza inglesa, pele divina, cabelos bem cortados e figura elegante, está mais preocupada com a filha de 15 anos que amava o pai. Aceita mais estoicamente o que aconteceu. É mais jovem e a vida está à sua frente.
Sidney Pollack, cineasta premiado  que morreu dois anos após fazer esse filme, aos 74 anos, dirigiu com mão leve e conduziu seus talentosos atores em cenas intensas em que brilham e nos colocam também pensando no que faríamos numa situação dessas.
Muito bom.


terça-feira, 7 de abril de 2020

Nada Ortodoxa



“Nada Ortodoxa”- “Unorthodox”, Alemanha, 2019
Direção: Marie Schreder

Quando Esther, 19 anos, tem sua primeira e única conversa antes do casamento com o futuro marido, ela avisa:
“- Sou diferente das outras, mas... normal ”, acrescenta ela, quando vê que os olhos de Yanki (Amit Rahar) se arregalam. O casamento é arranjado pelas famílias.
Pequena, magrinha mas determinada, Esty, como é chamada, mora com a avó que ela ama e a tia Malka.
É considerada órfã de mãe, mas na verdade tem um pai difícil e como sua mãe separou-se dele, não pertence mais à comunidade ultra ortodoxa na qual vivem e ninguém toca em seu nome.
A comunidade Satmar de Williamsburg, Brooklyn, Nova York, foi fundada por sobreviventes do Holocausto de origem húngara que se juntaram a outros judeus em Nova York, todos muito traumatizados pelos horrores que passaram na guerra. Só falam iídiche e são muito rígidos no que diz respeito à tradição e os preceitos da Torá.
É shabat quando o filme começa e Esty tem que correr para não perder tempo. Ela decidiu em segredo que vai para Berlim, já que seu casamento fracassou. Sai de casa sem nada na mão e leva apenas escondidos na roupa do corpo a passagem, documento, um pouco de dinheiro que ela consegue vendendo suas poucas joias e o retrato da avó querida.
Leah, mãe de Esty, mora em Berlim e ela é a única pessoa que poderia abrigá-la. Mas as relações entre as duas tem muitos impecilhos. O principal é a rejeição. Esty pensa que a mãe a abandonou e isso nunca foi negado por ninguém da família. Então, lá no fundo, Esther quer encontrar-se com a mãe e perguntar porque. Por que não a levou também com ela quando foi embora?
E outro obstáculo Esty vai descobrir quando aparece no apartamento da mãe em Berlim.
Vai ser difícil a adaptação ao mundo contemporâneo para quem, como ela, vivia como que numa ilha distante de tudo.
Mas Berlim tem algo precioso para Esty. Ela adora música, teve aulas secretas de piano e se emociona com o ensaio da orquestra de câmara do Conservatório, com jovens músicos de diferentes origens. Aproxima-se deles e é adotada.
Esther, uma garota em busca de si mesma, vai começar a acreditar que seus sonhos podem se tornar realidade.
A minissérie é baseada na história real de Deborah Feldman, principalmente na parte que se passa em Nova York. Em Berlim, as aventuras de Esther foram recriadas pela imaginação das escritoras do roteiro, a própria Deborah Feldman e Alexa Karolinski.
A produção alemã da Netflix é muito bem cuidada nos mínimos detalhes. Todos fizeram duas viagens a Nova York para observar e assimilar o modo de vida dessa comunidade. Houve esmero na criação dos figurinos e na decoração dos interiores.
As belas cenas do casamento foram filmadas em dois dias. E a diretora conta no “making of” do filme que isso seria impossível sem a ajuda de Eli Rosen, especialista em iídiche, que ensinou a língua aos atores e Jeff Willbush, ator alemão que nasceu numa comunidade Satmar e cuja língua natal é o iídiche, além de conhecer de dentro como é que é a vida nessa comunidade.
E claro, o filme ganha em emoção com a atriz israelense Shira Haas, que com seu talento conquista o espectador que torce por ela e pela realização de seus sonhos.


sábado, 4 de abril de 2020

Milagre na Cela 7



“Milagre na Cela 7”-“7 Kogustaki Mucize”, Turquia, 2019
Direção: Mehmet Ada Oztekin

Uma bela noiva se olha no espelho de seu quarto. O ano é 2004. Ela relembra sua história de vida com seu pai. Ele era um homem bom, como dizia a avó. Sente saudades.
E voltamos com ela a 1983.
Ova e seu pai Memo voltam da escola onde ele tinha ido buscá-la. Ela repara que algumas crianças sempre o rodeavam brincando, mas também zombando do jeito dele andar, rir ou falar alto. Mas ele não se abalava, nem tratava mal os mais atrevidos.
Naquele dia, pega a mão da filha e vão juntos pela rua. Param na vitrine de uma loja. Ova se encantou com uma mochila vermelha. Mas o pai não tinha dinheiro suficiente para comprá-la. E promete vender maçãs caramelizadas no domingo para conseguir o dinheiro que faltava.
Memo cuida das ovelhas que conhece pelo nome que dá a elas e mora com a filha e a avó numa casa na colina de onde se vê o lago azul e as montanhas que o rodeiam.
Mas um terrível acidente vai marcar para sempre a vida de Memo e sua filha envolvendo a menina, Seda, filha de um Coronel do exército que já dera um tapa em Memo na loja da mochila.
Estamos vendo que Memo tem dificuldades para se comunicar e compreender comportamentos comuns. Ele é inocente e infantil. E vai ser o bode expiatório dessa história.
Seda e Memo apostam corrida e chegam nas grandes rochas que se debruçam sobre o lago. Apesar das gesticulações de Memo, a menina não presta atenção onde pisa e cai.
Desesperado, ele corre para mergulhar e socorrer a pobre Seda. Mas quando a resgata, ela já está morta.
E como Memo não se expressa bem, todos pensam que foi por culpa dele que a menina morreu.
Começa então um calvário para aquele que todos veem como um assassino de crianças. Ele é preso e condenado à morte por enforcamento.
E o milagre de que fala o título do filme vai acontecer onde menos se espera. Será um milagre de solidariedade e compreensão.
Nesses tempos difíceis que estamos passando no mundo inteiro, esse filme simples e humano, emociona e nos faz refletir.
A menina que interpreta Ova (Nisa Sofya Aksangur) é um encanto e o ator que interpreta Memo (Aras Balut Iynemli) faz de seu personagem alguém que nos cativa.
Assim, o elenco ajuda o filme a nos envolvermos na história, bem dirigidos, para evitar que se torne um melodrama. Recomendo a todos.