terça-feira, 27 de novembro de 2018

Infiltrado no Klan




“Infiltrado no Klan”- “BlacKKKlasman”, Estados Unidos, 2018
Direção: Spike Lee

É uma comédia. Mas só até ficarmos horrorizados com o que vamos descobrindo. Daí passamos a pensar seriamente sobre as questões que envolvem o racismo, não só nos Estados Unidos mas em toda parte onde vemos essa atitude crescendo e assustando. A intolerância e o preconceito, de mãos dadas, fazendo notícia.
A história que vai ser contada no filme é real. O negro Ron Stall Worth (John David Washington, filho de Denzel) foi o primeiro policial dessa cor nos anos 70 no Departamento de Polícia de Colorado Springs. Ao aposentar-se, escreveu o livro que serviu na adaptação para o cinema.
Ele sempre sonhou em ser policial mas detestava o trabalho de rotina que lhe deram nos arquivos da delegacia, meio para escondê-lo. Até entre os policiais, seus companheiros, havia racismo. Resolveu então tomar a iniciativa, depois de conhecer uma ativista do movimento “Black Power”, cópia de Angela Davis, interpretada por Patricia Harrier.
Ron quer ser detetive. Ao se deparar com um anúncio de recrutamento do Kukluskan no jornal local, telefona e se faz passar por um branco ariano que detesta negros e judeus, caindo logo nas graças do membro da Organização, como eles gostam de ser chamados, por motivos óbvios.
O chefe de Ron topa a investigação que ele propõe e entra no circuito o policial branco e judeu, Flip  Zimmerman (Adam Driver), que se faz passar por Ron nos encontros cara a cara com os membros da Organização, inclusive o próprio Chefe, conhecido como diretor nacional, David Duke (Topher Grace).
Se fossem descobertos, estariam mortos. Mas conseguem desbaratar o que seria um ato de terrorismo do Klan.
Sabemos que o diretor é ativista do movimento anti-racista nos Estados Unidos. Em todos os seus filmes ele faz lembrar desse tema mas nunca foi tão contundente quanto nesse “Infiltrado no Klan”. E o momento político nos Estados Unidos é propício para que uma reflexão séria seja feita.
O filme, que ganhou o Grande Prêmio do Júri em Cannes, termina mostrando a realidade cruel da violência e da intolerância, com cenas dos acontecimentos de 2017 em Charlottesville, que todo mundo viu na televisão.
O filme de Spike Lee é mais do que oportuno. É obrigatório.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

O Grande Circo Místico




“O Grande Circo Místico”, Brasil, 2018
Direção: Cacá Diegues

Tudo começou em 1910 quando o cometa Halley passava pelos nossos céus, trazendo pânico e comoção.
Naquele casarão da família Knieps, o patriarca (Antonio Fagundes) morre, enquanto sua amante, a Imperatriz Teresa, exilada no Brasil, satisfaz o desejo de seu filho bastardo Frederic Knieps (Rafael Lozano), dando-lhe de presente um circo.
O exótico pedido foi concedido a Fred que, encantado, deu o circo à sua amada Agnes, na verdade Beatriz, já que ela adotara o nome de sua mãe, que era a mulher-bala, no circo onde abandonou a filha.
A bela Beatriz (Bruna Linzmeyer), olhos azuis e corpo sensual, era dançarina contorcionista e tornou-se um dos atrativos do Grande Circo Místico. Em meio às suas elaboradas posições, as pedras que adornavam seus véus tilintavam e brilhavam à luz dos refletores.
Mas a pobre Beatriz morre no parto em pleno picadeiro, iniciando assim uma série de mulheres malfadadas. Sua filha Charlotte (Marina Provenzzano) herda o circo mas não é amada como fora sua mãe. O mímico bem dotado casa com ela por interesse (Vincent Cassell), a trata mal, tem outras mulheres e dissipa sua fortuna.
Eles tem dois filhos e a bailarina Clara é a primeira sábia deserção. Ela decide ir para o Rio e tornar-se artista de televisão, largando o circo com o irmão Oto. Não sem antes dançar ao som da música dela, cantada por Chico Buarque e coro de crianças, num belo e inspirado momento.
É nesse momento que percebemos a presença de Celavi (Jesuita Barbosa), com um nome que é a pronúncia em francês de “c’est la vie”, e é um personagem que não envelhece e tem humor em suas falas. Ele é o mestre de cerimônias do circo e testemunha os infortúnios que sofrem as cinco gerações da família Knieps até o século XXI.
A última e mais profunda sofredora é Margarete (Mariana Ximenes), filha de Oto e de uma cantora drogada, que abandona a filha bebezinha. Ela quer ser freira mas o pai é contra essa ideia, já que é uma trapezista admirável. Margarete elabora então uma estranha vingança.
Cacá Diegues, cineasta e membro da Academia Brasileira de Letras se disse encantado desde a juventude pelo poema de Jorge de Lima, escrito em 1930, e que o inspirou a fazer o filme.
Belíssimo em certas passagens, como aquela da entrada em cena de Beatriz (com a voz de Milton Nascimento cantando seu tema, uma das músicas que Chico Buarque e Edu Lobo compuseram para o balé de 1983, do mesmo nome do poema e do filme), em seu todo o filme perde em ritmo e clareza, confundindo o espectador. A fotografia de Gustavo Hadba cria cores e luzes fascinantes que distraem mais do que a história que está sendo contada.
“O Grande Circo Místico” se desfaz diante dos nossos olhos não só em sua decadência mas na falta de interesse.  O final é tecnicamente perfeito mas de mau gosto, longo demais, com as gêmeas nuas e rindo sem parar.
Fica a sensação de que a família dona do circo se especializou em ser infeliz, especialmente as mulheres. O circo teria sido uma espécie de presente de grego da Imperatriz para o filho bastardo. Uma maldição.
Pena. Cacá Diegues, que já nos deu filmes como “Bye Bye Brasil”, se perdeu no filme que vai representar o Brasil no Oscar. C’est la vie?

domingo, 18 de novembro de 2018

Um Segredo em Paris





“Um Segredo em Paris”- “Drôle d’Oiseaux”, França, 2018
Direção: Elise Girard

É inverno em Paris e as árvores mostram seus galhos sem folhas. Uma moça bonita de uns 25 anos, vestida toda de negro, o que realça sua pele muito branca e cabelos ruivos, atravessa a ponte sobre o Sena. Ouvimos o grito das gaivotas.
Entra num café, tira uma caneta da bolsa e escreve num caderno. Em “off” ouvimos suas impressões sobre Paris: “... é grande mas menor do que eu pensava... dá para fazer toda ela a pé se alguém quiser...gosto muito das fachadas dos grandes edifícios...” Ela quer ser escritora.
De noite a vemos lendo, deitada no sofá do apartamento da amiga que a hospeda ( Virginie Ledoyen ), com seu gato Jacques. Mas o barulho enlouquecedor da transa no quarto de Felícia, a incomoda e ela sai para andar pelas ruas.
Olha uma estátua, a rua, o Sena que brilha, mas seus olhos parecem não ver. Perdida em seus pensamentos, leva um susto quando uma gaivota cai morta a seus pés. O que aconteceu? Mistério.
Dia seguinte, descobre um anúncio no café, no qual oferecem um emprego numa livraria. Lá, ela espera mas como ninguém aparece, sai. Logo volta porque a amiga continua na cama, com seu amor louco.
E quando a vemos de novo já está empregada, por um senhor de cabelos brancos, passado dos 70, mas elegante e ainda uma bela figura. Ela ocupa o pequeno sótão acima da livraria e recebe envelopes com bastante dinheiro das mãos do patrão. De onde vem aquele monte de notas? Ninguém compra livros ali...Outro mistério.
Esses dois personagens, nada comuns, vão se aproximar através de longos silêncios partilhados em passeios no carro dele, descobrindo vistas sobre a cidade. Ela precisa se ocupar e arruma as prateleiras da livraria e a mesa dele, sendo observada com cuidado. Apesar de ostentar um mau humor crônico, Georges tem um bom coração, que ele esconde bem.
A diretora Elise Girard é também a co-roteirista desse seu segundo filme, que tem um charme especial. Além de ter como estrela a filha de Isabelle Huppert, Lolita Chammah, que faz Mavie (em francês, o nome soa como “minha vida”), a moça do interior que vem para Paris “para respirar”, tem também o pai dela, Ronald Chammah, numa ponta brevíssima.
Mas o grande trunfo é Jean Sorel, 84 anos, como o livreiro Georges, depois de dez anos longe do cinema. Ele, o galã francês de primeira linha, de “Vagas Estrelas da Ursa” de Luchino Visconti e o marido de Catherine Deneuve em “A Bela da Tarde” de Luis Bunuel, faz a grande diferença no filme. Seu personagem misterioso e que ironiza a vida e o amor, vai retirar-se de cena para que Mavie possa ter o romance que ele já não pode dar a ela. O dele é um amor platônico e paternal que comove e que vai fazer Mavie chorar dentro do cinema e atrair um lenço de um rapaz (Pascal Cervo), também misterioso, à sua maneira.
Tão simples e tão sofisticado.


quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Legítimo Rei



“Legítimo Rei “, “Outlaw King”, Reino Unido, Estados Unidos, 2018
Direção: David Mackenzie

A bela Escócia das “Highlands”, as montanhas verdes no verão, com riachos e arco-íris depois da chuva, é o cenário desse filme que conta a história de Primeira Guerra pela Independência, no século XIV.
Tudo começa com uma derrota.
Robert de Bruce (Chris Pine) e os lordes da Escócia se rendem ao Rei Eduardo I da Inglaterra (Stephen Dillane), a contragosto. Era a única saída. O exército inglês era poderoso, com muitos soldados bem armados enquanto que o escocês era quase inexistente.
Robert de Bruce volta às suas terras. Ele, viúvo, casa-se com Elizabeth de Bursh (Florence Pugh, ótima atriz) que se mostra à altura do que era esperado dela, muito mais jovem do que o marido. Alinhou-se ao lado de Robert e ajudou a criar sua filha (Rebbeca Rubin). Será a Rainha da Escócia depois de muitas provações.
São momentos românticos e leves num castelo austero e sem luxos mas mostrando um par em sintonia amorosa.
Um breve hiato, pois quando o mártir da Independência,  William Wallace, é morto e esquartejado pelos ingleses e tem seu corpo, em pedaços, espalhado pelas aldeias da Escócia para amedrontar o povo e seus líderes, acontece o que não se esperava. Há uma revolta enorme.
Isso vai fazer com que Robert de Bruce possa unir os clãs para lutar pela liberdade e tornar-se o Rei dos Scots, Robert I.
Mesmo que para isso tenha que haver um assassinato, cometido pelo próprio aspirante a rei.
O forte do filme de David Mackenzie, além das excelentes interpretações, está nos campos de batalhas. A força e a fúria dos homens que dão sua vida por essa causa, impressiona. Homens a pé enfrentam a cavalaria inglesa, ensanguentados e enlameados, valentes no corpo a corpo, numa luta feroz com punhos, espadas, facas e lanças.
O Rei está ao lado de seus soldados, lutando com eles. Exclama:
“- Eu sou o Rei dos escoceses e não Rei dessas terras.”
Não o movia a ambição de riquezas mas o ideal de liberdade, de um povo que queria comandar o seu destino, governado por um igual a eles. Estavam fartos de ter que pagar impostos aos ingleses.
Quem assistiu ao famoso “Coração Valente” de Mel Gibson, aqui verá uma outra história, a verdadeira, historicamente falando, do Rei Robert I, que encarnou um ideal que até hoje empolga boa parte do povo escocês, a liberdade de seu país, ainda unido à Inglaterra.


quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Museu




“Museu”- “Museo”, México, 2018
Direção: Alonzo Ruizpalacios

Um roubo deixa o México estarrecido. Levaram 140 peças da cultura Maia que estavam expostas no Museu Arqueológico da Cidade do México, na véspera de Natal de 1985. Quem terá tido essa audácia, perguntam-se os mexicanos. Certamente criminosos internacionais especializados em roubos de arte.
Nós, na plateia, sabemos quem foi e estamos surpresos de como aqueles dois amigos, estudantes de veterinária, Juan (Gael Garcia Bernal, ótimo) e Benjamin Wilson (Leonardo Ortizagris), conseguiram tal feito, com tanta facilidade.
O narrador, que é o cúmplice de Juan, comenta no começo do filme que o amigo sempre dizia que não acreditava no que lia nos livros de História. Como saber se aquilo que está contado lá é verdade? Porque só a pessoa que viveu aquele fato é que poderia saber. E às vezes, nem mesmo essa pessoa sabe, acrescenta o narrador.
E, como somos avisados que o que vamos ver no filme “Museu” é uma réplica da história original, entendemos que o centro principal aqui não é o roubo mas as motivações dos jovens que o cometeram e suas consequências.
Os dois moravam em Cidade Satélite, subúrbio de Cidade do México, ambos de classe média, vivendo ainda com a família. Benjamin tinha que cuidar do pai, doente terminal. E Juan era de uma família grande com pai e mãe, tios e tias e irmãs mais velhas, casadas e com filhos. Não era levado em consideração por ninguém na família. Era um tipo perdido que não conseguia terminar sua tese da faculdade para receber o diploma. Não se esperava nada dele.
Talvez então fizeram o que fizeram para ser alguém? Ou era só o dinheiro que esperavam conseguir com a venda das peças o que mais importava? Não sabemos. Uma coisa é certa. O cérebro do roubo era Juan. Benjamin seguia o amigo.
Os dois davam a impressão de não pensar no que iria acontecer depois do roubo. Aliás, são cenas belíssimas, filmadas em total silêncio, no museu às escuras, iluminado apenas com as lanternas da dupla.
Duas cenas somente fazem pensar em algo como remorso ou culpa na mente de Juan: a alucinação com o rei Pacal bloqueando o caminho da fuga do museu e um sonho com o pai em silêncio olhando sério para ele.
Mas os dois vão ter que cair na real. Quem no mundo seria tolo o bastante para comprar o tesouro que haviam roubado? Eram peças extraordinárias, históricas, de preço incalculável. E mais: todo o México procurava as peças roubadas. O que estava enrolado em camisetas nas mochilas deles era ao mesmo tempo um tesouro precioso e invendável.
Irônico e infeliz plano na cabeça de jovens que não sabiam que a cultura vale mais que o dinheiro.
O roteiro de Alonso Ruizpalacios, o diretor e Manuel Alcalá ganhou o Urso de Prata de melhor roteiro no Festival de Berlim 2018.


domingo, 11 de novembro de 2018

Millenium : A Garota na Teia de Aranha




“Millenium: A Garota na Teia de Aranha” – “The Girl in The Spider Web”, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Suécia, Canadá, 2018
Direção: Fede Alvarez

Lizbeth Salander, a heroína sueca “punk” dos livros de Stieg Larsson, mudou. Ela foi recriada por David Lagercrantz, autor também sueco do quarto livro que continua a trilogia do primeiro, falecido precocemente aos 50 anos. E a vemos no novo filme dirigido por Fede Alvarez, na pele de Claire Foy, a estrela da série “The Crown”, que mostra também seu talento no filme em cartaz, “O Primeiro Homem”.
Agora, Lizbeth é mais antenada em tecnologia, usa roupas pretas coladas no corpo, o cabelo é curto mas sem o corte “apache”, continua bissexual mas sem cenas de sexo no filme e os “piercings” são discretos.
Não é tão reclusa e é mais atuante nas causas feministas, ajudando mulheres a se livrar de machistas abusivos, que são chantageados para tomar jeito.
Aqui há um elo importante com o seu passado e o pai perverso aparece em cenas na casa da família, com Lizbeth e Camilla, a irmã que fica sózinha com o pai por 16 anos, traumatizada ao extremo. Por que Lizbeth não voltou para ajudá-la?
Vestida de vermelho, loura e vingativa, Camilla (Sylvia Hoeks) é o contraponto de Lizbeth, morena, vestida de preto e aparentando fragilidade.
A trama envolve um projeto chamado Firefall, criado por Frans Balder (Stephen Mechant). Ele cedeu seu invento, que abre o acesso aos códigos de todas as armas nucleares do mundo, aos americanos mas está arrependido.
Ele entra em contato com Lizbeth Salander para que ela roube o projeto mas depois desacredita de sua honestidade, influenciado por uma integrante corrupta da polícia sueca, que tem planos misteriosos.
Um agente da NSA americana (Lakeith Stanfield) percebe que o dono do projeto está em Estocolmo e vai intervir no processo.
Balder, o dono do Fierfall tem um filho de uns 10 anos, Gustav (Christopher Convery) que está com ele em Estocolmo. Ele ganha uma partida de xadrez com Lizbeth e vai ser peça chave na história.
O filme do uruguaio Fede Alvarez tem um espírito diferente dos anteriores que mostravam Noomi Rapace e Roney Mara como Lizbeth. No corpo de Claire Foy a heroína é menos excêntrica e mais afetiva. Se bem que o ex editor da revista Millenium, Mikael Blomkvist (Sverrir Guduason), que tinha uma queda por Lizbeth e vice versa, não é mais o parceiro dela. Aqui ele é mais apagado e quase dispensável na trama.
Além disso, o filme deixou de ser tão sueco, o que o fazia diferente dos outros filmes de mistério e ação.
A melhor coisa do “Millenium: A Garota na Teia de Aranha” é Claire Foy. Ela vai da moto Ducati ao Lamborghini mas demonstra mais seus temores e mostra laivos de empatia. Continua terrível em seus sentimentos de vingança e a cena final é wagneriana.
A heroína fica na nossa memória mas o filme de ação é facilmente esquecível.



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos



“O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos”- “The Nutcracker and The Four Realms “, Estados Unidos, 2018
Direção: Lasse Hallstrom e Joe Johnston

Quem gosta de balé sabe que Natal sem o “Nutcracker” não existe. Com música de Tchaikovsky e coreografado por Marius Petipa e Lev Ivanov, estreou em São Petersburgo em 18 de dezembro de 1892 no Teatro Mariinsky.
A história do balé é baseada num conto de E.T.A. Hoffmann, “O Nutcracker e o Rei Rato”, que foi adaptado por Alexandre Dumas como “A História do Nutcracker”, que tem a forma de um soldado de brinquedo.
O filme da Disney passa-se na Inglaterra vitoriana e vemos, na abertura, uma coruja que sobrevoa Londres num voo panorâmico. É véspera de Natal e a neve cai nas ruas e praças com árvores enfeitadas.
Porém, na casa dos Stuhlbaum há um clima de tristeza que destoa da alegria da festa. As três crianças perderam a mãe. O pai, também desolado, tenta divertir os filhos mantendo as tradições. Chama todos para os presentes escolhidos pela mãe antes de morrer.
Louise (Ellie Bamber), a mais velha, ganha o vestido favorito da mãe, Fritz (Tom Sweet), o irmão menor, fica feliz com seus soldadinhos e Clara (Mackenzie Foy), a filha do meio, herda um precioso ovo de prata que pertencera à sua mãe. Mas falta a chave para abrir o ovo.
Acontece que o padrinho de Clara, Drosselmeyer (Morgan Freeman) era muito amigo da mãe dela, uma mulher inteligente e criativa. Os dois criavam brinquedos maravilhosos. E Clara era a filha que puxou à mãe e também adorava criar as engrenagens que movimentavam os brinquedos.
É na casa de seu padrinho, durante a festa de Natal, que ele a leva a descobrir um portal mágico que vai dar passagem aos Quatro Reinos, à procura da chave que vai abrir o ovo.
Lá Clara se alia ao Capitão Phillip (Jayden Fowora-Knight) que é o Nutcracker e é recebida pela Fada Sugar Plum (a bela Keira Knightley), que também chora a perda de sua rainha, mãe de Clara. Parece que vai haver guerra porque a Mãe Ginger (Helen Mirren) do sombrio Quarto Reino ameaça os outros reinos.
Só que Clara vai ver que nada é o que parece ser.
O ponto central da história é como lidar com a questão da perda de uma pessoa querida, o luto de Clara pela morte de sua mãe. A garota vai ter que achar a chave que trará as respostas de que ela precisa. É uma viagem de auto conhecimento.
Mas essa produção Disney é feita principalmente para encher os olhos do público. Há pouca dança mas a encantadora Misty Copeland se sai muito bem nas pontas e a trilha sonora inclui trechos da conhecida música de Tchaicovsky para o balé.
A produção de arte é extraordinária na criação de belíssimos cenários e os figurinos de Jenny Beavan são de ganhar Oscar. Há tanto para ver que a impressão é a de que perdemos muita coisa, nesse filme em 3D bem aproveitado.
“O Quebra-Nozes e os Quatro Reinos” é um filme para todas as idades e um espetáculo visual especialmente caprichado.



quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Prenda-me se for capaz




“Prenda-me se for Capaz” - “Catch Me if You Can”, Estados Unidos, 2002
Direção: Steven Spielberg

Um filho único adolescente e romântico que gosta de ver os pais dançando na sala (Nathalie Baye e Chistopher Walken) e que adora quando escuta a história de como ele conquistou o amor dela, é um caso raro.
São os anos 60 e Frank Abagnale Jr (Leonardo DiCaprio) descobre que tem talento para se fazer passar por quem não é. Quando muda para uma escola nova, por causa de problemas financeiros do pai, banca o professor substituto de francês e só é descoberto dias depois.
Para a infelicidade de Frank, aos 16 anos, seus pais se separam e o pai está devendo dinheiro ao governo. Esse personagem infantil, resolve então que vai unir os pais novamente e devolver a eles todo o dinheiro que o pai perdeu em maus negócios. Com uma inteligência fora do comum e a esperteza necessária, ele foge de casa e convence a todos que é piloto de avião, depois médico e ainda por cima advogado, sem nunca ter estudado além do ensino médio. Compõe tais identidades falsas assistindo na TV ao “Dr Kildare” e “Perry Mason”.
Mais. Com sua capacidade para convencer as pessoas a fazer o que ele quer, passa cheques sem fundo e depois se especializa em falsificar cheques, com tal maestria, que consegue, em cinco anos, alguns milhões de dólares, que guarda em malas escondidas.
Frank não é o tipo para quem o dinheiro serve para comprar uma vida luxuosa e dissipada. Não. O menino que ele ainda é quer agradar o pai e insiste em comprar para ele um Cadillac, que é sempre devolvido, já que o pai não poderá justificar a posse do carro.
A ligação forte com o pai e o orgulho dele, mal disfarçado, com o que o filho consegue na vida, vai ter um reflexo na relação que Frank vai manter com seu perseguidor do FBI, Carl Hanratty (Tom Hanks). Frank consegue escapar do agente mal humorado, inflexível e persistente, sempre na última hora, a ponto de torná-lo uma espécie de pai disciplinador, que o admira, por sua sagacidade e brilhantismo e que vai protegê-lo de si mesmo.
Leonardo DiCaprio com seu olhar de anjo e bela estampa, tem também fala macia e as mulheres se derretem por ele. Jennifer Garner, que tenta fazê-lo pagar por uma noite de amor, é seduzida e ludibriada.
Ele é adorável e mente sem maiores problemas.
E o mais inacreditável é que ainda está vivo, nada no filme é inventado e, agora, Frank Abagnale Jr está milionário graças ao seu largo conhecimento em fraudes bancárias. Trabalhando para evitá-las.
Steven Spielberg mostra seu talento para narrar histórias e divertir o público com seu cinema sempre inteligente e brilhante. Uma delícia de filme.


domingo, 4 de novembro de 2018

A Casa que Jack Construiu




“A Casa que Jack Construiu”- “The House That Jack Built”, Dinamarca, França, Alemanha, Suécia, 2018
Direção: Lars von Trier

Na tela negra, a tradução de um diálogo que ouvimos entre dois personagens:
“- Posso perguntar algo? ”, diz o mais jovem.
“- Poucos conseguem ficar em silêncio durante essa caminhada...Só não pense que vai me contar algo que já não ouvi antes...” responde o mais velho.
Ninguém entra no cinema para ver o novo filme de Lars von Trier sem saber do que se trata. Fartamente comentado, ficamos sabendo que em Cannes, onde passou pela primeira vez, fora da competição, pessoas se retiraram da sessão, escandalizados. Mais uma vez, o diretor dinamarquês consegue chocar. Lembram-se da polêmica entrevista em Cannes sobre “Melancolia”? Foi expulso do festival. Ele volta agora com um filme sobre a Maldade.
Relembremos o diálogo inicial do filme. Virgílio, o poeta romano que viveu de 70 aC a 19 aC e que figura na “Divina Comédia” de Dante como aquele que o acompanha na caminhada pelos círculos do Inferno e Purgatório, é o velho sábio interpretado pelo ator alemão Bruno Ganz, que dialoga com Jack, o “serial killer”, na pele do ótimo Matt Dillon.
Jack vai encenar e comentar com Virgílio o que ele diz que são “incidentes”, cinco, ocorridos em 12 anos. São assassinatos que Jack chama de obras de arte. Assina fotos tiradas dos corpos como “Mr Sophistication”.
O primeiro deles ocorre quando uma bela mulher (Uma Thurman) precisa de ajuda para consertar o macaco (“jack”) do carro. Pega carona com Jack e estranhamente começa a comentar ironicamente o erro que cometeu, já que um estranho como ele poderia ser um “serial killer”. Ele ainda não é mas ela se torna sua primeira vítima.
E assim continua o filme, com Jack e seus “incidentes”, tudo com um humor bem negro e bastante sadismo nos detalhes.
Nos intervalos, Jack que é engenheiro mas sempre quis ser arquiteto, compra um terreno em frente a um lago e tenta construir sua casa. Mas, obsessivo, não consegue chegar ao que almeja e destrói tudo para recomeçar. No fim uma arquitetura macabra abre o caminho de Jack para o Inferno.
Durante o filme vemos cenas filmadas do pianista Glenn Gould, que era um obsessivo em busca da perfeição, tocando Bach. Quadros de diferentes pintores ilustram os “incidentes”. Fotos da vida real e outras encenadas. O arquiteto nazista Albert Spier e suas construções. E várias outras referências culturais que justificariam as ações de Jack. Assim pensa ele.
Virgílio é paciente, escuta, critica mas Jack sempre tem razão. E não se arrepende de nada.
Obsessivo compulsivo, psicopata, narcisista, perverso, misógino, antropofóbico, misantropo, nenhum rótulo explica Jack. Ele seria um produto de suas próprias escolhas, parece concluir Virgílio, que o abandona à própria sorte.
Lars von Trier escolheu ser um cineasta que fala de suas angústias através de seus personagens. Vão ver seus filmes aqueles que querem e não se assustam tanto assim em encarar o lado mais escuro do ser humano.



Bohemian Rhapsody




“Bohemian Rhapsody” – Idem, Estados Unidos, 2018
Direção: Bryan Singer e Dexter Fletcher

E lá está ele de novo, cantando e seduzindo plateias. Freddie Mercury nasceu para ser estrela.
Em “Bohemian Rhapsody” vemos sua história, desde o menino que nasceu em Zanzibar em 5 de setembro de 1946, de uma família indi-parsi, até o vocalista da banda Queen que se fantasiava, dançava e cantava com uma voz poderosa e doce. E por fim, a tristeza de saber que estava doente. Ele morreu em 24 de setembro de 1991.
O filme levou nove anos para ser pensado, produzido e filmado. Valeu. E vai emocionar não só os fãs que tiveram o privilégio de vê-lo no palco no Brasil em 1985, no Rock in Rio e em São Paulo com um show inesquecível, mas também a geração que não o conheceu ao vivo e vai viver no cinema a experiência de um encontro com um dos ícones do século XX.
Queen, a banda famosa, é recriada com atores muito parecidos com os verdadeiros personagens. O guitarrista Brian May é Gwilyn Lee e o baterista Roger Taylor é Ben Hardy. Os companheiros de Freddie na banda co-produziram o filme.
Já Rami Malek, 37 anos, de ascendência egípcia, apesar da prótese exagerada para imitar os dentes de Freddie, encarna o roqueiro com tanto coração, coragem e talento, que há momentos que esquecemos o ator e vemos Freddie Mercury. Há todo o charme sexy do jeito de andar pelo palco, brincando com o microfone fálico e o olhar direto para a plateia, interagindo com a multidão hipnotizada. A voz é produto de uma mixagem das vozes do ator e de Mercury.
E as músicas escolhidas dão vontade de cantar e dançar no cinema: Radio Ga GA, We are the champions, The show must go on, Somebody to love e outras mais.
A relação afetiva com Mary Austin (Lucy Boynton) é tocante. Ela o ajuda desde o começo, produzindo seu visual na Biba, loja famosa na época em Londres. Está sempre ao lado dele e seus amados gatos. E o amor que ele sente por ela impregna de doçura a música que ele fez para ela, Love of my Life.
Mas ninguém escapa do que é e Freddie Mercury descobre sua atração por homens nas turnês mas não quer perder Mary. O filme mostra múltiplos parceiros, noitadas nas boates, festas de arromba mas sempre uma nostalgia no olhar.
Ele não proclama sua sexualidade nem a doença que o levou à morte muito jovem, aos 45 anos. Tinha esse direito.
“Bohemian Rhapsody” merece por visto por todos que gostam de música e de se emocionar no cinema.


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Sem Limites




“Sem Limites”- “Limitless”, Estados Unidos, 2011
Direção: Neil Burger

Um homem jovem está prestes a pular do terraço de seu apartamento. Ele está de pé, perigosamente equilibrado no parapeito. Escutamos um barulho alto. Alguém está arrombando a porta blindada. A saída é o suicídio? O que ele fez?
Mas o narrador, o próprio quase suicida, acalma os ânimos começando a contar sua história, num “flashback”.
Ele é Edward Morra (Bradley Cooper), um escritor lutando contra a página em branco no seu computador. O prazo de entrega de seu romance está próximo e ele não escreveu nenhuma linha. Pior, a namorada o deixou.
Está abatido, cansado, desanimado. Sai à rua para tomar um ar e tromba com o ex cunhado, Vernon (Johnny Whitworth), traficante, que o apresenta a uma nova droga, o NZT.
“- É disso que você precisa”, diz Vernon.
Já que não tem nada a perder, Eddie resolve experimentar aquela pílula transparente, que parece que estimula as atividades cerebrais. Se fosse verdade, viria a calhar.
Volta ao apartamento e, em três horas, sua editora está surpresa com o material que ele deixou em sua mesa. Eddie parece um novo homem. Seus olhos brilham, a postura é a de um homem em plena vitalidade e seu cérebro está a mil por hora. No dia seguinte ele entrega o livro pronto. E melhor, um saco com as pílulas cai do céu para o seu consumo.
Eddie está radiante com o que consegue fazer sem nenhum esforço. Todos os dados arquivados em seu cérebro, tanto os conscientes quanto os inconscientes, estão à sua disposição. Lembra-se de tudo que ouviu e aprendeu. Descobriu que é só entrar em contato com algumas frases de uma nova língua para passar a falar correntemente. Calcula com incrível velocidade e descobre facilmente soluções para problemas difíceis. Aprende a tocar piano como um virtuoso em horas. Sua visão ampliou-se e ele enxerga o mundo com olhos de um super QI.
Com tudo isso, ser escritor parece pouco para ele agora. Resolve entrar no mundo das finanças e fazer fortuna. Dito e feito. E torna-se o novo alvo de um grande investidor, interpretado por Robert de Niro, que quer ouvir suas avaliações preciosas.
E a namorada Abbie Cornish está interessada de novo. Aliás chovem mulheres em cima dele.
Nem tudo é céu sem nuvens mas o nosso drogado satisfeito vai enfrentar dificuldades como nunca tinha feito antes.
“Sem Limites” é um filme com um excelente roteiro, o sexy Bradley Cooper mostra seu carisma na tela e Robert de Niro está daquele jeito que a gente gosta.
Recomendo.