segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Jackie


“Jackie”- Idem, Estados Unidos, 2016
Direção: Pablo Larraín

Quem era pelo menos adolescente naquele 22 de novembro de 1963, vai se lembrar onde estava e o que fazia quando a notícia chegou. John F. Kennedy, presidente dos Estados Unidos, tinha sido assassinado em Dallas. As imagens repetidas incansavelmente nas TVs, ficaram na nossa memória.
Pablo Larraín, o talentoso diretor chileno que assinou “No”, “O Clube”, “Neruda”, escolheu como assunto de seu primeiro filme em inglês a figura mítica e complexa de  Jacqueline Bouvier Kennedy (1929-1994).
Mas claro que ninguém que viu seus filmes anteriores espera uma biografia cronológica. Larraín vai trazer para a tela muitas Jackies, em diferentes momentos de sua vida como mulher do presidente John Kennedy.
A primeira é entrevistada em Hyannis Port, uma semana depois do assassinato, para a revista “Life”. O ator Billy Crudup faz o jornalista e historiador Theodore H. White que ficou horas a fio com Jackie.
Ele quer que ela conte sua própria versão dos fatos mas não vai ser fácil como ele pode ter pensado. É Jackie quem vai conduzir a entrevista para onde ela quer e vamos vê-la proibir que várias passagens do que ela disse sejam escritas. Ou que ele sequer cite que ela fuma.
Vislumbramos a força e a autoridade que habitam aquela mulher, aparentemente frágil. A Jackie privada está na tela como nunca a vimos.
E as primeiras imagens da famosa visita à Casa Branca, conduzida por Jackie e televisionada pela CBS em 1962 aparecem em preto e branco. Aos que a criticavam por gastar dinheiro do governo com tecidos e decoração, ela mostra o cuidado com que os espaços públicos, abertos à visitação, foram restaurados com móveis de época, encontrados por “experts”.
O ponto alto é o quarto de Lincoln, ornado com a cama original do famoso presidente e os retratos a óleo dele e de sua mulher.
Larraín conta que colocou, entre as imagens que recriaram a Casa Branca, passagens do documentário original. São quase indistinguíveis.
E começamos a admirar a interpretação mediúnica de Natalie Portman, que recriou a voz, o porte e o jeito meio longínquo mas afável da primeira dama.
Há toques estratégicos como a amiga e assistente de Jackie, Nancy Tuckerman, interpretada por Greta Gerwig que gesticula atrás das câmeras da TV, pedindo que Jackie sorria.
Assim, Larraín mostra e recria a Jackie das imagens que todo mundo viu mas, numa demonstração de seu gênio e da criatividade do roteirista que ele escolheu, Noah Oppenheim, prêmio de roteiro no Festival de Veneza, mostra também imagens que nunca ninguém viu, mas que parecem ser as verdadeiras.
Emociona e angustia ver Jackie lavando o rosto para tirar o sangue do marido de seu rosto e cabelos, no mesmo banheiro do AirForce1 que a trouxera impecável e linda em seu tailleur Chanel rosa, debruado de azul marinho, colocando o chapéu “pillbox” que ela usaria durante o evento em Dallas.
Além dessas, há a Jackie de vestido longo de seda verde aplaudindo Pablo Casals num concerto na Casa Branca.  A que dança alegre e romântica com o marido no vermelho black-tie. A mãe que tem que dar a notícia trágica aos filhos. A que se apoia no cunhado Bob (Peter Sarsgaard). A viúva que conversa com o padre (John Hurt) sobre a dificuldade das lembranças boas não se misturarem com as terríveis. E aquela que, contra tudo e todos, faz da cerimonia fúnebre do presidente, algo majestoso e triste, sem ter tempo para chorar o luto.
Finalmente, a imagem íntima de Jackie, já viúva, insone, de camisola, colocando na vitrola o disco de “Camelot”, cantado por Richard Burton, de que o marido tanto gostava.
Natalie Portman mostra talento e sensibilidade ao incarnar  um mito, sem medo de errar. Ela está magnífica.

Pablo Larraín consegue conquistar mais uma vitória para a sua carreira de sucesso. Também sem medo de errar ao mostrar o avesso imaginário, mas tão verdadeiro, em sua recriação  de uma lenda do século XX.

Estrelas Além do Tempo


“Estrelas Além do Tempo”- “Hidden Figures”, Estados Unidos, 2016
Direção: Theodore Melfi

Quando vemos aquela menininha negra demonstrando um complicado raciocínio matemático com clareza e autoridade, ficamos certos de que ela vai ser uma figura importante no futuro.
E assim será. O filme mostra que, em 1961, Katherine Johnson (Taraji P. Henson) vai trabalhar na NASA em Hampton, Virginia, como um computador. Naquele tempo, computadores eram pessoas superdotadas para cálculos necessários ao programa espacial americano, que estava atrasado em relação ao soviético, em plena Guerra Fria.
A cena de abertura mostra três mulheres negras com um problema mecânico no carro que as leva, juntas, todo dia para o trabalho. Chega um carro com um policial que se espanta ao saber que trabalham na NASA.
Dorothy Vaughan (Octavia Spencer) e Mary Jackson (Janelle Monaé) são as companheiras brilhantes de Katherine, que conseguiram um trabalho importante por seus próprios méritos.
Mas logo vamos nos dar conta de que a vida para qualquer negro, especialmente na conservadora Virginia, não era nada fácil naquela época em que havia uma política de segregação entre brancos e negros. Assim, nos ônibus públicos deveriam sentar-se nos lugares do fundo, havia escolas só para brancos, bebedouros e banheiros públicos separados.
A história de Katherine é a melhor contada no filme. Viúva, com três filhas pequenas e trabalhando até tarde, já que tinha sido recrutada para um trabalho especial de cálculos sobre o lançamento, trajetória e retorno do foguete Atlas, que poria um primeiro americano em órbita, tinha uma vida difícil. Era a única mulher na sala de Al Harrison (Kevin Costner), chefe do programa.
Pobre Katherine. O racismo fazia com que tivesse que correr mais de 500 metros para poder ir ao banheiro. E Harrison se irrita com suas ausências, sem perceber que não havia banheiros para negros no prédio onde trabalhavam.
Mais tarde, ele vai se dar conta disso e mudar muita coisa no que dizia respeito à segregação na NASA.
Dorothy também sofria pelo fato de não ser reconhecida como chefe de departamento, onde trabalhava coordenando várias moças negras. Sua chefe (Kirsten Dunst) a tratava com frieza e menosprezo.
Mary vai ter que entrar na justiça para poder estudar à noite numa escola para homens brancos e tornar-se a primeira engenheira mulher e negra da NASA.
Essas três mulheres inteligentes, brilhantes e lutadoras vão sobressair-se e fazer um trabalho importante, que só foi reconhecido há muito pouco tempo.
O diretor Theodore Melfi adaptou o livro do mesmo nome do filme em inglês: “Hidden Figures” de Margot Lee Shetterly.
É um filme bem cuidado, com boa reprodução da época, tanto nos cenários como nos figurinos e conta a história da conquista do espaço de maneira tradicional, usando do talento do elenco, todos muito bem em seus personagens.
O racismo e a misoginia não são apenas americanos. Sabemos bem como existem de variadas formas em quase todos os países. Mas o impacto dessa história das três mulheres negras, tão importantes na corrida espacial americana, ainda que com tardio reconhecimento, é bem contada nesse filme e incentiva a refletirmos na injustiça e falta de bom senso que levam a esse tipo de comportamento.


O Idolo


“O Idolo”- “The Idol”, Reino Unido, Palestina, Catar, Holanda, Emirados Árabes Unidos
Direção: Hany Abu-Assad

Um filme que começa com crianças brincando, como todas as crianças do mundo, nos faz receber bem “O Idolo”. É 2005, Palestina, Faixa de Gaza, mas apesar dos cenários pobres e maltratados daquela terra, lá as crianças também se divertem.
Em uma cena de perseguição, um dos meninos pula ágil sobre os tetos dos ônibus enfileirados e corre para sua casa.
Lá a mãe dele reclama:
“- Quando você vai se comportar como um menino de sua idade? E nem ouse sair de casa!”
Ali mora uma família de classe média. Mas como classificar se quase todos nessa vila são pobres? Eles moram numa casa com quarto só para eles, um menino de 12 anos, Mohammed Assaf e sua irmã de 10, Nour (linda e competente atriz mirim). Vão à escola e podemos dizer que tem mais luxos que os outros. Televisão na sala e pai e mãe carinhosos.
A primeira parte do filme conta a história de quatro amiguinhos que tem um sonho: tocar com a banda deles na Ópera do Cairo. Parece impossível que isso vá acontecer quando se vê a dificuldade de comprar instrumentos, mesmo usados.
As crianças vendem peixe frito na praia e comida surrupiada de uma lanchonete e com isso conseguem juntar um dinheirinho.
Não vamos ouvir falar de guerra, terrorismo, inimigos ou algo desse teor. A câmara mostra os prédios destruídos mas as crianças vivem uma vida normal.
Lá também tem adultos que roubam as crianças mas elas sabem se defender.
 Mohammed (Qais Atallah) é o cantor da banda e tem voz e carinha de anjo. Adora a irmã (Hiba Attalah) que tem jeito de menino. Aliás, ela usa esse jeito para poder tocar guitarra. Ela, como menina, não poderia se interessar em tocar numa banda, pensam muitos dos adultos do lugar. Ela é bonita e charmosa mas quando toca em casamentos e festas tem que se esconder atrás de um pôster grande. Mas ela é alegre e animada. À noite consola o irmão:
“- Vamos tocar no Cairo. Sei que vamos! Está chorando? Vai dar tudo certo. Seremos grandes e vamos mudar o mundo!” e faz o irmão repetir a frase vitoriosa.
E essas crianças vão tocando e cantando até que uma tragédia acontece. Nour tem uma doença fatal.
É nesse momento que vemos Mohammed crescer e se apegar ainda mais a seu sonho. E, ajudado pelo professor
Kamal (Amer Hlehel), que gostou da voz dele e se torna seu mentor, ensaia muito e progride.
Dessa infância até sua juventude, esse palestino vai lutar com tudo que pode para chegar lá, no programa “Arab Idol”, uma espécie de “The Voice” egípcio.
Na segunda parte do filme, em 2012, Mohammed tem 24 anos e é interpretado por Tawfeek Barhon, que ajudado pela sorte, consegue chegar onde quer.
No final, o próprio Assaf, bonito e carismático, aparece ganhando o prêmio do programa, ele o único palestino participante.
O diretor Hany Abu-Assad (“Paradise Now” e “Omar”, ambos indicados a melhor filme estrangeiro no Oscar) é um símbolo nacional de esperança e desafio. Seu filme que conta a história real de um palestino que, por causa de um programa de TV tornou-se Embaixador de Boa Vontade da ONU e ídolo nacional, é simples e emocionante.

Mostra que a beleza de uma voz e o talento podem unir um povo que precisa de heróis da paz para viver e encontrar o seu destino.

sábado, 21 de janeiro de 2017

A Espera


“A Espera” - “L’Attesa”, Itália, França, 2015
Direção: Piero Messina

As primeiras imagens lembram a morte de Cristo, as dores de sua mãe, o luto que impera na Semana Santa na Sicília, onde a religião é severa, antiga e ligada a ritos pagãos.
Mas existe um outro morto. Pessoas enlutadas cumprimentam a mulher de preto, com o rosto devastado pela dor. Depois, a câmara mostra apenas seus pés ao lado do caixão. Intuímos que ela perdeu alguém muito querido. A igreja, quase vazia, tem dimensões que fazem os seres humanos presentes pequenos demais.
Na casa siciliana há um sino calado e o vento arrasta um colchonete vermelho. Imagem que denuncia algo inevitável: as forças da natureza. Vida e morte.
A personagem de Juliette Binoche, deitada vestida na cama no quarto na obscuridade, tem os olhos abertos e vazios. Sua imobilidade e solidão falam de sentimentos que paralisam.
Quando toca o telefone e Anna (Juliette Binoche, soberba) vai atender, algo se passa com ela. Uma luz a ilumina. Ao invés de contar tudo para Jeanne (Lou de Laâge, bela e sensual), a namorada que vem visitar seu filho Giuseppe e não sabe o que aconteceu, Anna diz que o filho não está mas convida a moça para vir vê-la:
“- Estarei esperando.”
E, no aeroporto, as imagens dos passageiros em silhueta contra o vulcão enorme atrás da parede de vidro, os objetos vistos em transparência pelo raio X da alfândega, tudo remete ao que se esconde, ao que não é visto mas está ali presente.
Por que Anna não conta a verdade para Jeanne? Por que  espera?
Anna estava vazia, sem vida. A morte inesperada do filho querido num acidente deixou-a sem reação. Seus sentimentos são de incompreensão, raiva, abandono, injustiça.
A aparição inesperada de Jeanne traz a esperança de manter o filho vivo mais um pouco. Precisa compartilhar as memórias do que a moça viveu com ele.
Há maldade em Anna? Talvez. Ela se pergunta: por que Giuseppe morreu e Jeanne está viva? E a moça chega radiante de juventude, beleza e pressa para encontrar Giuseppe. Quer agradar Anna que é a mãe do seu amor.
E fica no ar a dúvida. Jeanne é muito ingênua e não compreende o que se passa? Ou é outra que também escolheu a negação?
Jeanne deixa mensagens no celular do namorado mas não tem respostas. Mal sabe ela que o telefone está com Anna que escuta tudo.
O empregado Pietro (Giorgio Colangeli) é para Anna a lembrança da verdade, do que deveria ser dito, da saudável aceitação da morte e do luto.
Mas ela prefere a negação. E traz à vida, fantasmas.
A ela só resta a solidão e talvez a loucura.
O diretor Piero Messina, 35 anos, que foi assistente de Paolo Sorrentino em “A Grande Beleza”, em seu primeiro longa nos deslumbra com o apuro visual de “A Espera”.
É um filme que grita a ausência, a falta, a perda, através de uma interpretação magnífica de Juliette Binoche, que sempre escolhe com muita seriedade os filmes que faz.
Ela e a casa vazia, as palavras que não consegue dizer, a ambiguidade de seu comportamento, são uma aula sobre o luto. Humano penar. Insanidade passageira que pode se tornar uma melancolia doentia.
“A Espera” é um filme quase assustador porque mergulha fundo na alma humana. Imperdível para quem gosta de beleza e mistério.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Globo de Ouro 2017


Globo de Ouro 2017

Na noite da 74ª edição do prêmio mais descontraído do cinema, já que tudo ocorre durante um jantar onde se come e bebe durante a cerimônia, tudo aconteceu como devia.
Ou seja, o preferido nas indicações ganhou todos os 7 prêmios aos quais concorria. “La La Land” cumpriu bem essa aura que acompanha o filme.  Uns odeiam, outros amam. Ganharam os últimos. E eu junto.
Quando vi o filme alguns dias atrás, amigos se dividiram. E eu, atordoada com o fim do filme, demorei para sair do encantamento nada passivo que o filme inspira. E aí entendi que tinha adorado tudo!
Ryan Gosling e Emma Stone fazem o par perfeito. Dançando de uma maneira descontraída mas elegante. Lembram Fred  Astaire e Cid Charize. Mas não imitando. Criando essa semelhança como uma ponte entre o passado e o presente. Tudo que é bonito e artístico é eterno. Isso que eles passam.
E o diretor de 31 anos que já tinha chamado a atenção com “Whiplash” no ano passado, confirma seu gênio. Ganhou melhor direção e melhor roteiro. E se consagrou como alguém que faz coisas originais com excelente acabamento. Seja do roteiro com uma história romântica mas contida, dos atores que ele escolhe e dirige, seja da música original (“City of Stars”, a canção que todo mundo sai assobiando do cinema)), seja das coreografias, cenários, figurinos. Uma obra redonda, sem arestas. Nada é demais ou de menos. Vamos ver a batalha se repetir no Oscar?
Com não sou de ver séries, porque me tirariam do cinema, sempre vejo uma única. E acertei. “The Crown” ganhou melhor série drama e Claire Foy que faz a rainha Elizabeth II, o de melhor atriz. Bem acabada, com interpretações preciosas, relembra a história que se passou no século XX quando eu era menina, deslumbrada com aquela coroação em preto e branco na TV.
E melhor filme estrangeiro só poderia mesmo ser “Elle”, acompanhado do prêmio de melhor atriz de drama para Isabelle Huppert, linda e sem esconder a surpresa nem a felicidade.
Melhor ator de drama melhor que Casey Affleck em “Manchester à Beira Mar” não tinha. Levou o prêmio merecidíssimo.
E para mim, o fecho de ouro foi a eterna melhor atriz, Meryl Streep. Apresentada com palavras emocionadas de Viola Davis, prêmio de melhor atriz coadjuvante por “Fences”, foi o prólogo exato para o que veio a seguir.
Que discurso valente! Não citou nomes e nem precisava. E a repercussão foi mundial. Depois então que a resposta foi o máximo da deselegância e do machismo... Alguém perdeu uma boa oportunidade de ficar calado.
Bem, o “red carpet” foi divertido como sempre e eu fiquei comentando ao vivo com minhas amigas do Face.
Fui dormir feliz e querendo sonhar com a dança nas estrelas de Ryan e Emma!
Que venha o Oscar!


domingo, 8 de janeiro de 2017

La La Land - Cantando Estações


“La La Land – Cantando Estações”- “La La Land”, Estados Unidos, 2016
Direção: Damien Chazelle

Uma imagem que todos conhecemos de Los Angeles são suas auto-estradas sempre apinhadas de carros, em grandes engarrafamentos. Cada um em seu carro escutando música e todos irritados com a lentidão do tráfego.
Pois foi essa ideia que o diretor Damian Chazelle (“Whiplash”), 31 anos, transformou em uma cena de abertura inesquecível de seu terceiro filme. Todos parados e, de repente, um a um, todos saem de seus carros para cantar e dançar.
A câmara de Chazelle também dança e acompanha os 100 bailarinos, vestidos em cores berrantes, na canção “Another Day of Sun”.
Claro, todos aqueles que perseguem seu sonho na cidade do cinema, vão ser representados por esses jovens que pulam sobre o teto dos carros em uma coreografia atlética e alegre.
Dentre eles estão os principais personagens da trama: Mia (Emma Stone) que trabalha numa lanchonete dentro de um grande estúdio de cinema e corre cada vez que é chamada para uma entrevista, porque essa pode ser a chance que ela espera para se tornar uma estrela e Sebástian (Ryan Gosling) que tem um estilo diferente daqueles jovens. Seu carro é antiguinho, tem toca-fitas e ele se veste como se vivesse nos anos 50. Ele é um pianista talentoso, que sonha em ter seu próprio clube noturno de jazz mas ao velho e bom estilo do jazz que nasceu em Nova Orleans. Para conseguir sobreviver, ele trabalha num restaurante, onde toca músicas de Natal e sucessos dos anos 80.
Mia e Sebástian se odeiam em seu primeiro encontro naquela estrada. Ela leva uma buzinada dele e retribui com um gesto mal-educado.
Mas esses dois vão se encontrar outras vezes. E são feitos um para o outro. É só acontecer uma boa oportunidade, que vem depois de uma festa, quando eles procuram seus carros. Sentados num banco, com a cidade e suas luzes lá no vale, eles começam a dançar um sapateado ao som de “City of Stars”. Um encantamento.
Acompanhar esses dois se apaixonando e dançando entre as estrelas do Observatório, é outra cena que emociona e faz sonhar.
Mas o conflito vai começar assim que eles se convencem que são um casal. O que será mais importante? Realizar o sonho profissional ou o amoroso?
E parece que o jovem diretor e roteirista percebe em sua geração uma tendência a valorizar mais a realização profissional do que a afetiva.
“La La Land” também tem momentos de decepção.
Mas o filme, que não pode ser considerado um musical porque não é o tempo todo que eles cantam e dançam, faz uma homenagem aos musicais do século XX, sem se esquecer que estamos no XXI.
A nostalgia dos anos dourados serve para impulsionar Mia, que idolatra Ingrid Bergman, a aceitar qualquer coisa no cinema, lugar onde ela quer brilhar.
Já Sebástian, apesar de fazer sucesso com o tipo de música que se faz hoje em dia, sonha em poder tocar em seu piano a música que ele adora.
E nós na plateia nos apaixonamos por esses dois e torcemos por eles. Mas recordamos que são as escolhas que fazemos no presente que determinam o nosso futuro.
“La La Land” acredita nos sonhos mas também tem o pé na terra.
Um filme bem imaginado, original e encantador.
Ganhou sete prêmios no Globo de Ouro: melhor filme musical, melhor diretor, melhor roteiro, melhor atriz, melhor ator, melhor canção "City of Stars", melhor música original.

Manchester à Beira Mar


“Manchester à Beira Mar”- “Manchester By The Sea”, Estados Unidos, 2016
Direção: Kenneth Lonergan

No começo do filme somos apresentados a uma cidade e seu porto: Manchester. Barcos e casas ao longo da baia. Tudo banhado numa luz solar prateada. Ali faz frio.
Num desses barcos, um pai, seu filho que aprende a pescar e o tio fazendo piadas. Tudo leve, alegre, comum.
Talvez por isso haja um estranhamento quando tudo muda radicalmente.
Custamos a acreditar que aquele homem jovem, com um jeito duro, que trabalha como zelador faz-tudo num prédio de apartamentos em Boston, seja o mesmo que estava no barco com o irmão e o sobrinho.
Vemos Lee (Casey Affleck, ator maravilhoso), em pleno inverno, tirando a neve dos caminhos do prédio. Ele é também encanador e não trata bem as pessoas para quem trabalha.
Depois, num bar, vamos conhecer um pouco mais Lee, que é o centro da história que será contada.
Ele é problemático, paranoico, briguento. Começa uma briga feia naquele bar, sem motivo. O que aconteceu com ele? Por que mudou tanto? Por que tanta agressividade? Parece que ele procura alguém que o castigue.
Quando telefonam para Lee dizendo que seu irmão Joe (Kyle Chandler)  morreu, ele parece mais zangado do que triste. Não derrama uma lágrima. Mas corre para o hospital em Manchester, uma hora e meia longe de onde Lee está.
Um “flashback” mostra que o irmão mais velho de Lee tinha uma doença cardíaca grave, não iria durar muito. Os irmãos parecem próximos e Joe muito protetor do irmão mais novo.
Mas ainda não chegamos na cena crucial e muda que, ao som do triste adágio de Albinoni, vai mostrar o que se passou na vida de Lee. Algo terrível aconteceu e marcou aquele homem de forma cruel. Ele não quer viver. Ou melhor, vive para se punir. Sua depressão é grave e não há consolo para ele, imerso numa raiva congelante.
Casey Affleck (irmão de Bem Affleck) interpreta Lee com tanta entrega que faz a plateia sofrer com ele e, ao mesmo tempo, tentar evitar proximidade, já que ele inspira desconfiança porque intuímos que, a qualquer momento, ele pode explodir. Mas vamos ter que passar pelo que ele passou para entender porque sentimos essa ambiguidade. Pena e raiva, misturadas com medo.
O elenco coadjuvante é excelente. Michelle Williams especialmente, como a ex-mulher de Lee, tem cenas pequenas mas onde ela mostra a grande atriz que ela é.
O sobrinho Patrick (Lucas Hodges, ótimo) vai ter uma relação de brigas e discussões com Lee, que não quer ser seu tutor, mas também vai produzir o humor necessário para os momentos em que a plateia pode respirar e rir.
Até Lee dá um sorriso por causa dele. Não é um grande sorriso mas o possível.
Kenneth Lonergan, o diretor e roteirista que é também autor teatral, em seu terceiro longa faz a plateia viver o drama de Lee de maneira profunda. É doído. Ansiamos por um alívio que parece que nunca virá. O roteiro é brilhante e não cede a chavões nem a soluções simplistas.
“Manchester à Beira Mar” é um filme marcante, diferente dos inúmeros dramas familiares a que estamos acostumados a ver.

Keneth Lonergan merece todos os aplausos. Seu filme é fora do comum e palpita com personagens que parecem de carne e osso.

sábado, 7 de janeiro de 2017

Belos Sonhos


“Belos Sonhos”- “Fa Bei Sogni”, Itália, França, 2016
Direção: Marco Bellocchio

A mãe e seu filho amado. Assim começa essa história. Fim dos anos 60 em Turim, Itália. Massimo (Nicolò Cabras) tem 9 anos e sua mãe (Barbara Ronchi) é jovem e animada. Os dois dançam um twist na sala do apartamento. Riem muito. Ele só tem olhos para ela.
Num outro momento, andam de ônibus pela cidade. A mãe olha pela janela. Parece triste. O menino fica preocupado.
À noite, como sempre, ela vem ver o filho dormindo. É Natal, neva lá fora e ela ajeita o cobertor. Algo se passa porque seu olhar está ainda mais triste.
E, na última noite, ela senta-se na cama do filho, tira o “peignoir” que deixa ali e diz:
“- Tenha belos sonhos...”
Era uma despedida.
Massimo acorda ouvindo um grito do pai e o barulho de vidros quebrados.
E, por mais que pergunte o que aconteceu, só consegue respostas evasivas. Todos o olham penalizados mas não sabem o que fazer.
Massimo não se conforma. Nem com a explicação metafórica do padre:
“- Sua mãe agora é seu anjo da guarda. Vai te proteger lá de cima.”
Diante do caixão, Massimo fica desesperado:
“- Mãe! Acorda! Estão te levando embora! Saia daí!”
Em seu mundo vazio, Massimo que sabe a verdade mas se nega a aceitá-la, joga um busto de Napoleão pela janela. Olha os saltos de trampolim na TV. O espaço vazio o atrai.
Um misto de dor e raiva preenche aquela ausência.
Um salto no tempo e estamos novamente em Turim. Massimo (Valerio Mastrandea) é jornalista esportivo. Veio ver o apartamento dos pais porque tem que vender. Os móveis cobertos por lençóis fazem com que se lembre de Belphagor, o “Fantasma do Louvre”, que o protegia na infância.
O luto de Massimo é profundo e se enraíza no solo materno amoroso, fechando o espaço para novas experiências.
De tanto olhar pela janela e focar o estádio de futebol próximo, escolheu escrever sobre esse esporte. Refugiava-se no terreno paterno para não pensar no espaço vazio e não olhar para baixo. Não quer pensar no anjo que uma noite voou para nunca mais voltar.
Mas o destino quis que ele fosse para a guerra da Bósnia, nos anos 90, como jornalista. E uma cena vai gerar um “insight” que abre o espaço fechado e o liberta para ver a verdade.
Um fotógrafo, em busca de uma foto definitiva sobre aquela guerra, traz um menininho que se distraia com um joguinho no quarto, para perto da mãe morta. O garotinho não tem nenhuma reação e se deixa fotografar passivamente.
E Massimo é confrontado com sua negação. Foi o modo de lidar com algo impossível de ser vivido. Como aquela criança frente a uma verdade que ela não vê.
Os ataques de pânico em que a verdade negada se converteu, vão abrandar, uma vez que o véu é retirado. Uma médica delicada (Bérenice Béjo) ajuda nesse processo de cura.
Marco Bellocchio, 77 anos, é um dos grandes diretores do cinema de sua geração. Em “Belos Sonhos” ele vai fundo na relação íntima e definitiva que todos nós temos com nossas mães. Com talento, ele nos emociona até as lágrimas.



quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A Criada


“A Criada”- “The Handmaiden” – “Ah-ga-ssi”, Coréia do Sul, 2016
Direção: Park Chan-wook

Logo nos interessamos por aquela mocinha coreana, criada por um ourives, que aprendeu a roubar, fazer falsificações e cuidar de bebês que seus patrões vendiam para japoneses.
Mas Sook-Hee (Kim Tae-ni), pequena e graciosa, logo mudará de ambiente. Da casa pobre, vai ser levada por um golpista (Jung-woo Há) para a luxuosa mansão de um ricaço. Lá ela será a criada de quarto da sobrinha japonesa do dono da casa, Lady Hideko, uma rica herdeira.
Além do tio, um velho perverso que pensa em se casar com a sobrinha de sua mulher morta para apossar-se de sua fortuna, o Conde, golpista sem moral, também tem o mesmo objetivo. Para isso ele vai precisar da mocinha pobre naquela casa rica. Chamada agora Tamako, ela vai se aproximar da rica Hideko, que parece ingênua e frágil, para convencê-la a casar-se com o Conde.
A história, adaptada para a Coréia durante a ocupação japonesa nos anos 30 do século XX, vem de um livro escrito por Sarah Waters (“The Fingersmith” – “Na Ponta dos Dedos”), que originalmente se passa na Inglaterra vitoriana.
Park Chan-wook, conhecido por seu filme “Old Boy”, premiado em Cannes em 2004, mostra aqui que além de violência, aprecia o luxo e o refinamento.
O filme é deslumbrante. Cenários cheios de detalhes preciosos tem como personagem principal o feminino: a relação entre as duas protagonistas. Park Chan-wook faz com que apreciemos a beleza natural das jovens de corpos perfeitos e pele de pêssego, cabelos negros sedosos e gestos delicados.
O quarto de Hideko é retratado como um lugar de delícias e prazeres voluptuosos. A enorme cama está no centro do ambiente ornado de espelhos e armários repletos de sapatos, gavetas com luvas finíssimas, quimonos preciosos, joias e leques. Uma corda enrolada como uma cobra na prateleira mais alta do armário intriga a criada. Um fio de seda com guizos, também.
Tais objetos não estão ali por mero acaso. Tem papel importante na história das perversões e fatalidades acontecidas naquela casa.
O jardim, palco de uma tragédia, tem a beleza de uma obra prima de um paisagista dotado. A cerejeira florida é o centro desse jardim do paraíso, onde a serpente se esconde, entre as pedras, riachos, arbustos e caminhos de cascalho. Uma natureza copiada e aprimorada.
Mas, no jogo das reviravoltas, mentiras, traições e mudanças de identidade, que são a parte interessante da história, quem é a serpente? A plateia fica em suspense e acompanha os “flashbacks” que explicam muita coisa que ainda não sabíamos.
O diretor, que geralmente mostra sangue, aqui se esmera em desvelar corpos femininos e seus mistérios. O erotismo de certas cenas é trabalhado lentamente, levando a um arco de excitação crescente.

Mas, mais do que a beleza das atrizes coreanas, “A Criada” mostra que a inteligência feminina não pode ser desprezada, já que de dominadas pela crueldade e perversão masculinas, as mulheres dessa história passam a ser as dominadoras, nesse filme tão belo quanto surpreendente, onde o amor vence a ganância e a maldade.