segunda-feira, 30 de maio de 2016

Jogo do Dinheiro


“Jogo do Dinheiro”- “Money Monster”, Estados Unidos, 2016
Direção: Jodie Foster

Nada naquele estúdio de televisão fazia prever que ali iria ocorrer um drama.
Lee Gates (George Clooney), a estrela do show “Money Monster”, prepara-se no camarim, enquanto seus assistentes volteiam em torno dele, um arrumando o cabelo, outro mostrando um creme erótico, o outro dando um recado sobre um jantar. A diretora Patty Fenn (Julia Roberts) aborrecida, vendo que não consegue a atenção dele, diz:
“- Vou estar no seu ouvido”, aludindo ao ponto que liga a sala das imagens com o estúdio de gravação.
O programa ao vivo vai começar e Lee coloca uma cartola dourada para dançar, freneticamente, ao lado de duas bailarinas, um cifrão pendurado no peito.
Ele é um tipo arrogante, faz gracinhas tolas e barulhentas e leva tudo na farra. Só que o assunto é sério: dinheiro e ações. Ele é o guru da Bolsa, dando dicas para quem quer ganhar dinheiro.
O programa rola com Gates indo de um telão para outro. Fala sobre ações de uma companhia chamada Ibis e se jacta de que tem informações da fonte, o braço direito do dono, Diane Lester (Catriona Balte), uma moça bonita, visivelmente constrangida.
“- Por que vocês valorizam tanto esse Dow Jones? Seja macho! Ibis é a ação do milênio!” grita Lee, de maneira debochada para a câmara.
Nesse momento a diretora Patty vê um sujeito com duas caixas, numa das imagens do palco. E, para seu horror, o cara tira um revolver e dá um tiro para cima.
“- Estamos ao vivo? Se tirarem do ar, eu atiro na cabeça dele!”
E arrasta Jones pelo estúdio, mandando ele abrir uma das caixas, de onde sai um colete com explosivos.
Essa é a situação que vai perdurar durante todo o filme. O rapaz, um investidor da Ibis, perdeu todo o seu dinheiro do dia para a noite, seguindo o conselho de Lee e quer saber o porquê. E Lee Jones, vestido com ocolete, está à mercê do rapaz cada vez mais exaltado que se chama Kyle (o ótimo Jack O’Connell) e que tem o detonador na mão.
Patty, através do ponto no ouvido de Lee, tenta colocar um pouco de discernimento na cabeça dele, avisando que tratar esse rapaz com o respeito que ele merece, é a única saída possível. Só ela mantém a cabeça no lugar.
Essa introdução é a melhor coisa do filme e consegue ser muito rápida, tensa e envolvente. O espectador se liga logo na história do pobre investidor que acreditou nas tais dicas do cínico Lee e agora está sem um centavo. Desesperado e disposto a tudo. Não quer seu dinheiro de volta. Quer saber o que foi que aconteceu.
E isso, nem Lee Gates sabe.
O filme, na linha dos últimos que vimos falando da crise de 2008, faz uma denúncia sobre o jornalismo financeiro, os “gurus” da TV, que não sabem do que falam.
A identificação do espectador com a indignação do rapaz, faz do filme, bem dirigido por Jodie Foster, um drama pessoal que todo mundo entende. Kyle é a voz de todos os enganados.
Mas o filme caminha para responder à pergunta de Kyle (quem é o culpado?) e não se aprofunda na crítica ao sistema financeiro. Mesmo que, no finzinho do filme, uma voz que sai de uma imagem na TV avise:
“- Wall Street é um cassino! Eles estão jogando com o dinheiro de vocês!”
“Jogo do Dinheiro” é entretenimento e de boa qualidade, para quem não quer aprofundar questões.



domingo, 29 de maio de 2016

Espaço Além - Marina Abramovic e o Brasil


“Espaço Além – Marina Abramovic e o Brasil”, Brasil 2016
Direção: Marco Del Fiori

Ela é a “avó da arte da performance”. Assim se intitula a artista sérvia de 69 anos, conhecida no mundo todo. Começou suas performances nos anos 70 e surpreendeu as pessoas pela facilidade com que dispunha de seu próprio corpo para o público interagir com ela, impassível, seja quando tocada por penas, seja quando machucada  com objetos pontiagudos, tesouras e facas. Uma dessas performances teve que ser interrompida no momento em que uma bala foi colocada num revolver, também à disposição do público e a arma foi encostada na cabeça da artista.
No MOMA, durante a performance “O Artista está Presente”, ficou 700 horas sentada numa cadeira, imóvel e calada, para quem quisesse encará-la sentando-se na cadeira em frente.
Aqui no Brasil, onde se passa o documentário de Marco Del Fiol, Marina Abramovic percorreu 6.000 km, de 2012 a 2015, em busca do que chamou “lugares e pessoas de poder”.
No início, a vemos na entrada de uma caverna e, em “off”, ela conta que uma xamã disse a ela:
“- Você nunca se sente em casa em lugar nenhum. Você vem de estrelas distantes. E seu propósito é ensinar os humanos a transcender.”
Desligada de toda e qualquer religião, o que interessa à Marina Abramovic é a espiritualidade.
E assim, a vemos visitando em Goiás o médium João de Deus. Sua posição é contemplativa e serena. Diz em “off”:
“- Milagres acontecem quando não há nada mais a perder.”
A próxima parada é o Vale do Amanhecer, em Brasilia. Mulheres fantasiadas de orixás, cantos, procissões. E a artista pergunta a si mesma:
“- Por que eu sou tão fascinada por rituais? São como performances. Sempre se aprende algo.”
E confessa que veio em busca de cura afetiva:
“- Tive dois amores. O segundo quebrou meu coração.”
Na tela, lindas imagens captadas por Cauê Ito em Alto do Paraiso e Chapada dos Veadeiros, em Goiás.
Ficamos conhecendo dona Flor e sua medicina natural e o método Abramovic de defesa contra bactérias: comer alho e cebola crus.
Na Bahia, Salvador, é a vez da comida dos orixás de Dadá, que Marina aprecia com prazer.
Numa foto de Pierre Verger, ela encontra a imagem do perfeito equilíbrio em pleno movimento e  visita uma feira de objetos e produtos de culto:
“- Aqui tem tudo que você precisa para entrar em contato com realidades paralelas. É uma passagem secreta”, diz sussurrando para a câmara.
Quando é a vez de um terreiro de candomblé em Cachoeira, Bahia, ela vê a dança de pessoas em transe, ao som dos tambores:
“- Os orixás são como as almas do mundo. Essa é a dança dos deuses transformando o universo.”
E quando ela encontra Mãe Filhinha de 104 anos, famosa mãe de santo baiana, seu olhar é de pura admiração.
E então, surpresos, ouvimos Marina Abramovic falar de sua infância:
“- O que há por trás de tudo? É isso que me interessa. Eu fui uma criança muito solitária. Minha mãe tinha mania de limpeza e só deixava pessoas entrarem no meu quarto se estivessem usando máscaras. Eu brincava com as sombras. Via seres invisíveis...”
Seguimos com a trupe para a Chapada Diamantina, Bahia, onde Marina se encanta com um trompete que toca “Eu Sei que Vou te Amar”.
Mas logo a vemos passar, com câmara desfocada, pela “pior experiência” de sua vida, o chá de ayahuasca, tomado, por insistência dela, em dose dupla.
“- Foi como se alguém quebrasse minha mente.”
Ela quer compreender, procura e insiste.Sua curiosidade comanda.
Em Curitiba, Paraná, depois de um ritual de purificação com os xamãs Rudá e Denise, Marina Abramovic toma outra vez o mesmo chá e a experiência é completamente diferente.
“- A criança traumatizada dentro de mim foi cuidada. Foi uma cura.”
Em Minas ela reencontra os cristais que já tinha usado na criação dos “sapatos de ametista para a mente partir”, na primeira vez que visitou Marabá, no Pará em 1979.
E tudo termina no SESC Pompeia em São Paulo, onde o público interage com cristais:
-“Precisamos de arte nas cidades, não na natureza” e acrescenta “essa viagem foi importante para mim para abrir minha cabeça para coisas novas. Entendi que tenho que dar ferramentas para o povo, para que descubram seu próprio self. Eu só preciso ser uma maestrina. O público é o trabalho.”
Aquela que chegou na beira do precipício e não pulou, parece mais tranquila e em contato consigo mesma.
O que é difícil nesse documentário é perceber quando ela é Marina, espontânea, triste ou divertida e quando aparece a artista. Ou é tudo performance?

Não importa. O que vale é conhecer Marina Abramovic e  o Brasil que ela vê através de sua sensibilidade.

terça-feira, 24 de maio de 2016

Certo agora, errado antes


“Certo agora, errado antes”- “Right Now, Wrong Then”, Coreia do Sul, 2015
Direção: Hong Sang-soo

Esperem surpreender-se com esse último e, aparentemente, banal filme do diretor sul-coreano famoso, para quem Isabelle Huppert trabalhou em “A Visitante Francesa – In Another Country” de 2012.
A história é simples. Um diretor de cinema ainda jovem, atraente e famoso, vai exibir seu filme em Suwon, uma cidade da Coreia do Sul. Quando ele chega, vai para o hotel e, ao lado, existe um antigo palácio. Ele vê da janela  de seu quarto uma mocinha bonita entrar e também vai ao local. Fica conhecendo a garota, conversam e ele descobre que ela é pintora. Visitam o ateliê dela e ele opina sobre o quadro que ela está pintando.Vão a um restaurante, bebem muito e depois seguem para um café de uma amiga da mocinha. O diretor tem só essa noite na cidade, porque, no dia seguinte, logo depois da exibição do seu filme e perguntas dos espectadores, ele volta para casa em Seul.
Só que o espectador vai ver essa mesma história se repetir na tela. São os mesmos personagens, as mesmas cenas mas com uma ligeira modificação de gestos, posturas e conversas. E o resultado é completamente diferente nessa segunda vez que vemos a história.
É quase como se o diretor nos mostrasse uma lição de moral. Com apenas pequenas modificações, os personagens tornam-se mais naturais, espontâneos, mais maduros até.
Em uma entrevista, o diretor Hong Sang-soo, 55 anos, conta que filmou a primeira parte, editou e mostrou para os atores. E apenas sugeriu que, na segunda vez, o diretor de cinema iria ser um homem bom para aquela garota.
O jeito desse diretor trabalhar é bem diferente dos outros. Ele se inspira com pouca coisa no início das filmagens e vai construindo a história a cada dia que passa. Mas foi a primeira vez que teve a ideia de contar a mesma história com poucas modificações e resultados diferentes.
O filme é bem original e leva o espectador a comparar, em seu íntimo, as duas história e escolher a melhor. Porque a plateia pode julgar pelos resultados. Pela maneira como os personagens acabam se envolvendo.
O filme ganhou o Leopardo de Ouro no Festival de Locarno, como o melhor filme. O ator Jung JaeYoung recebeu o prêmio de melhor ator.

Se a vida fosse como o filme de Hong Sang-soo, teríamos sempre uma oportunidade de vive-la de uma maneira um pouco diferente. Talvez com mais flexibilidade, menos egoismo e uma maior aceitação dos outros como eles realmente são. Mas, sabendo que é impossível, o melhor é acertar na primeira e única chance que temos. É difícil mas não impossível aprendermos a ser melhores pessoas conforme a vida passa e ensina.

sábado, 21 de maio de 2016

Pais e Filhas


“Pais e Filhas”- “Fathers and Daughters”, Estados Unidos, 2015
Direção: Gabriele Muccino

Há um amor imenso entre aqueles dois. Abraços e beijos entre pai e filha pequena acontecem com espontaneidade e carinho. Aliás, todos os pais e filhas tem um pouco ou muito disso.
Mas a vida foi dura com esses dois. Ele (Russel Crowe, muito bom) e ela (a ótima atriz mirim, Kylie Rogers) sofreram juntos um acidente de carro que matou Patrícia, mãe de Katie e mulher de Jake Davis, escritor de sucesso, que sofre um sério trauma na cabeça.
O luto vai ser pesado. O pai, destroçado, porque no fundo sente-se culpado pelo acidente, só encontra forças para cuidar da menina de cinco anos que perdeu a mãe. A depressão atinge os dois profundamente.
Mas Jake é muito mais frágil do que pensa. Seu talento e criatividade sofrem um bloqueio com a tragédia e ele começa a apresentar sintomas graves de tremores que levam a convulsões. É internado num hospital psiquiátrico para tratamento, onde fica quase um ano.
E a pobrezinha da Katie, que já tinha perdido a mãe, agora perde também o pai adorado, porque não tem idade  para entender o que está acontecendo. Ela fica na casa da tia (Diane Kruger) que não gosta de ver a menina sendo criada pelo pai e tenta adotá-la.
Tudo isso é a primeira parte da história que acontece em Nova York em 1989. A segunda parte, em 2014, intercala-se com a primeira em “flashbaks”. Nela, Katie já está formada na universidade, na área de psicologia e mostra um lado perigoso de comportar-se, frequentando bares e transando com homens desconhecidos.
Katie (Amanda Seyfried, linda e talentosa) é auto-destrutiva. Procura um castigo, inconscientemente.
Mas por que? A morte da mãe e a internação do pai teriam causado tantas feridas graves em sua mente?
Nem ela mesma compreende essa compulsão para o sexo perigoso, no qual não se envolve.
Não há prazer nem liberdade naquilo que ela faz ou deixa os homens fazerem com ela. É impulsionada por algo destrutivo que está dentro dela e que ela tenta controlar fazendo terapia:
“- Não sei porque faço isso... Acho que é para sentir...algo. O resto do tempo não sinto nada...”
Ou seja, não há um movimento de sedução induzido por narcisismo. Katie não quer alimentar seu ego, sentir-se bela ou atraente. Nada disso. Ela não é dona do próprio corpo. Dentro dela, um inimigo a empurra para o abismo. Procura a morte.
Num nível mais superficial, ela tem medo de envolver-se com alguém. Medo de amar e perder novamente. Mas há claramente algo mais tenebroso nela.
A escolha da profissão, ligada a ajudar pessoas, explica, de certa forma, a vontade de entender a si mesma e ajudar-se.
A menina negra que não fala, desde que a mãe foi assassinada, vai levar Katie a experimentar sentimentos que ela nega em si mesma.
O filme é bem conduzido pelo italiano Gabriele Muccino (“À Procura da Felicidade”2006). E o elenco, muito bom, tem também as ganhadoras do Oscar, Jane Fonda e Octavia Spencer.
A trilha sonora de Paolo Bonvino vai de Schubert a Burt Bacharach que, com sua canção “Close to you”, faz até os corações mais duros amolecerem com o dueto do pai e da filha.

“Pais e Filhas” é um filme para quem gosta de derramar uma lágrima no cinema.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Maravilhoso Boccaccio


“Maravilhoso Boccaccio”-“Maraviglioso Boccaccio”, Itália, França, 2015
Direção: Paolo e Vittorio Taviani

Um jovem pálido lança-se de uma torre. A imagem lembra as pessoas caindo das Torres Gêmeas em Nova York...
Mas estamos em Florença, Itália, no ano de 1348. A peste negra mata a torto e a direito. Nem animais escapam.
Pais enterram os filhos. Agarram-se tragicamente a eles, alucinados.
Todos tem medo de tocar um doente. Esses morrem sozinhos e depois são recolhidos por uma carroça e enterrados numa vala comum. Novamente imagens que lembram UTIs de hospitais e também a Segunda Guerra.
Mas as pessoas enlouquecidas que vagam pelas ruas de pedra da bela cidade vivem no século XIV.
Claro, tormentos fazem parte inevitável da vida da humanidade.
Mas sete moças resolvem abandonar a cidade e convidam três jovens, namorados de três delas, para acompanhá-las:
“- Estamos decididas a ter um pouco de paz...”
E, numa bela casa toscana, rodeada pelo esplendor dos campos e colinas verdes, os jovens tentam esquecer os horrores da cidade. Logo estão brincando e rindo. E combinam que cada um deles contará, a cada dia, uma história para distrair os outros.
Mas uma regra se impõe. Nada de amor. Afinal são só três pares e fariam inveja aos outros.
E, no dia seguinte, depois de uma noite ainda infestada de pesadelos, sentam-se nos bancos do jardim e uma das moças começa a contar uma história de amor. A bela Catalina, é abandonada pelo marido e levada morta para a cripta de uma igreja distante. Seu apaixonado secreto é o único que a segue.
O amor aqui é cura, ressureição. Mas, pensar no amor que sentem um pelo outro, faz um dos pares de namorados temer a morte e a separação e chorar.
E, por isso, a nova história volta-se para outros assuntos. Há trapaça, desrespeito, violência. Novamente a morte?
Para escapar de pensamentos mórbidos, nada melhor que comer e beber.
As cenas das histórias num cenário sempre teatral, com uma luz mágica, vinda das janelas ou de velas, mostram pessoas belas cercadas de uma natureza esplêndida. A idealização impera.
Mas como esquecer o desejo? E, fatalmente, o que é negado aos jovens, reaparece nas histórias. Na seguinte, um pai mata, de tanto amor que tem por sua filha.
E, novamente, precisando se esquecer do desejo, correm para o lago, onde mergulham as moças, depois de despir suas túnicas coloridas.
Mas não há como escapar e a nova história fala francamente da força do desejo numa insuspeitada abadia.
E a última história, a fábula do falcão, é a que traz à tona o amor generoso, que tudo dá, mesmo que nada mais reste.
O que querem dizer os irmãos Taviani com toda a sabedoria que acumularam em suas longas vidas?
Talvez que a vida sem amor não vale a pena. Que não adianta querer sepultar o desejo porque ele renasce. Assim como a chuva é benéfica para a terra, assim é o amor para a humanidade. Não afasta a morte porque é tão natural quanto ela.
Livremente inspirados no “Decameron” de Boccaccio, os irmãos Taviani fazem uma leitura estética dessa obra, com a cenografia, os figurinos e a iluminação, tudo a serviço de criar para a câmara, quadros renascentistas maravilhosos.

Um belo filme com uma sábia lição sobre a vida e sua inevitável fragilidade.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Uma História de Loucura


“Uma História de Loucura”- “Une Histoire de Fou”, França, 2015
Direção: Robert Guédiguian

O genocídio do povo armênio em 1915, pelos turcos, quando do Império Otomano, durante a Primeira Guerra é uma história pouco conhecida.
O filme de Guédiguian, diretor francês de ascendência armênia, começa em 15 de março de 1921, em preto e branco, mostrando um jovem bem vestido, sentado em um banco de praça em Berlim. Ele vigia a porta de um prédio. Quando ela se abre, vemos sair um senhor que, ao passar pelo jovem, leva um tiro na nuca e cai morto.
Soghomon Tehlirian, armênio sobrevivente do genocídio, é quem mata Talat Paxá, ex-ministro turco, um dos responsáveis pela morte dos conterrâneos de Tehlirian.
Calcula-se que entre um milhão e um milhão e meio de pessoas foram arrancadas de suas casas e massacradas.
O jovem havia gritado depois de executar o ex-ministro:
“- Eu sou armênio! Ele é turco! Ele é um assassino!”
E, durante seu julgamento repete:
“- Eu matei um homem mas não sou um assassino!”
E o jovem armênio é inocentado pelo júri.
Os que sobreviveram ao massacre, não se esquecem de que um país lhes foi tirado e incutem nas novas gerações o ódio aos turcos, que não reconhecem até hoje o acontecido.
O filme conta a história de uma família de armênios em Marselha, nos anos 80. E foi inspirado em um fato real.
José Antonio Gurriaran, jornalista espanhol, ficou semi-paralisado por um atentado a bomba de autoria do Exército Armênio Secreto de Liberação, em Madrid, em 18981. Ele se interessou pela história do genocídio, um crime contra a humanidade. E tornou-se ativista da causa.
“Uma História de Loucura” mostra bem a avó da família em Marselha incutindo o ódio aos turcos em sua neta. O pai da família (Simon Abkarian) é menos propenso à ideia de vingança e não concorda com sua mulher (Ariane Ascande, mulher do diretor Guédiguian), que defende a posição de sua própria mãe, a avó doutrinadora, que canta canções que falam sobre o massacre e que os assassinos não serão perdoados.
Ora, o que acontece é que o filho dessa família, o jovem Aram, alia-se a um grupo que planeja um ataque à bomba ao embaixador turco em Paris.
Durante o atentado, um jovem ciclista distraído foi atingido e perde uma perna. Ele, que era estudante de medicina cai numa depressão e, revoltado, recusa a ajuda e o amor de sua noiva.
Mas a mãe de Aram (o iraniano estreante Syrus Shahidi) vai comover o jovem francês (Gregoire Leprince-Ringuet) que, pouco a pouco, se convence de encontrar o responsável por sua perna perdida.
Na verdade, o filme questiona um assunto atual: o terrorismo. Guédiguian, através do personagem do jovem Aram pergunta a uma certa altura: a quem interessa a morte de pessoas inocentes?
E a questão do massacre dos armênios se amplia para os dias de hoje, quando o mundo se horroriza com os atentados como os de Paris e Bruxelas.
É um filme político que sugere que repensemos todos sobre as consequências do ódio e da vingança.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

A Assassina


“A Assassina”- “Nie Yin Niang”, Taiwan
Direção: Hsiao-Hsien Hou

Se você gosta de ver beleza na tela do cinema, não perca “A Assassina”, filme do diretor nascido na China continental e criado em Taiwan, Hsiao-Hsien Hou, 69 anos.
Aparentemente, “A Assassina” é do gênero “wuxia”, ou seja, filme que mistura fantasia e lutas marciais, basicamente lutas de espadas em um mundo imaginário feudal. Este tipo de cinema foi e ainda é muito popular em Taiwan mas aqui, o diretor despreza as lutas agressivas e com gritos. Porque “A Assassina” usa dessa estética marcial para elevá-la a uma superioridade tal, com relação aos outros filmes do gênero, que nem se pode realmente dizer que faz parte dos “wuxia” tradicionais.
O que distingue “A Assassina” é o convite à contemplação de quadros seja da natureza, seja de lugares íntimos de família.
Tudo muito sofisticado, não só na escolha dos lugares a serem filmados, como na confecção dos materiais usados na recriação de interiores e do vestuário. A câmara é quase sempre fixa, mesmo durante as lutas e há velaturas da imagem, seja pela neblina, vegetação, luzes de velas ou panos transparentes.
Apesar da lentidão de algumas cenas, a beleza é tamanha que desconcentra o espectador da trama. Perdemos nossa vontade de ir além para tentar entender melhor os detalhes, que são tantos, as cores e as coreografias. E por que não citar aquela montanha de pedra da qual adivinhamos o tamanho e nos enganamos? Lá estão, depois da primeira visão, homens e cavalos para que a natureza adquira sua dimensão comparada ao humano. É fascinante esse desconhecimento dos espaços do qual nos damos conta.
O filme conta a história de Nie Yinniang (Oi Shu, belíssima, delicada e feroz como uma pantera negra), filha de um general, sequestrada por uma monja taoísta aos 10 anos de idade, para treiná-la em sua arte com espadas e torná-la uma justiceira. Seu alvo são os governantes poderosos e corruptos.
E a aluna é considerada inigualável pela mestra que a treinou. No entanto, enviada para uma missão que envolvia o assassinato de um governador cruel que matara seu próprio pai e irmão, Yinniang não consegue executar o que lhe foi pedido. Vemos que fica sem ação porque o homem estava com o filho no colo.
“- Você deveria ter matado primeiro a pessoa que ele ama e depois ele mesmo.”
E a mestra decide mandá-la para outra missão, que também é um castigo. A jovem terá como alvo seu primo, Tian Ji-an (Chang Chen), a quem fora prometida em casamento quando ainda criança. O primo era um importante governante da província de Weibo, a mais poderosa da China no século IX, que marca o final da dinastia Tang (618-907) .
E agora é muito mais difícil para Yinniang pois ela, que nunca teve família, observa o primo com os filhos e a esposa. E seus sentimentos vão se impor com tamanha força, que ela vai se deparar com um conflito sobre o seu futuro.
Alguns dizem que é complicado entender a história porque quase não há diálogos. Mas parece que foi de propósito. O diretor está mais interessado em deslumbrar  nossos olhos. A história é um mero pretexto.
Quando passou no Festival de Cannes, levou o prêmio de melhor direção para Hsao-Hsian Hou, do júri presidido pelos irmãos Cohen e foi indicado para o Oscar 2016, na lista dos cinco finalistas, representando Taiwan.
Belíssimo, o filme apresenta também uma grande interpretação de Oi Shu, que faz com alma a justiceira sem direito à vida afetiva. As coreografias das lutas são verdadeiras danças e ela se movimenta com graça e agilidade.
 “A Assassina” é um dos filmes mais bonitos que eu já vi. Recomendo.