sábado, 22 de janeiro de 2011

O Turista



“O Turista”- “The Tourist”, Estados Unidos, França,2010

Direção: Florian Henckel von Donnersmarck





Tal qual uma pantera em sua selva, ela anda mansa e bela pelas ruas de Paris. Olhos verdes e longos cabelos castanhos, saltos altos e luvas de camurça finissima que lhe sobem pelos braços acima do cotovelo, o que está fazendo? Procura alguém? A uma certa altura da caminhada, olha as horas num reloginho de ouro que se entrevê pela abertura dos botões de pérola da luva.

O que faz essa deusa andar pela terra dos homens longe de seu Olimpo?

Pronto. Com esse começo atraente, já estamos fisgados por “O Turista”. Ou melhor, por Angelina Jolie que brilha na tela sem ter dito uma só palavra.

Todos os olhares a seguem. É inevitável. Muito bem maquiada e com um vestido beje (ou “nude”como chamam agora todos os tons que lembram carne), busto cingido por uma “écharpe” de gaze cor de tangerina que se ata na altura dos quadris e voa como uma bela cauda atrás dela, La Jolie está magnífica.

Colleen Atwood, ganhadora do Oscar, acertou mais uma vez e os figurinos são um espetáculo à parte.

Se bem que os dois vestidos longos são assinados pela famosa estilista Alberta Ferretti. Tudo muito chique. O branco, simples e bem cortado, valoriza o corpo de Angelina e é uma bela surpresa para os nossos olhos, quando ela tira o casaco suntuoso de veludo negro que usa na cena do jantar a dois com Johnny Depp. Já o que ela veste para o baile é delicado e realça seus belos ombros e o colar de brilhantes deslumbrante, no pescoço de cisne posto à vista pelos cabelos presos num coque armado.

Mais sexy do que nunca, ela rouba a cena em “O Turista”, refilmagem do filme francês “Anthony Zimmer: A Caçada”, dirigida por um alemão que ganhou um Oscar em seu filme de estréia “A Vida dos Outros”(2006), Florian Henckel von Donnersmarck.

Johnny Depp, o par romântico de Jolie, faz um professor de matemática tímido e divertido, encantado pela mulher misteriosa que ele conhece no trem Paris/ Veneza.

Parece que, por acaso, seu personagem é levado a participar de uma história que não tem nada a ver com ele. Mas, fascinado pela moça linda, ele segue em frente, como que hipnotizado. E se envolve com a Scotland Yard, a Interpol, agentes policiais italianos, seguranças russos, todos perseguindo Jolie, num jogo de gato e rato com muitas reviravoltas.

A cena de fuga pelos telhados de Veneza, com Depp mal equilibrado vestido num pijama bem comportado, é muito boa e faz lembrar Cary Grant e David Niven nos telhados de Nice, vestidos em smokings elegantes em “Ladrão de Casaca”.

E aqui, também, ninguém é o que parece.

A fotografia do filme é deslumbrante e aproveita a luz de Veneza, cenário perfeito tanto para tomadas do alto como percorrendo seus canais, mostrando-a afundando sob as águas escuras, toda ocre e pedras antigas.

Gondolas, lanchas velozes e um hotel famoso num palácio veneziano principesco onde brilham mármores raros, veludos vermelhos, espelhos e objetos preciosos são o toque sofisticado para uma história intrigante.

Mas é o par Jolie- Depp que prende a atenção. São dois astros ao estilo de outros que fizeram história no cinema americano. Toda vez que estão juntos na tela há uma atração no ar.

Não causa espanto o diz-que-diz que o filme causou.

Em seu blog, Johnny Depp não faz por menos:

“Angy é tão linda que eu poderia passar o resto da vida olhando para ela”, escreve com ares de inocência.

Por essa e por outras, quem sabe, Bradd Pitt não parecia à vontade na noite da entrega do Globo de Ouro. La Jolie, num longo esmeralda cintilante, não conseguia capturar o olhar do marido, frente às cameras de TV que mostravam o casal na platéia. Arrufos passageiros? É o que esperam os fãs dessa dupla imbatível no quesito beleza.

Tudo isso e mais as indicações para prêmios levarão muita gente ao cinema.

Poucos vão se impressionar por uma parte da crítica que malhou o filme porque cinema também é divertimento. E charme e beleza são sempre uma atração irresistível.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Dieta Mediterrânea



“Dieta Mediterrânea”- “Dieta Mediterránea”, Espanha, 2009

Direção: Joaquim Oristelli





Esse é um daqueles filmes que você saboreia. Pertence a uma linha de cinema que faz sucesso explorando o tema da culinária: “A Festa de Babette”(1987), “Vatel, o Cozinheiro do Rei”(2000), “Estômago”(2007), “Julie e Julia”(2009), ”Comer Rezar Amar”(2010), para citar só alguns.

E parece certo que tais filmes são apreciados porque falam de uma arte necessária à vida prazeirosa. A cozinha, quando regida por pessoas dotadas, torna-se um lugar de descobertas, de transformações, onde sabores e cores são usados para deliciar nossos olhos e estômago.

Acrescente-se a isso uma bela pitada de sexo e temos “Dieta Mediterrânea”, um filme espanhol dirigido por Joaquim Oristelli.

“Salerosa”, Olivia Molina, a “chef” Sofia, ao redor de quem gira o filme, é uma morena atrevida, mandona e jeitosa. Encarna o eterno feminino, com tudo o que tem de matriarcado, num flexível corpo esguio e belos seios.

Ela é esposa, amante, mãe, filha e “chef” de cozinha. Segue a carreira do pai, para desgosto da mãe, Carmen Balagué, maravilhosa atriz de “Tudo sobre minha mãe” de Pedro Almodóvar.

E Sofia consegue fazer com que o seu talento seja reconhecido pelos grandes “chefs” europeus, entre os quais Ferran Adrià, que aparece em pessoa no filme.

Para quem não sabe, Adrià é o “chef” de um dos mais famosos restaurantes do mundo, El Bulli, que fica em Roses, na Costa Brava, Catalunha, ao norte de Barcelona. Usando novas tecnologias e buscando sabores inesperados aliados a texturas elaboradas, ele desenvolveu uma cozinha criativa que dá o que falar. Tem gente que faz reserva para conseguir mesa só um ano depois. El Bulli é famoso por seu menú degustação de 30 pratos, que convida as pessoas a provar sem saber o que estão comendo. Tudo pela descoberta de paladares adormecidos pelo quotidiano.

Mas o detalhe apimentado do filme é que Sofia é uma versão espanhola de nossa dona Flor, criação de Jorge Amado, vivida por uma inesquecível Sonia Braga nas telas.

As duas cozinham como deusas, são sensuais até a ponta dos dedinhos nas panelas e dão conta de dois homens.

Sofia escolhe esse destino, ao contrário de dona Flor, que parece sujeitar-se ao que acontece com ela, levemente constrangida, mas, secretamente adorando tudo aquilo.

A cena de Vadinho, o marido fantasma, nu pelas ruas de

Salvador abraçando dona Flor gingando ao lado do marido vivo, fecha o filme de Bruno Barreto de uma maneira magistral.

Em “Dieta Mediterrânea”, Sofia na cama, aprecia seus dois homens nus, em frente a ela, de costas para a platéia. A inspiração no filme brasileiro fica bem clara. Eu diria que é uma homenagem.

Mais que em “Jules e Jim” (1961) de François Truffaut, que é citado no filme, “Dieta Mediterrânea” se parece com “Dona Flor e seus dois Maridos” (1976). A diferença maior é que a “chef” Sofia, nascida em 1968, no dia do assassinato de Bob Kennedy, é mais contemporânea que a gentil professora de culinária dona Flor.

Mas longe de qualquer ousadia maior, “Dieta Mediterrânea” é um filme comportado que mais sugere do que mostra, em matéria de cama. Seu local predileto é a cozinha onde Sofia é a sacerdotisa a serviço do ritual de preparar a comida, a ser servida e apreciada.

O filme é contado através de um “flashback” que vai desde o nascimento de Sofia até o nascimento da narradora do filme, sua filha, que tem um nome muito peculiar.

Se vocês forem ver “Dieta Mediterrânea”, vão rir dessa última graça do roteiro de um filme gostoso de ver.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O Mágico



O Mágico – “L’Illusionniste” França/ Reino Unido, 2010

Direção : Sylvain Chomet







Se você é uma pessoa sofisticada e não é mais uma criança, vai se encantar com o novo desenho animado de Sylvain Chomet, “O Mágico”.

Foi ele quem fez “As Bicicletas de Bellevue” (2003), um primor de animação, indicada ao Oscar.

Agora, trata-se, nada mais nada menos, de um roteiro original do grande Jacques Tati (1907-1982), o criador de M. Hulot, célebre personagem de “Mon Oncle”(Meu Tio), de 1958.

Quem tem mais de 50 anos (ou quem é apaixonado por cinema e viu o filme), lembra-se, com certeza, dessa comédia fora dos parâmetros de todas as épocas, na qual, com uma ironia mordaz, Tati fazia uma caricatura aos anos 50, troçando das “modernidades” trazidas à Europa, que tinha se americanizado, perdendo muito do charme de antes da Segunda Guerra.

Alto e magro, sempre de capa de chuva e cachimbo, o atrapalhado M. Hulot inspira o personagem Tatischeff de “O Mágico”. Aliás, esse era o verdadeiro sobrenome de Jacques Tati. Em uma cena do desenho, o mágico entra em um cinema onde está passando “Mon Oncle”. Uma das muitas homenagens que Sylvain Chomet presta a esse gênio do cinema em sua animação mais recente.

A história do roteiro de “O Mágico”, no entanto, desvenda uma característica menos conhecida de Jacques Tati: uma melancolia envergonhada.

Ele era pai de uma filha ilegítima, Helga, fruto de um romance com uma bailarina austríaca. Nunca a reconheceu, pressionado por sua irmã e nem respondia às suas cartas e telefonemas. Mas escreveu-lhe uma carta que nunca entregou... Pois essa carta é o roteiro de “O Mágico”.

Esse detalhe patético torna-se a chave para a motivação psicológica de “O Mágico”: a impotência perante certas circunstâncias da vida. Trata-se do aparecimento do irreparável.

Podemos deduzir que essa relação pai/filha seja o centro da história contada no roteiro/carta. Pois, o mágico decadente vai parar na Escócia onde encontra Alice, a menina pobre e orfã que ele leva para a capital Edimburgo, belamente desenhada com luzes de sonho.

Por Alice, ele faz de tudo. Todo os sacrifícios não são nada e ele suporta tudo para vê-la sorrir, vestida como uma princesa de vitrine. Tributo secreto a Helga, com quem nunca falou? É quase certo.

Esse roteiro, que sofreu poucas modificações, foi entregue a Chomet por Sophie, a filha legítima de Jacques Tati, a quem o diretor dedica o seu trabalho.

O traço elegante e detalhista de “O Mágico” difere em tudo dos atuais desenhos animados. Aqui a atmosfera é antiguinha, o charme dos traços lembra livros de história do começo do século passado e não há um final feliz convencional.

“O Mágico” mostra o ritmo do mundo, no qual alguém está sempre sendo descartado para que outra pessoa possa assumir o posto. Ninguém é insubstituível e o envelhecimento encolhe o ardor dos aplausos de um público que busca sempre novidades. A tristeza e a melancolia fazem parte da vida...

Quase não há diálogos nesse desenho animado para gente grande com capacidade de compreensão e empatia. E nem precisa. Tal qual Jacques Tati, Sylvain Chomet sabe comunicar-se criando situações plenas de afeto, linguagem de gestos e expressões faciais.

Esse desenho animado europeu tem agradado à crítica mundial, já coleciona prêmios, concorreu ao Globo de Ouro de melhor animação e foi indicado ao Bafta, o Oscar inglês de melhor realização técnica.

“O Mágico” trata de valores morais e sentimentos que nunca vão sair de moda. Vá ver essa pequena jóia e esqueça a brutalidade e o mau gosto que tanto enfeiam esse nosso mundo de hoje.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Além da Vida



“Além da Vida”- “Hereafter”, Estados Unidos, 2010

Direção: Clint Eastwood



Existe vida depois da morte? Todas as religiões que apareceram para responder a essa pergunta, feita desde tempos imemoriais pela humanidade, professam que sim. Mas será que essa resposta, que pacifica o nosso narcisismo em busca de continuação, realmente nos ajuda?

No novo e maravilhoso filme de Clint Eastwood, “Além da Vida”, são contadas três histórias com personagens que vivem a proximidade com a morte.

Em duas dessas histórias, vemos que nem sempre há paz e aceitação quando a pessoa crê que a nossa vida não termina com a morte. Acontece muitas vezes quando se perde alguém querido. Há uma obsessão, em alguns, a querer comunicar-se com o ente amado, que acaba impedindo o trabalho do luto. Daí a velha profissão do vidente charlatão.

É o caso do menino Marcus (Frankie McLaren) que perde seu irmão gêmeo Jason (George McLaren) e não se conforma. De tanto procurar, e se decepcionar, acaba conhecendo o vidente George (Matt Damon), para quem o dom de comunicar-se com os mortos (porque é o que ele acredita que acontece), torna-se uma maldição da qual ele quer se livrar. Os dois vão viver uma experiência de solidariedade que vai ajudar a ambos.

A outra história envolve uma jornalista francesa (Cécile de France) que se atormenta com o que virá depois da morte. Ela enfrentou um tsunami e teve uma experiência de morte e volta à vida, com visões de vultos e sensações estranhas, que ela precisa entender. Larga o trabalho e faz uma peregrinação em busca de respostas científicas para o assunto. E escreve um livro que vai resgatá-la, de maneira inesperada, para o amor.

E esqueçam os filmes-catástrofe tipo “2012”. Porque “Além da Vida” começa com a cena de um tsunami, concebida por Michael Owens, com tal perfeição, que é de gelar os ossos.

Quando houve a tragédia no Natal de 2004, o mundo inteiro se comoveu e se amedrontou com as fotos e filmes que chegavam às TVs e jornais, com cifras assustadoras de mortos.

Quem, a partir daí, não imaginou a cena do mar se retraindo e voltando sob forma de onda gigantesca e mortal?

Pois a concepção do tsunami no filme de Eastwod merece Oscar. Vai além da visão óbvia e terrível, porque faz com que a gente se identifique com a jornalista Marie e afunde também naquelas águas revoltas em que tudo se mistura. Compreendemos que o ser humano que se debate para vir à tona, não luta só com a água. Tem que enfrentar tudo que vem na enxurrada gigantesca para vencer a morte.

E a verdade é que a morte nos assusta. Sabemos que ela é certa. E que vamos lutar muito contra ela.

Talvez por isso ela se agarre a nós como uma idéia fixa de vencê-la (como a jornalista Marie), ou ela nos deixa sós e como defesa queremos negá-la (como o gêmeo Marcus) ou há quem tenha nela um motivo para entrar em contato com pessoas (como o vidente George).

O roteiro de “Além da Vida” é de Peter Morgan que escreveu também “A Rainha” (2006) e “A Outra” (2008). Foi inspirado em um livro de uma jornalista britânica, escrito depois da morte de sua irmã. Desconsolada, ela recorreu a todo tipo de médiuns, videntes e paranormais e disso resultou o livro.

O roteiro passou por várias mãos até chegar a Steven Spielberg, que tentou reescrevê-lo, mas que acabou por mandá-lo intacto a Clint Eastwood que em dois meses começou a filmagem.

“- Acredito muito em primeiras impressões. Quando algo o atrai não há porque desenvolver a idéia e matá-la”, explica o diretor em entrevista citada na Folha.

E acrescenta:

“- Gostei de como as histórias convergem. E o herói reticente é sempre interessante. O herói que não aprecia o dom que tem.”

Como sempre, é o próprio diretor que cria a música original para o seu filme, usando também com beleza trechos do Concerto para Piano de Rachmaninoff.

Clint Eastwood acertou mais uma vez. Trata o tema da morte com uma curiosidade sadia, sem tentar nos impingir respostas prontas.

Parece que o fato de estar mais próximo dela do que alguns de nós espectadores, faz Clint Eastwood, do alto de seus 80 anos, encará-la como algo que nos devolve o prazer de viver.

“Além da Vida” nos mostra que encontros de vida são mais preciosos porque possíveis. E enfatiza que a vontade de viver é o melhor dom que podemos possuir para aproveitar o tempo que temos.

O resto? É silêncio, como já dizia Shakespeare.


sábado, 8 de janeiro de 2011

O Primeiro Que Disse





“O Primeiro Que Disse”- “Mine Vaganti”, Itália, 2010

Direção: Ferzan Ozpetek





Uma bela mulher, vestida de noiva, corre pelos campos de algum lugar da Itália. Atravessa muros de pedra e alcança uma casa por uma escada íngreme. Tem um revólver na mão e lágrimas nos olhos.

Essas primeiras imagens fazem o espectador pensar em crime passional, tragédia... E não era comédia? Mas tem de tudo nesse filme delicado e saboroso que fala de uma família com quatro gerações, na cidade de Lecce, sul da Itália, donos de uma fábrica de macarrão.

“Mine Vaganti”, o título original do filme, foi desprezado pelo tradutor a favor do título em inglês “O Primeiro Que Disse”, que é narrativo, conta a história. E perde-se a riqueza, que só vamos resgatar durante o filme, quando os personagens nos contam sobre o apelido do tio Nicola, aquele que sempre tinha razão no que dizia: ele era chamado de “Mine Vaganti”, que quer dizer “bala perdida” ou, mais metafóricamente, “o imprevisível”. O filme vai ter como tema essa variável importante. Não é um mero pretexto para fazer rir.

Vai ser contada a história de gente aparentemente tradicional e comum. Mas ninguém é normal visto de perto, como já dizia o nosso grande Nelson Rodrigues.

Gente é imprevisível.

E o patriarca da família (Enio Fantastichini) é um italiano conservador e não vê ou não que ver um palmo à frente dos olhos. Por puro comodismo, para não se abalar em suas crenças preconceituosas. Só que a vida imprevisível vai colocá-lo em uma situação constrangedora. Porque para ele só a sexualidade tradicional é permitida. Tem mulher e amante. E ninguém pode sair desse modelo.

A mãe da família (Lunetta Salvino) não fica atrás. Conivente com o marido, é cega e muda frente ao que considera anormal.

A tia Luciana é a figura que encarna com mais força esse clima de negação da realidade que envolve a família: bebe escondido para não ver o tempo passar e não vê, literalmente, a realidade, porque se nega a usar óculos.

A avó, lindamente interpretada por Ilaria Occhini, atriz de teatro e TV italiana, é a consciência da família Cantone. Porque viveu com intensidade e pensou sobre as suas escolhas, vai ajudar a viver. É dela a frase que resume a moral do filme:

“- Se você fizer sempre o que os outros te pedem, não vale a pena viver”, diz ao neto Tommaso, o belo Riccardo Scamarcio.

O roteiro do diretor Ferzan Ozpetek e Ivan Catroneo é um espelho que reflete detalhes peculiares do povo italiano. Vistos com agudeza por esse diretor turco, radicado e famoso na Itália, servem, porém, para identificar comportamentos universais, baseados em crenças e medo diante do que sai do conhecido e aceito pela maioria.

Questionado por Luiz Carlos Merten, em entrevista no Estadão, se seu filme trata da homossexualidade, Ozpetek responde que não gosta dessa palavra e completa:

“- Para mim, no limite, é um filme sobre amores impossíveis, que, como diz a avó, são os que nos marcam. E ficam.”

A bela e sexy Alba (Nicole Grimaudo) seria a mulher que Tommaso amaria se não gostasse de rapazes? Ela seria a mulher que Tommaso gostaria de ser?

A câmera de Ozpetek mostra os olhares trocados entre ambos em várias situações do filme. São olhares empáticos, comovidos, amorosos, interrogativos, divertidos.

Ao longo do filme vamos nos dando conta de que a relação entre os dois é muito mais complexa do que pode parecer à primeira vista. Porque são complexos os seres humanos que aceitam suas dimensões mais profundas, ambíguas e incomuns.

Para tudo não ficar sério demais, chegam de Roma os alegres amigos de Tommaso. E o público ri com eles, que cantam e dançam.

É isso. Afinal, no baile da vida cada um deveria poder dançar com quem quisesse.

Pares deveriam ser escolhas, não imposições.

E melhor seria que o desejo prazeiroso nos guiasse nessa aventura.

“Mine Vaganti” , um filme que deve ser visto, aponta sem falsos moralismos para essa liberdade fundamental.