domingo, 16 de janeiro de 2011

O Mágico



O Mágico – “L’Illusionniste” França/ Reino Unido, 2010

Direção : Sylvain Chomet







Se você é uma pessoa sofisticada e não é mais uma criança, vai se encantar com o novo desenho animado de Sylvain Chomet, “O Mágico”.

Foi ele quem fez “As Bicicletas de Bellevue” (2003), um primor de animação, indicada ao Oscar.

Agora, trata-se, nada mais nada menos, de um roteiro original do grande Jacques Tati (1907-1982), o criador de M. Hulot, célebre personagem de “Mon Oncle”(Meu Tio), de 1958.

Quem tem mais de 50 anos (ou quem é apaixonado por cinema e viu o filme), lembra-se, com certeza, dessa comédia fora dos parâmetros de todas as épocas, na qual, com uma ironia mordaz, Tati fazia uma caricatura aos anos 50, troçando das “modernidades” trazidas à Europa, que tinha se americanizado, perdendo muito do charme de antes da Segunda Guerra.

Alto e magro, sempre de capa de chuva e cachimbo, o atrapalhado M. Hulot inspira o personagem Tatischeff de “O Mágico”. Aliás, esse era o verdadeiro sobrenome de Jacques Tati. Em uma cena do desenho, o mágico entra em um cinema onde está passando “Mon Oncle”. Uma das muitas homenagens que Sylvain Chomet presta a esse gênio do cinema em sua animação mais recente.

A história do roteiro de “O Mágico”, no entanto, desvenda uma característica menos conhecida de Jacques Tati: uma melancolia envergonhada.

Ele era pai de uma filha ilegítima, Helga, fruto de um romance com uma bailarina austríaca. Nunca a reconheceu, pressionado por sua irmã e nem respondia às suas cartas e telefonemas. Mas escreveu-lhe uma carta que nunca entregou... Pois essa carta é o roteiro de “O Mágico”.

Esse detalhe patético torna-se a chave para a motivação psicológica de “O Mágico”: a impotência perante certas circunstâncias da vida. Trata-se do aparecimento do irreparável.

Podemos deduzir que essa relação pai/filha seja o centro da história contada no roteiro/carta. Pois, o mágico decadente vai parar na Escócia onde encontra Alice, a menina pobre e orfã que ele leva para a capital Edimburgo, belamente desenhada com luzes de sonho.

Por Alice, ele faz de tudo. Todo os sacrifícios não são nada e ele suporta tudo para vê-la sorrir, vestida como uma princesa de vitrine. Tributo secreto a Helga, com quem nunca falou? É quase certo.

Esse roteiro, que sofreu poucas modificações, foi entregue a Chomet por Sophie, a filha legítima de Jacques Tati, a quem o diretor dedica o seu trabalho.

O traço elegante e detalhista de “O Mágico” difere em tudo dos atuais desenhos animados. Aqui a atmosfera é antiguinha, o charme dos traços lembra livros de história do começo do século passado e não há um final feliz convencional.

“O Mágico” mostra o ritmo do mundo, no qual alguém está sempre sendo descartado para que outra pessoa possa assumir o posto. Ninguém é insubstituível e o envelhecimento encolhe o ardor dos aplausos de um público que busca sempre novidades. A tristeza e a melancolia fazem parte da vida...

Quase não há diálogos nesse desenho animado para gente grande com capacidade de compreensão e empatia. E nem precisa. Tal qual Jacques Tati, Sylvain Chomet sabe comunicar-se criando situações plenas de afeto, linguagem de gestos e expressões faciais.

Esse desenho animado europeu tem agradado à crítica mundial, já coleciona prêmios, concorreu ao Globo de Ouro de melhor animação e foi indicado ao Bafta, o Oscar inglês de melhor realização técnica.

“O Mágico” trata de valores morais e sentimentos que nunca vão sair de moda. Vá ver essa pequena jóia e esqueça a brutalidade e o mau gosto que tanto enfeiam esse nosso mundo de hoje.

2 comentários:

  1. Ja tinha gostado do filme... Agora, ainda mais.

    ResponderExcluir
  2. Não vi o desenho anterior de Chomet, porque, com algumas exceções, esta forma de cinema, desenho, não é minha preferência. Mas vendo o trailler do “L´Illusionniste”, me entusiasmei em ver, principalmente por ser um roteiro de Tati. Além disso reforçado pelo seu texto. Mas não me entusiasmou muito, por ser truncado em muitas passagens e apesar de ilustrado em desenhos refinados, seus personagens são extremamente feios, - desculpe! - talvez como forma de ilustrar o lado “sombra” do humano. Uma melancolia de doer, aliás, característica de cineastas do humor, exemplo clássico de Chaplin.
    Mas, os cenários, mixando desenho e foto, eram fantásticos, a melhor parte do filme pra mim. Mas reconheço todos os ingredientes e méritos citados por vc, Eleonora. Principalmente levando-se em consideração o filme-desenho como a carta que não foi endereçada, embora intencionalmente vivida com a filha não reconhecida p/ êle. Bonito também a filha legítima ter liberado essa intimidade de sua pai. Apesar de minha reação subjetiva sem maiores brilhos, o filme é “terno, de bom gosto, c/ valores e sentimentos que nunca vão sair de moda”, como vc finaliza.

    ResponderExcluir