domingo, 30 de outubro de 2011

Contágio





“Contágio”- “Contagion”, Estados Unidos, 2011

Direção: Steven Soderbergh





Ouvem-se tosses na tela escura... Aparece o rosto quase irreconhecível de Gwyneth Paltrow, pálida e suando...

Um número na tela: 2º dia.

Corte para a barca que atravessa a baía de Hong Kong. Um rapaz com o rosto brilhante de suor, aparentando febre alta, sai trôpego pelas ruas da cidade.

Londres. Dentro de um Rolls Royce, uma garota rica e “chic” fala ao telefone. Seu rosto pálido lembra o de Gwyneth Paltrow. Na próxima cena ela está caída no mármore do banheiro de um apartamento luxuoso. Criados correm para acudi-la.

Tóquio. Um homem perde o equilíbrio e cai num ônibus. As pessoas ao lado, assustadas, ficam paralisadas.

A câmara volta ao rapaz de Hong Kong. Ele passa pelo mercado ao ar livre. Toca nos peixes que caem no chão quando ele tropeça nas bancas dos feirantes. Todos o olham alarmados e o rapaz, aparentemente sem controle de seus movimentos, é atropelado por um ônibus.

Em Atlanta, Estados Unidos, Matt Damon, que é casado com Beth (Gwyneth Paltrow), vai buscar o filho no colégio porque ele está com os mesmos sintomas que a mãe de volta da China: febre, suor frio, fraqueza.

Quando ele chega em casa, tem que levar correndo Beth para o hospital porque ela começa a ter convulsões.

Assim, secamente, em tom documental, sem música tonitruante nem apelos sentimentais, é o novo filme de Steven Soderbergh, o famoso diretor de uma das mais fascinantes e assustadoras produções do cinema, “Traffic”, de 2000, sobre o narcotráfico. Esse filme ajudou a ver o tamanho da encrenca que estávamos enfrentando quase que ingênuamente naquele momento.

Ora, em “Contágio” o inimigo é ainda mais ameaçador, porque invisível e insidioso. Aqui não sabemos nem de onde vem o vírus, nem como se passa a doença de um ser humano para outro. Só sabemos que é mortal. A paranóia ataca a todos.

Um blogueiro (Jude Law) que passa a entrevistar os cientistas e a fazer contato com lobistas, não ajuda em nada e mostra como alguém assim pode só atrapalhar.

Quando o número de mortos avança pelo mundo a fora, os únicos que podem ajudar a humanidade são os cientistas dos grandes centros de pesquisa. Em Atlanta, o Centro de Controle e Prevenção e Doenças, em Genève, a Organização Mundial de Saúde e outros médicos abnegados, vão ser os heróis dessa saga contra o vírus desconhecido.

Ajudados pelos governantes dos países enlutados e apavorados, esses homens e mulheres (Marion Cotillard, Kate Winslet, Elliot Gould, Laurence Fishborne) vão fazer tudo o que podem para ganhar a batalha que ameaça exterminar grande parte da população do planeta, mais perigosa ainda do que a gripe espanhola no começo do século XX.

Mas não é uma luta fácil e a batalha é longa e dura.

O pior é que é possível que se torne realidade... Enquanto o ser humano não se conscientizar do respeito com que deve tratar a natureza, tudo pode acontecer...

Vamos ver “Contágio” e aprender com essa lição?

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A Pele que Habito



“A Pele que Habito”- “La Piel que Habito”, Espanha 2011

Direção: Pedro Almodóvar







Ele é um diretor de cinema que virou adjetivo. Sua maneira original de ir do drama lacrimoso ao riso desenfreado, do bom gosto ao “kitsch” com cores sempre “néon”, marca uma estética pessoal que agrada ao público.

Almodóvar, muito imitado, nunca será igualado. Seus fãs sabem disso e esperam seus filmes com ansiedade e prazeres antecipados.

Pois bem, aí está “A Pele que Habito”, seu décimo oitavo filme que não ganhou a Palma de Ouro em Cannes mas que deu o que falar. Há os que amaram e os que detestaram. Mas nem mesmo esses últimos ousaram perder o novo Almodóvar.

“A Pele que Habito” começa em um futuro próximo em Toledo, numa paisagem bucólica e numa casa com nome romântico, “El Cigarral”.

Mas logo o estranho se faz presente. Um corpo vestido em uma malha justa, uma segunda pele (desenhada por Jean Paul Gaulthier), faz yoga. Vê-se um cartaz de uma exposição de Louise Bourgeois, a famosa artista plástica francesa.

Mãos enluvadas manipulam gazes. Rostos são esculpidos.

Sabemos agora que é uma mulher (Elena Anaya) que pede à governanta da casa Marilia (Marisa Paredes) mais bandagens, agulhas e tesouras. Ela faz arte?

Em um armário, vestidos mostram recortes inusitados. Ela experimenta um deles sobre a malha.

Um carro esporte branco traz para a casa outro ocupante. É Antonio Banderas vestido de jaleco branco, o dr Robert Legard, que, também ficamos sabendo, conduz experiências pouco ortodoxas em seu laboratório, em busca de uma pele resistente a queimaduras e doenças.

Misterioso e intrigante, o tema do filme vai aos poucos ficando mais claro para quem vê os “flashbacks”que explicam a relação entre o médico e a estranha mulher de malha.

“A Pele que Habito” trata de tudo que sempre fascinou Almodóvar, filme após filme. Estão lá a mãe poderosa, os filhos sem pai, desejos proibidos, forte sexualidade e identidades dúbias.

Inspirado no livro “Tarântula” do francês Thierry Jonquet (1954-2009), Pedro Almodóvar faz de seu ator preferido um personagem de Mary Shelley (“O Médico e o Monstro”), em um filme com elementos de terror, dominação sádica, submissão masoquista e vingança.

Inspirado por outro mago do cinema, Fritz Lang, Almodóvar fez de “A Pele que Habito” um filme “noir” mas não em preto e branco. Não seria coisa dele.

O amor pelo Brasil transparece na música, a canção “Pelo amor de amar” de 1961, composta por Jean Manzon para um filme de Albert Camus. E um dos filhos de Marisa Paredes fala espanhol com sotaque baiano.

Na conclusão, fica a certeza de que o importante não é a pele mas o ser que habita a pele.

Para entender isso, corram para ver o novo Almodóvar.

sábado, 15 de outubro de 2011

O Dia em que Eu Não Nasci



“O Dia em que Eu Não Nasci”- “Das Lied in Mir”, Alemanha/Argentina, 2010

Direção: Florian Micoud Cossen





Destino? Acaso? Motivações inconscientes?

O caso de Maria (Jessica Schwarz) é intrigante.

A nadadora alemã, de trinta anos, chega a Buenos Aires a caminho do Chile, onde vai participar de uma competição e é informada que deverá esperar pelo vôo de conexão para Santiago.

Sentada no saguão do aeroporto, de chofre, sente-se estranhamente emocionada ao escutar a canção de ninar que a mãe ao lado canta para o seu bebê.

Ora, Maria é alemã, não fala espanhol e, no entanto, é como se conhecesse aquelas palavras... Cantarola junto quase que mecânicamente, repete o que ouviu sem entender mas sentindo uma emoção real que a leva ao choro.

Corre ao banheiro, lava o rosto, olha-se no espelho. Aquilo mexeu com ela. Como explicar?

O tempo parece que pára. Ela fica mais tempo do que queria na frente daquele espelho.

Quando sai do banheiro, seu vôo partiu. Perdeu a conexão. O único avião para Santiago naquele dia.

Não lhe resta outra opção, senão esperar na Argentina. Terá que pernoitar em Buenos Aires.

E, a partir daí, Maria vai perder o passaporte, terá sua vida posta de cabeça para baixo e conhecerá segredos sobre ela mesma que a assustam e seduzem ao mesmo tempo.

Buenos Aires, a cidade que ela vê através de um vidro destorcido no inicio do filme, vai se mostrar a ela de uma maneira nítida e inesperada.

Estrangeira mas também acolhedora e próxima, a cidade a atrai. E ela não sabe o porquê desse sentimento desconhecido que brota em seu coração.

Ao longo do filme vamos ver Maria refazer a própria identidade, descobrir que não é quem ela pensou que foi e se deparar com o preço de procurar saber a verdade a qualquer custo.

A questão levantada pelo filme é candente e não tem uma resposta imediata e fácil.

Seguimos Maria de perto e vemos como ela se debate entre uma tomada de posição radical e outra que leva em conta a fragilidade e a carência de pessoas que foram egoístas mas pensaram estar fazendo o bem.

O diretor estreante Florian Micoud Cossen, alemão nascido em Israel, é também co-autor do roteiro que lida com questões que tocam de perto a todos os que foram vítimas de atrocidades cometidas por governos carrascos. E levanta perguntas que não são respondidas de forma unânime.

Revanchismo ajuda a confortar a quem foi alvo de crimes sem perdão? O passado pode ser resgatado por quem perdeu o cenário de onde foi retirado à própria revelia?

E mais. Devemos procurar esquecer ou lembrar? Perdoar ou punir?

Não apenas a cruel ditadura militar argentina está sendo objeto de tais perguntas. Porque o diretor leva-nos a expandir as indagações e a nos perguntarmos mais.

Belo filme que nos coloca a todos para pensar sobre tantas questões difíceis mas vitais.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Entre Segredos e Mentiras






“Entre Segredos e Mentiras”- “All Good Things”, Estados Unidos, 2009

Direção: Andrew Jarecki





Uma estranha luz ilumina uma água azul. O mar e a lua? Clima sombrio.

Enquanto passam as cenas, ouvimos uma voz em “off”, aparentemente em um tribunal, perguntar a um homem sobre o seu passado. Ficamos sabendo seu nome, que nasceu em New York, tem pai vivo. A mãe morreu quando ele tinha 7 anos.

“- E como ela morreu?”

“- Uma morte violenta”, responde aquele que se chama David.

Arrepios.

Os letreiros avisam que a história se baseia em fatos reais.

Cenas do passado na tela. Um filme caseiro mostra um menino jogando tênis e brincando na piscina com a mãe.

Os dois, felizes, andando de bicicleta.

Gramados verdes a perder de vista e uma linda casa branca na colina são o cenário suntuoso que cerca essas vidas.

Logo, crianças bonitas e bem vestidas ao redor de uma mesa no jardim. O menino, fantasiado de cowboy sopra as velas do bolo de aniversário que a bela mãe traz para ele, cercada de empregados uniformizados.

Há um sentimento de felicidade entre o menino e sua mãe que, súbitamente, é transformado em algo perigoso quando a câmara, que focava o rosto do menino, procura o pai em “close” no fundo da cena.

Tudo indica que o triângulo edípico conduzirá a tragédia que intuímos ao ver essas imagens. Mãe e filho amorosos e um pai que tudo observa com olhos frios.

Essa é a história da família Marks. O pai (Frank Langella, excelente), poderoso “tycoon” no ramo imobiliário, dono de pardieiros na rua 42 e do Times Square, vai transformar o cenário urbano de New York. Nos anos 70, arranha-céus ocupam o lugar de “inferninhos” que desvalorizavam o local.

Mas o herdeiro David (o ótimo Ryan Gosling de “Namorados para Sempre”), desagrada ao pai em tudo. Até na escolha da namorada Katie (Kirsten Dunst, talentosa como sempre), que veio de Long Island sem brasão nem dinheiro na família e que quer estudar medicina.

O casal vai morar junto apesar da desaprovação do pai. Levam uma vida livre, sem luxos em Connecticut e abrem uma loja de comidas saudáveis, a “All Good Things”. E parecem felizes até que um dia Katie ouve o marido falando sozinho e começa a sofrer com a violência dele.

Negros presságios toldam o céu azul da vida no campo...

Contar mais é estragar a festa.

Andrew Jarecki estréia com “Entre Segredos e Mentiras” na direção de um longa. É também co-autor do roteiro.

Há nesse filme inspirações em Hitchcock e Brian de Palma, mestres do “triller” que também puseram na tela mães narcisistas, filhos psicóticos, suicídios, assassinatos e “cross-dressing”. Perversão alimentando suspense.

“Entre Segredos e Mentiras”, sem ser um filme imperdível, prende nossa atenção e envolve nossa curiosidade. E é uma delícia ver os anos 70 recriados ao som de “Last Dance” que Donna Summer transformou no hino de uma época.

E mais, quem gosta de apreciar boas atuações, não pode deixar de ver Frank Langella, Kirsten Dunst e Ryan Gosling brilhando como devem brilhar os “movie stars”.

domingo, 2 de outubro de 2011

Meu País





“Meu País”- Brasil, 2011

Direção: André Ristum



O prólogo de “Meu País” já anuncia que o passado será o lugar no qual se procura a lembrança do que não se tem mais.

O velho pai (Paulo José) sonha angustiado com crianças brincando na praia. A mãe está lá também? Não sabemos dizer, porque as imagens são distorcidas, borradas.

Enquanto o pai afunda no coma, os filhos são mostrados, cada um qual é. Tiago (Cauã Reymond), o mais novo, na farra. Mulheres, jogo e champagne. Marcos (Rodrigo Santoro), o mais velho, em Roma com a mulher italiana (Anita Caprioli), chegando do trabalho na empresa da familia dela.

A morte do pai traz Marcos e sua mulher para o Brasil. A casa patriarcal os acolhe com todas as suas lembranças.

Os irmãos se encontram novamente. Há ternura no abraço deles. Mas são tão diferentes...

No cemitério vemos que a mãe deles já está lá no jazigo familiar, há muito tempo.

E é essa falta, esse luto, a procura do que se perdeu e se quer recuperar, que é o coração do filme “Meu País”, primeiro longa de André Ristum.

Um segredo bem guardado vai revelar aos irmãos um lado desconhecido do pai deles e, assim, ficamos conhecendo melhor os dois. O legado do pai é afetivo e cada um vai reagir conforme o que escolheu até aqui na vida.

Obrigatóriamente, uma nova estrutura familiar terá que ser buscada, apesar de todas as dificuldades.

O exílio, usado no filme em sua acepção mais abrangente, é ser expulso do lugar de origem, para Marcos não só o Brasil mas o país da infância.

A história da recuperação do passado vivido e do não vivido, marca o amadurecimento de Marcos e Tiago. É um recomeço.

O filme “Meu País” tem sido premiado e elogiado por onde passa. O diretor André Ristum, filho do também diretor de cinema Jirges Ristum, valeu-se de sua biografia para contar a história do seu filme. Assim como Marcos, ele nasceu no Brasil e viveu um tempo no Itália. Durante a ditadura militar seu pai foi perseguido e passou 12 anos exilado na Europa com a família. Voltou ao Brasil em 1984, para morrer.

A fotografia do filme, assinada por Helcio “Alemão” Nagamine, surpreende porque não é natural em nenhum momento. É como se as imagens fossem vistas em um álbum antigo com fotos desbotadas. Contribue assim para criar o clima buscado pelo diretor.

“Meu País” é principalmente um filme de atores e conta com um elenco de destaque. Rodrigo Santoro, esbanjando classe, beleza e um italiano perfeito. Cauã Reymond, com seu talento natural empresta rebeldia e bom coração ao seu personagem e Debora Falabella dosa com doçura o impacto que causa sua presença na tela.

“Meu País” é um filme em “closeup” que procura o íntimo de cada personagem. Quem tem sensibilidade para esse tipo de viagem, vai gostar.