domingo, 30 de setembro de 2012

Ted




“Ted”- Idem, Estados Unidos, 2012
Direção: Seth MacFarlane

Você já teve um ursinho de pelúcia? Claro. Mas como o Ted do filme em questão, duvido. Porque ele é único.
Vejamos. John Bennett é um garoto diferente dos outros, sem amigos, solitário.
No Natal de 1985, ele ganha um ursinho de pelúcia que, quando apertado diz “I love you” :
“- Vou te chamar Teddy”, diz o menino feliz.
Finalmente, ele tinha com quem compartilhar tudo.
Uma estrela cadente, no céu sem nuvens, brilha no exato momento em que John, em sua caminha, pede que seu novo amigo ganhe vida e seja dele para sempre.
Dito e feito. Teddy vira uma celebridade, é entrevistado na TV por Johnny Carson, seus retratos saem nas revistas, é reconhecido na rua e ganha seus fãs. Mas, apesar da fama, John é o seu preferido em todo o mundo. Não se largam.
Bem, mas John (Mark Wahlberg) cresce e Ted continua a ser o seu melhor amigo, participando de tudo em sua vida. Aliás, descobrindo as coisas antes de John, que continua um rapaz inseguro. Mora com a namorada (Mila Kunis) há 4 anos e não se decide a casar-se com ela.
O diretor e roteirista Seth MacFarlane, que veio da TV, acerta de cara no seu primeiro longa, uma comédia para gente grande, que brinca e ri de tudo e todos, de maneira mal comportada. Muitas vezes com piadas até ofensivas para as minorias. Totalmente políticamente incorreto. Grosseiro mesmo. Mas divertido para quem não se ofende com facilidade.
E agrada ao público masculino e até ao feminino, porque Ted conserva o seu carisma durante todo o filme, sem perder a fofura.
O tema óbvio do filme é a geração “Peter Pan”, os meninos que viram homens e não querem crescer. São imaturos, inseguros e a diversão sem responsabilidade é a praia deles. Todos com um Ted debaixo do braço.
Mas dá para viver assim eternamente?
Se a parte brincalhona e irresponsável tiver o seu devido espaço, aposto que os rapazes vão ganhar as moças, sendo “sexy”, criativos e adoráveis. Ted tem sempre o seu lugar, não importando a idade do marmanjo.
Mas a vida cobra também uma postura adulta e corajosa de todos nós.
E virar adulto responsável tem as suas recompensas, acena o filme, usando a voz de Ted (a do próprio diretor e roteirista Seth MacFarlane), para enquadrar John e tudo acabar bem, como num conto de Natal.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Tudo que Desejamos




“Tudo que desejamos”- “Toutes nos envies”, França, 2011
Direção: Philippe Lioret

Uma cena comum. Crianças pequenas em torno à mesa. O pai serve o filho menor. A mãe chega e senta-se com eles. O casal é muito jovem.
Estranhamente, aparece uma data no alto da tela: 13 de setembro, Lyon.
“_ Estou morta... Passei o dia inteiro julgando casos de curatela...”
“- Podemos ter um cachorro, mamãe?” pergunta a filha mais velha.
“- Vamos ver”, responde com o belo rosto pálido.
No dia seguinte, pega as crianças no colégio e a mãe de uma coleguinha da filha vem devolver algo:
“- Sou a mãe de Léa, Céline. Você mandou 12 euros pelo passeio. Não precisa”, diz sorrindo a moça devolvendo o dinheiro.
“- Mãe! Léa pode dormir lá em casa?”
As mães se olham com simpatia e combinam os arranjos para Léa ir dormir na casa de Claire, a juíza.
Por uma coincidência, no dia seguinte, ela (Marie Gillain) se depara com Céline (Amande Dewasmes) no tribunal que preside. Ela está sendo processada por dívidas a uma financeira.
As duas se olham embaraçadas mas a juíza retoma o seu papel e se inteira dos pormenores. A dívida de 440 euros por mês, consome quase todo o salário de 610 euros da mãe de Léa.
Parece um caso sem solução como tantos outros, como a juíza vem a saber mais tarde, através de um juiz mais velho que ela (Vincent Lindon).
Na tela nova data: 18 de setembro, Valence.
Claire está no médico. De chofre, fica sabendo que tem um tumor maligno no cérebro, que não pode ser operado por causa da localização.
Outro médico lhe diz que terá que fazer um tratamento com quimio e radioterapia.
Quantos dias ainda nos restam para viver nesse mundo? Não sabemos. E se soubéssemos? Faria alguma diferença?
Claire, depois que a notícia cai com todo o seu peso sobre ela, vai tomar decisões importantes.
Phillipe Loiret, o diretor do filme, gosta de trazer à tela histórias comoventes. É dele o terno “Bem-Vindo(2009), sobre o menino curdo que vem a pé de seu vilarejo destruído pela guerra, para procurar a namorada na Europa.
“Tudo que desejamos”, adaptação do livro “Outras Vidas Além da Minha” de Emanuel Carrère, que conta histórias reais, é um filme sensível sem clima de tragédia.
Mais. Ensina uma lição, certamente difícil de aprender, principalmente porque assim é a natureza humana. Apesar de saber que a morte é certa, agimos como se ela existisse apenas para os outros. Ou num futuro muito longínquo.
Vendo o filme, quantas questões vem à nossa mente...
Precisamos disso. É saudável pensar nessa certeza porque isso pode mudar muitas escolhas em nossas vidas.


domingo, 23 de setembro de 2012

O Monge




 “O Monge”- “Le Moine” Espanha/ França 2011
Direção: Dominik Moll


Estética gótica, cenário medieval e um olhar freudiano são os atrativos desse filme sombrio que se passa na Espanha do século XVII.
“- A cada pecador, seu pecado”, diz o monge no escuro do confessionário para um homem que reincide sempre no pecado da carne.
“- Satanás é muito poderoso...”, responde quem estava ajoelhado do lado de fora.
“- Satã só tem os poderes que nós mesmos lhe damos”, responde o confessor.
“- Simples assim? “ pergunta o pecador.
“- Sim”, responde o monge.
Nesse diálogo está colocado o desafio que o monge Ambrósio não sabia que teria que enfrentar um dia. Do alto de sua pureza, o sem pecados condena aquele que cede às tentações.
Mas a história do monge, baseada no romance gótico e anti-papista de Mattew Lewis que viveu no século XVIII na Inglaterra protestante e que foi adaptada pelo próprio diretor do filme, tem suas raízes em segredos do passado que vão ditar o destino do personagem principal.
Como na tragédia grega de Édipo, Ambrósio bebê ainda, foi abandonado na porta do convento por alguém que não teve coragem de lançá-lo às águas do rio.
Ele carrega consigo uma maldição que desconhece.
O monge tenta aliviar suas dores de cabeça, que o deixam insone, no roseiral que cuida desde pequeno.
Mas, quando aparece o enviado do Mal, Ambrósio, que se julgava imune às tentações, verá que não é tão simples assim não ceder aos desejos mais íntimos da carne e do coração.
A natureza humana, com suas fraquezas e limites, será testada duramente, durante o desenvolver da história de Ambrósio, interpretado com grande entrega por Vincent Cassel.
Quem se comportava como um santo, descobre-se filho do homem e assume um pacto faustiano.
O clima de sombras e presságios de “O Monge” deve muito à música de Alberto Iglesias, que usa lindamente cantos gregorianos e à fotografia de Patrick Blossier, de claros e escuros, que adicionam os elementos necessários à trama, que sugere tragédias desde o início.
Sem ser um filme imperdível, “O Monge” tem o mérito de lidar com o grotesco sem apelar para imagens de mau gosto e sustos baratos.
É um filme de suspense que conta a história com classe e bom gosto. Até mesmo com poesia e inspiração, eu diria.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

My Way - O Mito Além da Música

“My Way – O Mito Além da Música”- “Cloclo”, França/Bélgica 2012
Direção: Florent-Emilio Siri


Nas primeiras imagens do filme, vemos o semblante iluminado de um menino louro:
“- Claude, meu lindo!”
É o pai que chega, saindo de um conversível branco. Logo o vemos no espelho, disfarçando as olheiras com pó e se perfumando. Quando desce à sala, onde a mulher joga com as amigas, ele flerta com a mais bonita.
A vida, no Egito, corre bem para Aimé François, casado com uma italiana, mãe superprotetora e egoísta, de seus dois filhos, Cloclo, apelido de Claude de 10 anos e Jojo, a mais velha, Josette.
Mas dez anos depois, em 1959, com a chegada do líder nacionalista Nasser ao poder, a família estrangeira tem que sair do país e fugir para Montecarlo, na Europa.
Lá, o garoto Cloclo vai ser expulso de casa pelo pai autoritário que o quer violinista e não bateirista em uma banda qualquer, como ele começou a vida.
E assim vai a luta de Claude François para se impor como cantor popular na França.
Magistralmente interpretado pelo ator belga Jéremie Renier, “My Way” vai contar a história de um garoto baixo, nada bonito, apesar do nariz operado, que, com perseverança, consegue realizar seu sonho.
Foi uma vida voltada inteiramente para o seu projeto narcísico de brilhar no palco.
Autoritário como o pai, vaidoso também como ele, Cloclo enfrenta, sem alegria, três casamentos e dois filhos e parece que nunca foi feliz. A não ser no palco, onde se comunicava com o seu público, na maioria garotas que ele fascinava para maltratar depois, levado por seu complexo de inferioridade, que ele disfarçava com toques de histeria, desmaiando ou jogando-se sobre as fãs que enchiam os teatros onde se apresentava.
O diretor Florent-Emilio Siri consegue prender o espectador com a historia do “rockstar” mas se estende demais, numa obsessividade com os detalhes, que era também a característica da personalidade de Cloclo.
Aquele que escreveu a letra e cantou em francês o sucesso “Comme d’habitude”, teve sua canção vertida para o inglês por ninguém menos que Paul Anka, que a deu para Frank Sinatra gravar. Foi um grande sucesso internacional do cantor americano mas que só rendeu um “alô” para Cloclo quando se encontraram no lobby de um hotel.
Claude François morreu antes de completar 40 anos, vítima fatal de um acidente doméstico decorrente de sua obsessão por arrumação, já que o equilíbrio interno parecia perdido desde que seu pai morrera sem o aceitar de volta.
Sua vida foi uma vingança contra aquele que ele queria que o amasse para sempre? O filme sugere que isso o marcou profundamente, até mesmo em suas escolhas sexuais.
A reprodução da época é brilhante, a fotografia faz pensar num filme dos anos 60 e 70 e as músicas são na sua maioria versões de sucessos americanos.
Quem assistir ao filme vai lembrar-se de Cloclo quando ouvir “My Way” nas muitas gravações dessa canção.
De certa forma, o patético personagem foi vingado.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tropicália



“Tropicália”- Brasil, 2012
Direção: Marcelo Machado

Quem era jovem em 1964, certamente foi ver, ou ouviu falar do espetáculo “Opinião”, que estreou no Rio de Janeiro em dezembro desse ano, alguns meses depois de instalado no Brasil o regime militar, que derrubou o presidente eleito, João Goulart, com um golpe de estado.
“Opinião” era uma colagem de textos e músicas de protesto contra a situação política do país, cantadas por Zé Kéti e Nara Leão, depois substituída pela baiana Maria Bethania, desconhecida até então. Ficou na nossa memória o rosto forte dela cantando “Carcará”.
Pois bem. Junto com Bethania, veio para o sul seu irmão, Caetano Veloso.
O rapazinho magro, tímido, charmoso, inteligente e principalmente, curioso por tudo, começou a andar com um pessoal que ia ver e fazia teatro, cinema e música, à sombra do regime que ainda não mostrava cabalmente suas garras.
A bossa nova era rainha no terreno musical. E Elis Regina e seu programa na TV Record, apresentado também por Jair Rodrigues, enchiam o teatro da Consolação com estudantes que iam aplaudir “O Fino da Bossa” em 1965. Nesse programa, Caetano e Gilberto Gil foram apresentados ao público, junto com Chico Buarque e MPB4, Toquinho, Maria Bethania, Milton Nascimento e outros.
A Record tinha também o programa “Bossaudade”, apresentado por Elizete Cardoso e “A Jovem Guarda” nas tardes de domingo, comandado por Roberto Carlos.
No rastro do I Festival de Música Popular Brasileira realizado pela TV Excelsior, a Record começou a também fazer festivais.
O II Festival de Música Popular Brasileira foi um sucesso e serviu para mostrar que havia um público dividido. Os que torciam por Geraldo Vandré e a música “Disparada” e aqueles que queriam “A Banda” de Chico Buarque. A confusão foi tanta que deu empate.
Caetano Veloso gostou da “Banda” que era uma marchinha “cinematográfica” e, no próximo Festival da Record, lançou também uma marcha que seria uma novidade e um sucesso instantâneo. Caetano cantou “Alegria, Alegria”, vestindo-se como a jovem guarda de Roberto, de boá no pescoço e perguntando “Por que não?”
O arranjo tinha guitarras elétricas e a sonoridade lembrava os Beatles. Ganhou o primeiro lugar.
No mesmo festival, Gilberto Gil cantou “Domingo no Parque”, também cinematográfica, com enredo e personagens, acompanhado pelos “Mutantes”, o arranjo também com guitarras elétricas e todos vestindo fantasias. Rita Lee, mocinha, chamava a atenção pelo seu “look” londrino. Alienados?
Estavam lançadas as bases de um movimento que sacudiu a música popular brasileira e que foi chamado de “Tropicalismo”. Tudo a ver com a Semana de 1922, Oswald de Andrade, antropofagia, “Macunaima” e “O Rei da Vela”. E também com Hélio Oiticica, sua obra “Tropicália” e os parangolés e no cinema Glauber Rocha com “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. E Chacrinha, claro.
O documentário “Tropicália” de Marcelo Machado conta tudo isso com agilidade e beleza, começando pelo fim, quando Caetano e Gil, depois de amargar prisão, foram para o exílio em 1969, quando começaram “os anos de chumbo”, com o AI-5.
A procura de uma síntese de ideias, por vezes contraditórias, foi a marca do movimento tão bem explicado no documentário que faz um painel do Brasil no fim dos anos 60, não apenas cultural mas também político. E mostra que uma coisa tinha tudo a ver com a outra.
Uma linguagem criativa costura fotos, pedaços de programas de TV, de filmes, cenas de rua, capas de LPs, o enterro do estudante Edson Luis, a passeata dos 100 mil, filminhos caseiros de Caetano e Gil no exílio em Londres, a participação deles no Festival da Ilha de Wight em 1970 e a volta ao Brasil.
Tudo isso ao som das músicas e depoimentos do pessoal que fez o Tropicalismo.
Imperdível para quem viveu isso e, principalmente, para quem não viveu isso e precisa saber como foi.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Os Infiéis



“Os Infiéis”- “Les Infidèles” França, 2012
Direção: Jean Dujardin, Gilles Lellouche, Emmanuelle Bercot, Michel Hazanavicius, Eric Lartigau e Lionel Abelanski


A cena antes dos créditos é deliciosa. Um homem atraente (Jean Dujardin) num conversível vermelho, canta uma música italiana acompanhando o CD no carro, na maior ostentação de virilidade... e o carro morre e ele não consegue fazer pegar na hora.
Aquele vexame. Todo mundo buzinando. É bem o clima do filme.
“Os Infiéis” só pode ser taxado de machista se não percebemos o sub-texto, que brinca com essa questão, até ridicularizando-a.
Quase sempre em tom de comédia farsesca, o filme trata da traição no casamento, em nove histórias curtas, a cargo de seis diretores e dentre eles, nomes como o de Michel Hazanavicius e Jean Dujardin. O primeiro, premiado diretor de “O Artista” e o segundo, o ator que ganhou o Oscar com o papel do astro decadente no filme que também levou o Oscar.
Quando “Os Infiéis” começa, dois amigos (Dujardin e Gilles Lellouche) traem suas mulheres com meninas de programa. Só que tudo acontece enquanto os dois conversam sobre a infidelidade, transando com as garotas lado a lado, na mesma cama. E os dois se perguntam: será que isso tem algo a ver com homossexualidade reprimida?
E os dois atores vão deixar a plateia boquiaberta no episódio final, em Las Vegas, que responde a essa pergunta do começo do filme. Preparem-se.
Os dois charmosos atores franceses, Jean Dujardin e Gilles Lellouche, brilham nessa comédia marota, “coquine” como dizem os franceses, fazendo vários papéis. Alguns muito engraçados.
Mas no esquete dirigido por Alexandre Courtès, quem atrai a atenção é o não menos famoso bonitão Guillaume Canet, marido de Marion Cotillard e também diretor de cinema, que aqui é o paciente ideal de uma psicóloga que faz uma estranha terapia para homens viciados em sexo. Depois dos créditos finais, ele aparece como solista no coral. Fiquem atentos.
Campeão de bilheteria na França, “Os Infiéis”, também tem momentos de quase drama num dos episódios que envolve um casal e pergunta: é melhor contar ou calar a traição?
O filme tem altos e baixos mas diverte. O humor às vezes é grosseiro e nada politicamente correto. Na França, feministas protestaram e o cartaz, que vemos no Brasil, foi censurado.
“Os Infiéis” será diversão certa para alguns mas nem tanto para outros, mais exigentes.
Mas é certo que todos vão adorar a trilha sonora que vai de “Fidèle”, cantada por Charles Trenet a “Just the Way You are” na voz de Billy Joel.
E para nós, mulheres, certamente é um prazer ver o charme desses atores franceses que encantam diante e por trás das câmaras.


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Cosmópolis



“Cosmópolis”-“Cosmopolis”, França/Canadá/Portugal/
Itália 2012
Direção: David Cronenberg


Verborrágico, claustrofóbico, cruel. Eis o retrato do mundo por David Cronenberg, um cineasta que volta a usar uma linguagem de pesadelo em seu novo filme,“Cosmópolis”, baseado no romance de Don DeLillo de 2003.
Vemos uma fila de limusines brancas. Motoristas esperam.
É em uma delas que Eric Packer (Robert Pattinson) vive, praticamente encerrado. Bilionário de 28 anos, apático e paranoico, ele vive refugiado em um mundo à parte dos outros mortais.
Por que ele está naquela limousine?
“- Preciso cortar o cabelo”, diz o bilionário.
Um segurança o informa que o trânsito está terrível porque o presidente visita a cidade.
“- Que presidente?”
Packer é alienado da realidade. Só lhe interessam suas próprias questões.
O mundo o visita lá dentro da limo. São seus consultores para assuntos de todo o tipo, que ele recebe um a um. Dentre eles, uma Juliette Binoche, bela como nunca, é Didi, consultora de arte. Ela lhe oferece um Marc Rotko, depois de uma transa acrobática. Mas Packer quer comprar a famosa “Capela de Rotko”.
“- Vai ser difícil... O que vai fazer com ela? A Capela pertence ao mundo...”, responde ela.
Outro que o visita é um jovem que entende de finanças.
“- O yuan não pode subir mais”, diz ele. “Eric, estamos especulando no vazio”.
Mas Eric muda de assunto. Sua confiança em si mesmo é o contraponto da desconfiança que tem pelos outros.
Sai da limousine e entra num táxi onde está sua mulher (Sarah Gadon), bela e riquíssima também. Mas parece que o casamento vai mal.
A realidade ronda o refúgio de Packer e, ao longo do filme que se passa em um dia, deixa suas marcas. Pessoas revoltadas em passeata picham o carro dele.
Mas parece que nada o abala. Uma auto-confiança arrogante esconde uma fragilidade de base. Em seu corpo, ele encontra uma falha, escondida em suas vísceras.
“- Você tem uma próstata assimétrica”, diz o médico que vem examiná-lo dentro da limo.
Ele escuta o diagnóstico enquanto fala de finanças com outra informante.
E parece preocupado pela primeira vez.
A câmara de Cronenberg está o tempo todo com Eric Packer, dentro da limousine que é blindada e à prova de som. Só sai com ele nas raras vezes em que Eric visita o mundo de fora.
“Cosmópolis” é um filme difícil de ver porque nos aprisiona no mundo de Eric Packer. Personagem controlador e egoísta, ele prende também o espectador e o asfixia. Muitas vezes nos perdemos nos diálogos longos, dos quais somos excluídos.
O diretor canadense David Cronenberg usa aqui o cinema para falar de política. Os rumos da humanidade nos levaram a uma crise. O capitalismo à moda de Packer não produz nada, só especula.
“O espectro do capitalismo ronda o mundo”, diz um letreiro luminoso.
Enquanto isso, rolam drogas e danças entre os mais jovens que ocuparam um teatro. E um funeral que passa e atrapalha mais o trânsito, lembra a Packer o escândalo da morte...
A cena final traz o excelente Paul Giamatti numa de suas fantásticas interpretações.
Não vá ver esse filme se você se enerva e se angustia quando é deixado de lado. É de propósito. Mas, para alguns, Cronenberg dessa vez exagerou.
Acho que é direito dele.



quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo

“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”- “Seeking for a Friend for the End of the World”, Estados Unidos /
Singapura /Malásia /Indonésia, 2012
Direção: Lorene Scafaria

Desde que o mundo é mundo, os profetas do apocalipse anunciam o seu final. Oráculos, presságios, visões, maldições ou calendários, sempre foram os veículos dessa tragédia anunciada.
“Melancholia” de Lars Von Trier foi o filme mais famoso que tratou desse assunto de forma sofisticada.
“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo”, materializa a ameaça ao nosso planeta da mesma forma que Lars Von Trier concebeu. Mas as semelhanças terminam aqui. Quem vai colidir com a Terra é o asteroide gigante Matilda e Lorene Scafaria, diretora e roteirista, vai lidar com o fim do mundo com humor, amargo talvez, mas também com ternura.
Já no início do filme, ficamos sabendo do fracasso da missão espacial mandada ao encalço de Matilda para destrui-lo.
Na TV informam quantos dias faltam para a grande tragédia. O planeta será destruído e com ele todas as formas de vida que o habitam. Não há saída.
E as pessoas enlouquecem. Muitos fogem de suas casas, sem ter ideia de para onde ir. Outros choram deprimidos. Não há mais futuro. Não há mais projeto.
E, quando as companhias aéreas param de trabalhar, muitos não tem como se reunir com parentes que vivem distantes ou em outros continentes.
“- A vida perdeu o sentido”, diz alguém.
“- Esse é o nosso Titanic e não há botes salva-vidas”, filosofa o outro.
E as pessoas tem as reações mais inesperadas: um foge levando seu peixinho dourado enquanto outros partem para orgias, querendo esquecer de tudo no sexo maníaco. Uma mulher acha que agora é o momento de comer tudo que tiver vontade e livrar-se das dietas que a perseguiram a vida toda. Milhares se drogam e bebem sem parar. Outros ainda, agem como se nada fosse acontecer, numa negação do inevitável.
Multidões saem às ruas para cometer saques e atrocidades enquanto outros fazem uma longa fila para ser batizados.
Ou seja, esta é a última oportunidade de realizar desejos ou negar tudo que está acontecendo ou pior, antecipar-se à morte certa, morrendo antes da destruição do planeta.
Duas pessoas, vividas por Steve Carell e Keira Knightley, na companhia de um cachorro, vão ousar uma outra saída para viver a fatalidade.
E a câmara da principiante Lorene Scafaria segue Penny e Dodge, que não vão sobreviver porque não há essa possibilidade mas percebem que ainda há tempo para se viver o que se quer.
“Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo” traz uma mensagem de otimismo porque diz que há salvação do desespero frente ao inevitável. O certo é que vamos todos morrer um dia desses. Mas, se tivermos boas lembranças da vida ou alguém amado ao nosso lado, talvez não seja tão duro assim.
O desapego é mais fácil para quem se sente feliz? Assim parece entender esse filme pequeno, indicado para quem gosta de humor e imaginação.

 

domingo, 2 de setembro de 2012

Intocáveis

 

“Intocáveis”- “Untouchables”, França, 2011
Direção: Olivier Nacache e Eric Toledano

Uma Maserati dirigida à toda, costura o trânsito à noite nas ruas de Paris. A polícia persegue o motorista infrator com estardalhaço.
Dentro do carro, ao volante, um jovem negro e um senhor de barba se entreolham com cumplicidade.
“- Você está em forma”, diz o senhor, apreciativo.
“- Aposto 200 como eles nos escoltam”, responde o rapaz negro de olhos sorridentes.
Quando a polícia os encurrala e o negro é jogado sobre o capô da Maserati, o mais velho começa a ter uma crise epiléptica dentro do carro.
“- Vocês estão loucos? Por que acham que eu estava correndo? Ele está doente! Tenho que ir para o pronto-socorro!” grita o rapaz negro para o policial.
E, na cena seguinte, ao som de uma música de discoteca anos 70, a dupla se diverte, cantando junto aos berros enquanto o negro dança ao volante, escoltados pela polícia até o hospital.
Passam os créditos na tela e ficamos sabendo que a história que inspirou o filme é real. No final, aparecem os dois verdadeiros protagonistas. Prestem atenção.
Mas, logo, o que nos cativa é o humor com que essa história, de uma dupla surpreendente, é contada.
Um acidente trágico de “parapente” levou Phillippe (o excelente François Cluzet) a uma cadeira de rodas. O tetraplégico milionário, que mora em um “hôtel particulier”, uma mansão luxuosa, precisa que façam tudo por ele, 24 horas por dia. Ele é inteligente, culto, bem educado. Mas o que é a vida sem um algo a mais que a torne interessante?
É aí que entra Driss, um jovem negro da periferia de Paris, ex-presidiário, desempregado, que tem alegria de viver de sobra.
Se Phillippe não tem como se movimentar e já perdeu as esperanças de algo que o faça vibrar nessa vida, Driss enfrenta dificuldades para sobreviver mas, apesar disso, não perdeu seu jeito bem humorado de ser. Ele entra na vida do outro como uma rajada de forças novas que Phillippe vai saber apreciar.
“Intocáveis” é a história desse encontro, onde dois universos tão diferentes se harmonizam, criando um terreno fértil para uma forte amizade.
Haverá uma troca que beneficiará os dois amigos.
Driss vai ser não só as pernas e braços de Phillippe mas também sua curiosidade e coragem. E Phillippe vai ampliar os horizontes de Driss, apresentando a ele um mundo que ele não conhecia. Será seus olhos e ouvidos abertos para o novo. Mas tudo isso sempre com humor. E nem sempre politicamente correto. Ainda bem. O roteiro dos dois diretores, Toledano e Nakache, tem o bom gosto de não fazer julgamentos nem ser moralista.
Mas “Intocáveis” não seria um filme tão bom e simpático, se não contasse com Omar Sy e François Cluzet como a dupla de amigos.
Não foi à toa que o jovem senegalês de 34 anos levou o César de melhor ator francês, concorrendo com ninguém menos que Jean Dujardin, o ganhador do Oscar americano. Alto, bonito, com um corpo expressivo e ágil, ele sabe fazer rir e comove com a mesma intensidade.
François Cluzet que consegue a façanha de contracenar com essa explosão de forças da natureza que é Omar Sy, apenas com a expressão de seu rosto, foi a escolha acertada para ser o outro da dupla.
Eu torço para que o cinema francês de qualidade conquiste cada vez mais o espectador brasileiro, viciado em “blockbusters” americanos.
Faça como eu e mais de 40 milhões ao redor do mundo e vá se encantar com “Intocáveis”.