quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Elvis e Madona





“Elvis e Madona”- Brasil, 2009

Direção: Marcelo Laffitte





Lá vai ela de vestido estampado e casaquinho amarelo, salto alto, cabelo louro e muita atitude. Pelas ruas de Copacabana, passo firme, só dá Madona.

A outra chega de moto, rostinho de anjo, toda de couro vestida, jeitinho duro e olhar macio. É Elvis.

Essa dupla vai se encontrar e se encantar.

E a gente na platéia já não sabe mais quem é quem. Ela é ele? Ele é ela?

Não importa. Sentimos e vemos que são pessoas querendo viver, trabalhar, brilhar.

São artistas. Madona dá duro no salão, é cabelereira mas quer o palco. Elvis, que já foi burguesa, sonha em ser fotógrafa política mas rala entregando pizza de moto.

Copacabana, esquina do mundo, é o cenário ideal para o romance que parece impossível mas que acontece frente aos nossos olhos.

E, quando nos damos conta, estamos conquistados por essa dupla improvável e arrebatadora.

Nasceram Elvira e Adailton mas escolheram ser o que são agora, um par que se ama e nos surpreende com a força que o amor tem. E que dá fruto: Angel.

Igor Cotrim, que cria uma Madona com corpo e alma e Simone Spoladore que faz com delicadeza um Elvis bravo e manso, dão show de interpretação. Há tanta garra, emoção e coragem nos dois atores que eles não precisam nos convencer de nada. Ficamos seduzidos desde a primeira cena em que aparecem na tela.

Maithê Proença, numa ponta bem aproveitada, assusta e encanta com aqueles olhos que ela tem. Porque Elvis tem essa mãe poderosa e ama o pai frágil. Enquanto que Madona é órfã, não tem ninguém.

A direção de Marcelo Laffitte, que também é co-autor do roteiro (premiado no Festival do Rio 2010), é competente e firme. Não deixa o filme escorregar para o piegas e nem para a transgressão.

E a trilha sonora é deliciosa, culminando com Gilberto Gil e sua canção “Superhomem”.

“Elvis e Madona” é quase um conto de fadas. Misto de comédia e romance. Risos e beijos. Não percam.

domingo, 25 de setembro de 2011

Copacabana



“Copacabana”- França, Bélgica, 2010

Direção: Marc Fitoussi





Pelo menos desde Villegaignon (século XVI), todo francês que se preze sonha com um Éden brasileiro, uma França Antártica. Praias sem fim, bossa nova de fundo musical e um povo com jeito alegre e caloroso de ser, em um eterno carnaval.

O diretor Marc Fitoussi chamou seu segundo longa “Copacabana” e, inspirado nesse Brasil distante, paradisíaco e irreal, criou Babou, a francesa sonhadora de meia idade, imatura e rebelde, de mini saia e coque desmanchado, casaco de pele e olho muito pintado, que adora música brasileira e quer se mudar para o Rio, onde, pensa ela, a vida é bem baratinha.

Interpretada por Isabelle Huppert, uma das maiores, senão a maior atriz francesa da atualidade, Babou é uma personagem totalmente diferente das que nos acostumamos a ver a atriz fazer. E, por isso mesmo, mostra bem a versatilidade de que ela é capaz.

Mas não se enganem, longe de ser simples, Babou é contraditória e impertinente. Generosa e egoísta. Filha da geração “maio de 68”, irrita a filha, que quer seguir o seu próprio caminho.

Isabelle Huppert, com aquele talento de sempre, faz de Babou um personagem “ame-o ou deixe-o”.

O centro da trama em “Copacabana” é a relação mãe e filha, Babou e Esmeralda (Lolita Chammah). Mas como não é um filme de Michael Haneke, com quem Huppert fez “A Professora de Piano”, mãe e filha só se estranham, sem muito drama.

Esmeralda vai se casar e não quer a mãe no casamento. Por isso inventa que ela foi para o Rio de Janeiro.

“- Não quero que você me envergonhe”, diz a filha.

“- Então não me chame mais de mamãe”, responde Babou.

E, como está desempregada e falida, lá vai ela para a Bélgica, balneário de Ostende, uma praia em tudo diferente de Copacabana. Fria, ventosa e com sol apenas duas semanas por ano, atrai turistas incautos, de países mais frios ainda, que compram apartamentos “timeshare” de corretores treinados para vender sonhos.

O toque sutil dessa comédia leve, que não arranca gargalhadas de ninguém mas que atrai a simpatia para Babou, por conta do eterno adolescente que vive em nós, é que, na vida real, Babou e Esmeralda são mãe e filha. Lolita é a mais velha de três irmãos, nascidos do casamento que dura já 28 anos entre sua mãe e o diretor e produtor Ronald Chammah.

Em “Copacabana” atuam juntas pela primeira vez.

E, eu diria que Isabelle Huppert adorou fazer Babou, que deve ter algo a ver com ela e que foi divertido contracenar com Lolita que vive um tipo de filha tão certinha. Deve ter feito muito bem para a relação das duas, posso apostar.

A trilha sonora, toda brasileira, vai de Jorge Benjor a Chico Buarque e ajuda a embalar a história dessa francesa que pensa que conhece o Brasil e que sabe sambar...

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Borboletas Negras





“Borboletas Negras”-“Black Butterflies”, África do Sul/Alemanha/ Holanda, 2011

Direção: Paula van der Oest


A África, o “Continente Negro”, certamente guarda em segredo muitas histórias que ainda vão ser contadas. Pouco a pouco, o cinema ajuda a nos familiarizarmos com figuras quase desconhecidas por aqui.

Assim foi, recentemente, com Nelson Mandella, no filme “Invictus” (2010), dirigido por Clint Eastwood. Ficamos sabendo mais sobre a vida daquele que seria o primeiro presidente eleito da África do Sul.

Em seu discurso de posse em 1994, Mandella leu o poema “The Dead Child of Nyanga” de Ingrid Jonker, chamando-a de “africâner e africana”, louvando-a como uma mulher que, apesar de branca, clamou contra as injustiças sofridas pelo povo negro na África.

Um pouquinho de história para entendermos melhor essa frase de Mandella.

Africâners são os descendentes dos holandeses, chegados no século XVII no sul da África, e ingleses, franceses e alemães que vieram depois. Esses indivíduos desenvolveram uma cultura e língua própria. Lutaram contra as tribos de negros nativos e, depois de conquistar a costa, adentraram a terra, fundando repúblicas independentes, que foram unidas em 1910, com o nome de União da África do Sul.

O “apartheid”, regime de segregação racial, que tirava direitos civis dos negros, foi imposto em 1948, por um governo de africâners.

Voltando a “Borboletas Negras”, dirigido pela holandesa Paula van der Oest, o filme vai nos apresentar a essa mulher de quem falou Mandella, “africâner e africana”, espírito sensível e rebelde que, presenciando uma cena de rua na qual um menino negro morre por uma bala de um policial, escreve o poema que a fez conhecida até fora da África e que Mandella leu em seu discurso inaugural.

E sua história é triste. Nascida em 19 de setembro de 1933, ela teve uma vida breve e intensa. Morreu em 1975.

Viveu com a avó até sua morte e depois foi morar com a irmã menor e o pai. Casou-se, teve uma filha e separou-se logo.

Uma praia selvagem de Cape Town quase a afogou em 1960, quando foi salva das águas por Jack Cope, escritor bem mais velho que ela e que foi seu grande amor.

A morte da mãe em um hospital psiquiátrico quando ela era pequena e a relação tumultuada com o pai Abraham (Rutger Hauer), conservador e presidente do comitê de censura às publicações no país, marcaram profundamente Ingrid (vivida na tela com intensidade pela excelente atriz Carice van Houten).

Ela foi uma alma atormentada, que buscava um lar e um amor, mas que não conseguiu encontrar a paz necessária para vivê-los.

Seu talento, entretanto, permanece em seus poemas.

“Borboletas Negras”, palavras tiradas de um desses poemas, nos apresenta a mulher que foi Ingrid Jonker, com todo o seu desespero existencial mas também com o espírito de justiça que ela tinha com os pobres donos da terra onde ela nasceu.

domingo, 18 de setembro de 2011

Além da Estrada



“Além da Estrada”- “Por El Camino”, Brasil/ Uruguai, 2010

Direção: Charly Braun



Como se preserva uma boa lembrança?

Essa parece ter sido a intenção do jovem diretor Charly Braun, quando filmou “Além da Estrada”, seu primeiro longa, do qual foi também co-autor do roteiro.

O Uruguai, país de sua avó e onde mora seu pai, lugar de suas férias de verão, é aqui um território afetivo e sentimental mais do que geográfico e turístico.

Há uma história simples, ingênua até. Um argentino ruivo de 30 anos (Esteban Feune de Colombi) chega a Montevideo para iniciar uma viagem que o levará ao terreno que seus pais, mortos em um acidente de carro, deixaram para ele como herança.

No caminho, Santiago dá carona a uma jovem belga, Juliette (Jill Mulleady), que procura um antigo namorado que ela sabe que vive numa comunidade perto de Punta Del Este.

Pela estrada, esses dois vão se conhecendo, brincando juntos, trocando olhares e descobrindo a paisagem.

Aos olhos deles descortinam-se os imensos campos brumosos, as praias com um mar cinzento sob um sol pálido, as grandes pedras e os cactus floridos, ruínas, nuvens carregadas no céu, animais e homens toscos. Tudo vai passando, fixado na película para sempre.

Não há pressa, nem nos personagens nem na câmara do diretor, que vai mostrando o “seu” Uruguai, lugar que ele não quer esquecer e que parece estar fadado a se tornar um outro país, com a chegada de gente nova que compra terras para fazer condomínios.

Há uma despedida inevitável em “Além da Estrada”.

Perde-se o passado, a infância e até o presente, se não se abre o olho, como aconselha tio Hugo (Hugo Arias), que mora numa fazenda em uma belíssima casa de pedra.

“Além da Estrada”ganhou o prêmio de melhor direção no Festival do Rio em 2010, o de melhor filme no I Festival Lume de Cinema Internacional e o do público em Saint Petersburg na Rússia.

A bela Guilhermina Guinle, irmã de Charly Braun por parte de mãe, faz uma participação charmosa no filme. Naomi Campbell, a “top model”, também aparece fazendo ela mesma.

Na cena final, uma antiga ponte inacabada, que vai ser demolida para a construção de uma nova, é uma metáfora para a vida que só acaba com a morte.

Quem viveu os momentos felizes que Charly Braun viveu na infância, ao lado do pai Martin e da mãe, a suave Rosa May, nas praias do Uruguai (cenas de vida real que vemos em filminhos que passam durante os créditos finais), ainda vai ter muita coisa para viver e histórias para contar.

Que venham os próximos filmes, para você continuar a nos encantar com o seu talento promissor, Charly Braun.

domingo, 11 de setembro de 2011

Uma Doce Mentira





“Uma Doce Mentira”- “Des Vraies Mensonges”, França, 2010

Direção: Pierre Salvadori





A filha é magrinha, cabelos negros e curtos, com aquele sorriso tão característico de Audrey Tautou, que já nos conquistou no papel de Amélie Poulain.

A mãe tem uma beleza madura, cabelos alourados, silhueta desejável e aquele “je ne sais quoi”que as francesas esbanjam.

Ora, mãe e filha, costumam ser um par complicado. Quase sempre, sentimentos conflitivos e ambivalentes cercam essas duas mulheres. E quando isso é bem usado em um roteiro, já temos meio caminho andado.

Em “Uma Doce Mentira”, a nova comédia romântica francesa de Pierre Salvatori, vamos assistir a vários qüiproquós envolvendo Émilie, a filha (Audrey Tautou) e Maddy, a mãe (a veterana e ainda bela Nathalie Baye).

Na tradição da comédia francesa, como em Feydeau, preparem-se para uma série de trapalhadas que aproximam e afastam os personagens. No caso, a jovem cabelereira que parece frágil mas se faz de durona, sua mãe que não se conforma com a separação que aconteceu há quatro anos e Jean (Sami Bouajila), o moço tímido que mexe com o coração das duas.

Cartas anônimas de amor circulam para lá e para cá entre esse trio, na cidadezinha de Sète, à beira-mar, no sul da França.

E é tudo na melhor das intenções. Mas algo dá errado e vamos percebendo que as confusões envolvendo mãe e filha são fruto de nós mal resolvidos. Felizmente, aqui não encaramos a tragédia, porque o filme é uma comédia leve, divertida e sobretudo charmosa.

As situações engraçadas de “Uma Doce Mentira” fazem a platéia rir com gosto e, diferente de um outro tipo de comédia muito em voga hoje em dia, não precisam para isso que alguém seja ridicularizado ou que se use uma linguagem vulgar.

Trata-se de uma comédia que brinca com traços comuns nas pessoas como a timidez, a sensação de inferioridade frente a alguém mais estudado que nós, a dor de ser abandonado e trocado por outra pessoa mais jovem, a teimosia em não querer reconhecer que estamos envolvidos com alguém por puro medo do amor, coisas simples de gente como a gente. Pitadas de ciúmes, maldadezinhas e vinganças temperam as muitas reviravoltas.

E é original a cena na qual ouve-se uma confissão atrás de uma cortina, à qual assistimos acompanhados de outros dois personagens. Um cinema dentro do cinema.

Pierre Salvadori, diretor e co-autor do roteiro, sabe fazer bem esse gênero de comédia leve, bem humorada, com personagens de carne e osso, interpretados por atores que convencem por seu talento e sua entrega aos tipos que vivem na tela.

“Uma Doce Mentira” agrada e deixa todo mundo de bem com a vida na saída do cinema. O que não é pouca coisa.

domingo, 4 de setembro de 2011

Medianeras - Buenos Aires na Era do Amor Virtual




“Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual” –
“Medianeras”, Argentina/Espanha/Alemanha, 2011

Direção: Gustavo Taretto





Perfis de edifícios na noite. De dia, prédios e mais prédios escondendo o horizonte. Uma cidade que poderia ser São Paulo mas é Buenos Aires.

Ouvimos a narração em “off ”:

“Buenos Aires cresce descontrolada e imperfeita. Sem nenhum critério constroem-se milhares de edifícios. Estilos diferentes convivem lado a lado.”

A voz acrescenta uma reflexão:

“Essas irregularidades estéticas nos refletem. Porque nossa vida é assim. Irregularidades estéticas e éticas.”

E pergunta: “O que esperar de uma cidade que dá as costas ao rio?”

Ao longo de três capítulos (Outono Curto, Inverno Longo e Finalmente Primavera), o filme “Medianeras” vai contar, com humor e leveza, através das banais pequenas tragédias quotidianas, as histórias de Martin (Javier Drolas) e Mariana (a bela espanhola Pilar Lopez de Yala). Os dois tem menos de 30 anos, são solteiros, belos e moram na mesma avenida. Esbarram um no outro mas se desencontram o tempo todo.

Ele vive na internet, desenha “sites” e quase não sai de casa. Quando isso acontece, leva uma pesada mochila nas costas, como se fosse passar perigo de vida numa selva. Luta contra a insônia. O único ser vivo que lhe faz companhia é Susú, a cadelinha da noiva que foi embora e não voltou.

Ela é arquiteta mas nunca construiu nada. Virou vitrinista e não consegue arrumar o apartamento para onde se mudou. À sua volta, em vinte e sete caixas de papelão, está embalada toda a sua vida. Acabou um relacionamento de quatro anos. Tem medo de elevador. O livro preferido é “Onde está Wally?”. Ela já achou todos, menos o da cidade. Procura com lupa e se desespera. Chora quase todo o dia.

Esses dois tem muito em comum: são solitários, moram em “caixas de sapato”(kitinetes), procuram alguém para amar e seus corações estão feridos por amores que não deram certo

E são vizinhos. Mas são como o sol e a lua. Um encontro impossível? Ou previsível?

Tudo começa a mudar quando ambos abrem janelinhas na “medianera” de seus edifícios. Naquela parede lateral que é usada para colocar anúncios imensos.

Gustavo Taretto, 45, faz sua estréia com esse longa. O filme já foi sucesso no Festival de Berlim, o que garantiu sua distribuição pelo mundo todo. Em Gramado levou três prêmios: melhor longa estrangeiro, melhor diretor e melhor filme pelo júri popular.

“Medianeras”agrada porque é sutil, engraçado sem apelações, triste sem ser pesado e fala de amor.

A inspiração do diretor e roteirista em Woody Allen é explícita. Vemos uma passagem de “Manhattan” nas TVs dos vizinhos, cada um em seu canto. Um jovem Woody Allen se encanta com Mariel Hemingway, ainda uma ninfeta.

E a gente fica torcendo por Mariana e Martin.

“Medianeras”mostra que seres humanos sempre buscam a mesma coisa. A diferença em nossos dias é que a internet pode ajudar ou atrapalhar.

Encontrar o que se procura vai depender da sorte e do talento de cada um. Não é verdade?