quinta-feira, 29 de março de 2012

A Dançarina e o Ladrão



“A Dançarina e o Ladrão”- “El Baile de La Victoria”, Espanha 2009

Direção: Fernando Trueba



O filme começa onde termina. Grandes olhos negros que expressam ansiedade, vasculham a paisagem do vale lá embaixo.

A cordilheira, nevada e rosada ao nascer do sol, brilha atrás do belo rosto da mocinha.

Estamos no Chile, a cidade é Santiago e o ano 1990.

A ditadura Pinochet deixou marcas profundas no país e a mocinha de olhos negros e boca carnuda, a dançarina Victoria Ponce (a chilena Miranda Bodenhofer) é uma dessas vítimas. Pequena ainda, viu seus pais serem sequestrados e depois assassinados. Traumatizada, não fala mais.

Mas o país começa a se recuperar e são anistiados os prisioneiros que não cometeram crimes graves.

Nicolás Vergara Grey, o Nico, vivido por um ator que dispensa apresentações, o argentino Ricardo Darín, é um famoso ladrão arrombador de cofres, que se beneficia com essa inesperada liberdade, depois de cinco anos na prisão. Ele quer reencontrar a mulher e o filho e com eles viver uma vida nova.

Já Ángel Santiago( o espanhol Abel Ayala), sai do cárcere sem que saibamos qual delito cometeu.Um obscuro laço o prende ao diretor da prisão, que enrola um cachecol em seu pescoço arredio, enquanto balbucia frases atrapalhadas:

“- Quero que saiba que naquela noite foi um ato de amor...”

Estranho homem que caça moscas para sua cobra de estimação, entronizada no meio da sala, numa caixa com paredes de tela.

Victória, Ángel e Nico vão se encontrar e viver uma história onde se misturam os ingredientes de um drama, uma farsa e uma aventura romântica.

“El Baile de La Victoria”, o titulo original, traduz melhor o espírito do filme. Todos os personagens querem melhorar de vida e viver seus sonhos.

E o clima criado pelo diretor espanhol Fernando Trueba em torno aos personagens é poético e inspirado.

Assim, vemos cenas noturnas, de uma beleza sem artifícios, que mostram uma cavalgada pelas ruas de Santiago até chegar às dunas de areia e o mar.

Como também seguimos atentos os passos da bela dançarina Victoria, a protegida de sua mestra de ballet (a nossa Marcia Haydée), executando com técnica e graça um adágio, com a coreografia inspirada no poema de Gabriela Mistral, “Soneto da Morte”, que ela oferece aos pais desaparecidos.

E nos surpreendemos com Nico, na pele de um Ricardo Darín, romântico e afinado, cantando, “a capella”,”El Dia que me Quieras” para sua amada, com seus olhos verdes marejados de lágrimas, numa festa que não é para ele.

“A Dançarina e o Ladrão” tem roteiro escrito a três mãos pelo diretor, seu filho Jonas Trueba e o autor da novela que inspirou o filme, o conhecido escritor chileno Antonio Skármeta. É dele outro romance, ”Ardiente Paciencia”, que virou o filme “O Carteiro e o Poeta” de 1994. Skármeta faz, com talento, uma ponta no filme, no papel de um crítico de dança.

Apesar de alguns não gostarem do que chamam de exageros de Fernando Trueba, “A Dançarina e o Ladrão” certamente agradará a quem tem um coração romântico, aberto a histórias que emocionam.



domingo, 25 de março de 2012

Shame



“Shame” – Idem, Inglaterra, 2011

Direção: Steve McQueen




A tela é uma cama com lençois azuis. Um belo homem está deitado nela, com a mão sobre o ventre. Imóvel por alguns segundos, deixa-se apreciar.

Surge o letreiro negro, “Shame”, sobre o azul dos lençóis.

Ele passa nu pela sala do apartamento quase monástico. Nas estantes de alumínio negro, não há objetos ou fotografias. Livros? Não sabemos... Mais parecem revistas, apostilas. Também não há quadros no apartamento. Grandes janelas de vidro e a vista lá fora denunciam New York.

Ele acessa a secretária eletrônica mas não pára, rumo ao banheiro.

“- Brandon... Atenda... Se está aí... Por favor...”, diz uma voz de mulher. Só nós ouvimos as súplicas que saem da máquina.

Na estação do metrô, vestindo lãs cinzas, de maneira sóbria e impessoal, Brandon está a caminho do escritório.

Este início do dia será repetido várias vezes e, a cada repetição, vamos conhecendo melhor o personagem Brandon Sullivan, na pele de Michael Fassbender, o ator do momento.

Com a mesma desenvoltura mecânica com que acorda e vai de metrô ao trabalho, ele segue um quotidiano que pode escandalizar alguns: masturba-se no banheiro durante o banho, fica horas diante do computador vendo pornografia e fazendo sexo virtual, transa na rua contra um muro. A cama dele é ocupada por várias mulheres, profissionais ou não, que se confundem, porque só pedaços delas são mostrados pela câmara.

No escritório inunda o computador de vírus ao frequentar sites pornográficos e vai muitas vezes ao banheiro, para se masturbar.

Nas ruas da cidade, no metrô ou no trabalho, ele é um tigre faminto à procura de presas.

Só que Brandon, infelizmente, nunca se satisfaz. A cada presa de que se serve, ele precisa de outras mais. Sexo para ele é como uma droga, a qual busca sem parar. Estamos longe do erótico ou do sensual.

Algo em sua mente precisa ser descarregado, para evitar que ele caia em um terreno perigoso. O impulso tirânico de procurar um buraco de carne para se livrar desse algo no outro, o invade sem cerimônia.

Há uma escalada da angústia porque Brandon tem medo de pensar sobre isso.

Réfem desse impulso descontrolado, ele vive uma existência oca, sem laços de qualquer espécie.

Até que, sem convite, aparece alguém em sua vida que o joga na crise da qual Brandon foge.

Sissy, a irmã (a excelente Carey Mulligan), que expõe sua carência, sua infelicidade e raiva voltadas contra si mesma (auto-mutilação e tentativas de suicídio), é o espelho que mostra o que ele tanto oculta de si mesmo: a fragilidade extrema, o medo da perda, os traumas do passado. A vergonha de não ser como os outros...

E ele corre, fatigando-se na noite da cidade, acompanhado pelo piano melancólico de Glenn Gould.

E é de Carey Mulligan o momento-revelação do filme, quando canta afinada e lindamente a canção "New York, New York", como um longo e triste lamento, arrancando uma lágrima pesada dos olhos do irmão.

“Shame” é o segundo filme de Michael Fassbender, 34 anos, com o diretor inglês Steve McQueen (homônimo do ator americano), que já foi artista plástico e que agora também é cineasta competente. No último festival de Veneza, Fassbender ganhou o prêmio de melhor ator e o filme foi escolhido como o melhor pelos críticos internacionais.

“Shame” é um filme que fala sobre o homem contemporâneo ao mostrar personagens limítrofes, sem moralismo.

Se você não se assusta com a sexualidade, vá ver “Shame” e fazer o que Brandon não consegue: pensar sobre a vida e assumir suas escolhas como gente grande.



quarta-feira, 21 de março de 2012

Pina




“Pina”- Idem, Alemanha /França /Inglaterra, 2011

Direção: Wim Wenders



Quando jovem, os olhos claros de Pina Bausch pareciam boiar em seu rosto branco. Já eram fluidos os movimentos de seu corpo, como podemos ver nas cenas em preto e branco que mostram sua juventude no documentário de seu amigo Wim Wenders.

Depois, eles foram se tornando mais fundos e profundos. Dava a impressão de que via com os olhos da alma. E, talvez por isso, gostasse de dançar de olhos fechados, como em “Café Muller”, peça de seu teatro-dança de 1978.

Ela nos deixou cedo e abruptamente aos 69 anos.

E o amigo Wim Wenders, o consagrado diretor de cinema alemão de obras-primas como “Paris, Texas”(1984) e “Asas do Desejo”(1987), engavetou todo o material já filmado, enlutado demais para pensar em outra coisa que não fosse a sua dor.

Mas, aos poucos, os bailarinos da companhia convenceram Wim Wenders que esse documentário era a última chance de ver Pina dançando. E ele se entusiamou e fez sua última homenagem à grande coreógrafa, mixando imagens novas com outras já filmadas antes da morte dela.

Ele usa o 3D sem estardalhaço, o que nos permite aprofundar no cenário e perceber as dimensões espaciais das coreografias.

“Café Muller”(1978) parece ser a referência predileta de Wim Wenders que volta sempre a essa peça, privilegiando-a porque traz Pina viva, dançando.

Mas também são mostradas sequências de “Sagração da Primavera”” (1975), “Kontakhof- Pátio de Encontros”(1978), “Wollmond- Lua Cheia”(2006) , entremeadas aos depoimentos de vários bailarinos da companhia de Pina.

A câmara acompanha os dançarinos que expressam sentimentos fortes seja através apenas de movimentos de seus corpos, seja com palavras, lágrimas, gritos, chocando-se ou ajudando o outro a se equilibrar, abraçando, beijando-se, molhando-se com água, sujando-se com terra, saltando no ar e tudo que se possa imaginar que seres humanos possam sentir.

Porque ela se debruça sobre o mundo interno dos homens e suas paisagens psíquicas.

Porque é o teatro-dança de Pina Bausch, diretora do Teatro de Dança de Wuppertal desde 1973.

Às tantas, ela fala conosco de dentro da tela:

“- A dança faz mais do que evocar as coisas que as palavras nomeiam.”

E um bailarino emocionado, relembrando Pina, diz essa frase linda”

“- Pina era a pintora. E nós passamos a ser a tinta de suas imagens.”

Mesmo se você não gosta de dança, dê-se a oportunidade de ver “Pina”. É bem capaz que ela maravilhe você.



sábado, 17 de março de 2012

Habemus Papam



“Habemus Papam”- Idem, Itália/França, 2011

Direção: Nanni Moretti


O Papa está morto.

O féretro expõe toda a pompa do Vaticano, recriada pelo olho atento da câmara de Nanni Moretti. A procissão fúnebre é acompanhada pelos cardeais em fila majestosa. Rendas, ouro, vermelho. A guarda suíça reluz em seus uniformes medievais.

Como cenário para o conclave que elegerá o novo Papa, os afrescos sublimes da Capela Sistina, com seus preciosos mármores trabalhados e madeiras nobres.

Para a eleição do novo pontífice, cento e oitenta cardeais do mundo inteiro estão reunidos e isolados do mundo, que espera a fumaça branca lá fora, na Praça São Pedro, com sua colunata célebre, obra do arquiteto da Basílica, Michelangelo, artista maior.

Em meio a toda essa grandiosidade, o cardeal Melville (Michel Piccoli) é focalizado durante a contagem de votos. Ouvimos seus pensamentos:

“Por favor, Senhor, eu não. Não posso. Não permita que eu seja eleito!”

Ora, no mundo atual, fama e poder são ”commodities” pelas quais a maioria paga qualquer preço. Causa estranheza, portanto, um homem que as recusa. Só pode ser louco ou boçal.

E quando se trata de um Papa que, eleito, aceita o posto com um olhar angustiado e que depois se recusa a subir na sacada para saudar o povo que lota a praça... Está criado um impasse nunca visto.

Nanni Moretti, o diretor premiado no Festival de Cannes pela melhor direção em “Caro Diário” (1993) e que ganhou a Palma de Ouro por “O Quarto do Filho” (2001), realiza em “Habemus Papam” um trabalho original, com um roteiro que privilegia um humor fino e sofisticado. O riso cúmplice é preferido às gargalhadas.

Para resolver a questão da angústia do Papa é chamado um psicanalista narcisista e sarcástico (o próprio Nanni Moretti). A ironia transborda de suas falas, às voltas com a etiqueta e as normas travadas do Vaticano.

Mas quem mais brilha em toda essa trama é aquele que não quer ser Papa, o cardeal interpretado por Michel Piccoli. Aos 86 anos, semblante suavizado pela passagem do tempo, o ator fetiche de Buñuel causa arrepios com sua interpretação de carne e osso. Humano, muito humano é o Papa de Moretti que Piccoli realiza com beleza e suavidade.

Frente a um mundo conturbado e difícil, eleito quase que à sua revelia, esse homem simples e sincero, recusa o que sabe que não é para ele. Rara qualidade nesse mundo de poderosos sem auto-crítica e pouco respeito pelo cargo que ocupam.

Seu contraponto, o porta-voz do Vaticano, papel de um ótimo Jerzy Stuhr, mostra a bizarrice que acontece quando tudo não corre como se prevê.

Nanni Moretti realiza, mais uma vez, um filme pouco comum. Faz rir com sobriedade. E é comovente o silêncio que se instala na platéia frente a um final obrigatório.

Vá você também admirar esse filme que é uma lição de humildade e sabedoria.


segunda-feira, 12 de março de 2012

O Porto



“O Porto”- “Le Havre”, Finlândia/ França /Alemanha, 2011

Direção: Aki Kaurismaki


Assassinato? Inspetor da polícia todo de preto e chapéu?

E que brutalidade... O engraxate, um senhor entrado em anos, elegante mas com roupas puídas, é expulso da frente de uma loja de sapatos finos ...

O estranhamento que o filme “O Porto” causa no início, começa a fazer algum sentido quando acompanhamos o engraxate até a sua casa e conhecemos sua vizinhança, pobretona e antiquada.

Lá estão a dona do bar, Claire, de cabelos brancos e ainda bonita que diz para o engraxate, com simpatia:

“- Você não merece sua mulher, Marcel!”

O quitandeiro e a dona da padaria nos fazem saber, também simpáticamente, das contas “penduradas” de Marcel Marx

(o ótimo André Wilms), ex-escritor que agora mora em Le Havre, cidade portuária no norte da França, com a mulher finlandesa Arlétty (Kathy Outinem) que está doente.

Há uma visível decadência em tudo. Os personagens são envelhecidos e pobres, ainda que pela postura e modo de falar, percebemos que conheceram dias melhores.

Tudo parece indicar que voltamos no tempo.

Melhor metáfora não poderia ser encontrada para retratar a França atual, às voltas com uma grave crise econômica.

Isso para não falar de outro problema grave e contemporâneo: o povo que vem do continente africano, que os europeus tanto exploraram nos séculos passados.

E o filme encontra seu foco.

“O Porto” tem como tema a imigração clandestina, que traz da África o menino Idissa (Blondin Miguel), que vai comover Marcel Marx a ponto de fazê-lo coordenar todo um plano de ajuda ao menino do Gabão, que quer ir para Londres encontrar a mãe.

Aki Kaurismaki, diretor e roteirista, toca seu filme avante na forma de uma fábula moral em torno à solidariedade e ao altruísmo que existem nas pessoas e que só aparecem quando há uma causa forte a ser defendida.

De quebra, da viralata Laika (lembram-se da cadelinha russa mandada para o espaço?) ao nome do ex-escritor Marcel Marx (o mesmo nome do escritor de “O Capital” e do comediante Groucho Marx), há toda uma coleção de homenagens que os cinéfilos cultos vão perceber no filme.

Os menos informados, mas sensíveis, vão notar o proposital colorido nostálgico de tudo, as interpretações quase teatrais, o nome do inspetor, que é o mesmo do pintor Monet e a mulher do engraxate que se chama Arlétty, como a famosa atriz dos começos do cinema francês.

“O Porto” ganhou o prêmio da Federação Internacional dos Críticos no último Festival de Cannes que reconheceu seu valor artístico e sua coragem em apontar o grave problema social da imigração clandestina.

Enquanto os governos não encontram uma solução, no mínimo mais humanitária que a deportação, cineastas como Kaurismaki ajudam as pessoas a imaginar-se mais solidárias e até amorosas com os estrangeiros, expulsos de sua terra natal por fatalidades incontornáveis.

“O Porto” é um filme sensível e divertido que acredita nos homens de boa vontade e em milagres. E você? Recomendo contaminar-se com o otimismo do filme de Aki Kaurismaki. Faz bem.



quinta-feira, 8 de março de 2012

W.E.



“W.E. “ – Idem,Inglaterra, 2011

Direção: Madonna



Escandalosa e provocativa, ela é a “Rainha Pop”. O que quer que faça, chama a atenção de todo mundo sobre ela.

Mas Madona sempre quer mais. Quem a viu, mesmo que só em fotos, no show que deu no intervalo do último “Superbowl” americano, ficou de queixo caído frente a essa mulher, de 53 anos, que hipnotiza platéias de milhões de pessoas.

Não contente em cantar, compor, dançar, atuar, escrever livros infantis, produzir shows, ser empresária, ter vendido mais de 300 milhões de discos até agora e ser mãe de cinco filhos (dois adotados), ela quer ser cineasta.

O primeiro filme dela nem passou no Brasil mas o segundo tem chance de agradar ao público, apesar de algumas críticas negativas no Festival de Veneza do ano passado.

A menina Madonna Louise Ciccone, que perdeu muito cedo a mãe e que sempre viveu finais infelizes em seus relacionamentos amorosos, parece querer refletir sobre isso em seu novo filme “W.E.”, em cartaz em São Paulo.

O filme conta a história de duas americanas. Uma, que mora em New York no fim do século XX e que sofre em seu casamento, tem o mesmo nome da outra, que morreu em 1986 em Paris e que foi protagonista do que ficou sendo conhecido como “o romance do século”.

Para escapar das agruras de seu casamento infeliz com um psiquiatra famoso, frio e infiel (Oscar Isaacs), a Wallis de New York (Abbie Cornish), visita todos os dias a exposição da Sotheby’s com os objetos que serão leiloados e que pertenceram ao duque e à duquesa de Windsor.

E fantasia sobre a vida da outra Wallis, que tem o mesmo nome que ela porque sua avó e sua mãe eram fãs de Wallis Simpson (Andrea Riseborough). Americana e divorciada do segundo marido, ela viveu uma das mais famosas histórias de amor do século XX com o rei Edward VIII (James Darcy). O par aparece na tela em cenas sonhadas por Wally, que devaneia na exposição e na vida, e em alguns trechos de filmes de época.

Madonna disse um dia que tudo que ela faz é autobiográfico porque ela não conhece ninguém tão bem como a si mesma. Ora, ela co-escreveu o roteiro de “W.E.”. É possível que haja uma identificação da diretora com Wallis Simpson, uma americana chic, inteligente, provocadora, boa dançarina mas que teve uma vida difícil?

“W.E.” são as iniciais de Wallis e Edward. Numa cena, que a Wallis de New York repete, Wallis Simpson, magérrima, muito branca e boca bem vermelha, escreve W.E. no espelho de sua penteadeira, antes que a história toda acontecesse. Ela sonhava com isso. Pena pensar que muitos sonhos se transformem em pesadelo...

A edição de arte do filme é luxuosa e os figurinos de época habilidosamente revistos para que a sensualidade de Wallis Simpson fique em evidência, apesar dela nunca ter sido bonita.

“- A vida não é um conto de fadas”, diz Wallis Simpson à Wally de New York em um sonho desta. E, podemos acrescentar, a felicidade não existe o tempo todo na vida de ninguém.

“- Quando há expectativas demais, há desapontamento”, Wally diz, lembrando de uma frase que ouviu. Pois é, e não é o fim do mundo, porque devemos todos aprender a lidar com desapontamentos e frustrações.

Já que a felicidade eterna só existe como uma ilusão, vamos baixar as nossas expectativas para evitar grandes desilusões, parece aconselhar Madonna em seu filme.

Afinal, nem todo príncipe faz da mulher dele uma princesa. Que dirá uma “rainha”...



sábado, 3 de março de 2012

Drive



“Drive”- Idem, Estados Unidos 2011

Direção: Nicolas Winding Refn



Este não é um filme de ação igual aos outros.

Porque tem um roteiro seco e inteligente (do iraniano Hussein Amini), uma direção talentosa e premiada no último Festival de Cannes (do dinamarquês Nicolas Winding Refn), um excelente ator de 31 anos nascido no Canadá (Ryan Gosling) e não tem tanta ação assim. Tem mais drama e leva jeito de se tornar um filme “cult”, logo, logo.

O belo Ryan Gosling, o melhor ator de sua geração, tem uma presença fria e elegante no filme, como se fosse um tigre na selva. Não tem nome e fala pouco.

Tranquilo, dirige calmamente seu Chevrolet Impala, com luvas especiais de couro.

De dia ele trabalha em uma oficina e faz dublê de artistas de Hollywood em perigosos acidentes de carro. De noite é o motorista que tira criminosos da cena do crime. Ele não se envolve e só espera cinco minutos. E avisa antes.

Ninguém diria que ele é capaz de violência. Nem de apegos amorosos.

Mas preparem-se para ver coisas de gelar os ossos.

O dinamarquês, criado em New York, Nicolas Winding Refn, dá um toque de arte em sua direção premiada, usando a câmara ora fixa, seguindo o inabalável Ryan, durante a noite, dirigindo seu carro entre as luzes coloridas de Los Angeles, ora nervosa, pressentindo o que vai acontecer. Os golpes do motorista, que usa seus punhos como armas ou martelos ou a arma do bandido que o atacou, são quase todos filmados com câmara baixa, do ponto de vista da vitima.

Tudo muito rápido e sangrento.

Com sua jaqueta brilhante, ele percorre o filme todo exibindo um enorme escorpião dourado nas costas.

Lembram-se da piada da rã e a travessia do rio com o escorpião nas costas? Pois o motorista tem momentos escorpião e momentos gatinho doméstico. Ataca quem o ataca. Não toma a dianteira. Não porta armas. Mas não perdoa e nem diminue a fúria de seus músculos até matar.

Não sabemos nada sobre o passado desse personagem que nem nome tem. Ele é o momento presente, o arranque do carro e dos cinco sentidos aguçados.

E o som, única indicação para o Oscar que o filme conseguiu, é magistral. Longos silêncios rompidos por música incidental original de Cliff Martinez, bandas que cantam músicas dançantes dos anos 80 e ruídos de lutas, seguidos de sonoros esmagamentos de crânios ou rompimento de tecidos e ossos do corpo dos inimigos. Impressionante.

Carey Mulligan é o contraponto de tanta masculinidade. São dela os momentos ternos e delicados de “Drive”. Toca o sagrado apelo ao amor que também habita o coração do nosso herói.

Baseado no romance de mesmo nome de James Sallis, “Drive” é pouco americano e bastante contemporâneo. Se você for tudo isso, vai gostar do filme.