quarta-feira, 28 de novembro de 2012

As Palavras

“As Palavras”- “The Words”, Estados Unidos 2012
Direção:Brian Klugman e Lee Sternthal

Se há algo que fascina no filme “As Palavras” é o fato de nos darmos conta de que a ficção e a realidade, na literatura, tem limites tênues. Quando um escritor escreve um livro, quanto de auto-biográfico ele é? Alguém consegue escrever sobre algo que não viveu?
No filme, um escritor (Dennis Quaid) prepara-se, nas primeiras cenas, para uma leitura de trechos escolhidos de seu novo livro “As Palavras”.
Ele começa a ler para uma plateia lotada de admiradores, como é costume nos Estados Unidos e na tela vemos os personagens vivendo os fatos da história que ele lê.
Assim, um jovem escritor, Rory Jansen (Bradley Cooper) e sua bela esposa (Zoe Saldana) entram em uma limusine. Ela feliz, mas percebe-se que algo o incomoda. E isso é estranho porque seus olhos estão longe de espelhar um orgulho natural por ter sido agraciado com um prêmio de literatura.
Súbitamente, um outro personagem entra na história. Um homem envelhecido (Jeremy Irons, como sempre soberbo), mal vestido, barba, chapéu que conheceu dias melhores e uma capa de chuva, com um semblante fechado, parece espreitar a saída do escritor Rory Jansen na limusine.
O escritor continua a leitura de seu livro em “off” e há uma frase intrigante que diz que aquele homem da capa de chuva antiquada chegava para mudar tudo na vida do escritor Rory Jansen.
A história que é lida para a plateia traz dois escritores, o jovem e o velho, e um romance perdido, e não publicado, entre eles.
E nós nos perguntamos coisas como de onde vem a inspiração para se escrever uma obra prima? A vida vale mais que as palavras que um escritor busca para descrevê-la? Vale mentir para se tornar um escritor famoso?
Talvez a melhor frase do filme e, claro, do livro que o escritor lê para sua plateia, seja a dita pelo velho senhor da capa de chuva:
“- Minha tragédia foi ter amado mais as palavras do que a mulher que as inspirou...”
Há três casais que se amam e enfrentam dificuldades em épocas diferentes. O soldado americano em Paris no pós-guerra e Célia, a francesa. O jovem escritor Rory Jansen e sua mulher Dora, em lua de mel em Paris, ganha de presente uma pasta antiga. E o escritor que leu seu livro para a plateia, Clay, que é seguido por Daniella, até seu apartamento chic e sem alma em Nova Iorque.
Quantos escritores de verdade existem nesse filme? São três, dois ou um só que imaginou tudo isso?
Ficamos com as nossas próprias conjecturas porque Clay, o leitor de seu livro, responde vagamente:
“- Talvez...Talvez...”, a todas as perguntas de Daniella que está curiosa.
Os roteiristas e diretores estreantes Brian Klugman e Lee Sternthal criaram uma história sobre escritores e literatura que, contada através do cinema, adquire um toque original. Afinal, ninguém vai poder ler o livro que está no livro que narra as aventuras de um original inédito, que é uma obra de arte...
Ficam as perguntas a ser respondidas por quem for ver o filme, principalmente aqueles que gostam de escrever.

sábado, 24 de novembro de 2012

E Agora, Onde Vamos?



“E Agora, Onde Vamos?”- “Et Maintenant, Où Va T-On?” França/Egito/Libano/Itália, 2011
Direção: Nadine Labaki

Ouve-se o vento do deserto.
O que fazem aquelas mulheres de preto, rostos graves, umas com véus, outras com cruzes, andando juntas numa coreografia de uma dança sem alegria?
Vão ao cemitério, dividido em dois, a cruz e a crescente, onde se lembram de seus pais, maridos e filhos mortos.
Uma voz feminina diz:
“- A história que vou contar é para quem quiser ouvir. É a história de um povo isolado, cercado por minas, de duas guerras, sozinho entre o céu e a terra, de dois clãs com o coração ferido, as mãos manchadas de sangue, em nome da cruz e da meia lua. De um povo que escolheu a paz. De mulheres vestidas de preto, seus olhos maquiados com cinzas. Quis o destino fazer da coragem delas a sua virtude.”
As casas de cristãos e muçulmanos, na mesma aldeia, se enlaçam com fitas.
E o amor pode até acontecer na fantasia da bela Amale (Nadine Labaki) e do viril Rabih (Julian Fahrat), revelado pelos olhares furtivos trocados entre eles na vida real, envolvidos em uma dança sensual na imaginação.
Mas, como é natural, o ódio também se revela, quando chegam notícias de incidentes entre cristãos e muçulmanos no país.
E, quando a única televisão que existe é tirada de seu esconderijo na casa do prefeito, o noticiário se encarrega de alimentar as desavenças adormecidas.
As mulheres se entreolham e percebem que precisam agir para que seus homens esqueçam a loucura da guerra religiosa. Afinal, elas mantém a paz na aldeia às custas de queimar jornais, sabotar acesso ao rádio e à televisão e esconder as armas.
À noite, fios são cortados e a televisão já não é mais um perigo.
Mas o ódio acordou no coração dos homens e, embora tanto o padre quanto o imã tentem dissuadir, cada qual o seu povo, na igreja e na mesquita, escaramuças acontecem.
As cabras silenciosas observam as mulheres preocupadas.
“- Será preciso um milagre para acalmá-los”, diz uma delas em suas reuniões ecumênicas.
E fazem o milagre acontecer mas não resolve.
É então que a ideia-mãe brilha nas cabeças femininas. Sexo sempre distrai os homens. Principalmente quando é novidade, veste roupas justas e saltos altos em pernas longas.
Sério e divertido, inspirado e comovente, “E Agora Onde Vamos?”, tem música original de Khaled Mouzanar, marido da diretora, que é muito bem usada para ajudar a contar a história e introduzir tanto o humor quanto a tristeza.
Os atores, excelentes e a diretora que também atua, são coadjuvados por habitantes de dois vilarejos do Libano, que avivam a cor local.
O segundo longa da bela Nadine Labaki de 38 anos, (o primeiro foi o festejado “Caramelo” de 2007) é uma fábula sobre o poder do matriarcado, cuja guerra é sem rancor e para proteger aqueles que elas amam.
A diretora, que também ajudou no roteiro, dedica seu filme “às nossas mães”. Àquelas que nos deram a vida.
O bem mais sagrado.
“E Agora, Onde Vamos?” é um filme original, com uma contundência envolvida em charme.


segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Em Nome de Deus

“Em  Nome de Deus”- “Captive”, França/ Filipinas/ Alemanha/ Inglaterra, 2012

Direção: Brillante Mendonza


Um pesadelo. Mas que foi real para as pessoas que passaram um ano como réfens de guerrilheiros muçulmanos nas Filipinas.

Aprisionados quando o resort em que estavam na ilha de Pallawan foi invadido, em maio de 2001, um grupo de estrangeiros e nativos foi obrigado a seguir o bando de fanáticos separatistas que lutavam pela independência da ilha de Mindanao. Primeiro por mar, em barcos rústicos, depois por terra, levando sómente a roupa do corpo e medo na alma.

Aterrorizados, andando a esmo pela floresta tropical, amarrados como bichos, descansando quando mandavam, atacados por formigas, vespas, sanguessugas, mosquitos, comendo as sobras que lhes davam e esquecidos do mundo, foi um milagre que alguns sobrevivessem.

Ameaçados por seus sequestradores, que pediam resgates cada vez maiores para seus parentes, a situação deles piorava cada vez mais, colhidos no meio dos tiroteios entre o exército filipino e os guerrilheiros.

A câmara de Brillante Mendonza, filipino de 42 anos, não descansa. De propósito, cruel, ele faz com que o espectador se sinta tão desesperado como os atores que ele filma, tensos e exaustos.

Isabelle Huppert, a maravilhosa atriz francesa que só faz filmes que ela escolhe a dedo, não hesitou e aceitou o convite de Mendonza para fazer “Em Nome de Deus”, no papel de uma missionária católica.

Ela vai do medo e raiva iniciais a cenas líricas, como quando conversa e põe para dormir, em seu colo, o menino guerrilheiro e escuta as razões dele para a vida que ele leva.

Enquanto isso, Brillante rasteja com sua câmara para mostrar as serpentes, as formigas, os répteis ou alça vôo para seguir as aranhas em suas teias, os pássaros e seus cantos ou ainda a luz dourada de um raio de sol que penetra a floresta na manhã.

Parece dizer que, naquele lugar, a natureza passaria muito bem sem a presença daqueles homens e mulheres desesperados. Nesses momentos de respiração, a floresta, em sua indiferença natural a tudo que não seja a sobrevivência, acolhe seres humanos da mesma forma que faz com os outros animais.

Um filme duro e belo.

 

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um Alguém Apaixonado


“Um Alguém Apaixonado”- “Like Someone in Love” França/Japão, 2012
Direção: Abbas Kiarostami
Tudo começa num bar. Muitas vozes se entrecortando, barulho de copos, risos. Aos poucos se impõe uma voz feminina.
Uma mocinha japonesa de cabelos laranja e boca vermelha olha em nossa direção. Demora um pouco mas depois compreendemos que estamos olhando o bar através dos olhos puxados de uma garota de franjinha e rabo de cavalo. Ela está falando ao celular.
Agora vemos seu rosto bonito, com a pele clara, olhos expressivos. Tudo nela é juventude. Mas está triste, zangada com quem fala ao telefone. Ela se justifica, dá provas de que está com Nagiza, a de cabelos laranja. O namorado de Akiko não acredita nela? Está com ciúmes?
Assim começa para nós a história de Akiko, garota de programa, como veremos depois, que veio para Tóquio para ganhar a vida. Dividida entre a avó que veio visitá-la, o namorado que ela engana e o seu trabalho de gueixa contemporânea, ela escolhe o último. Larga a avó esperando, o namorado sózinho e vai viver uma aventura.
Akiko vai ao encontro de um cliente, que o seu patrão escolheu para ela. Um homem muito especial, diz ele, que é um homem maduro.
Com seu vestido verde e curto, ela entra no táxi e, apesar de passar pela avó que a espera na praça, chora mas não hesita em continuar em frente.
O cliente, veremos, é realmente um homem especial. Um velho professor, escritor, que vive sózinho entre seus livros e papéis e que parece que anseia por companhia feminina, alguém que ele possa mimar e conversar. Afinal, os únicos retratos que vemos em seu apartamento são os das mulheres de sua vida: a esposa, a filha e a neta. Não sabemos se isso é verdade.Não sabemos nada sobre elas. Como não sabemos quase nada sobre o professor, Akiko e seu namorado.
Essa é uma das características marcantes do diretor iraniano Abbas Kiorastami. O espectador deve estar ativo, preenchendo lacunas propositais para que a nossa imaginação trabalhe. Ele quer uma platéia viva, com as emoções sintonizadas na história que se passa na tela sem nenhuma explicação, a não ser o que acontece com os personagens.
“- Seu apartamento é bonito. Todos esses livros! Você leu tudo? Não joga fora depois que leu?”
E o velho professor sorri, encantado com ela.
Ella Fitzgerald canta “Like Someone in Love” ao fundo.
O Japão, em Tóquio, vai se descaracterizando. Parece uma cidade ocidental mas a tradição permanece de alguma forma.
Há uma necessidade de alguém mais sábio do que eles para orientar esses jovens que não sabem o que fazem. Um professor?Um avô?
Os mais experientes, como o próprio diretor Abbas Kiarostami, sabem que a natureza humana não muda, apesar das roupagens e jeitos novos.
A necessidade de amar e ser amado é o tema de “Like Someone in Love- Um Alguém Apaixonado”. E é eterna.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Argo

 “Argo”- Idem, Estados Unidos, 2012
Direção: Ben Affleck

 
“Argo” já é o mais provável filme no Oscar de 2013, dizem as bancas de aposta.

Em seu prólogo, uma animação narra em “off” a situação política dos últimos 60 anos daquele que era o Império Persa, hoje o Irã.

Somos lembrados que, nos anos 50, foi eleito no país um primeiro ministro democrático, seguido de um regime cruel e ditatorial do Xá Rezha Pahlevi, que não só ocidentalizou o país, como vivia na ponte aérea Europa-Irã, enquanto sua polícia, a Savah, torturava opositores nos porões do palácio.

Começou então uma campanha internacional de apoio ao Aiatolá Khomeini, o Xá é deposto em 1979, sendo recebido como exilado nos Estados Unidos, que o apoiara em seu governo.

A consequência disso é que o povo iraniano cerca, raivoso, a embaixada dos Estados Unidos em Teerã, exigindo que o Xá retornasse ao Irã para ser enforcado.

O cerco redundou na invasão da embaixada americana e na prisão de 52 funcionários durante mais de 400 dias, gerando uma crise política e diplomática.

Acontece que seis funcionários conseguem sair da embaixada durante a invasão por uma porta dos fundos, indo se refugiar na residência do embaixador canadense. Mas, corriam perigo de vida. Se descobertos, certamente seriam condenados à morte.

E é aí que entra o lado quase inverossímil do enredo do filme “Argo”, espantosamente baseado em fatos reais, práticamente desconhecidos do público.

O roteiro de Chris Terrio é dirigido com competência pelo bonitão Ben Affleck, 40 anos, que faz de “Argo” um filme intrigante, com um suspense como não se vê há tempos no cinema.

A história é boa, a ação está ligada aos acontecimentos e a CIA e Hollywood tornam-se improváveis coniventes por uma boa causa, produzindo cenas engraçadas, com atores ótimos como Alan Arkin como um produtor e John Goodman como técnico em maquiagem e máscaras.

Ben Affleck também atua no filme como o agente da CIA Tony Mendez, que inventa um plano audacioso e perigoso para conseguir tirar os seis americanos do Irã. A surpreendente idéia dele, especialista em tirar espiões de lugares difíceis, é fazer os iranianos acreditarem que os americanos não eram os funcionários desaparecidos da embaixada mas uma equipe que fazia um filme, rodando cenas no Grand Bazar de Teerã.
“Argo” tem tudo para agradar não só ao grande público ávido por filmes americanos, como também vai surpreender quem não gosta de filmes de ação e torce o nariz para o cinemão.

domingo, 11 de novembro de 2012

Frankenweenie


 
 


“Frankenweenie”- Idem, Estados Unidos, 2012

Direção: Tim Burton


Uma família anos 60 sentada no sofá com filho e cachorro. Todos com óculos 3D. Victor Frankenstein, o menino talentoso, é o autor do filminho que diverte pai e mãe. O personagem principal é Sparky, o seu “pet”, um monstro do bem no filme caseiro.

A mãe, preocupada, comenta que Sparky é o único amigo de Victor. E a tragédia vai acontecer. O menino vê o cãozinho ser atropelado e morto.

Como muitas outras crianças, Victor vai ter que prantear seu amiguinho e deparar-se pela primeira vez com a morte. O luto vai fazer parte do processo de crescimento e a perda, inevitável, dos entes queridos, é uma experiência que geralmente se inicia com a morte de um bichinho amado.

Não foi diferente com o diretor Tim Burton, 54 anos, que perdeu seu poodle muito querido quando era criança. Ele inspirou-se em sua própria história de vida para fazer “Frankenweenie”.

Aliás, a animação que usa a técnica “stop motion”, já usada por Burton em “A Noiva Cadáver”de 2005, teve uma primeira versão como um curta metragem com atores em 1984, considerada muito impressionante para crianças pelo Estúdio Disney, que vetou a distribuição do filme e despediu Burton.

Certamente os filmes de Tim Burton continuam a assustar crianças e até alguns adultos. Mas há uma beleza sombria e fascinante em seus filmes como o “Batman”de 1989 com Jack Nicholson como o Curinga, “Edward Mão de Tesoura” de 1990 com Johnny Deep, “Peixe Grande”de 2003, “Alice no País das Maravilhas”com Mia Wasiskowa, Helena Boham Carter e Anne Hathaway.

“Frankenweenie” rodado em preto e branco e 3D tem personagens incríveis como o estranho e carinhoso professor de ciências, inspirado em um ídolo de Tim Burton, o ator de filmes de terror, Vincent Price. Todas as crianças tem olhos redondos e olheiras e um dos garotos é dentuço e corcunda.

E, depois das experiências científicas que revivem bichos mortos, o cãozinho Sparky vira um Frankenstein todo costurado, Mr Whiskers, o gato que tem sonhos com presságios, transforma-se num horrível gato vampiro, a tartaruga morta há anos torna-se um monstro pré-histórico gigante à maneira dos desenhos animados japoneses e chama-se Shelley, homenagem a Mary Shelley criadora do personagem Frankenstein.

O menino que passava horas lendo Edgar Allan Poe e vendo filmes de terror, transformou-se em um diretor de cinema original e talentoso.

Porém, apesar do final comovente e educativo de “Frankweenie”, que é bom entretenimento para jovens e adultos, Tim Burton continua não recomendado para crianças, a não ser as mais parecidas com o diretor quando tinha a idade delas.


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Elefante Branco

“Elefante Branco”- “Elefante Blanco”, Argentina/
Espanha, 2012
Direção: Pablo Trapero

Numa cena intrigante, em close, um homem está cercado de aparelhos que giram em torno dele. Aos poucos vamos deduzindo que ele faz um exame médico. Parece uma tomografia da cabeça. Tem barba e cabelos grisalhos e olhos azuis (Ricardo Darin, um dos atores mais extraordinários do cinema).
Na próxima cena, estamos na selva à noite e um homem chora, enquanto vê, escondido, uma matança.
Soldados gritam em espanhol com os ainda vivos:
“- Cadê o estrangeiro?”
No dia seguinte, esse homem anda entre os corpos e as cinzas da aldeia indígena. Parece desesperado e ferido.
Logo, um barco singra um rio, levando pessoas deitadas em redes. Em seguida, uma canoa a remo leva um homem a um precário hospital na selva.
Chega-se a um leito onde jaz alguém e diz:
“- Nicolás? Sou eu, Julian. Vim te buscar.”
E vemos o amigo Julian ( Darin), amparar e consolar o outro (o ótimo ator belga Jérémie Renier).
De chofre, estamos em uma cidade. Uma morena jovem (Martina Gusman, mulher do diretor Trapero) conduz um carro na chuva. Os dois resgatados da selva estão com ela.
Chegam a uma zona pobre, casinholas desajeitadas, poças de água na lama, cachorros vira-latas. É uma favela.
Os homens entram em uma casa muito simples com goteiras. Deitam-se e dormem. Parecem esgotados. Acordam no meio da noite com o som de tiros. O perigo ronda e assusta.
Julian foi buscar Nicolás na selva porque precisa do amigo para ajudar na Paróquia de Jesus Operário, que ele dirige. A moça morena é assistente social e auxilia o padre Julian no amparo quotidiano aos moradores da favela, que vivem em condições desumanas, em meio ao perigo dos tiroteios entre os grupos que guerreiam entre si pelo domínio do tráfico.
Os padres servem de escudo entre os moradores, os donos da droga e a policia.
O sonho do padre Julian é transformar um hospital imenso, abandonado inacabado desde os anos 30, em moradia para centenas de famílias. O “Elefante Branco” teria finalmente um uso. Mas é dura e inglória essa luta diária para conseguir dar alguma dignidade aos moradores da favela chamada A Oculta.
Pablo Trapero é o diretor argentino que se interessa pelo lado mais difícil da vida do ser humano, a miséria no sentido de falta e no sentido moral. Não para arrogantemente dar lições de como fazer (mesmo porque, sabe que ninguém tem tais respostas prontas), mas para denunciar e fazer com que pensemos em algo que é difícil alguém querer parar para pensar.
“Elefante Branco” é uma homenagem ao padre José Mujica, que trabalhava nessa mesma favela e foi assassinado em 1974 em circunstâncias ainda não esclarecidas.
O filme tem como extras os moradores das favelas argentinas, o que dá uma emoção especial e realidade ao roteiro escrito por Trapero e colaboradores.
“Elefante Branco” coloca as perguntas certas sem demagogia nem medo de constatar difíceis verdades, envolvendo inclusive a Igreja Católica, a quem os padres Julian e Nicolás devem obediência.
É um filme que faz doer as almas dos homens justos. Os outros não vão se interessar pelo filme.

domingo, 4 de novembro de 2012

A Arte de Amar

“A Arte de Amar”- “L’Art d’Aimer”, França 201Direção: Emmanuel Mouret


“Sem música não há amor”, diz a frase que inicia o filme. Quem o disse? Não sabemos.
Um homem e uma mulher que se apaixonam, escutam uma música especial, só deles, diz o narrador.
E, acreditando nisso, um compositor vive a primeira das histórias de “A Arte de Amar”, buscando freneticamente ouvir tal melodia e ironicamente, conseguindo isso quando sózinho, caminha por uma floresta, se sabendo muito doente...
Eu arriscaria dizer que o nosso compositor apaixonou-se finalmente pela vida, que lhe escapava e que agora ele percebia que fora sempre tão preciosa. Sem amor à vida como pedir música e amor?
E, com essa reflexão importante, tem início “A Arte de Amar”, filme que vai contar pequenas histórias amorosas com conselhos à maneira de Ovidio (43AC-17DC), poeta romano do qual o filme rouba o titulo.
Ele escreveu seus três livros, que denominou “Ars Amandi”, em 1AC. Eram conselhos para que os homens e as mulheres exercessem a arte da sedução e da conquista. O livro foi causa de escândalo e expulsão do poeta de Roma pelo Imperador Augusto.
Os tempos e os costumes mudaram mas, assim como Ovidio, o diretor e roteirista Emmanuel Mouret, não quer nos ensinar o amor, já que esse sentimento é tão complexo e imprevisível quanto natural, mas aconselhar com bom humor sobre o modo de amar, para fazer disso uma arte.
E tudo pontuado por música clássica de qualidade mas acessível a ouvidos menos experimentados.
Assim, sempre em ritmo e espírito de farsa, cada história começa com uma frase alusiva à circunstância amorosa especial daquelas pessoas: “ Não é bom recusar o que nos é oferecido”, “O desejo é inconstante como as folhas ao vento”, “É difícil dar de si como gostaríamos”, “Sem perigo, o prazer é menos intenso”, “Paciência”, “Assegure-se de que as infidelidades não sejam descobertas”, “Paciência mas não muita”, “Frequentemente os olhos nos levam ao amor mas, às vezes, eles nos enganam”.
O diretor e roteirista também atua, fazendo o papel de um homem que quer se encontrar com uma moça casada, só uma vez, para guardar essa lembrança como a mais bela de sua vida, antes de partir para sempre para o Brasil.
Histórias saborosas à maneira francesa tradicional de fazer as coisas, isto é, bons atores (o mais conhecido é François Cluzet de “Intocáveis”), diálogos bem escritos e a preocupação de que os lugares escolhidos como cenários sejam belos e artísticos, sem pretensão, fazem de “A Arte de Amar” um bom programa para quem gosta de palavras, bela música e situações que nunca descambam para o voyeurístico ou o escabroso.
Uma comédia de costumes tradicional para pessoas com um senso de humor apurado.