domingo, 27 de março de 2011

O Retrato de Dorian Gray





“O Retrato de Dorian Gray”- “Dorian Gray”, Inglaterra, 2009

Direção: Oliver Parker





Oscar Wilde (1854-1900) morreu na prisão, vítima da crueldade do falso moralismo da era vitoriana na Inglaterra.

Homossexual, não podia viver livremente suas escolhas. Atormentado, criou um personagem que era sua patética confissão de que o mal o habitava.

“O Retrato de Dorian Gray”, publicado em 1890, é um livro cujas raízes estão no conflito do autor em tentar reprimir nele mesmo o que era proibido pelos costumes preconceituosos da época e que, ao mesmo tempo, faz uma declaração pública, a favor da punição aos que ousassem desafiar as regras, ou seja, condenando o próprio autor.

Oscar Wilde tentou de tudo para se ajustar ao modelo da época em que vivia mas falhou.

“O Retrato de Dorian Gray”, o filme, dirigido por Oliver Parker, é a história do anti-heroi Dorian Gray (Ben Barnes), que chega ingênuo e sem vícios a Londres, recriada com lirismo e fotografada em tons frios por Roger Pratt.

Logo no início do filme, vemos o jovem chegando à estação de trem onde é abordado por mendigos, prostitutas e rapazes “gay”. Dorian, que recebera uma herança do avô, passa cego por esses presságios e vai ao encontro de seu destino entre os membros fúteis da alta sociedade londrina.

Em um concerto beneficiente conhece o pintor Basil Hallward (Ben Chaplin) que, seduzido pela beleza de Dorian, pinta o seu retrato. E o faz de forma tão soberba, que vai desencadear o drama.

Lord Henry Wotton (Collin Firth, antes do Oscar), personifica aquele que vai arrastar Dorian a viver a filosofia de vida amoral e perversa que prega mas não pratica inteiramente. São discursos eloqüentes e cínicos que o frágil jovem Dorian incorpora e repete, tanto em palavras como nas escolhas que faz para a sua própria vida.

O sotão da mansão familiar herdada por Dorian Gray esconde segredos. Com suas paredes descascadas e janelas vedadas, dá o tom sombrio às memórias infantis, envolvendo Dorian e seu avô.

Cacos de espelho pelo chão, anunciam o fracasso da visão clara...O narcisismo maligno de Dorian vai ser o terreno fértil para pactos demoníacos.

Frente ao seu retrato, enamorado por sua própria figura, diz que faz qualquer negócio para manter a juventude e a beleza eterna.

Metáfora de um canto da mente de Dorian Gray aberto à perversão, o sótão será o lugar do retrato, escondido aos olhos do mundo, corrompendo-se à medida que o jovem vai se entregando à degradação e à luxúria.

O retrato espelha a alma de Dorian Gray e condena suas ações, que vão se tornando mais e mais repugnantes.

Sem amor e com uma curiosidade insaciável pelos prazeres mundanos, Dorian é um excluído.

Parece que Oscar Wilde previa o seu próprio futuro que não tardaria a chegar...

O filme é bem cuidado tanto na direção de arte quanto nos figurinos criados com riqueza de detalhes requintados por Ruth Myers.

E o seu grande mérito é reviver um clássico. Se bem que, adaptado pelo roteirista estreante Toby Finley, dobra-se ao gosto da juventude de hoje por filmes de horror com muito sangue, música tonitruante e até um beijo “gay”.

Espero que leve gente jovem ao cinema e que, seduzidos pelas imagens, redescubram o livro e fiquem sensibilizados por toda a sutileza, ironia e inteligência de Oscar Wilde.

Feliz que Minha Mãe Esteja Viva





“Feliz que Minha Mãe Esteja Viva”- “Je Suis Heureux que Ma Mère Soit Vivante”, França, 2009

Direção: Claude e Nathan Miller





Olhos azuis muito claros buscam algo que não sabemos...É um garoto com rosto belo e grave (Vincent Rottiers).

No carro, a família de férias vai ao mar. Mãe e pai, dois filhos. Linda vista se descortina à frente deles.

Na praia, a mãe passa protetor solar no menino menor. O maior, de olhos azuis, chama o pai para nadar.

Com uma prancha, ele vai cortando as ondas muito rápido. Chega às pedras e bóia de olhos fechados, segurando a prancha, como se sonhasse com o algo muito buscado e agora encontrado.

O pai alarmado grita:

“- Thomas! Thomas!”

As águas do mar se agitam e as ondas assustam. A câmara sobe e mostra o pai sozinho na imensidão azul.

Finalmente encontra o filho sentado em uma bóia:

“- Que estupidez a sua nadar até aqui!”, exclama o pai com raiva.

“- Ficou com medo?“, pergunta o menino.

“- Lógico!”

“- Desculpe.”

E, de chofre, emenda:

“- Como era a minha mãe? Bonita?“

“- Não sei”, responde o pai visivelmente contrariado. “Eu nunca vi sua mãe. Ela não queria nos ver.“

“- Eu me lembro. Ela era linda!”, diz o menino com um ar ao mesmo tempo sonhador e atrevido.

“- Você só tinha 5 anos... Como pode se lembrar?“

“- Mas eu me lembro“, diz desafiador.

“- Bom... Tudo bem...”, responde o pai com ar incrédulo e chocado.

Tudo está bem claro agora. O menino de olhos azuis é adotado. Bem como o irmão menor.

Cenas em “flashback”, misto de fantasia e lembranças, mostram os dois com a mãe biológica ( Sophie Cattani) em momentos de ternura, tomando banho, ela dando de mamar ao bebê sob o olhar do maiorzinho, colocando-o na cama junto a ela, carinhosa e muito jovem.

Vemos também porque dá os filhos para adoção: imatura, irresponsável e sem dinheiro mas com uma grande sede de viver. Os filhos atrapalhavam.

Os pais adotivos tudo fazem mas Thomas, o menino de olhos azuis, conforme o tempo passa, fica ainda mais rebelde. Briga seguidamente na escola porque os outros meninos descobriram que é adotado e perguntam o nome de sua mãe verdadeira. Um colégio interno parece ser a única solução para contê-lo.

“- Eu descobri muita coisa. Mas vou descobrir mais ainda. Eu me lembro dela. Vocês não são meus pais! Meu irmão não é irmão de pai. Se eu quiser, vou embora! Odeio vocês!”

E, aos 20 anos, vai atrás de um sonho amoroso que vira pesadelo.

Tornou-se um clichê em nossa cultura falar sobre o complexo de Édipo. Sabem, quase todos, que foi Freud que assim nomeou o misto de sentimentos amorosos e hostis que uma criança sente pela mãe e pelo pai. Ele já vinha escrevendo sobre isso desde antes do livro de 1900, “A Interpretação dos Sonhos”, que marca a fundação da psicanálise. Valeu-se da tragédia grega “Édipo Rei” de Sófocles, para ilustrar o que observava em si mesmo e nas crianças ao seu redor:

“...é possível que todos tenhamos sentido, a respeito de nossa mãe, o nosso primeiro impulso sexual, a respeito de nosso pai, o primeiro impulso de ódio; são testemunhas disso nossos sonhos. Édipo, que mata seu pai e casa com sua mãe, não faz mais do que realizar um desejo de nossa infância.“

Freud também explica um sentimento obscuro de culpa que pode fazer com que uma pessoa cometa um ato criminoso para ter, finalmente, ao quê atrelar essa culpa, proveniente do Édipo infantil, que quer matar o pai e ter relações sexuais com a mãe.

No filme, Thomas, que embarca num jogo de sedução com a mãe biológica, dá livre passagem a amores e ódios transbordantes que são a marca registrada do Édipo infantil.

Frustrado e rejeitado na infância, ele nunca se curou de uma ferida antiga, que reabre perigosamente no convívio com a mãe, ao mesmo tempo amada e odiada.

Aqui, seria bom que pensássemos nos traumas perigosos ligados ao narcisismo que entraram em cena. Thomas se olha muitas vezes em espelhos, vitrines e janelas, numa alusão a uma identidade buscada em seu passado.

“Feliz que Minha Mãe Esteja Viva” é um filme baseado em fatos reais descritos em um artigo de Emmanuel Carrère, que serviu de inspiração para o roteiro dos diretores Claude e Nathan Miller, pai e filho. Aponta para os perigos que estão adormecidos dentro de nós e que precisam ser elaborados. Se não, quando se apresenta a chance, a tragédia surge.

O menino de olhos azuis, no fim do filme os tem vazados, como os do Édipo grego que se cegou porque não agüentou olhar a realidade cruel.

Um filme inquietante.

domingo, 20 de março de 2011

Cópia Fiel





“Cópia Fiel”- “Copie Conforme”, França, Itália, Irã, 2010

Direção: Abbas Kiarostami





Quando é que a sétima arte, o cinema, imita a vida?

Quando é que um filme torna-se um acontecimento para alguém?

Talvez quando um roteiro, escrito, dirigido e interpretado com sensibilidade, propõe temas que nos tocam profundamente e começamos a nos perguntar sobre nós mesmos. A história precisa nos comover e nos convidar a pensar. O filme fica na cabeça, as imagens voltando e nos estimulando para diálogos íntimos. A sós ou acompanhados.

Assim é com “Cópia Fiel”, o primeiro filme ocidental do diretor iraniano Abbas Kiarostami.

Uma mulher, Elle, (Juliette Binoche) sente-se atraída por um homem, James Miller (o barítono inglês, William Shimell). O filho adolescente dela é o primeiro a perceber. E ela se irrita por ser tão transparente assim...

Os dois trabalham com arte. Ela tem um antiquário. Ele escreveu um livro sobre a cópia de uma obra de arte, coisa tão antiga quanto os romanos e que pode valer mais que o original.

Vão se encontrar e andar juntos por um dia, pela Toscana, onde ela mora.

No começo é o livro dele e a questão da originalidade, do falso e do autêntico na arte, que parece ser o centro da história. Mas, logo, essas questões vão convergir para a relação afetiva dos dois. O discurso intelectual serve apenas como um pano de fundo para os sentimentos que já brotam com força:

“-Não acredito que você está sentado no meu carro!”, exclama ela, logo no início do passeio.

E, com a câmara fechada no rosto dos dois, vamos seguindo o diálogo. A bela paisagem da Toscana é ignorada.

Ela traz para a conversa a amiga Marie, que tinha sido a primeira a ficar intrigada com o livro dele. Elle, a francesa, conta para James, o inglês:

“- Ela diz, melhor uma cópia que o original. Por isso só usa jóias falsas. Assim não tem com que se preocupar.”

E, como quem não quer nada, acrescenta que Marie tem um marido apaixonado, um homem simples, que gagueja e que ela adora.

Ele autografa o exemplar de Marie e escreve: ”Você é original!”

“- Somos parecidos, eu e Marie”, comenta ele.

E é aí que surge a faísca que vai uni-los e separá-los durante aquele dia:

“-Não acho. Marie não quer convencer ninguém. Você sim, com o seu livro.”

“-Eu escrevi esse livro para ser honesto, para convencer a mim mesmo. Não é fácil ser simples.”

Ela retruca:

“-Mas não precisamos ser simples! Somos complexos!”

E, na parada para o café, surge a dona, uma italiana, que os confunde com um casal e comenta com Elle sobre os confortos do casamento.

Pronto. O jogo vai começar.

Ele saíra para falar ao celular e quando volta, ela diz:

“-Sabe que a dona do café nos confundiu com um casal casado?”

O rosto dela vai mudando, uma lágrima logo aflora e Elle instiga James a segui-la numa conversa íntima sobre um casamento de 15 anos.

E a dúvida nos assalta. Mas não se trata de desconhecidos? São mesmo casados e se separaram ou é tudo uma farsa?

Não importa. Ao topar o jogo, o inglês vai ter que acompanhar Elle, que dirige a ação.

Juliette Binoche, que ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes por essa atuação, disse em uma entrevista ao jornal Valor:

“Sim, ela conduz a ação! Isso não é maravilhoso? Porque, às vezes, são as mulheres que têm que arrancar as emoções dos homens! (Risos) As mulheres são capazes de despi-los de suas carapaças para que se revelem. Somos como deusas do amor, estamos aqui para revelar os homens. Se não fosse pelos homens, como poderíamos ser mulheres?”

O iraniano Abbas Kiarostami que apresentou ao mundo seu país e sua cultura, através de seu povo (“O Balão Branco” 1995, “Gosto de Cerejas” 1997, “Onde fica a casa de meu amigo?” 2000), em “Cópia Fiel” fala de algo que todo mundo entende: as glórias e os fracassos do amor no casamento.

Os sinos da Toscana dobram ou repicam para esse amor casado? Ou talvez apenas toquem para acordar quem mantém ilusões que sustentam relacionamentos equivocados?

Elle inveja o casal de velhinhos que vê sair da igreja. Será que ela sabe dos auto-enganos que tiveram que ser superados para que acabassem juntos a vida?

Mais perguntas que respostas...Cabe ao espectador pensar sobre elas.

É bom lembrar que Kiarostami aproveita também para denunciar ao mundo, através de sua opção de filmar na Itália, que seu país sofre nas mãos de um regime autoritário que inibe a liberdade de expressão.

Em entrevista ao jornal O Globo, quando perguntado sobre a opressão no Irã, Kiarostami, 70 anos, com 40 de cinema no currículo, citou uma declaração de outro cineasta iraniano, Asghar Farhadi, que ganhou o Urso de Ouro esse ano em Berlim:

“Vivendo sob tamanha pressão, não sei se paro de filmar e passo a me expressar a partir de atos políticos radicais ou se devo continuar filmando, sabendo que as reflexões propostas pelos nossos filmes podem mudar mentalidades e esclarecer pessoas.”

Por enquanto, Abbas Kiarostami escolheu seguir fazendo filmes.

Sorte nossa.



domingo, 13 de março de 2011

Em um Mundo Melhor





“Em um Mundo Melhor”- “Haevnen”, “In a Better World”,

Dinamarca / Suécia, 2010

Direção : Susanne Bier





Se Jesus Cristo, Buda ou Gandhi voltassem entre nós, pregando lições de amor, perdão e respeito ao próximo, como seriam recebidos?

Esses mestres privilegiavam a não-violência como uma resposta aos conflitos entre os seres humanos. Mas sabemos que poucos, muito poucos mesmo, a praticaram no mundo em que vivemos.

“Em um Mundo Melhor”, filme premiado com o Globo de Ouro e o Oscar desse ano para melhor filme estrangeiro, traz um médico (Mikael Persbrandt) que parece ser uma dessas pessoas raras. Mas não que seja um santo, pois seu próprio casamento vai mal por conta de um caso que ele teve e que a mulher Marianne (Trine Dyrholm) não perdoa.

Sueco, vivendo na Dinamarca, o médico Anton atende regularmente pacientes no Quênia, país devastado por guerras civis.

Seu quotidiano, quando lá está, é levantar-se ao amanhecer e receber, num dispensário improvisado, uma fila de africanos, principalmente mulheres e crianças, que vivem em condições precárias, em tendas no deserto, sofrendo a falta de tudo.

Vítimas da brutalidade de um chefe de uma gangue local, meninas estupradas tem suas barrigas cortadas à faca e seus bebês arrancados de seus ventres, para satisfazer apostas sobre o sexo desses fetos, frutos da violência sexual.

E é nesse mundo, onde o médico vive parte de seu tempo, que ele vai confrontar-se com a questão do mal e será pressionado a conhecer os seus próprios limites.

Mas mesmo quando está na Dinamarca, um mundo melhor se pensarmos que tanto questões materiais quanto de segurança já foram resolvidas, o médico terá também que enfrentar essa mesma questão, aqui disfarçada em racismo, preconceito, ódio, luta pelo poder, falta de compaixão, desejo de vingança e intolerância.

Seu filho Elias (Markus Rygaard) sofre “bullying” no colégio e um garoto novato, Christian (William Johnk Nielsen), que veio da Inglaterra com o pai, sai em sua defesa usando de uma violência brutal contra o agressor.

É que Christian perdeu sua mãe e, já na cerimônia de cremação, nos surpreendemos com o seu rosto severo, seus olhos duros dirigidos ao pai e a falta de lágrimas.

A perda de um ser querido pode gerar muito ódio no coração de quem não consegue lidar com isso.

Esse ódio, justificável para Christian, que crê que seu pai queria que a mãe dele morresse, vai ser dirigido contra outros alvos e até contra ele mesmo, antes que possa ser compreendido e contido.

A diretora Susanne Bier, além de uma excelente direção dos atores-mirins, é responsável também pelo roteiro, escrito em parceria com Anders Thomas Jansen. Contada com delicadeza, sem grandes diálogos e imagens que dizem tudo, a história do filme é um dos trunfos que trouxe todos os prêmios que ele ganhou.

“Em um Mundo Melhor”, que foi atacado como sendo moralizante por alguns, para mim tem o mérito de trazer questões importantes à tona, porque falam sobre a escalada da violência no mundo todo, sem preocupar-se em dar respostas cabais.

O certo é que aponta o coração do ser humano como o lugar onde o mal pode desabrochar a qualquer momento e fazer do homem o lobo do próprio homem.

E talvez sugira a natureza como sendo um lugar de regeneração. Reparem nas belíssimas imagens que Susanne Bier escolheu para finalizar o seu filme generoso.

Aceitar a própria natureza e conhecê-la, para dirigi-la pelo livre arbítrio, talvez seja a saída para os males da humanidade.

Utopia?

Nada entre os humanos é simples, pode ser também uma das conclusões de “Em um Mundo Melhor”.

Pensem e conversem depois do filme.




Trailer de EM UM MUNDO MELHOR - Legendado por claquete_com no Videolog.tv.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Incêndios





“Incêndios”- “Incendies”, Canadá, 2010

Direção : Dennis Villeneuve


Palmeiras ao vento. Alguém canta em uma língua que parece árabe. Janelas abertas para um vale verdejante e rochoso. Dentro da casa um menino de olhos tristes e vazios tem o seu cabelo cortado por um adulto. Outros meninos sofrem o mesmo destino. Rifles na mão de soldados. Que lugar é esse?

“Incêndios” é um filme que se desenrola em retalhos, criando um suspense emocionado. A história é contada por imagens que, aos poucos, vamos costurando em nossas mentes em busca de um sentido.

Há capítulos assinalados por títulos em letras vermelhas. Daresh, Le Sud, Deressa, Kfar Ryat, A mulher que canta, Nihad...

Mas o primeiro deles é : Os gêmeos.

Ficamos sabendo que a mãe dos gêmeos, Narwal Marwan, imigrante que vivia no Canadá, pede em seu testamento para ser enterrada nua, com o rosto sobre a terra. Sem pedra nem epitáfio.

Deixou duas cartas para seus filhos. Jeanne (Mélissa Désormeaux- Poulin) deve procurar um irmão deles e Simon (Maxim Gaudette), o pai.

Os gêmeos nunca tinham ouvido a mãe falar desse irmão, nem que o pai deles estava vivo...

Atônitos, escutam o tabelião (Rémy Girard) dizer que, só depois que atendessem ao pedido da mãe, é que ela poderia ter uma lápide em seu túmulo. Uma promessa teria que ser cumprida.

É essa procura e essa investigação que vamos acompanhar passo a passo, muitas vezes nos perdendo nos “flashbacks” e, logo depois, compreendendo melhor a história dessa mulher misteriosa, interpretada com paixão pela atriz belga Lubna Azabal.

Jeanne, a filha, ensina matemática pura na Universidade e escuta do professor a quem assiste:

“- Você descobriu que seu pai está vivo e que você tem um outro irmão. Vá procurar a verdade. Porque sem paz de espírito, nada de matemática pura.”

No segundo capitulo, Narwal, somos levados ao passado da mãe dos gêmeos.

Uma jovem abraça amorosamente um rapaz, debaixo de uma oliveira. É brutalmente afastada dele pelos irmãos que atiram nele e escuta da avó:

“- Você manchou a honra de nossa família!”

Ela é cristã. Ele era muçulmano.

Estamos em um lugar onde a lei do talião, “olho por olho, dente por dente”, é a única que existe. Por causa disso, já existem mortos no futuro.

É uma terra habitada por famílias de crenças religiosas diferentes, que se comportam como tribos primitivas. Cada ato a ser vingado, soma-se a outro e mais outro. Uma sucessão de represálias sangrentas.

Lá, o perdão e a compaixão ainda não nasceram...

E inocentes vão sofrer. Um bebê é arrancado de sua mãe e ela grita aos prantos:

“- Um dia vou encontrar você, meu filho!”

É essa promessa que Narwal quer que seus filhos gêmeos cumpram por ela.

Inspirado na peça teatral do libanês radicado no Canadá, Wadji Mouawad, “Incêndios” não nos diz qual é o nome do país onde tudo acontece. Adivinhamos ser o Libano mas poderia ser qualquer lugar onde o ódio norteia vinganças e separa famílias.

O mais estarrecedor final espera você, espectador de “Incêndios”, que foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro.

O diretor Dennis Villeneuve prepara esse final com cuidado e competência. Quando ele vem, deixa a platéia muda e comovida.

Vamos aprender uma lição de amor com “Incêndios”?