segunda-feira, 27 de julho de 2015

Um Reencontro


“Um Reencontro” – “Une Rencontre”, França, 2014
Direção: Lisa Azuelos

Sabe aquele momento em que seus olhos cruzam os de alguém e você sente algo diferente? Mas, bem diferente mesmo? É o coração que pula, você parece estremecer, sente aquele friozinho na barriga e o rosto ardendo?
E quando são os dois que sincronizam as mesmas sensações?
“Que será, será...”, canta o fundo musical na voz de uma garota. E aqueles dois ficam se olhando, depois que um amigo em comum os apresentou no lançamento do livro dela. Mas não trocam telefones quando ficam a sós.
“- Não sei o que seria pior... Ver você outra vez ou nunca mais...” diz ele, quando a coloca num táxi.
Sim, porque ele é casado, feliz e nunca vai se separar da mulher. É monógamo assumido.
Ela, por sua vez, está recém separada e não quer saber de homem casado. Prometeu para si mesma. Mas o namorado jovem, que tem metade da idade dela, começa a parecer bobo e infantil, quando ela, com o rosto iluminado, fala do outro, que encontrou na festa do seu livro, para as amigas.
“- Ele cheira a laranja verde” e suspira.
E é flagrada na loja abrindo o frasco do perfume dele, de olhos fechados.
Quem consegue controlar a cabeça quando se teima em só ouvir o coração e devanear?
E quando eles cantam juntos a mesma música no trânsito, ela no carro, ele na moto, longe um do outro mas tão próximos na sintonia da mesma lembrança?
Com esses dois, é só isso, o dia inteiro. Um não se cansa em pensar no outro e imaginar cenas, diálogos, até mesmo a cama que ainda não aconteceu.
E como são ardentes as cenas em que se encontram na imaginação.
Além disso, o acaso insiste em fazer com que esses dois se cruzem em lugares improváveis em Paris. A cidade mais romântica do mundo.
Elsa, a escritora e Pierre, o advogado criminalista, estão se apaixonando perdidamente. Sem trocar um beijo sequer. E já começam a sofrer por causa disso.
E, por causa da culpa que já sentem, dedicam mais tempo aos filhos, embora distraídos, alheios, com a cabeça a léguas de distância do que deveriam estar fazendo.
A diretora e roteirista Lisa Azuelos, que também interpreta a mulher do advogado, conta essa história com muito charme e um jeito surpreendente, que faz o espectador participar dos devaneios do casal de apaixonados. Como quando Elsa, que não sabe o que vestir, atravessa o armário, para cair numa festa de aniversário de uma amiga num bar animado. E adivinhem quem está também por lá e tira ela para dançar?
Ou seja, a maneira de contar a história faz com que coisas banais ganhem um colorido que diverte e seduz o espectador. Fora a trilha sonora inspiradíssima.
E François Cluzet, que não é exatamente um galã, tem uma boa química com Sophie Marceau, sexy, bela e irreverente.
E ele, com 59 anos e ela com 48, dão um aviso à plateia: não pensem que só os jovens vivem esses momentos deliciosos onde o amor ainda não aconteceu na vida real. Porque gente de mais idade também gosta de sonhar acordado.
Aproveitem.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Uma Nova Amiga


“Uma Nova Amiga”- “La Nouvelle Amie”, França, 2014
Direção: François Ozon

Nossa sexualidade foi mapeada no século XX mas muito ainda está por ser visto e estudado.
O que chamamos de “novas sexualidades” é um campo que atrai François Ozon, diretor de cinema francês, 47 anos, sempre antenado naquilo que é secreto, bizarro, escondido (“Dentro da Casa”2012, “Jovem e Bela” 2013, “Ricky”2009).
“Uma Nova Amiga” começa com uma cena espantosa. Em close, vemos uma boca ser pintada, cílios maquiados, brincos colocados. Um homem veste uma bela moça morta. Um caixão branco, forrado de cetim vermelho, acolhe o corpo da moça vestida de noiva.
Na igreja, o elogio fúnebre de Laura, feito por sua melhor amiga, Claire (a belíssima Anais Demoustier), leva-nos em “flash back” ao tempo em que ainda eram meninas, inseparáveis, unidas pelo sangue de um pacto cigano:
“- Na vida e na morte!” bradam as duas na floresta.
Laura (Isild Le Besco) morreu deixando uma filha bebê, Lucie, que tem Claire como madrinha e ela torna pública uma promessa que fez à amiga:
“- Eu prometi cuidar de Lucie e David. E eu vou cumprir a minha promessa.”
O luto está sendo doloroso para Claire, que não consegue sair da cama. Quando sai, vê Laura em todos os cabelos louros que passam. Pensa até em pular da janela do escritório. Pede então uma licença médica e fica em casa.
O marido (Raphael Personnaz) pergunta por que não vai ver Lucie. Ela diz que teme sofrer ainda mais pensando em Laura.
Mas vai.
E o susto que Claire leva quando entra na casa de Laura, já que a porta está aberta, vendo David (Romain Duris, surpreendente) dar a mamadeira para Lucie, é enorme. Para seu espanto e mesmo horror, ele está vestido com as roupas de Laura, maquiado e com uma peruca loura.
“- Faço isso por causa de Lucie. Ela não queria mamar nem dormir mas desde que me vesti com as roupas de Laura, ela está feliz. Sou uma presença materna para ela.”
Claire reluta em aceitar essas desculpas. Está assustada porque não sabe como lidar com tudo isso. Tenta censurar David mas ele explica que não é gay, adora mulheres e talvez por isso precise vestir-se assim de vez em quando:
“- Laura sabia e aceitava. Só pediu para eu não fazer isso em público.”
E o travestismo de David vai mexer muito mais com Claire que batiza o marido de Laura com o nome de Virginia. E
as duas tornam-se melhores amigas. Passam tardes no shopping escolhendo maquiagem, vestidos, bijuterias, vão ao cinema, papos e risos. Virginia atraindo olhares, Claire discreta.
Mas a história se complica porque tem mais coisas que Virginia quer fazer:
“- Quero uma vida nova. Você apareceu e para mim foi um renascimento”, diz para Claire.
François Ozon não toma partido. Não julga. No máximo parece dizer que o desejo é fluido, mutável.
Numa bela cena num cabaré, vemos emoção e tristeza estampadas nas lágrimas da plateia, velhos travestis e em Virginia, ao lado de Claire, quando a exótica transformista dubla “Une Femme avec Toi”. A letra da música repete “com você, eu sou mulher, finalmente”.
E esse é o dilema que se coloca para Claire: quem é Virginia para ela? O marido de Laura que ela prometeu cuidar? Laura rediviva? Uma nova amiga? Um novo amor?
Talvez só o respeito pelos próprios sentimentos consiga fazer com que a vida seja melhor, liberando as escolhas de preconceitos e censuras alheias.
Difícil? Mas possível.

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Os Olhos Amarelos dos Crocodilos



“Os Olhos Amarelos dos Crocodilos”- “Les Yeux Jaunes des Crocodiles”, França, Espanha, 2014
Direção: Cécile Telerman

Relações familiares nem sempre são fáceis. É aí que acontecem encontros e desencontros que marcam a vida das pessoas.
Assim é com duas irmãs, Iris (Emanuelle Béart) e Josephine (Julie Dépardieu, filha de Gérard). A primeira, loura de olhos azuis é exibida e a morena, tímida. Preferida de sua mãe, Iris cresceu, aparentemente, segura e extrovertida. O oposto de Jo, mais íntima do pai sonhador que morreu cedo, deixando inspiração e gosto por histórias como herança para sua filha.
Iris casa-se com um advogado bem sucedido (Patrick Buel), é bonita, elegante, egoísta e leva uma vida fútil, na qual marido e o filho não ocupam quase lugar nenhum.
Já Josephine estudou muito a vida inteira, é especialista em história da Idade Média, tem um marido desempregado (Samuel Le Bihan), que logo vira ex e duas filhas. A caçula é mais próxima da mãe e a outra, a cara da tia Iris (Alice Isaaz, atriz que promete). Jo é apagada e desinteressante. Não se cuida. E está sempre precisando de dinheiro.
Mas quem diria? Iris, que se acha maravilhosa, tem um ponto fraco. Lá no fundo, quer também ser apreciada por seu intelecto. Vemos ela parada na frente do computador, sem inspiração. Deleta sempre o pouco que escreveu.
E, um belo dia, inventa uma mentira, que atrai mais olhares para ela:
“- Estou escrevendo um livro!”
Todos a olham curiosos. Qual  assunto?
“- Época medieval”, é o que ocorre a Iris, pensando na irmã.
E, claro, lá vai ela pedir que, em troca de dinheiro, sua irmã seja sua “ghost writer”.
O resto é previsível. Jo escreve o livro que faz um grande sucesso. E Iris, no auge da felicidade com as capas de revista, programas de entrevistas na TV e “status” de celebridade, anuncia uma continuação do livro.
Mas será que vai dar para manter a mentira que Iris inventou? Como ser uma escritora de sucesso sem nenhuma bagagem? Depender da irmã apagada e desprezada é o inferno pessoal de Iris.
Adaptação para o cinema do romance best-seller de Katherine Pancol, que escreve sobre mulheres que buscam o sucesso a qualquer preço, “Os Olhos Amarelos dos Crocodilos” perde-se um pouco nas histórias paralelas, o que alonga o filme, sem necessidade.
E se você quer saber quem é que vê os olhos amarelos dos crocodilos, tem que ver o filme. Não é nenhuma das duas irmãs.

Samba

 
 
 
“Samba”- Idem, França, 2014
Direção: Eric Toledano e Olivier Nacache

Como é que uma parisiense branca de classe média alta fica conhecendo um imigrante negro senegalês que vive de trabalhos que duram no máximo uns dias?
A história desse par improvável é o miolo de “Samba”, drama bem humorado que trata menos da imigração africana ilegal na França, do que de pessoas solitárias que estão à margem e que não se integram à sociedade constituída.
Samba Cissé (o grande Omar Sy) está há dez anos na França, mora com um tio que é cozinheiro num restaurante de um bom hotel mas não conseguiu legalizar sua vida. É um “sans papier”, não tem documentos e, por isso, é preso numa batida da polícia e vai para o centro de detenção de imigrantes ilegais para que seu caso seja julgado.
Alice (a excelente Charlotte Gainsbourg, de quase todos os filmes de Lars von Trier) está desorientada, estressada. Teve um surto no trabalho numa grande companhia e está de licença médica. Toma remédios fortes mas nem assim consegue dormir.
Enquanto espera melhorar, ela começa um trabalho voluntário numa ONG que tenta ajudar imigrantes ilegais a conseguir papéis para que possam viver com mais tranquilidade na França.
Apesar do aviso de sua colega Manu (Izia Igelin), para não se envolver pessoalmente com os dramas que ela vai escutar, a primeira pessoa que cruza o caminho de Alice nesse lugar é Samba Cissé.
Ele conta sua história com sua voz calma e presença impressionante, sempre olhando Alice com olhos expressivos. E quando, por acaso, ficam a sós, a aproximação é imediata. Mas não somente na pele, principalmente na alma.
Aquele homem grande e complicado faz Alice pensar em si mesma. Quer ajuda-lo porque, no fundo, os problemas deles são parecidos. Estão excluídos, sem família, sem projeto, perdidos.
Ela oferece uma barrinha de cereal para a fome dele e remédio para dormir mas, isso não foi o principal da cena. O foco é na aproximação entre eles, que foi imediata. Alice e Samba reconheceram-se como membros da mesma tribo.
E, ao invés do clichê do casamento para conseguir cidadania, “Samba” vai mostrar a complexidade de seus personagens, suas dúvidas, seus medos, seus erros, suas esperanças.
Uma nota simpática é a participação do ator Tahar Rahim (César de melhor ator por “O Profeta”, 2009), como um argelino que se passa por brasileiro, porque ele acha que tudo dá certo para eles.
E “Palco”de Gilberto Gil e “Take it easy my brother Charlie” de Jorge Benjor animam uma dança de Alice e do “brasileiro Wilson”, para os olhos compridos de Samba.
Os diretores, roteiristas e diretores, Eric Toledano e Olivier Nacache, que assinaram o filme “Intouchables”, que arrecadou mais de 400 milhões de dólares mundo a fora, voltam a colocar em evidência o grande magnetismo de Omar Sy, que faz uma parceria brilhante com Charlotte Gainsbourg.
É um filme para o grande público, sem dúvida, mas que se serve de um humor que não é barato nem vulgar e que nos brinda com cenas comoventes nas mãos de um elenco afinado.
Sucesso garantido.

domingo, 12 de julho de 2015

Um Pouco de Caos


“Um Pouco de Caos” – “A Little Chaos”, Reino Unido, 2014
Direção: Alan Rickman

Quem já teve o privilégio de visitar o Castelo de Versailles, nos arredores de Paris, sabe do que eu vou falar. É sempre um encantamento quando saímos para conhecer os jardins.
A perder de vista, lá no fundo numa colina, sucedem-se espelhos d’água, fontes com repuxos e decorações, estátuas em pilares de mármore, canteiros floridos e muitas surpresas escondidas nas aleias que saem do caminho principal.
Olhando a obra do século XVII, ficamos a imaginar de que cabeça surgiu essa maravilha. Pois foi a arte do famoso paisagista André Le Nôtre (1613-1700).
“Um Pouco de Caos” conta a história criando uma personagem de ficção interpretada por Katie Winslet (linda e grávida disfarçada), Madame Sabine de Barra, que faz uma parte desse jardim encantado.
Foi em 1682, no reinado de Louis XIV, o Rei Sol, que a corte mudou do Palácio do Louvre, em Paris, para o campo, onde foi construído o “Chateau de Versailles”, uma das maravilhas francesas, imitado por toda a Europa mas nunca igualado.
O rei (Alan Rickman, que é o diretor do filme) queria que seus filhos respirassem um ar mais saudável e também que sua obra maravilhasse a todos e deixasse uma marca do seu reinado:
“- Vamos ter jardins maravilhosos! O céu será aqui.”
A época celebrava a harmonia e a simetria. Assim trabalhava Le Nôtre (Mathias Schoenaerts de “Ferrugem e Osso”, 2012).
Mas ele queria que seu jardim brilhasse e saísse do convencional e, por isso, pensou em contratar alguém diferente para construir “Rockwork Grove”, uma espécie de joia secreta.
E Le Nôtre encantou-se com o projeto de Madame de Barra, uma jardineira com um espírito criativo e grande dose de imaginação. Uma verdadeira vocação para celebrar a natureza.
Escolheu-a entre muitos para fazer a gruta, escondida por um bosque, que ela transformou num salão de baile ao ar livre, com uma arquibancada e cascatas de água jorrando pelo muro de pedras exóticas, enfeitado com conchas. Não foi fácil. Mas ela era teimosa e tinha Le Nôtre ao seu lado.
“Um Pouco de Caos” conta essa história sobre a criação dos jardins de Versailles, com o amor como licença poética. É um filme de época bem feito, com belas imagens, ao mesmo tempo grandiosas e delicadas, que nos transmitem o que seria viver na corte de Louis XIV, com toda a pompa e circunstâncias.
Belíssimo.  
 

quarta-feira, 1 de julho de 2015

O Último Poema do Rinoceronte


“O Último Poema do Rinoceronte”_ “Fasie kargadan”, Irã, Iraque, Turquia, 2012
Direção: Bahnan Ghobadi

Beleza e dor.Um grande amor não pode ser vivido por causa da injustiça e da inveja.
Essa é a história real de um poeta iraniano, Sadegh Kamangar, que passou injustamente quase 30 anos como prisioneiro político, por causa da Revolução Islâmica no Irã, que tirou o Xá Rezha Pahlevi do trono em 1979 e instituiu o governo religioso dos aiatolás.
Sahel ( Behraz Vossoughi), como é chamado no filme, era casado com a filha de um coronel do regime do Xá e, portanto, ambos são considerados inimigos pelo governo religioso.
Ela, Mina, interpretada com silêncio e doçura por Monica Bellucci, é uma “mater dolorosa”. Feliz e apaixonada pelo marido poeta, ela é jogada numa cela, torturada e obrigada a gerar filhos de seu carrasco, Akhbar Rezai (Ylmaz Erdogan).
Esse homem, cruel e desprezível, era chofer na casa do pai dela e cobiçava a bela filha do patrão. Nunca perdoou aquele casal apaixonado que ele olhava com rancor pelo espelhinho do motorista, quando os conduzia por Teerã.
Conseguiu sua vingança aliando-se aos adeptos do novo regime.
Se antes os porões da monarquia do Xá estavam repletos de opositores, o mesmo aconteceu quando o tirano foi deposto. Só que agora, os prisioneiros eram os privilegiados pelo antigo governo.
Tudo começa no filme com a alegria do lançamento do livro de Kamangar, “O Último Poema do Rinoceronte”, com muito sucesso. O casal feliz é conduzido no carro pelo chofer porque o poeta quer mostrar algo à sua bela amada, vestida com roupas ocidentais e maquiada.
Chegam à beira de uma estrada que entra pela floresta e descem do carro, num lugar onde impera uma estranha árvore muito antiga:
“- Acredite se quiser, eu falo com essa árvore e ela me responde. Ela me inspirou.”
Mas a felicidade dos dois dura pouco e logo o povo nas ruas grita contra o Xá e ouvem-se rajadas de metralhadoras.
A partir da prisão do casal, o diretor e roteirista curdo-iraniano Bahnam Ghobad muda a maneira de contar a história, valendo-se de imagens escuras e distorcidas para falar do sofrimento, da dor no corpo e na alma. São corações que sangram, impedidos de se ver e constantemente brutalizados.
E os poemas de Kamangar são recitados em “off” pela filha do poeta, que os diz com uma voz suave e grave, enquanto na tela, vemos com horror as imagens da prisão:
“Anunciaram sua morte.
Se você está vivo ou morto,
Ninguém sabe.”
Mina foi solta depois de 10 anos e mudou-se para a Turquia, alquebrada pelo luto da notícia da morte do marido. Mas nunca esqueceu seu grande amor. E faz sua poesia ser conhecida de uma maneira surpreendente.
O filme tem Martin Scorsese como produtor e foi premiado por sua fotografia em festivais por onde passou.
De inegável beleza, mas com uma narrativa difícil, “O Último poema do Rinoceronte” vai agradar a quem ama ver arte no cinema.