quinta-feira, 31 de maio de 2018

Mamma Mia!



“Mamma Mia! ”- Idem, Estados Unidos, 2008
Direção: Phyllida Lloyd

Um barquinho cruza o mar azul noite, com rastros prateados da Lua, levando Sophie (Amanda Seyfried), 20 anos, até a caixa do correio da vila perto da ilha grega de Kalokairi, onde mora com sua mãe Donna (Meryl Streep).
Sophie vai se casar e tem um desejo palpitando forte em seu coração. Ela quer saber quem é seu pai e mais, quer que ele a leve até o altar no dia de seu casamento. Sua mãe silencia sobre o fato.
Mas Sophie encontrou o diário da mãe e achou três possíveis candidatos a pai, que namoraram Donna 21 anos atrás. É para eles que ela envia convites de seu casamento, tendo a certeza de que reconheceria o pai assim que o visse. E canta ”I Had a Dream”.
O filme é uma adaptação para o cinema de um musical que foi inaugurado em 1999 em Londres, com grande sucesso. E foi escrito por Catherine Johnson, que usou músicas do grupo sueco ABBA, compostas por Benny Andersson e Bjorn Ulvalus, antigos músicos da banda, para contar a história.
Mais de 42 milhões de pessoas assistiram ao musical mundo afora.
O filme foi dirigido por Phyllida Lloyd, que também foi responsável pela direção do musical no teatro. E foi rodado na ilha grega de Skiatós, uma belíssima locação.
A personagem principal é Donna, uma ex hippie que estava na Grécia quando engravidou. Como ela tinha namorado ou saído com três caras (Pierce Brosnan, Colin Firth e Stellan Skarsgard) naquele fim de verão, um deles seria o pai tão desejado de Sophie. Pelo menos é o que pensa sua filha.
Donna tem um hotelzinho na ilha onde moram mas quase nenhum dinheiro para a manutenção do lugar, que nem por isso perde seu charme.
Quando chegam para o casamento as amigas de Donna (Julie Walters e Christine Baranski) que com ela faziam no passado um trio musical, “Donna and the Dynamos “, o filme ganha em ação, humor e mais números musicais (Money, money, money, Do your mother know, Take a chance on me, Chiquitita, Dancing Queen).
Meryl Streep surpreende pela voz e energia atlética da interpretação, mostrando sua versatilidade e encanto (The Winner Takes it All).
Na verdade, todo o elenco canta e dança com animação e parece se divertir usando figurinos dos anos 90.
“Mamma Mia!” é um filme leve e bem feito, que vai agradar principalmente a quem gosta das músicas do ABBA e do elenco estrelado do filme dançando coreografias engraçadas.
Atenção! Depois dos créditos finais tem dois números extras com todo o elenco. Adorei!

A Câmera de Claire



“A Câmera de Claire”- “Claire’s Camera”, Coreia do Sul, 2016
Direção: Hong Song-soo

Você já viu algum filme desse diretor coreano? Ele é famoso em festivais. Tem um jeito muito peculiar de fazer filmes, bastante intrigantes, porque não segue uma forma linear de contar a história. O espectador vai formando-a em sua cabeça, conforme o filme se desenrola e os personagens vão dando detalhes.
Aqui entre nós já vimos “Certo Agora, Errado Antes” de 2015, com resenha nesse blog, que ganhou o Leopardo de Ouro em Locarno. A mesma história é contada duas vezes com pequenas variações que levam a finais diferentes.
Outro já visto é “À Noite na Praia Sozinha” de 2017, também resenhado por mim, que tem Kim Min-hee, 35 anos, como estrela e faz a artista por quem o diretor do filme se apaixona. Kim Min-hee ganhou o Urso de Prata em Berlim por esse papel. Ela é também a garota pela qual o diretor do filme anterior, que é casado, se enamora. Esse dado é verdadeiro e fez escândalo em seu país, levando Hong Song-soo ao divórcio.
Em “A Câmera de Claire”, a musa do diretor faz o papel principal, ao lado de Isabelle Huppert que já filmou com ele “A Visitante Francesa – Another Country” de 2012.
O filme se passa durante o Festival de Cannes mas não há massas de turistas nem na praia nem na Croisette.
Numa mesa de um café vazio, depois de uma conversa enrolada, a chefe Nam Yanghye (Chang Mihee) despede a jovem Manhee (Min- Hee, a musa do diretor) da empresa onde ambas trabalham juntas há 5 anos, sem maiores explicações. Diz que sente que a garota não é honesta. Bem no estilo dos filmes de Sang-soo, só mais tarde vamos entender o porquê dessa demissão.
E mais estranhamente ainda, a jovem despedida pede para tirar uma selfie com a ex chefe, que posa constrangida.
Em outro café de Cannes, uma turista (Isabelle Huppert), que veio acompanhar uma amiga cineasta, fica conhecendo um diretor de cinema sul-coreano So Wansoo (Jun Jinyoung), que veio para o Festival. Ela confere no Google e é verdade. Lá está o nome e a foto do diretor. Ela percebe que ele bebe muito.
Na conversa, Claire conta que é professora mas também escreve poesia e tira fotos.
“- Então você também é artista”, diz o diretor.
Saindo dali, vão a uma biblioteca onde Claire lê para o diretor, uma poesia que está num livro intitulado “C’est Tout”, sobre um jovem que morreu “antes de ser marcado pela morte”.
“- É um poema estranho mas eu gosto”, diz Claire sem maiores explicações. Depois vamos entender o porquê quando conhecermos Claire melhor.
Numa cena seguinte num restaurante, Claire encontra o diretor e a chefe que despediu a mocinha, lá na primeira parte do filme.
Quando Claire tira uma foto dele, o diretor pergunta:
“- Por que é tão importante uma foto? ”
“- Porque depois que eu tiro uma foto, você não é mais a mesma pessoa. ” E acrescenta: “A única maneira de mudar as coisas é observando devagar. ”
E o que chama a atenção do diretor quando vê outras fotos de Claire é uma que mostra a mocinha despedida no terraço de um hotel:
“- Você a conhece? pergunta Claire. “Tirei essa foto assim que cheguei. Ela estava tão linda! ”
As fotos de Claire fazem acontecer coisas porque ela é o elo entre os três personagens coreanos.
E compreendemos porque a chefe despediu a mocinha. Ciúmes. Ironicamente, quando Claire se vai, é a vez do diretor ser honesto e acabar com o longo relacionamento que manteve com a chefe da mocinha.
Claire vai encontrar Manhee na praia e vão juntas comer comida coreana. Ao longo da conversa das duas, vamos conhecer melhor a vida de Claire.
Parece que o diretor Hong Song-soo quer sugerir que somos mais parecidos do que pensamos. Tanto faz nascer em Paris ou Seul. Estamos sempre às voltas com nossos sentimentos, nossas dores de amor, nossa vontade de amar e ser amado, de ser reconhecidos, visíveis para o outro.
E, no final do filme, há o corte abrupto da vida que continua.
Para nós também, que levantamos da cadeira do cinema meio assombrados mas sem dúvida pensando nas questões do filme de Hong Song-soo.


terça-feira, 29 de maio de 2018

Tully




“Tully”- Idem, Estados Unidos, 2018
Direção: Jason Reitman

A visão da barriga imensa de Marlo descendo a escada da casa dela, assusta. Gravidíssima, ela não pode descansar porque dois filhos a esperam: Sarah de 8 anos e Jonah de 6, que sofre de um leve autismo ou é pelo menos hiperativo. Ele é um caso sem diagnóstico.
Marlo (Charlize Theron, excelente) não tem dinheiro para pagar uma terapia para o filho. Então, o escova todas as noites dos pés à cabeça. Disseram que seria bom para ele.
Percebemos que Marlo é uma boa mãe, carinhosa, dedicada mas fato é que ela está cansada. Últimos dias da gravidez, as crianças e todo o trabalho da casa. Exaustivo.
Quando o marido Drew (Ron Livinston) chega, o menu é pizza congelada. Foi o máximo que ela conseguiu.
Dia seguinte tudo recomeça. Mas vai ter que ir até a diretora da escola que quer conversar sobre Jonah. Depois de todas as frases corretas vem a verdade:
“- Marlo, não é justo. Jonah mobiliza a professora. Ele precisa da atenção total de uma pessoa junto a ele. E não temos essa pessoa. Vocês vão ter que pagar por ela. Ou tirar Jonah daqui. Tem muitas escolas melhores para ele. Você sabe. Ele é peculiar. ”
A vida de Marlo está pesada, em todos os sentidos. Ganhou muitos quilos com a gravidez, as crianças, especialmente Jonah dão trabalho e seu casamento está um tédio.
Quando vai visitar o irmão rico (Mark Duplass), ouve que vai ganhar um presente: uma babá noturna. Com ela em casa, Marlo vai poder descansar de noite, diz o irmão. Nem vai ter que levantar para amamentar, porque a babá traz o bebê para ela.
Mas Marlo não quer. Uma estranha cuidando do bebe? Nunca.
Mas o parto e a bebê Mia em casa acontecem rapidamente.
E Marlo entra numa rotina infernal. Fraldas, amamentações, ninar, cortar as unhas, banho e todo aquele choro alto dos recém nascidos. Ela joga a toalha. Percebe que vai ter um colapso e chama a babá.
Tully (Mackenzie Davis) é tudo de bom. Além de cuidar da bebê com um jeitinho maternal, limpa a casa, lava os pratos e prepara o café da manhã.
“- Por que a casa está tão limpa? ”estranha a filha Sarah.
A princípio Tully e Marlo se estudam, Marlo com um pé atrás. Mas ela, que veio cuidar do bebê, se ocupa também com a mãe.
As duas passam a conversar muito e rir juntas. Marlo, olhando o corpinho enxuto de Tully, lembra-se de sua própria juventude e reflete, agora que saiu da exaustão, sobre o que quer da vida.
A sereia serena nadando na água azul, passa a ser um sonho recorrente de Marlo, agora mais voltada para dentro de si mesma, querendo voltar a ser quem era.
“Tully” tem roteiro de Diablo Cody que escreve diálogos bem naturais e tem um humor levemente  ácido, além de uma boa imaginação para criar personagens. A dupla com o jovem diretor Jason Reitman já deu certo em “Juno”2007, que deu um Oscar de melhor roteiro para ela, e juntos também fizeram “Jovens Adultos”2011.
Em “Tully” acertaram novamente. Há uma reviravolta inesperada que dá originalidade à história contada e acena com esperanças.
Assim, o filme pode ser visto como um conto de fadas com varinha mágica e tudo mais, ou como um sonho ruim que descreve como fica uma mãe que enfrenta uma depressão pós parto, encontrando depois, nela mesma, a força e a coragem para seguir em frente com a vida que escolheu para viver.
Ótimo filme.


quinta-feira, 24 de maio de 2018

A Escolha de Sofia




“A Escolha de Sofia “- “Sophie’s Choice”, Estados Unidos, 1982
Direção: Alan J. Pakula
Existem filmes inesquecíveis. Transmitem tanta verdade sobre o ser humano em situações limite que se tornam refrãos. Isso acontece quando alguém se vira para você e diz:
“- Foi uma “escolha de Sofia”. ”
E você entende o que a pessoa disse porque viu o filme e não se esqueceu. Trata-se de uma escolha impossível mas que precisa ser feita.
E é bom rever o filme, como eu fiz, porque a cada vez você percebe algo mais. Há muita coisa boa além da história, escrita no livro de John Irving e adaptada para o cinema pelo próprio diretor Alan J. Pakula.
Stingo (Peter MacNicol), o personagem mais jovem, chega a Nova York em 1947, um ano depois da Segunda Guerra. E aluga um quarto no castelinho rosa no Brooklyn, onde vai conhecer Sophia, a polonesa de pele branca e rosto belo que fala com um forte sotaque e procura as palavras, num inglês recém aprendido. Chegara há seis meses da Europa.
O namorado dela, Nathan (Kevin Kline) é judeu, inteligente e vive cercado de livros, dos quais recita trechos de cor mas seu temperamento é instável. Vai da alegria esfuziante ao rancor mais negro, sem que ninguém tenha feito nada demais. E suas brigas com Sophia são sempre trágicas. Ela implorando e ele a maltratando. Uma dupla sadomasoquista que nos envolve com intensidade.
Stingo apaixona-se pelo casal. E ele, que quer ser escritor, tem farto material para observar a natureza humana ali na sua frente, espreitando o casal, fascinado com tudo aquilo que acontece no quarto acima do dele.
Quando a verdade da vida é terrível, contam-se mentiras, verdades imaginárias, alternativas ao horror, que é então banido da mente numa negação tremenda. Quando isso acontece, parece que a pessoa é outra e não aquela que viveu o terrível. Mas a verdade grita lá dentro da alma. Até o dia em que não dá mais para fugir. Há então, uma rendição à realidade. Machuca muito. Mas não se pode evitar.
E é isso que vamos ver numa cena em que Sophia, a incrivelmente talentosa Meryl Streep, com o rosto lavado em lágrimas, debaixo de uma luz azulada, confessa a Stingo o que aconteceu com ela no campo de concentração na Polônia.
Ela ganhou seu primeiro Oscar de melhor atriz com esse papel e para sempre deixou impregnada na nossa retina e no nosso coração aquela cena espantosa.  De forma mansa e arrasadora, a verdade é contada e a ouvimos quase sem respirar.
Há “flashbacks” curtos que não atrapalham o ritmo do que está sendo contado. Ora Sophia, ora Stingo são os narradores.
A fotografia em cores vivas e que varia conforme o tom da cena, em vermelhos e azuis, de Nestor Almendros, cerca os personagens com uma aura surreal.
“A Escolha de Sophia” tem temas universais e prende o espectador, que não pode evitar a emoção que invade a todos. É cinema de primeiríssima.
Você não pode deixar de ver.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Entre Laços




“Entre Laços”- “Karera ga honki de amu toki wa”, Japão, 2017
Direção: Ogigami Naoko

Tomo (Rinka Kakihara) tem 11 anos e vive com sua mãe. Mas ela é descuidada e chega em casa quase sempre bêbada. Segue seu instinto de fêmea e prioriza seus amores.
Quem sofre muito com isso é sua filha, pequena ainda, que só tem para comer os bolinhos de arroz comprados por sua mãe e largados junto a pratos sujos e roupa jogada pelo chão.
Até a noite em que a mãe não volta para casa e Tomo resolve procurar seu tio Makio (Kenta Kiritani).
“- Foi demitida outra vez...  Sua mãe é irresponsável. Vou levar você para a minha casa. ”
Percebemos que há algo que o tio quer contar mas não sabe como. Apenas diz para Tomo que está morando com uma pessoa “diferente”, importante para ele.
“- Eu falei de você para ela. Ela não é comum. Vai gostar de minha sobrinha. ”
Quando chegam, uma moça alta os recebe com um sorriso:
“- Sou Rinko. Entre! ”, diz olhando Tomo.
“- Minha casa não está diferente? ” pergunta o tio.
E quando sentam à mesa para jantar, a menina sorri. Nunca tinha visto tanta variedade de pratos.
“- Coma tudo o que quiser ”, diz Rinko.
“- Ela é ótima cozinheira! ”
E Tomo come com vontade, cansada dos bolinhos de arroz comprados pela mãe dela.
Com naturalidade e poucas explicações, Rinko conta sua condição de mulher transgênero para a menina:
“- Maiko contou para vc? Sobre mim? Sabe, nasci menino. “
A maneira tranquila mas principalmente a delicadeza e o carinho de Rinko conquistam Tomo, que era preconceituosa na escola, fugindo de um garoto que gostava de outro menino e queria ser amigo dela.
Aos poucos, a estranheza que Tomo pudesse ter desaparece e ela aceita e gosta da presença de Rinko em sua vida. Para quem não teve o amor da mãe, Rinko que sempre quis ser mãe, é uma dádiva.
O filme da diretora japonesa Ogigami Naoko trata da transsexualidade de maneira quase didática, de uma forma que qualquer criança entende. O preconceito é mostrado também mas não há julgamentos nem explicações complicadas e muito menos cenas de sexo.
É um filme para quase todos. Talvez até para os mais conservadores. Rinko (Toma Inkuta, que é homem) convence na interpretação da personagem que sempre foi mulher para si mesma.
“Entre Laços” ganhou o Prêmio Teddy no Festival de Berlim de 2017, dado ao melhor com temática LGBT.
Delicadeza, afetos entrelaçados com tricô e um piano que toca uma musiquinha gostosa, aumentam o prazer de assistir a esse filme comovente e belo.

domingo, 20 de maio de 2018

A Natureza do Tempo




“A Natureza do Tempo”- “Em Attendant les Hirondelles”, França, Alemanha, Argélia, 2017
Direção: Karim Moussaoui

A Argélia é um país no norte da África, entre o mar Mediterrâneo e o deserto do Saara. A região foi habitada pelos berberes desde pelo menos 10.000 AC. É uma terra que foi alvo de conquista desde o Império Romano, passando pela colonização árabe no século VIII, pelos Impérios Bizantino e Otomano, a Espanha e a colonização francesa desde o século XIX até meados dos anos 60, no século passado. Fala-se árabe e berbere (línguas oficiais) e francês (língua não oficial) por causa das colonizações.
No fim do século XX, o fundamentalismo religioso muçulmano levou o país à guerra civil em 1992, que massacrou milhares de pessoas e dividiu a população.
Depois de tudo, a Argélia começa a se reorganizar. Mas é uma terra sofrida, com cicatrizes ainda expostas e necessitando de paz e reconciliação. A harmonia depende agora dos próprios habitantes do país, que deverão esquecer os sofrimentos e vinganças para recuperar um tempo de paz.
Essa é a metáfora por trás do título do filme. As andorinhas são esperadas. Trarão a Primavera. Mas quando? Quando vai começar a mudança para tempos melhores?
Essa é a mensagem que o diretor Karim Moussaoui quer passar, em seu primeiro longa, contando três histórias que envolvem personagens que vivem esse desafio atual.
Na primeira, um empresário, Mourad, visita sua primeira mulher. Os pais tentam persuadir o filho a continuar seus estudos de Medicina mas ele só pensa em andar de moto com os amigos.
No caminho para casa, tarde da noite, Mourad assiste sem querer a algo terrível. Ele hesita entre intervir e fugir, fingindo que não viu nada.
Essa atitude de uma elite econômica para manter seus privilégios emperra a mudança tão esperada pelo povo da Argélia? É uma das perguntas do diretor.
Na segunda história o motorista do empresário Mourad pede uns dias de folga, para levar a uma cidade no sul, uma família de vizinhos que vai casar a filha.
Vamos descobrir um amor proibido que une a bela moça, que vai casar num casamento arranjado e o modesto empregado de Mourad. Mas quando uma intoxicação alimentar leva ao hospital toda a família da moça, os dois jovens vão ter momentos só para eles.
Ficam juntos e passeiam pelas redondezas do hotel em que se hospedam por uma noite. Vemos belas montanhas ao longe, cercando um vale de areia, com trechos escondidos onde crescem tamareiras e romãs.
E assistimos a uma linda cena na qual a moça bela dança para aquele que poderia ser o amor de sua vida.
Na terceira história há uma lembrança terrível do tempo da guerra civil. Um médico bem intencionado é acusado de um crime hediondo.
O que fazer para recuperar a confiança e a harmonia entre essa gente ferida por episódios tristes em suas vidas?
O jovem diretor Karim Moussaoui sugere, com esperança, que gestos de aproximação entre as pessoas talvez sejam o início de uma saída para os esperados tempos de renovação de que Argélia tanto necessita.

sábado, 12 de maio de 2018

Esplendor




“Esplendor”- “Hikari”, Japão, França, 2017
Direção: Naomi Kawase

O sentido da visão é não só importante para a nossa sobrevivência, como também é vital para podermos apreciar a beleza, a arte e o cinema.
O filme da diretora japonesa Naomi Kawase, 48 anos, conhecida no Brasil por “O Segredo das Águas” de 2014 e “O Sabor da Vida” de 2015, tem como título a palavra “Hikari” que quer dizer luz. Visão e luz são essenciais para o cinema.
Mas, nesse filme, a diretora escreveu um roteiro que mostra uma profissão original e tão importante para quem não pode ver e gosta de cinema. Misako (Ayame Misaki) é tradutora de imagens de filmes para pessoas com deficiência visual. Ela busca palavras para passar o máximo de detalhes que, sendo visuais, essas pessoas tem que captar através do que ela fala.
Misako é muito atenta e responsável. Porém talvez ainda não se deu conta do quão complicado é o que faz. Sempre apresenta seu trabalho para um grupo de pessoas que precisa dessa tradução e que pode opinar sobre o trabalho de Misako, que sempre aceita as sugestões.
Uma dessas pessoas do grupo para quem Misako lê sua tradução pela primeira vez, enquanto passa o filme, é um fotógrafo famoso  que está perdendo a visão, Nakamori (Masatoshi Nagase). Deprimido e cheio de raiva, ele não se conforma com o que está acontecendo com ele.
Nakamori critica duramente uma frase que Misako colocou na cena final do filme que assistiam, que mostra um velho subindo com dificuldade uma duna de areia, onde o sol está se pondo. Ela coloca a palavra “esperança” para descrever o olhar do velho homem.
O fotógrafo critica a escolha da palavra e diz que ela inventa e destorce o que o filme quer passar com aquela cena final.
Misako não aceita a crítica e o acusa de não fazer uso de sua imaginação.
A partir desse desentendimento, Misako, que é muito jovem, vai aprender mais sobre a vida. Ela vai entrevistar o ator e diretor (Tatsuya Fuji de “O Império dos Sentidos” de Nagisa Oshima) do filme que provocou a crítica mal recebida por ela.
E se surpreende com as palavras dele.
Passa a colocar-se no lugar do fotógrafo, fazendo percursos com os olhos fechados. E percebe o quanto assustador e difícil é o estado de cegueira.
Começa a refletir também sobre a perda, o luto e o medo da morte.
Ao mesmo tempo, descobre no livro de Nakamori uma foto que traz lembranças de sua infância.
A aproximação entre o fotógrafo e a tradutora vai ajudar a ambos na aceitação dos maus momentos da vida, das perdas, dos enganos, das frustrações e das tragédias.
Um filme delicado, belo e que nos faz pensar sobre o que temos de mais importante, o dom da vida.


segunda-feira, 7 de maio de 2018

Ciganos da Ciambra





“Ciganos da Ciambra”- “Ciambra”, Itália, Brasil. Alemanha, França, Suécia, Estados Unidos, 2017
Direção: Jonas Carpignano

Os ciganos são um povo antigo e mítico, espalhados pelo mundo, sem moradia fixa, em suas carroças e cavalos. Pelo menos era assim. O avô de Pio, um jovem cigano, aparece numa cena que inicia o filme, quando era um rapaz, com o seu cavalo, galopando nos campos abertos onde vivia na liberdade, sem patrão. Conta isso ao neto, que não conheceu esse tipo de vida mas que a tem, de alguma forma, na sua memória ancestral.
“- Agora, somos nós contra o mundo. Antes íamos pelas estradas, livres” é o que Pio ouve do avô que mantém uma dignidade visível, apesar das roupas rotas.
Na Comunidade de Gioia Tauro, em um gueto, A Ciambra, é o lugar onde vivem os ciganos romenos na Calábria, sul da Itália, onde dividem o território com os africanos imigrantes e os italianos.
Pio, de 14 anos, é o personagem central dessa história de uma realidade dura, sem tempo para aconchegos. Impera sobre ele a lei do sangue, da família Amato. Deve proteger os seus, custe o que custar.
A câmara segue o garoto, muitas vezes em “close”, em busca de oportunidades para roubar. Carros são os mais lucrativos. O dono paga para ele dizer onde deixou o que roubou. Pio vive assim, de rapinagens. É ele que tem que sustentar a família com o que consegue, já que o pai e o irmão mais velho estão presos.
Não há lugar nem tempo para a infância no lugar onde Pio vive. Aliás as próprias crianças não querem essa infância destituída. Querem crescer, virar gente, de cigarro na boca desde muito cedo, falando grosso como os grandes.
Pio vai conseguir pertencer à tribo dos mais velhos, subir na hierarquia, às custas de trair aquele que mais o apoiava e com quem podia contar. Mas Aviya (Koudous Seihon) é negro, imigrante de Burkina-Fasso. A lei do sangue exclue o estrangeiro, esse africano que não é bem recebido a não ser entre os seus. Os excluídos, por sua vez, também excluem.
Jonas Carpignano, o diretor, já havia tratado desses personagens imigrados da África em “Mediterranea” e feito um curta com o garoto Pio.  Dessa vez, usa novamente só atores não profissionais. Toda a família de Pio, os Amato.
Eles são espontâneos e transmitem não só a vivência da pobreza mas também uma alegria de viver que explode em risos, cantos e brincadeiras que amenizam um pouco o impacto desse mundo sem oportunidades, às margens do nosso.
Com produtores como Martin Scorsese e o brasileiro Rodrigo Teixeira, o filme fez bonito nos festivais por onde passou. Vale seguir a carreira de Jonas Carpignano.

Em Algum Lugar do Passado




“Em Algum Lugar do Passado”- “Somewhere in Time”, Estados Unidos, 1980
Direção: Jeannot Szwarc

De tempos em tempos esse filme aparece na minha vida e todas as vezes eu assisto e me comovo.
É de 1980, época em que muitos da minha geração ainda sonhavam com o amor à primeira vista e eterno. Éramos muito românticos e o passar dos anos ensinou que o amor é mais difícil do que pensávamos e não cai pronto do céu.
Mas “Em Algum Lugar do Passado” continua a me atrair porque traz de novo aquela que eu fui e a minha esperança de que um pouco dela sobreviva em mim. Afinal, pensar que o amor existe e que pode ultrapassar as barreiras do tempo, é um ensinamento aprendido por quem já perdeu alguém que foi muito amado. Continua vivo em nós, nas lembranças, nos sonhos, nos devaneios. Não importa quanto tempo passe, esse amor permanece.
Pois bem, esse filme que não agradou à crítica da época, é hoje um “cult” e está em cartaz no Netflix. Além de falar de um amor eterno, é possível também fazer leituras interessantes sobre viagem no tempo sem máquinas estranhas, só com a mente e existem mesmo pessoas religiosas que acreditam que ocorreu ali uma prova de que a reencarnação existe.
Para mim, continua a ser um dos filmes mais românticos que eu já vi. Aquele rapaz bonito ( interpretado por Chistopher Reeves, que morreu tragicamente) sabia amar tão intensamente que sempre me leva às lágrimas.
Quando o filme começa em 1972 e o jovem dramaturgo se entusiasma com o sucesso de sua peça, vemos aproximar-se dele uma senhora idosa e elegante que dá a ele um relógio de bolso dizendo:
“- Volte para mim? ”
Quem é aquela desconhecida? Jane Seymour, que interpreta a atriz de sucesso, espera no começo do século que alguém que vai mudar a sua vida apareça.
E a trilha sonora do inspirado John Barry tem o tema do filme, que sempre reconhecemos quando ouvimos, além da “Rapsódia sobre um Tema de Paganini” de Sergei Rachmaninov, uma das mais belas e românticas composições, a preferida de Richard, o jovem dramaturgo, que toca numa caixinha de música e traz lembranças esquecidas.
Certamente vou ver “Em Algum Lugar do Passado” muitas vezes ainda.

sábado, 5 de maio de 2018

Os Fantasmas de Ismael




“Os Fantasmas de Ismael”- “Les Fantômes d’Ismael”,França, 2017
Direção: Arnaud Desplechin

Fantasmas do passado atormentam Ismael (Mathieu Amalric, ator fetiche de Desplechin), diretor de cinema que precisa exorcizá-los, transformando-os em personagens. O criador e suas criaturas.
Mas não é tão fácil assim. Porque tais personagens, como são fantasmas do passado, pouco a pouco enlouquecem Ismael. Escapam das visões imaginadas pelo cineasta e começam a ser eles mesmos. Que é do que tem mais medo o diretor. Não quer jamais confrontar-se com a realidade, que provavelmente não é tão maligna quanto o acusam suas culpas alucinadas. Ele se vê num espelho torto.
Mas cedo ou tarde ele vai ter que enfrentá-los ou fugir e enlouquecer.
Por isso, alguns criticam o filme de Arnaud Desplechin (um diretor respeitado na França) vendo caos e confusão em seu roteiro. O que esperavam quando alguém é assaltado de dentro pelos seus fantasmas terríveis?
Mais que caos e confusão o filme induz intriga.
A única personagem que escapa dessa sina é Sylvie (Charlotte Gainsbourg), uma astrofísica que cuida de um irmão com problemas que quer salvar o diretor daquela encrenca, que ele piora bebendo muito, fumando sem parar e tomando pílulas para dormir e para acordar. Ela vai fazer ele voltar ao trabalho no filme, sem se enredar com seus personagens.
E, na casa da praia, ela estava conseguindo isso até a chegada de Carlotta (Marion Cotillard, magnífica), a primeira mulher de Ismael que renasce das cinzas em um belo dia, depois de desaparecer por 21 anos sem deixar vestígios e reaparece, bela como sempre, como que por um encanto. Teve que ser considerada ausente para efeitos legais e já era tida como morta sem sepultura para o marido e para o pai, também diretor de cinema (Lazlo Szabo). Sendo que os dois a adoravam.
Carlotta conhece seus poderes de sedução e diz claramente para Sylvie que voltou para reaver o marido. Banca a vítima ou diz a verdade?
“- Você consegue sobreviver sem ele. Eu não. ”
Outro dos fantasmas é o irmão menor de Ismael, Ivan, que se torna diplomata e vai parar no Oriente, Egito, onde uma trama de espionagem se desenrola.
Mas, isso pouco importa. O filme dentro do filme é o que menos interessa. Serve para mostrar apenas as dificuldades do diretor em se esconder por trás de tramas de ficção quando o que o atormenta é a realidade que ele viveu.
Ismael e Ivan, os dois irmãos que se estranham, ambos não conseguem dormir por causa de pesadelos. Podemos imaginar a vida que tiveram e os traumas que afloram à noite como sonhos maus. Para a psicanálise sonhar é essencial,
mesmo que não lembremos dos sonhos ao acordar. Já pesadelos não são sonhos. São intromissões de culpas inconscientes geradas por um superego cruel.
É claro que todos temos pesadelos de vez em quando. Mas Ismael evitava dormir porque lá vinham os terrores do pesadelo e tomava pílulas e trocava o dia pela noite. E isso também acontecia com Ivan que encontrou um nome para isso: Sindrome de Elsinore.
“- O nome do Castelo de Hamlet ? “pergunta a namorada.
Talvez o principal fantasma dos dois irmãos fosse o pai.
O elenco maravilhoso como as já citadas Marion Cotillard, Charlotte Gainsbourg e Louis Garrell e Alba Rohrwacher são um prazer e prova do prestígio do diretor Arnaud Desplechin.
Um filme que deu o que falar em Cannes, onde abriu o Festival do ano passado, dividindo as opiniões.

terça-feira, 1 de maio de 2018

Tudo que Quero




“Tudo que Quero”- “Please Stand By Me”, Estados Unidos, 2018
Direção: Ben Lewin

Ela (Dakota Fanning) é jovem, loura, cabelos longos, olhos azuis, não muito alta, jeitinho rígido, rosto sério. Wendy tem um problema. Mora numa casa em São Francisco dirigida por uma psicóloga (Toni Collette) porque apresenta um quadro de autismo, sem sintomas graves.
Apesar disso, não pode morar com a irmã como quando a mãe delas era viva. Audrey é casada e tem uma bebê pequena ainda. E tem medo que durante um ataque de raiva, (“tantruns”) comuns às pessoas com a síndrome autista, ela machuque sua filhinha sem querer.
E esse é o grande sofrimento de Wendy, que quer morar com a irmã. Apesar do muito que ela progrediu desde que vive naquela casa para jovens com problemas, Audrey não cede.
Então, para mostrar à irmã que é capaz, inteligente e que pode controlar suas emoções, Wendy está escrevendo um roteiro para um concurso da Paramount Pictures. Ela é fã de “Star Trek” e, como muitos autistas, especializou-se, sabe tudo sobre a série, nos mínimos detalhes. Dedica-se ao roteiro com todas as suas forças. Se ganhar o concurso, os 100.000 dólares do prêmio poderão ser usados para evitar a venda da casa onde as duas irmãs cresceram.
Mas Wendy tem limitações. Trabalha numa confeitaria, onde não precisa manter contato visual com os clientes, coisa difícil para ela. Está sempre com os fones de ouvido, ligada em seu iPod, já que barulhos altos a perturbam. E tem um caderno que usa preso ao redor do pescoço, onde escreve aquilo que não pode esquecer.
Também segue uma rotina diária estabelecida para que não tenha que tomar decisões que causem estresse. Cada dia, uma cor determina o que deve usar para se vestir. A ordem das tarefas diárias também está escrita numa lista ao lado do espelho do seu quarto.
Ela tem um chihuahua chamado Pete que veste sempre uma roupinha azul com um emblema amarelo que lembra o uniforme dos tripulantes da nave de “Star Trek”. O cachorrinho é um personagem importante.
Algo na história do dr Spok, o alienígena que não expressa suas emoções, racionalizando tudo e o Capitão Kirk, corajoso e bom caráter, toca Wendy de muito perto. Também ela está perdida, longe de casa e o mundo das outras pessoas pode ser perigoso e ininteligível para ela.
Vamos ver, no entanto, que ela é capaz de viajar sozinha para Los Angeles para salvar seu roteiro de quase 500 páginas. Ele tem que ser entregue a tempo dento do prazo do concurso.
Wendy vai passar por alguns apertos mas a vemos conversando consigo mesma para acalmar-se e não perder de vista seu objetivo.
O filme é baseado numa peça de um ato de Michael Golamco, que também escreveu o roteiro. A trilha sonora agradável, com músicas leves e adolescentes, é do brasileiro Heitor Pereira.
Apesar de tentar familiarizar as plateias com o autismo, o filme não é nenhum “Rain Man”. Se você for exigente e quiser ver mais realismo e aprofundamento psicológico dos personagens, esse filme não é para você.
Mas se quiser apenas “uma sessão da tarde” bem realizada, “Tudo que quero” poderá agradar. Nada contra.