terça-feira, 27 de junho de 2017

A Garota Ocidental - Entre o Coração e a Tradição


“A Garota Ocidental – Entre o Coração e a Tradição”- “Noces”, Bélgica, França, Luxemburgo
Direção: Stephen Streker

Será que é possível pertencer a duas culturas diferentes? Aconteceu com Zahira o que é consequência de uma situação dramática, que coloca dilemas de difícil solução. Aos 18 anos, ela vivia na fronteira, ou melhor, na terra de ninguém, aquele espaço que não tem dono, entre dois mundos.
A garota pertencia, em parte, ao mundo ocidental, já que morava na Bélgica, estudava numa escola na qual se falava o francês e seus amigos eram belgas.
Zahira (Lina El Arabi) era bonita, pele cor de mel, longos cabelos escuros, olhos de cílios espessos. Vestia-se como as outras meninas de sua idade mas com recato. Nada de decotes nem saias curtas.
E, quando saia à rua, seu primeiro gesto era o de cobrir a cabeça com um lenço. E isso significava que pertencia à tradição de onde viera sua família, o Paquistão, de religião muçulmana. Vemos cenas não só do pai e do irmão rezando em seus tapetes de oração, mas ela também.
Assim, Zahira obedecia às tradições seculares de seu país. Amava sua família, que também a amava. Mas era uma garota que queria viver como seus amigos.
À noite, vestindo jeans, top de paetês e tênis dourados, furtivamente saia da casa dos pais e ia dançar, com sua melhor amiga, Aurore (Alice de Lencquesaing). Queria a liberdade de namorar e sair com amigos.
Além dessa ambiguidade de conduta, um traço de personalidade de Zahira iria determinar o seu destino. Ela não conseguia tomar uma decisão importante, sem muito hesitar. Uma das causas disso era o amor à sua família. Não queria que sofressem.
Mas sabemos como a vida é feita de escolhas e suas consequências.
Ela sabe que a família prepara seu casamento com um paquistanês, porque assim reza a tradição. E seu irmão Amir (Sébastien Houbari) tem papel importante nessa tentativa de convencer Zahira a fazer o que o pai e a mãe decidiram. Eles casaram sem se conhecer e viveram felizes. A irmã mais velha também casou assim, depois de experimentar a vida à moda ocidental. E vem convencê-la a fazer o mesmo:
“- Mas não é justo”, reclama Zahira.
“- E o que você esperava? Somos mulheres.”
Ao que acrescenta com carinho:
“- Não há justiça nesse mundo. Pense nos velhos, nos doentes. Você tem que seguir as regras da tradição, senão a família será desonrada.”
Havia uma forte pressão social, além da religiosa. O pertencer à comunidade é um valor real para os paquistaneses vivendo na Bélgica.
O diretor e roteirista Stephen Streker baseou-se livremente num fato real para contar a história de Zahira. Em nenhum momento ele toma partido, apresentando os fatos, sem julgamento.
Cabe ao espectador refletir sobre o que vê na tela e colocar-se no lugar do outro, o que não é fácil.
O final é estarrecedor e pungente.

domingo, 25 de junho de 2017

Frantz



“Frantz” – Idem, França, Alemanha, 2016
Direção: François Ozon

Quem será que depositou flores no túmulo do noivo de Anna? Ela se pergunta isso intrigada. Desde que Frantz morreu na França é Anna (Paula Beer) que cuida do jazigo dele.
Mas logo ela descobre com o coveiro que o estranho era francês. Ele mostra para ela a moeda de dois francos que ganhara. Francês? Isso aumenta o mistério.
Estamos numa cidadezinha alemã em 1919, logo depois da derrota da Alemanha na Primeira Guerra, da qual os alemães saíram humilhados, inclusive por tratados que os prejudicavam.
Cada família alemã tinha um filho morto pelos franceses. O ódio ainda inundava os corações. As feridas estavam abertas.
Daí ser mais estranho ainda que um francês colocasse flores no túmulo de Frantz. A menos que fossem amigos de antes da guerra, quando ele estudava em Paris, lembra Magda, a mãe, ao marido, o médico Hoffmeister.
E quando Adrien Rivoire (Pierre Niney) toca a campainha na casa de Frantz, a mãe o apresenta à Anna, a noiva enlutada e ao marido que o olha com ódio.
Mas o francês, com lágrimas nos olhos, relembra para a mãe e a noiva de Frantz, a amizade entre os dois quando ambos eram estudantes, os bailes que frequentavam, as caminhadas por Paris e as visitas ao Louvre para admirar um certo quadro de Manet, que os dois amavam.
Adrian também toca violino e até dera lições a Frantz, em Paris. Ambos tinham a mesma idade e os mesmos gostos.
E, por um momento, era como se Frantz voltasse para aquela casa onde era adorado.
Aos poucos, Adrien conquista a família. Até o pai, que sentira ódio por ele, insiste que fique com o violino de Frantz, o que ele recusa, mas em troca tocando as músicas que sabia serem as preferidas dele, com Anna ao piano.
E passeia com Anna pelos lugares que Frantz adorava, onde pedira a mão dela em casamento. Os dois visitam o túmulo e conversam em francês, língua secreta dos noivos.
Apesar de ser hostilizado por onde passasse, levantando rumores contra o doutor Hoffmeister, que o acolhera em sua casa, Adrien parecia realmente mortificado pela perda do amigo. E isso o aproximava de Anna e dos pais de Frantz.
Até que, na última noite antes de partir para a França, convidado para jantar na casa dos Hoffmeister, Adrien não aparece e Anna sai à sua procura. Encontra o francês no túmulo de Frantz e, para sua surpresa, Adrien diz que tem uma confissão a fazer.
François Ozon, 49 anos, diretor de “Jovem e Bela” de 2013, “Uma nova Amiga” de 2014, ”Potiche”de 2010, para só citar alguns de seus filmes de sucesso, assina como diretor e roteirista seu novo filme, “Frantz”.
Ele adaptou para o cinema a peça de Maurice Rostand (1891-1968), que também foi levada para o cinema em 1932 por Ersnt Lubich, “Broken Lullaby”. Diz Ozon que resolveu mudar o ponto de vista do narrador, que no filme do alemão Lubitch era o soldado francês, para adotar o olhar de Anna, a noiva do soldado alemão.
Há algumas surpresas e reviravoltas na trama, filmada em magnífico preto e branco para as cenas em 1919 e outras coloridas quando os sentimentos são de alegria e amor e para o final, fantástico, por sinal.
O diretor, em entrevistas, ressaltou a contemporaneidade da história que tem como tema o nacionalismo exacerbado, gerador de guerras e ódio a estrangeiros, muito atual na Europa de hoje, por causa do problema dos imigrantes que também fogem de guerras.
“Frantz” é um filme elegante com a fotografia de Pascal Marti e a música inspirada de Phillippe Rombi, que acentua as emoções e enriquece o clima passado pelas imagens.
“Frantz” é um filme belíssimo.
  


segunda-feira, 19 de junho de 2017

Kiki - Os segredos do desejo



“Kiki – Os segredos do desejo”- “Kiki, el Amor se Hace”, Espanha, 2016
Direção: Paco León

A abertura do filme ilustra, com belas imagens, que o sexo é natural porque os homens e mulheres fazem, leões e leoas também fazem, flores se abrem em frutos, onças procuram seus pares e lobos uivam.
Nelson Rodrigues, o grande autor de teatro brasileiro, dizia que, se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém se cumprimentaria. É uma frase de efeito que aponta para a tara. Mas ele também dizia que o tarado é toda pessoa normal pega em flagrante.
O roteiro de “Kiki” traz mais nesse sentido, porque às vezes é difícil falar sobre o próprio desejo. Há uma censura interna que nos faz ter vergonha. Certos desejos são então, difíceis de satisfazer.
O filme se passa no quente verão de Madri mostrando histórias de casais que tem esse problema em comum: desejos secretos.
Assim, Ana (a argentina Ana Katz) e Paco (Paco León, o diretor e co-roteirista) vão parar na terapia de casais porque falta algo naquele casamento que eles não conseguem entender. Será que não seria o caso de explorar melhor a sexualidade? E Belén (Belén Cuesta), que é garçonete num bar, onde o sexo rola solto, vai ajudar o casal.
Já Natalia (Natalia de Molina) e Alex (Alex Garcia) namoram e pensam em casamento, até que ela é vítima de um assalto numa loja. A lâmina da faca em sua garganta, o ladrão segurando seu corpo e Natalia sente algo que nunca havia sentido na vida. O namorado fica preocupado.
E o cirurgião plástico (Luis Bermajo), que é rejeitado na cama pela mulher (Maria Paz Sayaso), numa cadeira de rodas depois de um acidente, que descobre um meio de satisfazer seus desejos frustrados usando gotas mágicas? A empregada deles ganha uns peitões para ficar calada.
Outro casal ainda, quer filhos, mas não consegue porque o orgasmo da mulher está intimamente ligado às lágrimas.
Para não falar na bela ruiva (Alexandra Jimenez) que tem uma atração irresistível por seda. O orgasmo dela na estação de trem depois de tocar uma certa camisa é bombástico.
Tudo isso, tratado com muito humor e situações divertidas que mostram que os espanhóis estão se soltando, porque o desejo se impõem. É mais forte que a censura.
Paco León que dirige e atua no filme, fez uma refilmagem de um filme australiano, “The Little Death”, de Josh Lawson, de 2014. Fernando Pérez e o próprio diretor escreveram o roteiro, passando a ação para o verão em Madri, onde personagens dos mais variados, tem desejos eróticos, os mais estranhos, com nomes pomposos: Dacrifilia, Elifilia, Somnofilia, Arpaxofilia, Herbofilia.
“Kiki – Os segredos do desejo” brinca com a dificuldade de realizar o prazer sexual e aponta certamente para a culpa que envolve a sexualidade em nossa cultura ocidental.
Assistindo ao filme, o riso contagia o público e liberta um pouco dos preconceitos as mentes menos abertas para o assunto.
Tolerância para com os desejos humanos que não fazem mal a ninguém, é o lema de “Kiki – Os segredos do desejo”.
Se você não se escandaliza muito facilmente, vá se divertir com essa boa comédia espanhola.



terça-feira, 13 de junho de 2017

Paris Pode Esperar


“Paris Pode Esperar”- “Paris Can Wait”, Estados Unidos, 2016
Direção: Eleanor Coppola

Fazer cinema, para quem convive com talentos imensos e reconhecidos, deve ser uma experiência tentadora.
Mas Eleanor Coppola, mulher de Francis Ford Coppola e mãe de Sofia e Roman, só experimentou fazer seu primeiro longa de ficção aos 80 anos. Seu documentário sobre o marido, “Francis Ford Coppola – O Apocalipse de um Cineasta” de 1991 foi muito elogiado. Mas e a coragem para fazer ficção? Acho que ela também pensou: mas se não for agora, quando?
E o dinheiro? Quem investe hoje em dia num filme com personagens de mais de 50 anos e sem reviravoltas e brigas na trama? Eleanor confessou em entrevista que teve dificuldades para encontrar financiamento para seu filme. No fim, o marido ajudou.
E o resultado agrada a quem gosta de “road movie” sofisticado. Os que apreciam a região da Provence vão rever lugares visitados e os que não conhecem, mas gostam de viajar de carro e tem afinidade com a cozinha, os queijos e os vinhos franceses, vão poder se inspirar para a sua própria viagem de sonho.
E é interessante saber que o roteiro foi baseado numa experiência pessoal da diretora. Conta ela que o episódio é verdadeiro. Estava no Festival de Cannes com o marido em 2006, quando uma dor de ouvido impediu que voasse para Budapeste e ela foi para Paris, levada por um sócio de Coppola.
A bela e charmosa Diane Lane, 52 anos, é a personagem que faz a diretora. Alec Baldwin, 59, é o marido e Arnaud Viard, 51, é o sócio francês que acompanha a americana casada na viagem para Paris, que durou dois dias ao invés das sete horas previstas.
Pensar que ela buscava uma aventura é algo vulgar. Porque Anne ama o marido, o produtor de cinema famoso que vive trabalhando, envolvido nos filmes rodados nos quatro cantos do mundo. E sobra pouco tempo para ela, que sonha com uma viagem só dos dois.
Então, enquanto não dá para ter o marido, Anne aprecia que Clément comprou remédio para sua dor de ouvido e a leva para um restaurante lindo antes de começar a viagem. Retraída, ela não quer vinho mas quando chega o Chateau Neuf du Pape, o belo “rouge” brilhando nos copos de cristal, ela muda de ideia.
Aos poucos, os viajantes vão ficando mais próximos. Nada como uma bela paisagem e surpresas como um piquenique na grama perto do rio, para aproximar as pessoas.
Ela gosta de fotografar e Clément se interessa pelas fotos e elogia o seu talento para o detalhe.
Ou seja, Anne estava carente disso tudo que faz da vida uma experiência única. Quando ela diz que sua flor preferida é a rosa, no próximo posto de gasolina, enquanto ela compra chocolate, ele vai e volta com o carro cheio de rosas esplêndidas e perfumadas.
No caminho visitam pequenos museus, ruinas romanas românticas e restaurantes escondidos com “chefs” maravilhosos que proporcionam surpresa e delícia para Anne.
Há sutileza e elegância durante todo o trajeto e por isso “Paris pode Esperar” encanta a plateia.
Um filme delicioso, em todos os sentidos. Não perca!




sábado, 10 de junho de 2017

Neve Negra


“Neve Negra”- “Nieve Negra”, Argentina, Espanha, 2017
Direção: Martin Hodara

Como é difícil julgar algo ocorrido no passado com outras pessoas... Mesmo porque, até que um fato novo aconteça, não há interesse em remexer em velhos segredos. E é o que ocorre aqui, nessa família infeliz.
A cena inicial do filme é intrigante. Vemos alguém de costas, caminhando na neve com uma espingarda. Ouvimos uma voz chamar:
“- Juan? ”
E um menino de olhos claros se vira e encara quem chama. Essa cena traz o segredo escondido que agora vai emergir entre dois irmãos.
Salvador (Ricardo Darín, sempre estupendo) vive só, há 30 anos, numa montanha da Patagônia, que é sua reserva de caça particular. A propriedade familiar, num lugar ermo, guarda só o chalé, agora decrépito, onde moraram, desde sempre. Mas por que ele parece um eremita, cabelos desgrenhados, jeito sujo, vivendo numa situação de quase penúria? Seu rosto exprime desgosto e raiva.
Marcos e Laura, o irmão de Salvador e sua mulher grávida (Leonardo Sbaraglia e Laia Costa, atriz espanhola), chegam à Argentina para enterrar o pai dele e ficam sabendo que, numa carta do pai, há um pedido para que Marcos o enterre ao lado de Juan, seu filho caçula, morto há muito tempo atrás, na montanha.
Entendemos que Salvador, Marcos e Juan são irmãos e que há uma irmã (Dolores Fonzi, numa ponta marcante) internada numa clínica psiquiátrica. Da mãe não sabemos nada.
O velho amigo e advogado do pai (Federico Luppi) conversa com Marcos sobre a oferta de 9 milhões de dólares para a compra da propriedade familiar pelos canadenses. Falta a assinatura de Salvador.
“- Já disse que não falo com ele”, responde Marcos, ríspido.
Laura fica surpresa sobre a quantia oferecida, que viria a calhar para pagar as despesas com a cunhada na clínica e o bebê a caminho. Ela sabe muito pouco sobre a família do marido.
Mas, pesquisando no apartamento que fora do sogro, ela encontra cadernos de desenho da irmã internada. São estranhos e há um tema sexual explícito: animais copulando, uma mulher nua, sangue na neve.
Na foto da família a figura da mãe estava rasgada. Quem fez aquilo? Por que?
Mas nada é perguntado e Marcos se cala. A única coisa que Laura percebe na visita à irmã do marido, é que o pai deles era violento. E que Marcos vai levar a urna funerária até a montanha, como ele queria.
O filme foi rodado em Andorra, nas montanhas com pinheiros escuros, neblina e tempestades de neve. O clima é propício para a trama que tem buracos negros, com um segredo sobre o qual não se fala.
A fotografia é bela e triste. A música poderosa e lúgubre. Tudo concorre para que a plateia seja seduzida para querer saber mais sobre aquela família, da qual restam dois irmãos em litígio mudo e uma irmã louca tirada de cena.
O suspense vai sendo alimentado por cenas em “flashback” que mais parecem sonhos, recordações, lembranças vívidas, que são como que fantasmas que perseguem Marcos e Salvador e que Laura adivinha.
O final é surpreendente.
“Neve Negra”, com um ótimo elenco, é mais um sucesso do cinema argentino.



terça-feira, 6 de junho de 2017

Mulher Maravilha


“Mulher Maravilha”- “Wonder Woman”, Estados Unidos, 2017
Direção: Patty Jenkins

“- Eu queria salvar o mundo...  Mas sabia tão pouco na época... E a humanidade? Não é o que se pensa. Aprendi isso de um jeito difícil, há tempos atrás...”, ouve-se em “off” uma voz feminina falar. De relance, vemos seus saltos altos, um belo rosto e cabelos escuros.
Estamos em Paris no Louvre atual e a moça recebe um pacote em sua sala onde trabalha com antiguidades. Dentro uma foto em preto e branco. Reconhecemos a Mulher Maravilha rodeada de quatro homens.
Assim começa o filme da primeira super-herói feminina que foi criada há 75 anos por William Moulton Marston, psicólogo, inventor do detector de mentiras e escritor de quadrinhos. Ela foi a personagem de uma série para a TV nos anos 70, com Linda Carter, que fez muito sucesso. Todas as garotas daquela época queriam ser guerreiras e vestir aquela roupa curta e sexy, em vermelho e azul.
Esse filme incrível é apenas o segundo longa da diretora Patty Jenkins, 45 anos, sendo que o seu primeiro, em 2003, foi “Monster” que deu o Oscar de melhor atriz para Charlize Theron.
“Mulher Maravilha” depois da primeira cena no Louvre, continua com um longo “flashback” que conta a história de Diana, princesa das Amazonas e seu caminho para tornar-se a super-heroína com super-poderes.
Como cenário, no começo, temos uma ilha de sonho, com altas falésias dando para um mar turquesa e campos verdes onde cavalgam as belas Amazonas. Lá vive a única criança da ilha, a esperta Diana. Sua mãe Hipólita (Connie Nielsen) não quer ver sua filha treinando lutas como as outras. Ela tem que ir para a escola.
Já sua tia Antíope (Robin Wright), a general da tribo, acha que quanto antes Diana aprender a se defender, melhor. E a sobrinha começa então a treinar secretamente com ela.
Mas numa coisa concordam a mãe a tia. Jamais revelar a Diana sua concepção. A menina (Lilly Aspell) e depois a jovem inocente (Emily Carey), sempre acreditaram na história que a mãe contava: fora feita de barro por Hipólita e Zeus dera-lhe a vida.
O segredo sobre quem é o pai da Mulher Maravilha certamente voltará em outro filme mas aqui ela pouco sabe, tanto sobre si mesma, quanto sobre o mundo dos humanos.
Temiscira, a ilha paradisíaca onde Zeus escondia as Amazonas, era um mundo à parte. E assim foi durante o crescimento de Diana. Ela aprendeu a usar o arco e a flecha  montada em seu cavalo, a proteger-se com o escudo e a manejar o laço da verdade, corda dourada que fazia a pessoa confessar tudo que sabia sem sofrer torturas.
Bem, mas chega o momento em que Diana vai enfim, conhecer um homem. Nunca tinha visto um até que o piloto americano Steve Trevor (o bonitão Chris Pine) cai no mar com seu avião de guerra. Diana o resgata das águas do mar e um envolvimento poderoso começa entre os dois, mas timidamente.
A história vai levar Diana para Londres, em 1918, em plena Primeira Guerra. Ela vai se empenhar em tentar descobrir onde se escondeu o deus da guerra, Ares, que para ela era o único culpado dessa situação na Europa.
Diana, a Mulher Maravilha é a atriz israelense Gal Gadot, divinamente bela, corpo esguio com músculos alongados, cabelos escuros e longos e uma boca deliciosa num rosto que inspira simpatia e exala encanto e graça.
O filme harmoniza, com talento, a transição entre o mundo da fantasia e o mundo real e a convivência entre essas duas realidades. O roteiro do estreante Allan Heinberg conta uma história envolvente e há cenas divertidas, com um humor levemente picante, como quando Diana descobre coisas sobre o piloto espião nu diante dela, ou quando estão os dois dormindo lado a lado no veleiro que os leva para Londres e há um clima de atração entre eles.
Há cenas piores? Sim, porque como é filme de super-herói, ela tem que lutar contra um super-vilão. E aí cai na mesmice dos outros que já vimos. Se bem que Gal Gadot luta e pula com tal graça e leveza que mais parece uma ginasta olímpica.
Encantadora.
Como podem perceber, eu e a quase unanimidade da crítica adoramos o filme da Mulher Maravilha.
Prometo que vocês vão gostar também.




sábado, 3 de junho de 2017

Z - A Cidade Perdida



“Z – A Cidade Perdida”- “The Lost City of Z”, Estados Unidos, 2016
Direção: James Gray

O começo do século XX foi uma época em que viagens para lugares ainda intocados por homens brancos, realizadas por exploradores, granjeavam fama e admiração.
Quando encontramos o Major Percy Fawcett (1867-1925), que viria a ser um chefe de expedições famoso, ele está em uma caçada, galopando atrás de um veado, numa trilha perigosa em Cork, Irlanda. Com um tiro certeiro mata sua presa. Os companheiros militares admiram seu manejo da montaria e pontaria. Será o centro das atenções no jantar de gala daquela noite, certamente.
Mas não. Muito elegante em seu uniforma vermelho mas que não ostenta as esperadas medalhas, Fawcett é esnobado pelo anfitrião que comenta em voz baixa que o major não teve sorte com a família. É barrado no jantar.
Assim, limpar seu nome, que herdara do pai, dono de uma má reputação, era o principal objetivo da vida de Percy Fawcett. E a oportunidade de realizar o que tanto buscava surgiu em 1906, quando a Sociedade Real de Geografia o chama para mapear os limites entre o Brasil e a Bolívia. A região era selvagem mas cobiçada por causa da extração da borracha. Os países precisavam de um ponto de vista neutro para resolver a questão.
Essa foi a primeira de três expedições que durante 20 anos  faz Fawcett à Amazônia, de onde volta com a certeza inabalável de que uma civilização sofisticada teria habitado o local, onde encontrara vestígios de cerâmica e esculturas em pedra, encobertas pela selva.
Percy Fawcett amava sua mulher Nina (Sienna Miller, excelente) e os três filhos, dois deles nascidos quando ele estava na Amazônia. Mas a família sofre com suas ausências longas.
A segunda, financiada por um aristocrata atrás de glórias, será pior do que a primeira, morrendo quase todos os participantes, salvando-se Fawcett e seu assistente Henry Costin, interpretado com refinamento por um Robert Pattison ótimo no papel e quase irreconhecível por causa de uma espessa barba.
A eclosão da Primeira Guerra é uma tragédia a mais para ser enfrentada e faz Fawcett sonhar com a selva como um lugar de paz.
Nina, uma mulher à frente de seu tempo, ajuda o marido buscando documentos que comprovassem sua tese, mas não pode acompanhá-lo na terceira expedição com o argumento  que a região é perigosa demais.
Ela fica mas Jack, o filho mais velho (Tom Holland), parte com o pai. E será uma viagem iniciática para ambos. Obcecado em ser respeitado, agarrado à sua esperança louca de encontrar Z, Fawcett se embrenha na selva com o filho, como se fugisse da maldição ligada à reputação do pai, que manchará também seu filho. Não quer o desprezo de seus pares e precisa acreditar que os indígenas mostrarão a ele o caminho para Z. Vê na Amazônia o sonho de uma redenção.
Charlie Hunnam, o “Rei Arthur”, agrega vigor e entusiasmo a seu personagem, que foi um homem complexo e está perfeito como o famoso explorador.
Uma curiosidade é que Brad Pitt quase incarnou Fawcett mas acabou sendo o produtor executivo do filme.
A fotografia de Darius Khondji é bela e misteriosa. A selva verde e escura, o rio dourado, aparentemente manso, tudo esconde em seu seio perigos fatais. As cores são impregnadas de um verde doentio.
A direção de James Gray é segura e o ritmo lento, imposto pela natureza, envolve aos poucos e sugere ameaças.
O roteiro foi adaptado de um dos muitos livros escritos sobre o explorador, é não-ficção, de David Grann de 2009.
E as cenas finais são de uma beleza pungente que nos acompanha quando saímos do cinema.
Belo e extraordinário. Mas não recomendado para quem só aprecia “blockbusters”.