quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Bem Amado








O Bem Amado





O Brasil quer rir do Brasil?

Guel Arraes, o diretor do filme “O Bem amado”, pensa que sim e explica, em uma entrevista que deu a Luis Carlos Merten:

“... O que me atrai é o humor. Até por ter convivido internamente com esse mundo da política, sempre fui atraído pela peça de Dias Gomes (1962) que deu origem à novela (1973) e à série (1980). Odorico Paraguaçu virou o emblema do político brasileiro. Existem muitos Odoricos por aí e eles acham o personagem divertido, são os primeiros a rir. Mas nenhum assume que Odorico é o retrato deles, daí o meu desejo de fazer o filme.”

Vindo da televisão (Armação Ilimitada), o diretor de “Lisbela e o prisioneiro” e o “Auto da Compadecida”, filmes onde o lirismo conversava com a graça do nordeste do Brasil, em “O Bem Amado” quer falar de política. Diz ele na mesma entrevista:

“Era o personagem que me interessava, o retrato que ele fazia do Brasil. O país mudou. O Odorico da ditadura não podia ser o mesmo da democracia. E com ele mudou tudo. A sátira política virou uma farsa.”

E, realmente, o Odorico de Marco Nanini é muito diferente do de Paulo Gracindo que marcou época com seu terno de linho amarfanhado e charuto na boca.

Agora o cabelo é daquela cor alaranjada duvidosa, o prefeito veste-se de maneira espalhafatosa e usa colete, chapéu, cartola, comendas e anéis. Mais para o patético e ridículo.

Os tempos são mesmo outros e o narcisismo desabrido ataca o prefeito Odorico e faz disso a sua marca. Pavão misterioso?

Do antigo Odorico o novo só conservou o linguajar pitoresco que o povo copiava nos anos setenta e a obsessão de inaugurar o cemitério, custe o que custe. Sua administração também é marcada por todos os defeitos da politicagem e Guel Arraes, que também assina o roteiro, dá destaque às práticas fraudulentas que tanto alimentam as manchetes escandalosas dos nossos jornais.

As engraçadas Cajazeiras, senhorinhas carolas e alcoviteiras do passado, são agora três irmãs solteiras tão espalhafatosas quanto o prefeito que, querendo ser “sexy”, se insinuam para qualquer macho que apareça mas preferiam mesmo o lugar de primeira dama de Sucupira ( Andréa Beltrão, Zezé Polessa e Drica Morais).

O público de “O Bem Amado” se diverte, principalmente aqueles que só gostam de rir, mas há momentos em que o ritmo do filme, muito acelerado mas repetitivo, cansa.

O elenco estelar de atores da Globo está à altura do que é pedido pela trama. São todos profissionais competentes e bem dirigidos.

Para mim, o ponto alto fica a cargo de José Wilker, que faz o cangaceiro Zeca Diabo com alma. Tem o mérito de resistir à caricatura e ser o personagem mais contundente do filme.

As paisagens de Alagoas, brevemente mostradas, dão vontade de viajar e conhecer as águas turqueza e as falésias de areia, tão fotogênicas.

E a trilha sonora sem defeito vai de Caetano Veloso, Zélia Duncan, Zé Ramalho e Jorge Mautner. Uma delícia.

Guel Arraes, filho do ex-governador Miguel Arraes, figura de proa na oposição à ditadura militar, faz uma bela homenagem a seu pai mostrando-o no grande comício das “Diretas já”, que foi um momento importante na reconquista da democracia no Brasil.

Talvez esse seja o momento mais tocante do filme quando se vê que não só de Odoricos vive a política brasileira.

E mais ainda, eu diria que pensar nas próprias “maracutaias” não faz mal a ninguém. Isso não é privilégio dos políticos. Rir é bom e eu gosto mas por que não tirar conclusões mais amplas desse filme em tempo de eleições importantes no nosso país?


domingo, 18 de julho de 2010

À prova de morte





“À prova de morte”-“Death Proof”, Estados Unidos, 2007
Diretor: Quentin Tarantino

Jovens pés femininos, com pulseirinha no tornozelo, descansam sobre o painel de um carro que corre por uma estrada ao som de um rock animado.
“À prova de morte” abre com um dos fetiches do diretor Quentin Tarantino, que também produz, dirige a fotografia e seleciona as músicas da trilha sonora, além de atuar em uma ponta.
Claro que não é diversão para uma platéia convencional. Mas, quem conhece e gosta do estilo desse diretor, vai se deliciar com todos os clichês “a la Tarantino”que estão em “À prova de morte”, filme de 2007 que fazia a segunda parte de uma sessão dupla que começava com “Planeta Terror”de Roberto Rodrigues. Os diretores pensaram em homenagear as sessões de cinema com dois filmes dos “drive-in” americanos dos anos 60 e 70. Nelas passavam os filmes B de baixo orçamento e com muita violência, sexo, terror e perseguições em carros “envenenados”.
O projeto não fez sucesso nos Estados Unidos e apesar de ter sido exibido na Mostra de São Paulo e no Festival do Rio em 2007, só agora “À prova de morte” chega ao nosso circuito.
Propositalmente, o filme apresenta borrões, ranhuras e aqueles cortes mal feitos quando se passava de um rolo de filme para outro, como acontecia antigamente.Tudo produzido com tecnologia digital para criar o ar “retrô” dos anos 70.
O forte de “À prova de morte” não é a história. Já no “trailler” conta tudo: Stuntman Mike, um ex-dublê cabotino e meio ridículo com seu topete e casaco prateado, usa seu carro, um Chevy Nova 1970, com uma caveira pintada no capô, para atrair belas garotas que vão nutrir seus instintos assassinos. Elas morrem com as manobras violentas que faz o dublê porque só o banco do motorista é “death proof”, protegido e reforçado, à prova de morte. Mas isso ele só conta quando a aterrorizada garota já está sentada no outro banco.
Para o psicopata sanguinário, Stuntman Mike, seu carro é como que extensão de seu corpo impotente, para conseguir orgasmos letais. Mas haverá castigo surpresa.
Na primeira parte do filme, garotas safadinhas que falam e riem contando umas às outras seus casos amorosos, são excrutinadas pela câmara “voyeur” de Tarantino que explora a bela anatomia delas. “Close” em pernas, peitos e traseiros em shortinhos apertados. Estão naquele carro, que corre pela estrada, Jungle Julia, “a DJ mais sexy de Austin,Texas” (Sydney Tamiia Poitier, filha do ator Sidney Poitier) e suas amigas Shanna ( Jordan Lad) e Arlene ( Vanessa Ferlino). Elas vão ao bar do Warren (Quentin Tarantino se divertindo muito), onde bebem e dançam antes de partir para um fim de semana só de garotas.
Uma série de diálogos picantes e de duplo sentido esquentam a temperatura do bar para onde vai o dublê assassino atrás das garotas. E o “clímax” dessa excitação toda é a “lap dance”, dança erótica de Vanessa Ferlino para um participante Stuntman Mike (Kurt Russell, ótimo no papel). Quentíssimo.
A cena que encerra a primeira parte do filme, uma espetacular colisão, é mostrada quatro vezes porque é filmada a partir do ponto de vista de cada uma das quatro garotas que morrem em meio a latas retorcidas, vidro quebrado, explosões e fogo, com direito até a uma perna decepada no meio da estrada. Muito sangue, claro.
Graças a um xerife caipira que entende tudo o que aconteceu (referência a “Fargo” dos irmãos Cohen), o dublê assassino tem que mudar de estado e vamos para Lebanon, Tennessee, onde acontece a segunda parte do filme.
E se na primeira metade estamos na noite, com muito néon e bebida, na segunda parte a luz do sol ilumina a cena com cores vibrantes. As garotas que o psicopata escolhe dessa vez também são bonitas mas poderosas. E ele não sabe.
Este é um tema recorrente nos filmes de Tarantino que já vimos, por exemplo, em “Kill Bill” 1 e 2 (2003 e 2004), com Umma Thurman e Pam Grier em “Jackie Brown”( 1997).
Como se para vingar as outras quatro, em um carro branco desafiam o carro preto do assassino. “Quem com ferro fere...com ferro será ferido”, diz o ditado popular.
Quentin Tarantino, que sabe como ninguém brincar no cinema, em “À prova de morte” mostra que, mesmo quando faz de propósito um filme ruim, consegue ser divertido e original. Coisa fácil para ele.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

“O profeta"


A tela é escura. Vozes se entrecortam. Os letreiros aparecem em amarelo. Alguém reclama das algemas em seu pulso. Sentimos, no escuro, que o medo é o melhor aliado da sobrevivência.

Nesse primeiro impacto já se anuncia a saga do anti-herói Malik, um menino francês de origem árabe em Paris, que sai do reformatório e vai direto para a prisão cumprir pena de seis anos porque ficou adulto. Passa pela “cidade das luzes” no breu de um carro de polícia.

Pouco ou nada sabemos desse garoto que não conseguimos ver nas imagens indistintas e tumultuadas que abrem o filme “O profeta”. Mas o mais importante é o que se percebe desde o início: sua história lê-se no corpo magro marcado por cicatrizes profundas. Foi muito castigado.

Nada possue, a não ser uma nota de 500 euros que esconde com cuidado e da qual é despojado na entrada da cadeia. Revistado em todos os buracos de seu corpo, onde se esconde a sua alma?

Talvez seja esse o principal fio condutor para entender Malik: ele procura saber quem é. Solitário, não tem amigos nem identidade. Mas, precisa ter, para sobreviver naquele mundo onde mandam os chefes das máfias, corsos e árabes, que orquestram o crime organizado de dentro da cadeia.

Tarefa árdua para quem não sabe responder às perguntas do funcionário da prisão:

- Qual a sua língua materna?

Ele balbucia algo como “não tenho”...”reformatório”... “francês”...”árabe”...

-Mas se você preencheu a sua ficha de modo incompleto, você estudou um pouco, não?

-Até os 11 anos...

Ele é semi-analfabeto. Aliás pode até conhecer algumas letras mas nada faz muito sentido para ele. Ele até aprende a ler e um ofício na prisão. Mas é muito pouco.

O diretor Jacques Audiard conta essa história com cores rebaixadas e cortes abruptos. A ação não é interrompida por explicações. Cabe ao espectador acompanhar a descida aos infernos de Malik (Tahar Rahim).

Os modelos que ele segue na prisão, para colar-se neles porque não sabe o quê fazer, são os disponíveis. Para quem precisa de pai, ele encontra um patrão perverso, o corso Luciani (Niels Arestrup):

- “Acha que vai durar aqui sem proteção? Você vai fazer o que eu mando. Você vai matar o árabe. Você consegue. Vamos ajudar. Mas saiba de uma coisa. Se você não matá-lo, sou eu que mato você.”

Na cadeia, a desgraçadamente famosa “escola do crime”, em busca de proteção, apego, identidade, Malik vai conhecer o mundo das sombras dentro dele. E vai ter relances do que poderia ter sido, se o destino não o colocasse em situações-limite nas quais as reações são às cegas e o medo da morte rege a mente.

Malik se apega a seus demônios internos na falta de uma tábua de salvação. Mas ele já afundou e não sabe.

Há momentos de lirismo e quase felicidade quando Malik voa de avião pela primeira vez em sua vida, quando conhece o mar ou nina o bebê, filho do amigo Ryad. Mas ainda é muito pouco.

Malik é a presa no mar de lama e sangue onde afundou. Por isso percebe o perigo que correm as gazelas na estrada que corta o bosque e por onde transita um carro a toda velocidade. Massacre.

-Como adivinhou Malik? Você é profeta?

E na cena final somos nós que, com horror, percebemos o perigo que ronda um Malik que, finalmente liberto da prisão, acha que se encontrou e que vai ter e dar amor.

Alguém canta de um modo sarcástico a canção “Mack the Knife” da “Ópera dos três vinténs” de Brecht que fala de um tubarão que esconde os dentes...

“O profeta” ganhou o “Grand Prix” do Festival de Cannes em 2009 e confirmou sua carreira de sucesso com nove Césars, o Oscar francês, entre os quais o de melhor filme, melhor ator para Tahar Rahim, melhor ator coadjuvante para Niels Arestup, melhor argumento original e melhor cenografia.

É um filme duro, difícil de ver mas obrigatório para quem quer pensar as questões humanas em boa companhia.





O Profeta - “Un prophète”
França/ Itália, 2009
Diretor: Jacques Audiard
Elenco: Tahar Rahim, Niels Arestrup, Adel Bencherif, Hichem Yacoubi, Reda Kateb, Jean-Philippe Ricci
Produção: Lauranne Bourrachot, Martine Cassinelli, Marco Cherqui
Roteiro: Thomas Bidegain, Jacques Audiard
Fotografia: Stéphane Fontaine
Trilha Sonora: Alexandre Desplat
Classificação: 12 anos
Em cartaz

Veja o trailler



Eleonora Rosset é psicanalista.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

"Amantes"

"Amantes" (Two Lovers, James Gray, 2008 - EUA)
Postado em 9 de janeiro de 2010, às 12:00
É uma pena mas a tradução do título do filme do inglês para o português faz com que se perca o sentido de entre dois amores que existe na história que "Amantes" quer contar.
Joaquin Phoenix, um ator que tira uma máxima expressão de pormenores, dá vida a Leonard, um homem só, perdido, abandonado. Sua aparição no "pier" escuro nos faz compreender de imediato o estado desesperador em que se encontra. Em câmara lenta larga a roupa envolvida em plástico de lavanderia que levava e pula a mureta. Mergulha para a morte.
Mas é salvo e vamos descobrindo através das conversas entre seus pais que essa é a segunda tentativa de suicídio por causa da noiva que o abandonou. O retrato dela está ainda lá em seu quarto para que possa remoer essa dor.
Em "flashback" vemos a moça indo embora e ficamos sabendo que ambos eram portadores da possibilidade de uma doença genética grave. Não poderiam jamais ter filhos e ela não queria adotar.
Leonard toma remédios para doença bipolar e é a imagem da derrota.
Sabemos o quanto de ódio existe nesse estado de alma que chamamos depressão.
Pois bem, quando quis morrer, Leonard parecia querer matar tudo que nele o enchia de frustração: a doença genética, a angústia do abandono, a dor de não poder mudar nada disso. Doia nele, principalmente, a revolta contra a vida que ele não queria que acontecesse do jeito que estava acontecendo.
E não é por acaso que se sente imediatamente atraído por Michelle, desde a primeira vez que a vê, no corredor de seu prédio. São vizinhos.
Gwyneth Paltrow, também excelente no papel, faz essa "pirralha mimada" como diz o pai dela aos berros, saindo de uma visita à filha.
No mesmo instante em que a vê, Leonard crava os olhos nela: uma garota dourada que se veste de preto.
Claro que para esquecer a noiva amada, nada melhor que uma moça que parece só, perdida e abandonada como ele. Uma miragem.
Mas é a auto-destruição que ele fareja nela que o seduz.
Michelle não tem foco na vida: drogas, baladas, assistente e amante de um advogado casado que diz amá-la mas não larga a família...
Ela é o amor de perdição para Leonard.
Ele, de família judia tradicional, tem o carinho da mãe e do pai.

Isabella Rosselini faz a "jewish mamma" de forma sutil, só olhares preocupados e gestos contidos de proteção.
Para Leonard seus pais escolhem Sandra (Vinessa Shaw), boa moça de família judia com as mesmas tradições que eles. E Sandra atrai Leonard para si naturalmente. E o prende com um amor que não é exigente. Bonita e sensual faz amor com ele em uma cena sem gritos mas erótica. Paciente e compreensiva, o aquece com as luvas que comprou para suas mãos geladas.
Ela é o amor de redenção para Leonard.
"Amantes" ficou em cartaz por seis meses em São Paulo. Penso que o público é atraído por esse filme porque há nele o que há nos grandes romances literários ou seja, humanidade, conflito e paixão.
Além de uma trilha sonora belíssima que vai de bossa nova tocada por Stan Getz (Tom Jobim com "Vivo sonhando" e Jorge Benjor com "Chove chuva"), a árias de várias óperas entre as quais "Cavalleria Rusticana" e "Manon Lescaut" no vozeirão de Pavarotti.
"Amantes" nos fala da importância das escolhas que fazemos na vida. E da responsabilidade que vem com elas.
Entrevistado por Luiz Carlos Merten, James Gray disse: "Queria dar ao filme essa textura muito intensa que só se encontra na grande literatura romântica, nos maiores melodramas e na ópera. O amor como sentimento visceral."
James Gray conseguiu o que queria.
"Amantes" é um filme que merece ser visto e não vai ser esquecido.

“A vida íntima de Pippa Lee”

“A vida íntima de Pippa Lee” (The private lives of Pippa Lee, 2009 - EUA - Rebecca Miller)
Postado em 16 de janeiro de 2010, às 12:30
É um filme estrelado. Nomes como Robin Wright Penn (Pippa Lee adulta), Alan Arkin (o marido 30 anos mais velho do que ela), Maria Bello (a mãe de Pippa), Monica Bellucci (a ex do marido), Julianne Moore (o "caso" da tia lésbica), Winona Ryder (o "caso" do marido), Keanu Reeves (o "cara" meio pancada”) e Blake Lively (Pippa quando jovem) participam de um filme escrito e dirigido por Rebecca Miller, filha do conhecido dramaturgo Arthur Miller (1915-2005). Como se não bastasse, o produtor executivo do filme é ninguém menos do que Brad Pitt.
A diretora, que escreveu e adaptou seu próprio livro, diz em uma entrevista: - "Arthur (Miller) era meu pai, só penso nele assim, embora como intelectual me interesse muito a construção e repercussão de sua obra. Se isso é bom ou mau para a minha carreira, se ele me ilumina ou projeta uma sombra, confesso que são questões que só surgem quando dou entrevistas."
E ela é casada com Daniel Day-Lewis que já ganhou dois Oscars por "Meu pé esquerdo" e "Sangue Negro".
Poderíamos indagar onde fica a figura da mãe no universo familiar da autora. Ninguém perguntou sobre isso... Mas, para Pippa Lee, sua personagem, certamente essa pergunta é crucial. Porque ela tem muitas vidas, muitos recomeços. Isso perdeu-se na tradução do titulo do filme do inglês para o português: "Como muita gente, já vivi muitas vidas", diz Pippa no início do filme.
Em sua primeira vida, vivida na tela por Madeline McNulty, ela é a bebê mimada por sua mãe narcisista que a trata como uma extensão de si mesma.
Já maiorzinha, vestida de anjo, "cowgirl", dançarina, posa para sua mãe pintora, toda admiração pela filhinha. "Ela é um bebê ou um bichinho de estimação?", pergunta o irmão.
Esse foi o paraíso de Pippa mas que durou muito pouco.
"Eu era o seu bem mais precioso", diz uma Pippa adulta, relembrando dessa primeira vida.
Entrando na adolescência, dá-se conta de que a mãe é triste, que seu humor tem altos e baixos e ela se crê a culpada de tudo isso: - "Meu dever era fazer ela feliz outra vez. Seu humor governava a minha vida".
E Pippa, identificada com sua mãe, tenta entender o enigma de sua instabilidade agindo como ela. Toma todas as anfetaminas que acha no armário da mãe e que ela tomava para não engordar.
"Eu te amo tanto. Agora nós duas podemos ficar "chapadas" e "felizes", grita uma menina enlouquecida.

A mãe fica furiosa e Pippa foge de casa começando assim a sua segunda vida que vai iniciá-la na sexualidade, na perversidade e na "dolce vita" do fim dos anos 60.
Ela é uma menina perdida que encontra um homem importante, o maior editor da época, trinta anos mais velho do que ela (Alan Arkin, comovente) e que se apaixona por Pippa.
Alguém a define como uma "femme fatale" ingênua.
Vive, então, a sua terceira vida já na pele de Robin Wright Penn, que está maravilhosa no papel.
Nessa vida ela vai tentar viver da melhor maneira possível mas se torna um "enigma adaptável", segundo seu marido que envelhece e de quem ela cuida como se ele fosse um bebê. Ou alguém à beira da morte.
Começam estranhos episódios em sua vida enquanto ela se pega menos controlada, mais sensível.
E ela se pergunta: - "Será que não estou tendo um 'nervous breakdown' (colapso nervoso) silencioso?"
O roteiro do filme propõe novas interrogações para Pippa que parece finalmente aceitar sua dissociação cabeça/coração.
E nós, na platéia, torcemos por ela, que se redescobre e se reinventa enquanto ainda (?) há tempo para isso.
Fatalmente, alguns de nós vamos nos perguntar na saída do cinema: - "Quantas vidas eu me permiti viver?"

"A Partida"

"A Partida" (Okuribito), Yojiro Takita, Japão, 2008
Postado em 23 de janeiro de 2010, às 13:00

Ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2009, "A Partida" saiu de cartaz em São Paulo depois de mais de 6 meses de exibição. Mas agora está de volta em algumas salas de cinema (ver serviço).
E o filme trata de um tema aparentemente difícil para todos nós: a morte. Aliás, pior ainda: o corpo do morto. Sabemos como esse assunto levanta tabus não só culturais mas também religiosos.
Talvez a maneira empática com que o filme nos leva a seguir a personagem principal, o ex-violoncelista Daigo Kobayashi, interpretado com muita arte por Masairo Motoki, seja a chave para entender o seu sucesso.
Passo a passo seguimos Daigo primeiro tocando na orquestra (e sentimos com ele a decepção quando esta é dissolvida e ele fica sem emprego), depois a aventura de se mudar com a mulher para a cidadezinha de sua infância.
E vamos descobrindo com a personagem os horrores, nojo e medo que se seguem à sua hesitação em prosseguir na carreira de "encomendador de corpos" que ele não escolhera livremente.
Quase que arrastado pelo patrão, que será seu mestre nessa difícil arte, Daigo cresce, amadurece e aprende a ver beleza onde antes existia apenas asco.
A experiência com o ritual que antecede a colocação do corpo no caixão vai mudar radicalmente a vida de Daigo.
A cena inicial do filme na qual uma tela branca vai mostrando, aos poucos, um carro que trafega em uma estrada em meio a uma nevasca é paradigmática.
Tanto que ela é repetida no meio do filme e aí já compreendemos melhor o que Daigo diz: - "Vejo o quanto foi inexpressiva a minha vida até agora.’"
O espectador também se encanta com a extraordinária beleza da cerimônia presidida por Daigo, que se tornou um profissional dessa arte.
Antigamente, no Japão, as famílias se ocupavam em preparar os corpos dos parentes mortos mas depois essa tarefa foi transferida para profissionais e assistida pela família.
Daigo é iniciado nesse ritual por um mestre, Shoel Sasaki (Tsutomu Yamasaki). Apreensivo nas primeiras vezes e confiante depois, fazendo ele mesmo o trabalho, Daigo e seu mestre executam os passos dessa cerimônia com gestos suaves, quase carícias. Primeiro distendendo os músculos da face do rosto da pessoa morta, depois despindo-a com pudor para que nenhum membro da família veja nenhum pedaço da pele do morto, depois ainda limpando-o com delicadeza.
Ai o corpo é vestido e por fim a maquiagem faz com que o rosto ganhe brilho, beleza e...vida.

Este é o momento mais emocionante para os familiares que reencontram a pessoa que morreu.
E é o momento do adeus. Todos fixam em seus corações a imagem bela que ficará na lembrança. E só ai é que o corpo é colocado suavemente no caixão.
A cerimônia independe da religião da família. No filme vemos tanto um enterro cristão como uma cremação budista.
E como o roteiro convida, seguimos Daigo também em sua vida pessoal. Assistimos à sua raiva contra o pai que abandonou a família quando ele tinha 6 anos e depois sua reconciliação madura com o homem que lhe ensinara a gostar de música e lhe dera o violoncelo da infância.
É com esse instrumento que Daigo toca no campo, ao ar livre, em meio a montanhas nevadas e gansos cruzando os céus, enquanto procura o pai dentro de si.
A mais comovente lembrança de Daigo envolve uma tradição que seu pai lhe ensinara: a linguagem das pedras-cartas. Aprendemos então que, antes de existir a escrita, as pessoas mandavam pedras umas às outras. Conforme a textura, o tamanho e a cor, elas inspiravam sentimentos diversos em quem as recebia.
Uma vez o pai de Daigo o leva ao rio e eles trocam pedras entre si.
Aquela que o pai lhe dera, ele encontrou junto ao violoncelo da infância, embrulhada numa partitura.
Mas onde estará aquela que ele deu ao pai?
A cena final do filme comove até o mais empedernido espectador.
Na evolução dessa história, contada com maestria, a música ajuda a aprofundar as emoções. Joe Hisaishi é o responsável pela trilha sonora que vai da Nona Sinfonia de Beethoven com o coro cantando a Ode à Alegria até a Ave Maria de Gounod e o Wiegenlied de Brahams em solos de violoncelo e a belíssima canção-tema do filme.
"A Partida" fala de um tema universal mas é japonês até no mínimo detalhe. E esse é o seu mérito. Pois não é falando de sua aldeia que o homem é compreendido por toda a humanidade?

“Chéri”

“Chéri”, Stephen Frears, Inglaterra/França (2009)
Postado em 29 de janeiro de 2010, às 12:00

Cenários suntuosos onde brilham materiais e móveis preciosos sob uma iluminação perfeita. Locações de sonho: Paris, Normandia, Biarritz. Figurinos de época trabalhados com arte para encantar. Elenco de primeira, tendo à frente uma belíssima mulher e um jovem lindo como um deus grego. Mas não se enganem. Esse não é mais um filme de época feito para ganhar alguns Oscars de segunda categoria.
Vinte e um anos depois de impactar o mundo do cinema com o seu premiado "Ligações perigosas" (Liaisons dangereuses, 1988) no qual tratava das defesas perversas frente aos perigos do amor, o diretor inglês Stephen Frears traz para a tela “Chéri” (2009), baseado no livro de 1920 da escritora francesa Colette (1873-1954). E retoma o tema do amor.
A beleza dos figurinos e dos cenários escolhidos não servem apenas como uma distração para nossos olhos. Ao contrário, pontuam uma preocupação decadente com o mundano que marcou o fim do século XIX e o começo do século XX - a “Belle Époque”- que teria um fim com a Primeira Grande Guerra.
Entre o aconchego dos veludos, plumas e peles do jardim de inverno de uma casa francesa vão ocorrer os fatos que desencadeiam uma história de amor não-ortodoxa.
É nesse jardim de inverno que famosas ex-cortesãs passam suas tardes a recordar seus momentos de glória nas rodas aristocráticas e boêmias da Europa.
Essas mulheres, cultivadas e até mesmo refinadas, não podem ser confundidas com meras prostitutas. Algumas marcaram em seus salões o destino da arte e cultura da época. Outras se tornaram muito ricas devido às relações com a aristocracia endinheirada. Mas nunca foram recebidas oficialmente nas altas rodas da sociedade. Por isso conviviam entre si.
Ficamos sabendo que a dona da casa, Charlotte Peloux (Kathy Bates), preocupa-se com o filho Fred de 19 anos (Rupert Friend), apelidado "Chéri" por uma colega de ofício que o conhece desde pequeno, a ainda bela e bem sucedida Lea de Lonval (Michelle Pfeiffer). Aos 49 anos, ela pensa em abandonar o "métier" (profissão).
Entregue aos cuidados de Lea para largar a vida de dissipação que levava, Chéri, quase sem querer, vai marcar e ficar marcado para sempre.
Ele, que a chama de “Nounoune”, vai encontrar na cama e nos braços de Lea não só os prazeres do amor carnal, mas as delícias dos mimos e dos cuidados maternais que tanto faltaram na vida desse rapaz que se considerava "órfão". Sem pai e com uma mãe que não tinha muito tempo para ele.
Ela, Lea, que envelhece com dignidade, não se dá conta, apesar de toda a sua experiência, que essa história vai custar caro aos dois. Era virgem em matéria de amor.
E ela não apenas “adota” Chéri. Coloca o rapaz no centro de sua vida. E o educa para a masculinidade. Ele que tanto se atraia pelas pérolas cor-de rosa.

Um Édipo que consegue uma realização feliz. Ao menos por uns anos... Porque depois a vida vai se encarregar de arrancar Chéri dos lençóis cor-de-rosa de Lea.
Essa cobrança que a vida faz em nome da tradição poderia ser uma oportunidade de crescimento para os dois amantes.
Mas a que melhor aproveita essa lição é Lea. Bem dizem os franceses: ”Si la jeunesse savait...Si la vieillesse pouvait...”(Se os jovens soubessem...Se os velhos pudessem...)
As disputas sutis e venenosas entre a mãe e a amada de Chéri é um dos pontos altos do filme. Diálogos ferinos escritos pelo roteirista e dramaturgo Christopher Hampton que adaptou o livro de Colette são brihantes e dão oportunidade a Kathy Bates de mostrar a sua verve humorística refinada.
Michelle Pfeiffer que ganhou o Oscar de atriz coadjuvante em “Ligações perigosas” fazendo o papel da pura Mme. de Tourvel que se torna presa de um perverso John Malcovitch, brilha em “Chéri”como a cortesã Lea.
Ela atua com tanta sutileza que parece que só a câmara capta, em segredo para a platéia, a crispação de seu belo rosto frente às provocações de Mme. Peloux (Kathy Bates), mãe de Chérie, que sempre foi uma rival ciumenta.
E é com muita sinceridade que a vemos lamentar, quase que em silêncio mas com uma postura alquebrada, o rumo dos acontecimentos.
Mais ainda, belissima como sempre foi, a atriz oferece generosamente ao nosso olhar um pescoço já marcado por rugas e um rosto que começa a perder o viço.
Stephen Frears que a dirigiu 21 anos atrás parece que sabia que Michelle Pfeiffer seria uma maravilhosa Lea de Lonval. E ela aceitou prontamente o papel.
Penso que não foi por acaso ou por coincidência que o diretor convidou Michelle Pfeiffer para o papel e repetiu com ela o close final de Glenn Close em “Ligações perigosas”. Lembram-se?
Em “Ligações perigosas” o close servia para mostrar a atriz tirando a maquiagem e, assim fazendo, desnudar nos traços melancólicos de seu rosto a tragédia que resultou de suas maquinações perversas.
Em “Chéri”, Stephen Frears coloca Michelle Pfeiffer também em close, frente a um espelho que somos nós, testemunhas de sua maturidade triste mas sadia. Um rosto envelhecido mas de certa forma enriquecido pelas venturas e desventuras vividas plenamente.
Duas personagens femininas bem diferentes.
Acho que há nessa escolha do diretor uma lição nada moralista mas bem realista: a aceitação da passagem do tempo é um árduo mas necessário fardo para todos nós. A única saída é viver plenamente.

E, quanto ao amor, vamos repetir aqui os versos tão conhecidos do “Soneto da fidelidade” do grande Vinicius de Moraes:
"Que não seja imortal, posto que é chama.
Mas que seja infinito enquanto dure."

Invictus, Clint Eastwood, Estados Unidos (2009)

Invictus, Clint Eastwood, Estados Unidos (2009)
Postado em 5 de fevereiro de 2010, às 11:30

Nelson Mandela não foi um santo. Foi, e ainda é aos 91 anos, um homem com agudo senso político.
“Invictus” conta de forma sóbria, mas com emoção, um momento da história desse homem negro com uma sina pesada de 27 anos de prisão, durante os quais escapou de uma condenação à morte comutada por prisão perpétua.
Mandela foi libertado aos 70 anos e quatro anos depois tornou-se o mais velho presidente sul-africano a assumir o cargo em um país à beira de uma guerra.
Um dos líderes mundiais mais respeitados do século XX, ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1993.
O talentoso diretor Clint Eastwood escolheu dessa vez (ele que é especialista em histórias de superação) contar a vida de Nelson Mandela, interpretado por um magnífico Morgan Freeman (a caminho de mais um Oscar), a partir de seu primeiro ano de mandato como presidente de seu país.
O roteirista sul-africano Anthony Peckham inspirou-se no livro “Conquistando o inimigo” do jornalista John Carlin que era representante de um jornal estrangeiro na África do Sul nesse período em que aconteceu o episódio que vamos conhecer através do filme.
E nos emocionamos com o que vamos descobrindo porque Mandela foi, principalmente, um ser humano que surpreende por sua escolha radical pelo perdão.
Na linha dos grandes líderes espirituais da huhumanidade (Buda, Cristo, Gandhi), acreditava no perdão como um libertador da alma humana.
“Porque afasta o medo, o perdão é uma arma poderosa”, diz Morgan Freeman encarnando um Mandela doce e persuasivo em uma das passagens iniciais do filme.
“Invictus” mostra como ele desenvolveu uma política de união e reconciliação, acabando assim com o “apartheid”, segregação racial que parecia destino da África do Sul.
Através de Morgan Freeman, vemos Mandela falar com voz mansa aos seus irmãos negros que queriam o confronto com os brancos:
“Temos que surpreendê-los com compaixão e generosidade. Sei que nos negaram tudo mas este é um tempo para construir uma nação, não para vinganças mesquinhas.”
Sábio como os antigos gregos, Madiba, como era chamado pelos negros sul-africanos, que assim honravam o título dado aos mais velhos no clã de Mandela, resolveu usar o rugby, esporte favorito dos brancos africâners, como um meio para unir a minoria branca e a maioria negra em torno a uma idéia comum de nação.
Matt Damon, indicado para o Oscar de ator-coadjuvante, faz com classe François Pineaar, capitão de um time de rugby que deixava a desejar, que compreende o que o presidente de seu país apenas lhe sugere:
“Como fazer com que as pessoas se inspirem para se tornar melhores do que são?”
Mandela compartilha então com o jovem capitão os versos de um poema que o inspirou a resistir ao ódio e a fazer vencer seus sentimentos mais nobres durante os seus anos de prisão, numa cena especialmente reveladora de seu poder de liderança amorosa:
“Agradeço a todos os deuses por minha alma invencível.
Sou o capitão do meu destino.
Sou o mestre de minha alma.”
Claro que todos nós sabemos que nunca ninguém irá convencer os outros se não praticar aquilo que prega.
“Invictus” mostra como Mandela praticou o perdão e convenceu os sul-africanos a se reunir por uma pátria para todos.
Clint Eastwood, aos quase 80 anos, ele mesmo também um humanista, revela nesse filme sua admiração por Nelson Mandela que sonhava com uma nova África, um lugar de construção ou como dizia, "um farol para o mundo". Além de dirigir o filme, compôs a música “Invictus 9.000” para a qual seu filho Kyle escreveu a letra.
A câmera sensível e sóbria de Clint Eastwood faz desse filme uma homenagem a esse homem singular. O diretor só usa e abusa de apelos emocionais, câmera lenta, closes, urros e gemidos durante o jogo final.
Clint Eastwood acerta mais uma vez. Quando se tem uma história real desse naipe, o melhor é deixar que os personagens falem, atuem e emocionem o espectador.

"Nine"

"Nine", Rob Marshall (Estados Unidos, 2009)
Postado em 9 de fevereiro de 2010, às 20:30

Nem todo mundo aqui no Brasil gosta de musical. Não existe entre nós essa tradição americana, mas alguns têm na memória um musical de Hollywood.
Na minha figuram com destaque "West Side Story" - Amor sublime amor (1961), dirigido por Jerome Robbins (um ícone da dança americana) e "All that jazz" - O show deve continuar (1979), dirigido e coreografado pelo extraordinário Bob Fosse. E claro que também "A noviça rebelde" (1965), "My fair lady" (1963), e "Moulin Rouge" (2001) entre muitos outros.
Até Woody Allen se curvou com graça a essa mania americana com o ótimo "Everybody says I Love You" - Todos dizem eu te amo (1996). Nesse filme, atores que nunca cantaram na tela desfilam sucessos que todos conhecemos. Mas esse é um musical diferente. Quase que para dizer que todos nós podemos cantar quando se trata de amor.
Já o problema com os musicais da Broadway é que quase todos sabem como é difícil fazer algo que parece fácil só quando é bem feito.
Que dirá unir corpo, voz e alma numa atuação que cause admiração?
Pois é disso que se trata "Nine". Atores que normalmente só interpretam papéis, aqui cantam e dançam.
O diretor Rob Marshall, o mesmo de "Chicago" (2002), que ganhou seis estatuetas do Oscar, segue o seu destino.
Dessa vez resolveu levar para a telona um musical da Broadway de 1982, premiado com cinco Tony Awards (o Oscar da Broadway), considerado o melhor musical do ano com Raul Julia no papel principal. Aliás houve uma nova encenação em 2003 com Antonio Banderas.
Rob Marshall obteve quatro indicações para o Oscar de 2010, se bem que nenhum nas categorias principais: atriz coadjuvante, direção de arte, figurino e canção original.
Ora, não é pouca coisa reunir o elenco brilhante que ele conseguiu: Daniel Day-Lewis, Nicole Kidman, Penélope Cruz, Marion Cotillard, Judi Dench, Kate Hudson, Fergie e, para fechar a lista, nada menos que Sophia Loren.
E quase todos são "oscarizados" nesse grupo de atores. Daniel Day-Lewis, que faz o papel principal, ganhou duas vezes: por "Meu pé esquerdo" (1989) e "Sangue Negro" (2007).
A trama baseia-se no filme "Oito e Meio" do mítico Federico Fellini. Nele, Marcello Mastroianni fazia Guido Anselmi, um cineasta famoso que passava por um bloqueio no processo de criação ou pensava que vivia isso. Angustiado e cheio de dúvidas, ele tenta fazer o filme e em suas sucessivas tentativas acaba por realizar uma obra prima. Há um mergulho do cineasta em si mesmo num clima de sonho, pesadelo e delírios nos quais figuram as mulheres que o impressionaram em sua vida.
"Nine" conta a mesma história mas claro que Rob Marshall sabe que ele não é Fellini. E ainda bem. Porque seria desastroso fazer um "pastiche", uma imitação barata.
Rob Marshall traz para "Nine" aquilo que ele sabe fazer muito bem: a sabedoria de suas tomadas de cena e cortes perfeitos.
Pois bem, nesse novo filme põe para dançar e cantar todo o elenco. Uns se saem bem, outros nem tanto. Mas o resultado final encanta a quem curte belas coreografias em lindos figurinos.
As sete mulheres de Guido, agora Contini, têm direito a números musicais diferentes, cada qual combinando com o caráter da personagem.
E são plumas e paetês em mulheres semi-nuas e escadarias no número de "vaudeville" ambientado num "Folies Bergères" de sonho para Judi Dench, que faz Lilly, a figurinista e confidente do diretor. De todas ela é a mais masculina:
"- Dirigir um filme não é nenhuma façanha. É saber dizer sim e não", diz para o angustiado diretor.
Já para Penélope Cruz, Rob Marshall aproxima a câmara e capta toda a sensualidade da atriz. Arfante, só pernas e seios, ela dança com cordas. É Carla, a amante de Guido. Indicada para o Oscar de melhor atriz coadjuvante, Penélope Cruz mostra que não é só Woody Allen que sabe dirigi-la bem.
Saraghina, que representa o encontro do menino Guido com a sexualidade, é vivida por Fergie, a vocalista do Black Eyed Peas. É a única cantora profissional do elenco e convence com a canção "Be Italian". Da praia de Pesaro em 1920 em preto e branco, a cena passa para um cabaré com belas mulheres de preto e vermelho e botas, na coreografia mais envolvente do filme.
Marion Cotillard, para mim, é a que melhor encarna o espírito de "Oito e Meio", fazendo Luiza, a mulher do cineasta. Canta lindamente "My husband makes movies" e surpreende com a coreografia de striptease na canção "Be on your own".
A jornalista de Vogue vem na pele de Kate Hudson que canta o vibrante número "Cinema Italiano", com alusões à moda dos anos 60, shorts dourados e franjas. Muito cintilante.
Para Sophia Loren, a "mamma", tudo é diferente. Clima luminoso e aconchegante.Velas, branco e preto e adoração.
"- Você será eternamente meu, figliolo mio", sussurra a Loren.
Nicole Kidman, a musa, é Cláudia a estrela do filme. É dela o dueto com Guido "In a very unusual way". Vestido longo cor de carne, muito branca, ela é linda e fria como uma aparição.
Resta falar de Daniel Day-Lewis, a nova encarnação de Guido Contini. E ele o faz de uma maneira pessoal e forte no espírito do musical da Broadway, não do filme de Fellini.
Como ninguém, esse ator privilegiado embarca na viagem interior que faz a sua personagem à procura de inspiração. Reencontra-se consigo mesmo e compreende que o menino Guido sempre será o centro de sua criatividade.
"- Tenho quase 50 anos e 10 na cabeça", reclamava antes de perceber que isso era o seu dom.
E o final é a tradução das palavras que o cineasta diz no começo do filme quando se esquiva das perguntas sobre como será seu filme "Itália":
" - Você mata o filme falando dele. O filme é um sonho... Mas às vezes ocorre um milagre. Se você tem sorte, o sonho volta à vida novamente na sala de edição.”
"Nine" é esse milagre: um sonho de Rob Marshall tornado realidade. Acho que Fellini aprovaria.

"Amor sem escalas"

"Amor sem escalas" (Up in the air), Jason Reitman, Estados Unidos, 2009
Postado em 18 de fevereiro de 2010, às 21:00

O título original fala mais sobre o filme do que essa tradução boba que fizeram no Brasil.
Porque George Clooney é Ryan Bingham, alguém que vive no ar, em aviões cruzando os Estados Unidos. Quando em terra, ocupa algo parecido com um quarto de hotel espartano e não ficamos sabendo nada sobre sua vida amorosa, nem seu passado.
É um sujeito competente no que escolheu fazer na vida: demitir de seu trabalho pessoas que não conhece. Ele é o empregado ideal, de uma empresa terceirizada nessa função que as próprias empresas não conseguem cumprir, tantos são os que tem que ser demitidos. Evitam assim enfrentar pessoalmente lágrimas e derramamento de sangue.
Pensem nos Estados Unidos no ano passado, quando levas e levas de bons trabalhadores americanos eram postos na rua por causa da temida crise mundial que começou lá.
George Clooney (que está muito convincente no papel de Ryan Bingham) vive sempre "Up in the air", algo como "nas nuvens", para desempenhar seu antipático ofício. E adora isso porque chega a dizer frases como essas abaixo durante o filme:
"Conhecer-me é voar comigo."
"Tudo que você odeia quando você voa, para mim são doces lembretes de que eu estou em casa."
"No ano passado, passei 43 dias infelizes em casa, os outros maravilhosos 322 nos aviões..."
Além de usar uma retórica vazia mas eficiente, já que ao demitido não resta outra coisa senão lamentar-se, o frio Ryan ainda estuda a ficha da pessoa e ironicamente a incentiva a realizar sonhos, agora que já não há outra alternativa:
"Vi que você fez o curso de culinária francesa. Por que não se dedica a isso agora? Para você será um renascimento. Realize seus sonhos e conquiste o orgulho de seus filhos."
Além de demitir pessoas, Ryan dá palestras motivacionais em vários lugares por onde passa. Seu tema é "esvazie a mochila":
"O que vocês levam na mochila às costas? Quero que sintam o peso dela nos seus ombros. Está ficando pesada: coisas, relacionamentos, seu carro, sua casa, seu apartamento... Agora tentem andar. É difícil, né? Eu digo a vocês: mover-se é viver. Vocês deveriam deixar tudo isso se queimar. É muito estimulante não ter nada. Relacionamentos afetivos, então, são as coisas mais pesadas na vida. Vocês não precisam carregar todo esse peso. Seres humanos não são cisnes que são monógamos. Somos tubarões. Não podemos parar."
Mas é claro que a vida dá voltas. Ryan, tão bem defendido por suas convicções (ou pelo menos é isso que ele pensa), vai se dar mal.
Quando, inevitavelmente, o apelo amoroso comparecer, ele não vai saber lidar com isso.
Encontra Alex (Vera Farmiga) em um bar de hotel e não reconhece os sinais de que suas defesas estão desabando.
Sua companheira de trabalho, a jovem estagiária Natalie Keener (Anna Kendrick), que descobre um outro método de demitir pessoas (conversas por internet), fica chocada com o que ouve em seus papos com Ryan. Ela, que sofre por um namoro que se rompeu (via internet), faz o melhor diagnóstico sobre o personagem de George Clooney:
"Você construiu para si mesmo um casulo de auto-exílio."
A moral desse filme me fez lembrar uma conhecida fábula de Esopo: "A raposa e as uvas".
Diz essa fábula que uma faminta raposa, passando por uma videira, reparou em um cacho de suculentas uvas. Mas, por mais que pulasse e se esforçasse, não conseguiu alcançá-las. Exausta e desanimada, olhou novamente as tão desejadas uvas e disse: "Estão verdes, vão me fazer passar mal..."
Acho que parece ser esta a defesa principal de Ryan para lidar com seu medo de envolver-se com a vida ou seja, de sofrer e errar como todo mundo. Enfrentar frustrações e aprender com elas não é coisa fácil. Mas é a única maneira de viver.
"Up in the air" caiu nas boas graças da Academia que indica os melhores para o Oscar: George Clooney foi indicado para melhor ator, as duas atrizes para melhores coadjuvantes, o filme foi também indicado para o prêmio de melhor roteiro adaptado, entrou na lista dos dez mais e o diretor foi indicado entre os melhores do ano.
"Amor sem escalas" foi um sucesso de crítica nos Estados Unidos. Aqui, nem tanto...Talvez porque no Brasil a crise não desempregou como lá.
O “tsunami” aqui, não passou de “marolinha”, como disse o nosso querido presidente.
Mas, certamente, temos nossos “Ryan Bingham”. Todo mundo conhece pelo menos um.

Meu palpite para o Oscar 2010: "Avatar", melhor filme; Katryn Bigellow, melhor diretora

Meu palpite para o Oscar 2010: "Avatar", melhor filme; Katryn Bigellow, melhor diretora
Postado em 24 de fevereiro de 2010, às 14:30

Na premiação para o Bafta, considerado o Oscar inglês,"Guerra ao terror" venceu "' Avatar". A ex-mulher de James Cameron (diretor da maior bilheteria de todos os tempos, mais de 2 bilhões de dólares) ganhou o prêmio de melhor diretora, sendo a primeira mulher a conseguir a façanha. Em seu discurso Kathryn Bigellow disse que gostaria de ser a primeira de muitas mulheres a conseguir o feito.
Além disso, "Guerra ao terrror" também levou os prêmios de melhor filme, roteiro original, som, edição e fotografia.
"Avatar" só levou dois prêmios técnicos, efeitos especiais e design de produção.
Será que no Oscar dia 7 de março esse será o resultado da premiação? Meu palpite é que tudo será diferente. "Avatar" deve ganhar o prêmio de melhor filme e Katryn Bigellow o de melhor diretora, merecidamente, na minha opinião.

"Há quem ache que "Avatar" merece o Oscar de melhor filme do ano por sua proposta criativa"

"Há quem ache que "Avatar" merece o Oscar de melhor filme do ano por sua proposta criativa"
Postado em 25 de fevereiro de 2010, às 15:00
O Globo de Ouro que foi entregue no dia 17 de janeiro, quase sempre quer ser uma prévia do que vai acontecer na noite do Oscar. Mas nem sempre isso acontece.
Neste ano, "Avatar" ganhou o Globo de Ouro de melhor filme e melhor diretor, os prêmios mais cobiçados.
Será que em 2010 tanto o Globo de Ouro quanto o Oscar vão consagrar a maior bilheteria do ano?
Eu acho injusto classificar "Avatar" só como um sucesso financeiro, um filme para multidões e dizer que só foi por isso que entrou na lista dos dez melhores filmes.
Cinema sempre foi e será entretenimento, capacidade de encantar e criatividade. Os seres azuis de"Avatar" e seu planeta Pandora em magníficas formas e cores em 3D agradaram às platéias do mundo inteiro. Por isso mesmo foi o maior sucesso de bilheteria desde "Titanic" do mesmo diretor, James Cameron.
Há quem ache que "Avatar" merece o Oscar de melhor filme do ano justamente por sua proposta criativa que soube transmitir uma mensagem ecológica atualíssima.
Vamos ver no dia 7 de março o que pensa a Academia.

"Guerra ao terror"

"Guerra ao terror" (The Hurt Locker, Kathryn Bigelow, Estados Unidos, 2008)
Postado em 26 de fevereiro de 2010, às 10:30

Kathryn Bigelow, aos 58 anos, conseguiu algo impensável. No dia 7 de março, na cerimônia do Oscar, seu filme “Guerra ao terror” poderá em tese ganhar os nove prêmios para os quais foi indicado.
E não são aqueles prêmios de consolação. O filme está na lista dos dez mais, ela é indicada para melhor direção, o ator Jeremy Renner é indicado para melhor ator, assim como são candidatos ao Oscar o roteiro original, a trilha sonora, a edição, a edição de som e a fotografia.
A história do filme é impar. Custou 11 milhões de dólares, rendeu 16 milhões na bilheteria e no Brasil foi direto para as locadoras em abril do ano passado. Só estreou na tela do cinema agora em fevereiro depois que os prêmios começaram a pipocar.
O grande feito de Bigelow foi ganhar o prêmio de melhor filme pelo sindicato dos produtores americanos. Para vocês entenderem o que isso significa, é bom saber que, nos últimos 20 anos, os vencedores desse prêmio e do Oscar de melhor filme empataram 13 vezes.
“Guerra ao terror” emplacou tantas indicações ao Oscar quanto “Avatar” de James Cameron, uma superprodução campeã de bilheteria, que destronou “Titanic” também dirigido por Cameron, e que já rendeu mais de 2 bilhões de dólares.
E a graça toda está em que esses dois diretores foram marido e mulher por dois anos e que Cameron incentivou a sua ex-mulher a fazer “Guerra ao terror”.
Se ganhar, Kathryn Bigelow será a primeira mulher a empalmar a estatueta de melhor direção.
“The Hurt Locker”, título original do filme, expressão em inglês para grande sofrimento, foi filmado na Jordânia, em um acampamento de refugiados palestinos, num verão de 46 graus de temperatura.
O roteiro é do jornalista Mark Boal que passou semanas com o exército americano em Bagdá em 2004. Com essas reportagens escreveu um livro que ganhou o Prêmio Pullitzer.
Utilizando a técnica de câmara na mão, cortes rápidos e muitos closes, a diretora consegue fazer com que nos sintamos dentro do cenário de inferno que se tornou Bagdá com a guerra.
Acompanhando um pelotão incumbido de desarmar as bombas espalhadas em uma cidade destruída, nos vemos em meio a escombros, ruas cheias de detritos, poeira, lixo.
A câmara impiedosa de Bigelow nos transporta para o cenário íntimo da guerra: medo, suor, respiração ofegante, olhares assustados, reações automáticas e pouco discernimento do que está realmente acontecendo.Visita os corpos humanos numa incômoda intimidade com o perigo.
O som também é um instrumento importante na criação de um clima de suspense porque é usado de maneira inteligente, ajudando a câmara a convencer na criação de um ambiente de pesadelo e caos, no qual a vida de cada um está sempre por um fio.
Até os animais estão sofridos nesse lugar de dura sobrevivência. Às tantas a câmara foca um gato que passa com a pata ferida.
Do lado iraquiano há crianças brincando nos becos e os adultos nas janelas, observando e acompanhando os lances daquele “reality show” de horror do qual participam.
Diferente de outros filmes de guerra a que já assistimos, “Guerra ao terror” não dá tempo para o espectador descansar. A ação onipresente e o efeito da câmara correndo, desfocando, quase que não encontrando o que possa dar um sentido à cena, induz em quem assiste ao filme um tremendo mal-estar.
A história do filme começa de chofre e acaba também assim. Há poucos momentos de reflexão sendo que mesmo assim o que predomina na mente dos soldados é a vontade de ir embora, contando os dias que faltam para voltar para casa.
A única exceção é o soldado interpretado com realismo por Jeremy Renner que faz um especialista em desarmar bombas. Ele veio substituir outro especialista morto em ação.
É o único da equipe que parece ter prazer com o perigo que passa. Chega às raias de um comportamento suicida.
Ele já desmontou 873 bombas e guarda lembranças de todas elas. É a sua coleção particular de “componentes”, como ele diz:
- "Acho interessante guardar esses pedaços de bombas que poderiam ter matado muitas pessoas...”
Sempre truculentos e com uma linguagem recheada de palavrões, mesmo quando voltam à base para uma noite de sono, não conseguem repousar. Stress,testosterona e adrenalina em altas doses.
Um dos soldados é um garoto que tem muito medo e joga videogames quando não está em ação. Neles se reconforta porque tem certeza de que os tiros aqui só vão acertá-lo dentro da maquininha onde sempre ressuscitamos. Mantém conversas picadas com um psiquiatra inepto que tenta ajudá-lo.
William James, o especialista, é o que tem mais dificuldade de se afastar da guerra. Na base propõe lutas, bebe muito com o seu colega negro Sanborn que mostra uma fachada dura, só desmentida pelo modo como conta os dias que faltam para voltar para casa.
Há uma cena patética na qual James coloca o capacete do traje de escafrandista que usa para aproximar-se das bombas, na cama, para tentar descansar sentado.
Penso que ele é o citado na frase que abre o filme e que diz mais ou menos assim: A emoção da batalha pode ser fatal porque é uma droga.
E o mais assustador para o espectador é entrar em contato com essa forma de prazer de brincar com a morte que substitui o convívio com a família, os amores, a vida civil.
A própria diretora comentou em um de suas entrevistas publicadas na Folha:
- “Não vou generalizar, mas, para alguns indivíduos, o combate pode ser uma coisa sedutora”.
O mais insensato de tudo isso é sabermos que esses soldados são voluntários, já que o alistamento para a guerra do Iraque não é obrigatório.
Kathryn Bigelow fala sobre seu filme:
- “Estou interessada em cinema como comentário social. E como entretenimento também, é claro. O filme deixa ver pela perspectiva do soldado e formar a sua opinião (....) Mostra a futilidade desse conflito em particular.Você sai do cinema mais bem informado”.
E pensar que ela rodou esse filme em plena era Bush...
E o pior: rapazes americanos continuam a ser mandados para o Iraque apesar das promessas em contrário do presidente Obama.

Oscar 2010 Prêmio de ator e atriz codjuvante

Oscar 2010 Prêmio de ator e atriz codjuvante
Postado em 27 de fevereiro de 2010, às 21:00

Faltando uma semana para a cerimônia da entrega do
Oscar, alguns palpites apontam os mais sérios concorrentes.
Assim,o vilão “caçador de judeus”, interpretado por Christopher Waltz em “Bastardos inglórios” e a mãe desequilibrada de “Preciosa”, interpretada por Mo’Nique ganharam tanto o Bafta como o Globo de Ouro como melhor ator e atriz coadjuvantes.
Christopher Waltz emplacou também o prêmio de melhor ator no badalado Festival de Cannes.
São os favoritos para o Oscar dessa categoria.
Tanto Waltz como Mo’Nique acrescentaram uma dimensão extraordinária aos personagens que viveram no cinema.
Vamos conferir no dia 7 de março.

Quem vencerá o Oscar de melhor atriz 2010?

Quem vencerá o Oscar de melhor atriz 2010?
Postado em 28 de fevereiro de 2010, às 22:30

Quem será a premiada no dia 7 de março, próximo domingo, com o Oscar de melhor atriz?
Meryl Streep vivendo Julia Childs em “Julie e Julia”
Pergunta difícil de responder, já que concorrem a este prêmio grandes nomes ao lado de estreantes que podem surpreender. Aliás uma delas, Carey Mulligan de “Educação” levou o Bafta, o Oscar inglês.
Meryl Streep está em sua 16ª indicação para o Oscar: 3 como coadjuvante e 13 como melhor atriz.
Toda vez que ela atua, o faz de maneira tão magistral, que fica difícil esquecê-la na hora das listas dos melhores do ano.
Meryl Streep já ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante por Kramer versus Kramer em 1978 e o de melhor atriz com o filme “Escolha de Sofia” em 1982.
Aos 60 anos e com uma carreira de triunfos,uma coisa é certa.Mesmo que não venha a ganhar a sua terceira estatueta, sua deliciosa Julia Childs, de “Julie e Julia”, que lhe valeu o Globo de Ouro desse ano como a melhor atriz de comédia, ficará na memória dos apreciadores do bom cinema.
Aliás qualquer filme com Meryl Streep vale a pena.
Se quiserem vê-la,mais uma vez encantando as platéias,assistam ao filme “Simplesmente complicado”, que está passando em São Paulo.

"Educação"

"Educação" (An Education, Lone Scherfig, Inglaterra, 2009)
Postado em 5 de março de 2010, às 11:00
Estamos em Londres, 1961 e a abertura do filme nos leva a meninas de uniforme no colégio, em aulas de biologia, matemática, dança, culinária. No recreio, bambolê, ao som gostoso de um musiquinha da época.
Mas logo a câmara e os nossos olhos estão grudados em Jenny, 16 anos, que se destaca do grupo.
Não só ela é aluna brilhante, como é o centro das atenções das outras, com suas frases em francês e seu jeito alegre e desembaraçado.Toca cello na orquestra da escola e ouve Juliette Greco cantar “Sous le ciel de Paris” na vitrolinha, deitada na cama, sonhadora.
Ela quer ir para Paris, vestir-se de preto e discutir Camus. Quer ser existencialista no Quartier Latin.
Mas nem a música nem o francês estão no currículo oficial e os professores e os pais de Jenny querem vê-la em Oxford. É nesse momento crucial de sua vida que Jenny vai se deparar com a necessidade de fazer escolhas por si mesma ao tentar viver aquilo que ela pensa ser a verdadeira vida.
David (Peter Sarsgaard), muito mais velho que ela, bom de conversa e traquejado sedutor vai virar a cabeça de Jenny. Mas não só a dela. Seus pais (os ótimos Alfred Molina e Cara Seymour) ficam deslumbrados com David e soltam Jenny para viver esse romance.
Ela passa, então, a frequentar o mundo das festas, concertos, leilões, cabarés, vestida de mulher.Toda uma sofisticação desconhecida que a encanta e atordoa.
Quando chega em casa tarde, depois de uma primeira noite nesse mundo de David, responde à mãe que a espera na cozinha:
-Como foi a sua noite?
-A melhor noite da minha vida!
Certo. ”Educação” é um filme sobre o rito de passagem da menina Jenny para a vida de mulher adulta.Trata-se de mais uma narrativa sobre a perda da inocência. E demonstra-se outra vez que nossas escolhas determinam nossa vida.
Mas “Educação” é mais do que isso.
Baseado em fatos verdadeiros, narrados pela jornalista britânica Lynn Barber em suas memórias publicadas em uma revista inglesa, o roteiro assinado pelo escritor Nick Hornby foi indicado para o Oscar de melhor roteiro adaptado. Seus diálogos naturais e bem colocados, ajudam “Educação” a ser um filme que foge aos padrões comuns e aos clichês. Não é por acaso que foi indicado para o Oscar entre os dez melhores filmes do ano.
Mas o que sem dúvida está muito acima da média em “Educação” é Carey Mulligan, a Jenny do filme. Acaba de ganhar em Londres o Bafta de melhor atriz. E foi indicada merecidamente para o Oscar nesse primeiro papel importante que faz para o cinema, aos 22 anos. Ela é uma surpresa deliciosa.
Atuando com um elenco estrelado no qual todos são ótimos, Carey Mulligan consegue se sair melhor do que muita atriz tarimbada. É para ficar na história seu diálogo vibrante com a diretora da escola, interpretada por uma Emma Thompson de balançar até uma veterana.
E o que é mais importante: seu carisma natural colabora para que ela se destaque sem esforço, atraindo para si a nossa simpatia.Torcemos por Jenny porque nos identificamos com ela, qualquer que seja a nossa idade.
A diretora dinamarquesa Lone Scherfig, toca o filme sem estardalhaço, costurando as cenas com habilidade e dando espaço aos atores. Seu tom é sempre sóbrio e isso faz com que a história seja contada sem argumentação moralista.
Quando pensamos que a década de 60 vai acabar com uma grande revolução nos costumes e que os Beatles, Mary Quant e os hippies vão fazer de Londres o centro do mundo, a personagem Jenny é uma feminista “avant-la-lettre”.
Os sonhos, lutas e desilusões dessa geração vão pavimentar o caminho que, meio século depois, pode ser trilhado pelas Jennys do século XXI.
E mais, o filme aponta para o fato de que nossa educação formal não seria nada sem a educação sentimental. É na vida prática que aprendemos as lições que nos guiarão para sempre. Mas, é verdade também que sem uma educação formal, essa vida de experiências não vai poder passar por um crivo de reflexão necessária.
No balanço final há em “Educação” algo que vai ser para sempre eterno: sabemos como a juventude é breve mas duradoura dentro de nós.
“Educação” nos faz lembrar disso com carinho.

Quem vai ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro?

Quem vai ganhar o Oscar de melhor filme estrangeiro?
Postado em 6 de março de 2010, às 10:30

A categoria de Oscar para o melhor filme falado em língua estrangeira tem sido tradicionalmente a que pode reservar mais surpresas para os espectadores da cerimônia.
Por exemplo, no ano passado, quando o favorito era “Valsa com Bashir”, de Israel, o filme japonês “A partida” ganhou o Oscar.
Além disso, nem todo mundo em Hollywood vê os filmes que não são falados em inglês. Para não lembrar dos americanos em geral que tem verdadeira ojeriza a ler legendas.
No dia 7 de março, próximo domingo, vamos ficar sabendo quem leva o prêmio dessa vez, em meio a palpites de todo o gênero.
Assim, o filme “A fita branca”, produção alemã, dirigido pelo austríaco Michael Haneke, além da Palma de Ouro do Festival de Cannes no ano passado, levou também o Globo de Ouro que é o prêmio mais consagrado depois do Oscar.
É um filme sofisticado que tenta questionar as raízes do mal na natureza humana. Rodado em glorioso preto e branco foi indicado também para o Oscar de melhor fotografia.
“A fita branca” fez sucesso nos Estados Unidos onde foi agraciado com os prêmios de melhor filme estrangeiro pelos críticos de cinema de Chicago, Los Angeles e New York. O mesmo aconteceu em Toronto, Canadá.
É o grande favorito.
Já “O profeta”, da França, que se passa em um presídio, acaba de ser consagrado em seu país, já que levou nove Césars, o prêmio mais conhecido e disputado pelos franceses.
Se seu filme ganhar no domingo, o diretor Jacques Audiard vai quebrar um jejum da França de 17 anos na festa do Oscar, pois o último a cumprir esse ritual foi “Indochina” de Régis Wargnier, que venceu a categoria em 1993.
Lembremos ainda que “O profeta” ganhou também o Bafta (Oscar inglês) e o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes em 2009. Pode surpreender.
Há dois filmes latino-americanos na competição.
Um deles, ”O segredo dos seus olhos”, co-produção Argentina/Espanha, do diretor Juan José Campanella foi a maior bilheteria dos últimos 34 anos na Argentina.
Contando uma história de amor e tendo como pano de fundo um crime passional, é protagonizado pelo ótimo Ricardo Darin.
Vamos lembrar aqui que o diretor Juan José Campanella dirigiu também “O filho da noiva” grande sucesso de público no Brasil e no mundo. Foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2001.

Parece que “O segredo dos seus olhos” não tem muita chance de ser premiado. Tanto que Ricardo Darin anunciou à imprensa que não vai estar presente na cerimônia de premiação.
O segundo filme latino-americano é “A teta assustada” da diretora Claudia Llosa do Peru. Ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim do ano passado.
Ficou pouco tempo em cartaz no Brasil.
Interessante na opinião dos críticos, não chega a preocupar os outros concorrentes.
“Ajami” é o filme de Israel, país que concorre sempre nessa categoria de melhor filme estrangeiro mas nunca conseguiu levar um Oscar.
Sua grande originalidade é o fato de ter na direção uma parceria: o israelense Yaron Shani e o palestino Scandar Copti.
O filme conta o enfrentamento dos diferentes grupos religiosos que tentam conviver em Israel.
Estrelado por atores amadores foi o filme mais premiado esse ano em Israel. Recebeu elogios tanto de árabes quanto de israelenses.
Ainda dessa vez o Brasil ficou de fora do Oscar. “Salve geral” de Sérgio Rezende não conseguiu ficar entre os finalistas.
Com exceção de “O profeta” e “Ajami”, os outros filmes concorrentes à categoria de melhor filme estrangeiro já passaram no Brasil. “A fita branca” e “O segredo dos seus olhos” continuam em cartaz em cinemas de São Paulo.
Domingo saberemos o nome do vencedor na cerimônia comandada por Steve Martin e Alec Baldwin.

Quem vai ganhar o Oscar de melhor ator?

Quem vai ganhar o Oscar de melhor ator?
Postado em 7 de março de 2010, às 12:00

A premiação para o Oscar de melhor ator está muito difícil de adivinhar. E isso porque os filmes deste ano ofereceram excelentes papéis masculinos.
Jeffrey Bridges é apontado como o favorito por alguns desde que ganhou o Globo de Ouro que, às vezes, antecipa o resultado do Oscar.
Em "Coração louco" há uma oportunidade para esse ator de tantos bons filmes, e nunca premiado, mostrar com talento a capacidade de recuperação de seu personagem, um cantor de música "country" decadente e alcoólatra.
Dizem que a Academia, que conta com 5.777 votantes, adora premiar esse tipo de papel, se bem que no ano passado isso não funcionou para Mickey Rourke em “O lutador”.
Outro que buscou um papel sob medida para o Oscar foi o galã bonitinho George Clooney. Em “Amor sem escalas”* ele tem a chance de brilhar na pele do antipático e frio executivo que demite pessoas como quem faz um favor ao desempregado.
Clooney já ganhou um Oscar como ator coadjuvante em 2005 por “Siriana”.
Morgan Freeman é o único da lista que já foi indicado duas vezes como melhor ator por “Conduzindo Miss Daisy” em 1989 e “Um sonho de liberdade” em 1994. Não levou e seu único Oscar foi como ator coadjuvante em “Menina de ouro” em 2005.
Se ganhar nesse ano o Oscar de melhor ator será também uma vitória para Clint Eastwood que teve seu filme “Invictus”** excluído da lista dos melhores do ano.
Morgan Freeman criou um Nelson Mandela para ficar na história do cinema, comovendo e inspirando plateias no mundo inteiro. É um forte concorrente ao Oscar de melhor ator do ano. Torço por ele.
Correndo por fora tem Colin Firth em sua primeira indicação ao Oscar. Lembremos que ele ganhou o Bafta inglês e o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes.
Dirigido por Tom Ford em “Direito de amar”, incarna o professor mais velho que perde o companheiro e passa por um doloroso processo de luto. Comove e transpira dignidade. Também pode surpreender e levar o Oscar.
Finalmente tem no páreo Jeremy Renner, o “especialista” do filme “Guerra ao terror”***, de Katryn Bigelow, que pode ser que leve mais prêmios para casa do que qualquer outro diretor na cerimônia de amanhã.
Como viram, está mesmo difícil de dar um palpite. Mas quem quer que ganhe o Oscar de melhor ator vai brilhar em um grupo seleto de atores de primeiríssimo time.

82ª Noite do Oscar

82ª Noite do Oscar
Postado em 8 de março de 2010, às 14:00
Vamos começar pelo final?
“Guerra ao terror” levou seis das suas nove indicações.
Um tremendo sucesso para Kathryn Bigelow, a primeira mulher a ganhar um Oscar de direção.
Barbra Streisand, adivinhando o resultado só aceitou entregar o prêmio por causa disso.
Bonita, forte, em um vestido simples e sem jóias ofuscantes, essa talentosa mulher subiu ao palco do Oscar para agradecer o prêmio visivelmente emocionada. Foi aplaudida de pé com palmas e gritos de alegria. Dedicou seu prêmio aos militares que arriscam sua vida todos os dias e pediu que eles voltassem sãos e salvos para casa.
E quando Tom Hanks anuncia o melhor filme do ano, ela volta ao microfone, agora mais trêmula e diz que também dedica seu filme aos bombeiros, equipes de emergência, enfim todos aqueles que nos socorrem nos momentos em que precisamos de ajuda.
Bela vitória para um filme de baixo orçamento que só começou a ser visto pelas plateias do mundo todo quando começou a ganhar prêmios. E foi uma enxurrada que culminou com os Oscars de melhor filme, melhor direção, melhor roteiro original, melhor edição, melhor edição de som, melhor efeitos sonoros.
“Avatar” de James Cameron, que já foi marido de Kathryn Bigelow, o outro filme que conseguiu nove indicações, ficou com três: melhor fotografia, melhor direção de arte, melhor efeitos visuais. Foram prêmios merecidos.
Essa guerra de bastidores foi na verdade vencida pelo cinema, a arte que tanto inclui vencedores de bilheteria como pequenos filmes de autor.
Enquanto Bigelow faz a gente se sentir mal na cadeira do cinema tanto é real a sensação de opressão e medo que o filme dela passa, Cameron maravilha o nosso olhar e nos faz escapar da realidade do planeta Terra para torcer pelos seres azuis de Pandora ameaçados pela ganância dos mercenários humanos.
Uma coisa os dois filmes tem em comum: falam da paz enquanto encenam a guerra.
Tanto o povo iraquiano quanto os Na’avi de Pandora lutam por sua terra, querendo expulsar um inimigo invasor. Nesse sentido os dois filmes têm uma mensagem pacifista, que é a que melhor combina com uma postura contemporânea.
A melhor atriz foi Sandra Bullock pelo filme “Um sonho possível”. É seu primeiro Oscar e aos 40 anos foi indicada pela primeira vez.
O engraçado foi que na véspera ela recebeu o prêmio Framboesa de Ouro que é dado à pior atriz do ano por sua atuação em “Maluca paixão”.
O melhor ator foi Jeff Bridges por “Coração louco”. Venceu o favorito, tantas vezes indicado e que nunca tinha levado um Oscar para a casa. O filme ganhou ainda o Oscar para a melhor canção original.
“Preciosa” ganhou dois Oscar: melhor roteiro adaptado e melhor atriz coadjuvante. Mo’Nique que faz a mãe monstruosa no filme ganhou todos os prêmios do ano por sua fabulosa interpretação. Era a favorita.
“Bastardos inglórios” ganhou um Oscar que foi para o favorito ao prêmio de melhor ator coadjuvante, Christoph Waltz, que interpretou com talento o infame “caçador de judeus”.
“Up-altas aventuras” da Disney levou dois Oscars: melhor animação e melhor trilha sonora original.
“Young Victoria” que ainda não vimos no Brasil ganhou o Oscar de melhor figurino.
E o prêmio de melhor filme estrangeiro foi uma das únicas verdadeiras surpresas do Oscar. O filme argentino “O segredo dos seus olhos” levou a melhor sobre o favorito de todas as listas “A fita branca”.
Quanto à cerimônia em si foi bem austera. Claro que havia os inevitáveis cristais, luzes e lustres. Mas nesse ano o foco foi mais sobre os atores e atrizes que fazem cinema do que um espetáculo como em outros anos passados.
Na abertura homens de fraque e mulheres seminuas com leques de plumas tipo Lido de Paris fizeram fundo para a chegada de Steve Martin e Alec Baldwin que desceram do teto. Mas foi só.
A maior novidade foi colocar os indicados nas primeiras filas o que propiciou à câmara focalizar todas as expressões enquanto os mestres de cerimônia faziam gracinhas com eles.
Meryl Streep foi a que se saiu melhor, rindo das piadinhas que brincavam com o fato dela ter sido a mais indicada ao Oscar e também a que mais perdeu. George Clooney fazia caras de enfado.
Houve um número de dança com 70 dançarinos e alguns bons “street dancers”. Mas o figurino era de dar dó.
No mais algumas atrizes estavam bem bonitas, outras elegantes e nenhuma destoou completamente. Aliás quase todas, menos Meryl Streep (de branco e mangas longas), usaram tomara-que-caia nas cores dourado,cinza ou rosa cor de carne.
Sandra Bullock vestiu Marquesa dourado, Helen Mirren estava de lilás Bagdley Mishka, Jennifer Lopez usava um Armani imponente de brocado lilás com cauda longa, Sarah Jessica Parker (mais magra do que nunca) desfilou Chanel amarelo com flores prateadas delineando o decote e Kate Winslet escolheu um Saint Laurent cinza prata.
Ano que vem tem mais.

“Preciosa - uma história de esperança”

“Preciosa - uma história de esperança” (“Precious”, Lee Daniels, Estados Unidos, 2009)
Postado em 12 de março de 2010, às 13:00

Pior do que ser negra, obesa e analfabeta é não ter a menor ideia de como mudar o que se passa à sua volta.
É uma vida de pesadelo interminável.
Para se defender ela se fecha em um automatismo desolado. Às vezes consegue devanear sobre o que seria uma vida melhor: certamente não ser ela mesma.
Esse é o trágico pano de fundo da vida da jovem de 16 anos que mora no Harlem, Nova Iorque, em 1987, com uma mãe perversa e violenta. Está grávida de seu segundo filho, todos os dois frutos de incesto.
Clareece “Precious” Jones não conseguiria nada nesse mundo se não encontrasse a professora Blu Rain. Expulsa da escola onde não aprendia nada, na escola alternativa para a qual é enviada, ela finalmente, é tratada com cuidado e respeito.
A professora consegue atravessar as defesas monolíticas de Preciosa e tocá-la como ser humano. Começa assim o resgate de uma vida.
“Tudo é uma dádiva do universo” (Ken Keynes) é a epígrafe do filme.
A jovem Preciosa aproveita esse encontro com a professora que vai fazer sua vida fazer sentido. Ela vai entender, por fim, o que é o amor.
-“Ninguém me ama”, diz Preciosa para a professora.
“O amor me violentou, me chamou de animal, me fez adoecer...”
-“Isso não é o amor. Seu bebê ama você. Eu amo você.”
O roteiro do filme, premiado com o Oscar de roteiro adaptado, é baseado no livro “Push” de 1996 da escritora negra Sapphire que contou em uma entrevista que quase tudo é real nessa história de “Preciosa”. Ela escutou diversos relatos de meninas negras carentes quando era professora e baseou-se neles para escrever o livro.
Atriz estreante, Gabourey Sidibe que é a Preciosa, vive aos 26 anos o oposto do que foi o destino de sua personagem. Como em um conto de fadas, foi indicada para o Oscar de melhor atriz, concorrendo com monstros sagrados como Meryl Streep.
Apadrinhada por Ophra Winfrey, que aparece nos créditos como produtora executiva do filme, a garota de origem senegalesa e estudante de psicologia, é hoje uma celebridade. A Cinderela americana, como a chamou Oprah na cerimônia do Oscar.
Dirigido por Lee Daniels, o primeiro negro a ser indicado para o Oscar de melhor diretor, “Preciosa” tem um ótimo elenco de atores negros e hispânicos. Paula Patton é a amorosa professora Blu Rain, Mariah Carey a assistente social e Lenny Kravitz o enfermeiro simpático.
Mo’Nique faz a mãe monstruosa com tal realismo que ganhou o Globo de Ouro e levou o Oscar de atriz coadjuvante, para o qual era a favorita em todas as listas.
O filme ainda concorreu ao Oscar do melhor filme do ano e na véspera foi premiado com cinco Spirit, o Oscar dos independentes: melhor filme, direção, roteiro adaptado, atriz (Gabourey Sidibe, a Gabby) e atriz coadjuvante (Mo’Nique).
Não é fácil assistir ao filme “Preciosa” porque ele trata de questões que a maioria das pessoas gosta de ignorar por puro sentido de auto-preservação.
Mas, se você é uma pessoa que já ultrapassou essa barreira e tem interesse em observar o processo de humanização, encare “Preciosa”. Talvez o filme ensine a você uma ou duas coisas importantes.

"Um homem sério"

"Um homem sério" (A serious man, Joel e Ethan Cohen, EUA/ Reino Unido/ França, 2009)
Postado em 19 de março de 2010, às 10:30
Sempre que se trata de um filme dos irmãos Cohen, uma coisa é certa: excelência e polêmica. Porque eles não fazem filmes apenas. Usam do cinema com maestria para repensar conosco as questões filosóficas mais importantes que afligem desde sempre a humanidade.
Em “Um homem sério” (indicado para o Oscar de melhor filme e melhor roteiro original) os Cohen utilizam-se pela primeira vez, explícitamente, da cultura na qual nasceram e foram criados.
O judaísmo é uma referência natural quando se trata de questões em aberto porque essa é a sua essência. Os textos da Torah são estudados e interpretados em cada geração e os comentários mais inspirados servem como lições de vida.
Isso posto vamos ao filme, que tem como epígrafe essa frase:
“Receba com simplicidade tudo o que lhe acontece.” (Rashi)
Pois é exatamente o oposto o que o anti-heroi do filme, o professor de física e matemática Larry Gopnick (o excelente Michael Stuhlbarg), faz quando tudo começa a dar errado para ele: seu casamento desmorona, seus filhos o preocupam, um aluno tenta suborná-lo, suas finanças vão mal e ele não tem certeza se será ou não formalizado em seu emprego na Universidade, entre outras preocupações.
Ao contrário da história bíblica, esse Jó pós-moderno não louva o Senhor quando lhe acontecem as desgraças que o filme apresenta em um crescendo assustador. Nem mantém, como Jó, a fé na Providência Divina. Ele se tortura perguntando: o que foi que eu fiz para ser castigado dessa maneira?
Nessa tragicomédia que é “Um homem sério”, os Cohen tratam dessa culpa atormentadora que persegue o homem contemporâneo. Quem tem divã de psicanalista que o diga...
E não apenas isso, porque ao colocar a questão em termos de culpabilidade, Larry afasta da cena o principal, que é o uso que não faz do seu livre arbítrio na hora de escolher os caminhos a trilhar nessa vida. Ele sente-se empurrado pelos acontecimentos sem ter a possibilidade de mudar o rumo das coisas.
E é nesse momento que Larry busca a sabedoria.Vai a três rabinos, desesperado, querendo uma resposta pronta e um manual de sobrevivência.
Ora, dizem os irmãos Cohen, isso não existe.
Larry, que fala aos seus alunos sobre o princípio da incerteza, deduzido do paradoxo de Schrodinger, que demonstra que um gato pode simultâneamente estar vivo ou morto e que tudo depende de um observador para fazer tal afirmação, não aprendeu nada do que ensina...
Insiste em procurar fora uma resposta que só vai surgir quando ele defrontar-se com os fatos e perguntar a si mesmo.
Por isso é maravilhosa a fábula com que os irmãos Cohen dão início a seu filme. Vamos a ela.
Cenário: Cracóvia, inverno, dois séculos atrás, uma casa simples, marido e mulher conversam em iídiche.
O homem conta para sua mulher que encontrou o rabino de Zohar e que conversou com ele. E reclama:
-Estamos arruinados...
A mulher responde:
-Não pode ser porque esse rabino morreu de tifo há três anos atrás. Você conversou com um “dibbuk” (espírito maligno).
Batem à porta. Os dois se assustam.
O marido diz que convidou o rabino para tomar sopa com eles e vai abrir a porta.
Entra o rabino numa revoada de neve.
A mulher olha bem para o rabino e convida-o para a sopa.
- Obrigado, não quero.
A mulher diz:
- Eu sabia.
- Porque não quero a sopa? Estou gordo.
- Não.Você não quer a sopa porque “dibbuks” não comem.
E assim dizendo a mulher enfia um utensílio de cozinha pontudo no peito do rabino.
-“Dibbuk” eu? Que esposa você tem !
E o rabino solta gargalhadas.
- Ela acha que o senhor morreu e é um “dibbuk”...
O marido tenta explicar mas está mais assustado do que nunca.
- Você não se feriu.
E a mulher examina bem o peito do rabino com o pontudo objeto enfiado até o talo.
- Ao contrário. Estou me sentindo fraco. Talvez seja melhor ir embora.
O rabino vai até a porta e some na nevasca.
- Estamos arruinados, mulher. Amanhã vão descobrir o corpo...
- Besteira. Já vai tarde!
E fecha a porta.
Lembram-se do paradoxo de Schrodinger? Aqui o gato está morto porque um observador informado constatou o fato. E fim de papo.
A tela fica escura e um ponto vai se sobressaindo, trazendo a história para uma escola de hebraico, no meio-oeste americano em 1967. No fundo, o som do Jefferson Airplane canta:
“Don’t you need somebody to love?”
Vá ver o filme e pense.

"Direito de amar"

"Direito de amar" (A single man, Tom Ford, Estados Unidos, 2009)
Postado em 22 de março de 2010, às 14:00

Se você acha que Tom Ford é apenas um estilista luxuoso que faz lembrar de marcas internacionais ( Gucci, Saint Laurent) que ele reergueu com seu toque de mestre, enganou-se.

Em uma entrevista à revista Vogue Brasil, Tom Ford conta como a crise econômica mundial quase fez naufragar seu sonho de fazer cinema e levar para a tela, a seu modo, o livro de Christopher Isherwood dos anos 60 que ele tinha lido aos 20 anos e relido há pouco tempo:

“Vinte e poucos anos haviam se passado desde que eu lera o livro e resolvi voltar a ele. E aí ele me tocou de uma maneira diferente, ainda mais profunda. Estava agora na meia-idade, tinha saído da Gucci e deixado o mundo da moda, um universo no qual coloquei muita energia, e de repente senti que tinha perdido a identidade. Não tinha mais uma voz dentro da cultura contemporânea e passei a lutar contra isso”.

Como não havia mais financiadores para o filme, Tom Ford desembolsou então sete milhões de dólares e foi procurar Colin Firth para viver o professor de literatura que pensa em se matar após perder o companheiro em um acidente de carro.

O diretor Tom Ford, em seu “début” cinematográfico, acertou em cheio na escolha do protagonista de seu filme. O inglês Colin Firth ganhou o prêmio de melhor interpretação em Veneza, o Globo de Ouro e foi indicado pela primeira vez para o Oscar. Só a interpretação dele já valeria ver o filme.

No elenco Ford colocou também a ótima Julianne Moore, que faz uma mulher decadente mas charmosa que tenta seduzir o requintado professor por puro medo da solidão.

George, homossexual assumido, vive no filme um luto complicado. Parece que a vida perdeu o sentido, já que tudo o remete às lembranças dos 16 anos passados ao lado do amado companheiro morto.

O título em português, “Direito de amar”, é uma tradução homofóbica já que sugere com condescendência que o professor e seu companheiro também podiam se qualificar para o nobre sentimento do amor. Ao desprezar o título ”Um homem só’, que poderia ser a tradução para “A single man”, o preconceito age às avessas. Uma lástima.

Mas quem se distancia dessa maneira de pensar, pode assistir a um belo e vigoroso filme.

Tom Ford cujo talento para a beleza e o requinte ninguém põe em dúvida, coloca na tela a dor de um homem e tudo que o leva à negação da vida.

Conta essa história em imagens magníficas. Uma delas: em câmara lenta um corpo masculino é visto afundando em águas turvas, à mercê de um sentimento de peso que invade George.

Em um outro achado estético deslumbrante, Tom Ford faz as cores do filme mudarem de quase um sépia para o colorido berrante do Technicolor dos anos 50, acompanhando o vai e vem de sentimentos de depressão e mania, vida e morte, que assolam o professor em seu luto. Para um momento inesquecível Ford usa um preto e branco suntuoso.

Um clímax inesperado encerra o filme fazendo com que o ator Colin Firth mereça todos os prêmios e o diretor Tom Ford os nossos aplausos.

“A ilha do medo”

“A ilha do medo” (Shutter Island, Martin Scorcese, Estados Unidos, 2010)
Postado em 26 de março de 2010, às 11:00

Quer ver um filme de suspense, um “thriller” inteligente?
Assista ao último Scorcese. Sem medo de errar.
É uma obra prima na linha dos melhores Hitchcock, com direito até a uma escada em caracol como em “Vertigo - Um corpo que cai”, ou Brian De Palma de “Carrie, a estranha”, ou seja, os donos do gênero.
“Ilha do medo”, vindo do mestre Martin Scorcese, que alguns consideram o maior cineasta vivo, é um presente para quem gosta de bom cinema.
Surpreenda-se também com o talento do ator Leonardo Di Caprio numa interpretação soberba. É o quarto filme em que ele trabalha com o diretor (os outros três foram “Gangues de New York”, 2002, “O aviador”, 2004 e “Os infiltrados”, 2006, que deu o único Oscar de direção para Scorcese).
Em Berlim, quando o filme foi apresentado no Festival deste ano, Leonardo Di Caprio assim falou sobre o papel dele em “Ilha do medo”:
“É um personagem que se fragiliza e isso é irresistível para um ator. O que me atrai é a possibilidade de sondar a dor humana e de me expressar em diferentes níveis, inusitados para o público e para mim”.
O filme começa com uma tela branca e pouco a pouco vemos surgir um barco saindo de um espesso nevoeiro em um mar revolto. O detetive Teddy Marshall passa mal. Seu parceiro o ajuda.
Esse é o tom do filme que já nos assalta com apreensão. Desde o início sabemos que tudo vai ser pesado, encoberto, intrigante.
“Ilha do medo” é magistralmente filmado nas Boston Harbor Islands, um cenário sombrio e assustador. Grandes ondas se quebram sobre penhascos. Um manicômio judiciário é o único prédio da ilha que ostenta um misterioso farol.
Estamos em 1954. Dois agentes federais, Di Caprio e Mark Ruffalo, descem do barco e são recebidos por guardas armados com fuzis. Vieram investigar o desaparecimento incompreensível de uma mulher internada no manicômio de segurança máxima. Seu crime nefando fora o de matar os próprios filhos.
Ben Kingsley, que incarna o diretor do manicômio, é um dos psiquiatras que vai fazer as honras da casa à dupla detetivesca. O outro médico é interpretado por um ator que Ingmar Bergman adorava, Max Von Sidow.
Baseado no livro “Paciente 67” de Dennis Lehane, o roteiro, juntamente com a edição do filme, criam o clima de descobertas assustadoras que vão contando uma história sob o prisma do protagonista, o detetive de Di Caprio, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, que testemunhou a libertação dos campos de concentração e que ficou marcado pelo horror e impotência do ser humano frente ao mal que vem do seu semelhante.
A investigação sobre o desaparecimento da interna filicida vai trazer à tona outros mistérios e tremendas inquietações. O detetive Teddy Marshall vai afundando aos poucos nesse lugar pantanoso.
E o espectador começa a partilhar de um obscuro conhecimento que se materializa em “flashes” que vão aumentando em tempo e se transformando em cenas no decorrer do filme. São pesadelos, delírios, alucinações?
Martin Scorcese mergulha fundo no universo da natureza humana que abriga em seu canto mais escuro o mal e a loucura. Como é difícil transitar nas fronteiras do ser...
Quando esse tema é desenvolvido no cinema por um diretor como Scorcese, que não se limita a querer meter medo nas pessoas, o resultado é assombroso.
Aqui os monstros crescem na sombra da alma humana. E assustam porque nos assaltam de dentro de nós mesmos.
A uma certa altura, o psiquiatra Crawley ensina que a palavra “trauma” vem do grego e significa “ferida” e que estas podem criar monstros que devemos deter dentro de nós.
A música é um elemento que pontua o filme e que faz crescer a emoção: o som pungente do violino da peça de Mahler, intervenções de uma orquestra com cordas lancinantes de John Cage, sons que nos remetem a gritos...
E se você tiver paciência e esperar, no fim dos créditos ouvirá Dinah Washington cantar com voz sublime “This bitter earth”, Esta terra amarga:
No fim, tudo podia
Não ser tão amargo...
Nessa terra amarga
Para que serve o amor?
Vá ver esse momento privilegiado do cinema e aproveite a chance de refletir sobre suas próprias fragilidades.

“Aproximação”

“Aproximação” (Disengagement, Amos Gitai, Alemanha/ Itália/ Israel/ França, 2007)
Postado em 2 de abril de 2010, às 11:00

Dois desconhecidos encontram-se no corredor de um trem. Ela é palestina, ele judeu.
Os dois tentam explicar ao guarda, que pede os passaportes deles, que “nacionalidade” pode ser um conceito abstrato.
-“Na verdade somos um povo nômade” diz ela.
Os dois viajantes aproximam-se e enlaçam-se em um longo e erótico beijo. Homem e mulher. Aproximação.
Aparecem os títulos na tela e fica claro que o nome do filme em inglês remete a movimentos de aproximação / separação. A palavra é escrita em duas cores e é cortada: Dis-Engagement.
O diretor é o israelense Amos Gitai que propõe um cinema político e ao mesmo tempo reflexivo.
“O cinema que me interessa é o que faz dialogarem estética e política“, diz Gitai em uma entrevista publicada na Folha.
A primeira parte do filme passa-se em um velório de um homem já velho que jaz sobre uma mesa em um apartamento europeu com sinais de decadência. Canapés de seda verde puida, cortinas de veludo vermelho desbotado, uma escadaria de mármore com uma bela grade de ferro dá para um hall desnudo. Cenário de morte. Separação.
A famosa soprano Barbara Hendricks canta lindamente um triste Mahler, sentada na posição de lótus, frente ao corpo do morto.
Uma menorá é percebida sobre a lareira e estranhos símbolos flutuam como móbiles sobre o corpo.
Aos poucos vamos percebendo que Ana (Juliette Binoche) perdeu o pai e recebe seu meio-irmão, Uli (Liron Levo), o israelense do beijo no trem, para o funeral. Aproximação.
Em uma interpretação belíssima vamos ver, ao longo do filme, uma mudança notável no humor maníaco da personagem de Binoche que, mais que em um velório, parece estar em uma festa. Salto alto, boca vermelha, vestido com uma fenda provocante, ela tenta negar a realidade da morte.
Jeanne Moreau, em uma ponta aproveitada com talento, faz Ana enfrentar o que ela teme: a responsabilidade por sua filha que vive em Gaza.
E aí começa a segunda parte do filme que combina com o nome com que foi apresentado na Mostra Internacional de São Paulo em 2007: “Retirada”.
Ana e Uli partem para o Oriente Médio onde, na faixa de Gaza, duas importantes missões os esperam: um terá que exercer separação, o outro vai viver aproximação.
Estamos em 2005 e os assentamentos de judeus ortodoxos estão sendo demolidos e o povo retirado do local.
Somos testemunhas aflitas dos gritos, medo, perplexidade e determinação que separam pessoas de seus lares e que, ao mesmo tempo, fazem outras voltar à mesma terra que consideram como sua.
O conflito no Oriente Médio é um dos pontos de maior dor e perigo do nosso mundo.
Aproximar-se desse tema e pensar, tentando separar-se de preconceitos e pré-julgamentos, é o único modo de contribuir, apesar da nossa impotência, para talvez sonharmos todos com uma solução possível.

"Diário perdido"

"Diário perdido" (Mères et filles, Julie Lopes-Curval, França, 2009)
Postado em 5 de abril de 2010, às 12:37

Se você é mãe de uma filha ou se é só filha mas pode ter filhas, esse filme vai tocar em um ponto frágil do seu coração.
Estamos na França, nos dias de hoje e uma filha visita os pais em uma pequena cidade à beira-mar. Ela vem do Canadá, onde mora. É solteira, engenheira e liberada.
Logo sentimos um clima de quase animosidade entre a filha Audrey (Marina Hands) e sua mãe, Martine (Catherine Deneuve) que é médica e gelada como um vento de inverno.
Não é à toa que a diretora, Julie Lopes-Curval chamou de “Mães e filhas” o seu filme. Como sempre, o tradutor brasileiro acha que sabe mais...Ou vai ver que ele é homem e não entende nada de mães e filhas. Sem ofensa.
Aliás, a certa altura do filme, o pai de Audrey reclama sobre as histórias entre ela e a mãe:
“- Se fosse o pai, ninguém ligava. Eu cozinhava para você, eu estudava com você... Mas perder o pai não é nada...”
O filme não conta uma história banal. Há um suspense no ar. Mas o mais tocante é que em seus pequenos detalhes vai nos fazer lembrar de nossas mães e avós, do quotidiano feminino que testemunhamos quando meninas.
No filme, há uma estranha convivência entre a neta do século XXI e sua avó que viveu nos anos difíceis do pós-guerra. Audrey “vê” sua avó Louise na cozinha, na praia com os filhos (sua mãe e seu tio) e com o avô. E percebe os conflitos passados enquanto vive os próprios conflitos no presente.
Vai viver na casa da avó e encontra na cozinha o famoso diário perdido da tradução do título em português. Nele ela vai aprender receitas antigas e saborosas mas, principalmente, vai descobrir coisas sobre a avó, sua mãe e sobre si mesma.
Um elo invisível e forte liga essas três gerações de mulheres. E a história agridoce desse feminino familiar se faz universal na medida em que todas nós, mulheres, somos herdeiras do que a geração de nossas avós conquistou para todas nós.
Hoje parece coisa fácil mas a liberdade de ir e vir, estudar, abrir conta no banco, trabalhar e até poder andar de ônibus sozinha, já foram privilégios negados às mulheres.
Essas conquistas mundanas já são coisa do nosso dia a dia mas o feminino em nós ainda guarda os seus mistérios... E isso passa de mãe para filha. Cada par tem o seu.
Vá pensar sobre isso depois de ver “Diário perdido”.

“Chico Xavier”

“Chico Xavier”, Daniel Filho, Brasil, 2010
Postado em 9 de abril de 2010, às 12:32

Mais dia menos dia ele viraria com certeza personagem de cinema. Quem mais que o controvertido Chico Xavier (1910-2002) para encabeçar a lista de quem quer contar a história do misticismo no Brasil do século XX?
O órfão sofrido de uma cidadezinha mineira que se consola em conversas com a mãe já morta (a bela Leticia Sabatella ), debaixo de uma árvore frondosa no cemitério, é a cena que marca o espectador e o prepara para o que virá a seguir : um jovem se convence de que tem uma missão de ajudar a quem sofre.
Uma vida extraordinária será contada de maneira hábil para prender a nossa atenção, através das idas e vindas que o roteiro de Marcos Bernstein propõe, inspirado no livro de Marcel Souto Maior, “As vidas de Chico Xavier”.
De um estúdio da antiga TV Tupi em 1971, onde se desenrola o programa “Pinga Fogo” que entrevista Chico Xavier ao vivo,vamos e voltamos da Minas natal, acompanhando a vida desse homem intrigante.
Adorado por muitos como um santo, detratado por outros como uma fraude, Chico Xavier é mostrado no filme como sendo, principalmente, um homem bom, afável e bem humorado.
Interpretado de maneira convincente por três atores, tanto o menino (Matheus Costa), quanto o jovem (Angelo Antonio) e o homem maduro (Nelson Xavier), emocionam a plateia cada um à sua maneira.Todos eles fazem o médium com um traço comum: doçura e carisma.
Vale ressaltar a atuação de Nelson Xavier que assusta de tão parecido com Chico Xavier o ator conseguiu tornar-se. Sem qualquer esforço aparente, ele nos presenteia com uma verdadeira encarnação do médium. Assombroso.
Daniel Filho que assina a produção e a direção acertou na escolha do elenco primoroso e do cenário bucólico das ruas de pedra e telhados amplos de Minas. Acertou também no clima simpático ao seu personagem principal.
Sentir o impacto da personalidade de Chico Xavier na plateia foi de arrepiar. Todos sabemos como cinema de shopping geralmente impede o espectador curioso de ver os letreiros finais com calma. A praça de alimentação ou a corrida para o estacionamento faz com que todos se levantem com pressa e tumulto.
Pois dessa vez não foi assim. Um achado muito usado em filmes sobre histórias reais, ou seja, o aparecimento de imagens da pessoa na vida de quem o filme se baseou, causou aqui um efeito bastante inusitado.
Nem um pio. Só se ouvia a voz do próprio Chico Xavier que, em filminhos preto e branco projetados do lado esquerdo da tela, paralisava e fascinava todo mundo.
Ninguém levantou nem pisou no meu pé.
Chico Xavier, contando em pessoa aquilo que o filme tinha acabado de mostrar, demonstrou cabalmente porque foi quem foi.
Acenderam-se as luzes e ouviram-se aplausos.
Carisma puro.

“O segredo dos seus olhos”

“O segredo dos seus olhos” (El secreto de sus ojos, Juan José Campanella, Argentina / Espanha, 2009)
Postado em 16 de abril de 2010, às 8:00

Olhos falam demais... Não são conhecidos como janelas da alma?
É essa linguagem, compreendida pelos bons observadores da natureza humana, que dá o título ao filme que, surpreendendo a todos, ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro de 2009.
Dirigido com excelência por Juan José Campanella, que também fez “O filho da noiva” em 2001 (grande sucesso de bilheteria no Brasil), esse “azarão” latino-americano abiscoitou a estatueta que muitos já viam nas mãos de Michael Haneke pelo excepcional “A fita branca”.
A Argentina comemorou o prêmio com festas no Obelisco, tradicional lugar de comemorações futebolísticas.
“O segredo dos seus olhos”, além de sucesso de público, foi também muito bem visto pela crítica especializada do país.
Bem portenho, o filme se passa entre as paredes de mármore do imponente prédio que abriga o Tribunal Penal de Buenos Aires, os cafés típicos da cidade e o estádio de futebol Huracán.
E vai falar de paixão.
Conta uma história de amor que leva 25 anos para ser entendida e tem, como pano de fundo, um crime passional misterioso, acontecido nos anos 70, envolvendo uma bela jovem que foi violentada e torturada, conhecido como “o caso Morales”.
O excelente ator Ricardo Darín interpreta com emoção e força um oficial de justiça aposentado, Benjamin Espósito, que resolve escrever um romance. Olha o seu passado e vê no caso Morales o assunto de seu livro.
Acontecido durante o governo de Isabelita Perón e da repressão estatal exercida por um grupo que arregimentava gente da pior espécie entre civis e ex-militares, o caso Morales tinha sido investigado por Benjamin Espósito, seu amigo Pablo Sandoval e a bela Irene, chefe dos dois.
Espósito e seu parceiro Sandoval (o ótimo Guillermo Francella), tal Don Quixote e Sancho Pança, ao atuar como detetives enfrentam aventuras que misturam momentos de humor e de tragédia.
Irene (Soledad Villamil), chefe dos dois no Tribunal, sempre vestida de tons vermelhos, é a paixão secreta de Espósito que não ousa levantar os olhos para ela.
Em “flashbacks” ficamos sabendo do desenrolar dessa história de amor, paixão e sede de vingança, ao mesmo tempo que, no presente, um homem e uma mulher revêem suas vidas e as oportunidades desperdiçadas.
Uma curiosidade cinematográfica: uma paixão dos argentinos, o futebol, estrela uma sequência que já ficou famosa. A longa cena começa como se víssemos o estádio Huracán de um helicóptero e fazendo um zoom continua com uma perseguição em meio aos espectadores do jogo, terminando com um close no rosto do assassino deitado e subjugado no gramado do campo. Foi tão bem feita que os cortes não são notados. Pareceu ser um único plano sequência. É de tirar o fôlego.
Alguns não viram em “O segredo dos seus olhos” mérito maior que essa sequência que mostra o talento e a criatividade do diretor Juan José Campanella.
É uma injustiça porque o filme reúne elementos de sobra para merecer o prêmio que ganhou.
Aliás esse é o segundo Oscar de melhor filme estrangeiro que a Argentina ganha. O outro ficou com “A história oficial” de 1985, dirigido por Luis Puenzo.
Em meio a graves crises econômicas, a Argentina vê hoje o seu cinema conquistar 58,3% do mercado total de seus espectadores no país. E claro que conta com fãs no mundo todo.
Histórias bem contadas, apoio de incentivos estatais e o surgimento de inúmeras escolas de cinema no país nos últimos vinte anos explicam esse feito.
O Oscar não é mais do que a confirmação dessa realização bem sucedida.