domingo, 26 de setembro de 2010

Wall Street - O dinheiro nunca dorme






“Wall Street – O dinheiro nunca dorme”, Estados Unidos, 2010

Diretor : Oliver Stone





Os megaespeculadores, assim como os tubarões, nunca dormem. Sempre atrás de fazer dinheiro a qualquer custo, gananciosos e aéticos, se dão bem seja nas “bolhas” do mercado financeiro, seja com as crises que acontecem de tempos em tempos.

Esse é o universo que Oliver Stone revisita em seu “Wall Street – O dinheiro nunca dorme“, ressuscitando seu personagem mais famoso, Gordon Gekko, que valeu o Oscar de melhor ator para Michael Douglas em 1988.

No primeiro filme, Gekko, rei de Wall Street, criava sua célebre frase “a ganância é boa”. Era 1987 e Oliver Stone retratava a época dos “yuppies” e da cobiça pelos bens de consumo. Ter um apartamento no melhor lugar da cidade, o melhor carro, a loura mais bonita e gastar dinheiro à vontade, era o sonho americano da época. Mas para Gekko virou pesadelo e ele acabou na prisão por crimes financeiros.

O novo filme começa em 2001 com o mesmo Gordon Gekko saindo da penitenciária onde ficara por oito anos. Ninguém o espera na saída. Visivelmente decepcionado, toca a vida.

Passam-se sete anos.

Estamos em 2008 e constatamos que, como bom tubarão, Gekko não desanimou. Vende o livro que escreveu na cadeia usando sua frase como título, agora com uma interrogação no final e dá palestras em universidades, divertindo a nova geração com suas tiradas irônicas.

Oliver Stone escolheu, como centro de seu novo filme, a crise econômica global de 2008 que levou ao colapso o sistema bancário americano.

O filme tem o mérito de mostrar claramente, mesmo para quem não entende de altas finanças, como se formou o que ficou conhecido como “subprime”. E Susan Sarandon dá um show de interpretação, fazendo a ex-enfermeira que vira corretora de imóveis e que, entrando no jogo das penhoras em cima de penhoras das casas que compra, se vê obrigada a apelar para o filho, porque chega um momento em que não consegue pagar as prestações no banco.

Mas há uma novidade em “Wall Street 2”. Nesse segundo filme há uma nota de otimismo com relação ao ser humano.

Em Manhattan não há sómente megaespeculadores e jovens corretores ambiciosos querendo ganhar bônus milionários. Gekko tem uma filha, Winnie (Carey Mulligan), que não quer ver o pai nem pintado e que escreve em um site sem fins lucrativos. Ela namora um corretor chamado Jake (Shia LaBeouf), que gosta de dinheiro mas se interessa por energia limpa. Ele se conscientiza da ganância criminosa de seus pares quando o banco em que trabalha é induzido a uma quebra de modo fraudulento. Em conseqüência disso, seu chefe e mentor se suicida (Frank Langella, excelente). Jake quer vingá-lo.

“Essa é uma história de família. Sobre pessoas buscando o equilíbrio entre o seu amor pelo poder e pelo dinheiro e sua necessidade de serem amadas por alguém”, diz Stone.

Dinheiro traz felicidade? Pode até ser. Mas, o jogo voraz da ganância pelo dinheiro a qualquer custo e a qualquer preço, traz também muita desilusão e um vazio feroz. O cínico personagem Bretton James (Josh Brolin) demonstra essa equação em que, da noite para o dia, a queda acontece e ele está sozinho no vácuo que construiu.

A cena mais irônica, na opinião do diretor, passa-se no Olimpo dos poderosos, o Metropolitan Museum, onde acontece um jantar beneficiente. Lá é a arena onde competem os muito ricos, através do brilho coruscante dos quilates nos pescoços e orelhas das mulheres na sala imponente. Desafiam-se e trocam informações privilegiadas que podem levar as ações de uma empresa a subir ou cair vertiginosamente.

Gekko, que conseguiu a entrada de U$10.000,00 com o namorado da filha comenta:

“Se jogassem uma bomba aqui hoje à noite, não sobraria ninguém para governar o mundo.”

Alguns viram no final de “Wall Street – O dinheiro nunca dorme“ um cacoete americano. Para mim, Oliver Stone, que admirava seu pai, corretor da Bolsa de New York dos anos 30 aos anos 70, faz uma homenagem aos homens de bem que, também, como os tubarões, nunca deixarão de existir.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Baarìa - A porta do vento


“Baarìa – A porta do vento”, Itália, 2009
Diretor : Giuseppe Tornatore


A Sicília é uma ilha que hoje faz parte da Itália mas tem história própria de esplendor e decadência.

No Vale dos Templos, próximo a Palermo, podem ser visitadas ruínas que datam do século V AC. Ao longo dos milênios, esses monumentos e outros mais antigos ainda, viram a ilha ser invadida pelos mais diferentes povos: fenícios, gregos, romanos e árabes.

Com todas essas influências, e apesar delas, a Sicília de hoje já viu tempos melhores. Terra de deuses, os heróis ainda caminham por lá, mas perdidos, decadentes, chorando suas derrotas. E o povo siciliano?

Giuseppe Tornatore, o grande diretor italiano de filmes como “Cinema Paradiso”(1988), Oscar de filme estrangeiro, “O Homem das Estrelas”( 1995) e “Malena”(2000) com a belíssima Monica Bellucci, parece querer contar essa história, situando-a durante o século XX, em seu filme “Baarìa - A porta do vento”.

Nascido nos anos 50, na aldeia siciliana que dá nome ao filme, Tornatore abre gavetas e baús da família para contar o passado e diz, aos jornalistas que o entrevistaram, que “Baarìa”é seu filme mais pessoal.

Alguns criticaram o diretor, que também assina o roteiro, dizendo que o filme é superficial, decorativo, que apenas tangencia os episódios históricos e que não aprofunda nada.

Eu discordo porque penso que a intenção de Tornatore não foi contar a história com H maiúsculo. Antes, quer contar casos que ouviu de seus avós e de seus pais e os que viveu, ainda pequeno, em Baarìa, nome em dialeto local para Bagheria, cidadezinha que pertence à província de Palermo.

A memória afetiva, mais rica que a história tradicional, traz à tona uma Sicília que é a terra da infância, da maturidade e velhice de homens e mulheres que lutam para sobreviver com garras e dentes.

Tornatore faz aqui um painel de sua terra e sua gente, pintado com as tintas das lembranças que ele recolheu. Uma arqueologia sentimental.

Com pinceladas de realismo mágico e sob os trovões e dilúvios que se alternam com um sol cruel e tempestades de areia, um fluxo de imagens vai mostrando para os nossos olhos, sonhos e memórias que falam sobre os costumes, as crenças e as superstições do povo de Baarìa.

Assim, ouvimos os registros sonoros de gritos, choro e gargalhadas ecoando personagens de três gerações de uma família siciliana. O avô Cicco (Gaetano Aronica), pastor de ovelhas e cabras que tem paixão por livros, recita o poema épico “Orlando furioso”, para uma platéia de vizinhos fascinados. O filho, Peppino Torrenuova (Francesco Scianna), passa, ainda menino, pelos horrores da Segunda Guerra e do fascismo, testemunha o sofrimento dos camponeses explorados pela máfia, apaixona-se pela política e por Mannina (Margareth Madè, parecida com Sophia Loren e com a nossa Maria Fernanda Candido). E o neto, Pietro, cresce nos anos sessenta, faz passeata e tem paixão por cinema.

Esse retrato lírico da terra natal tem trilha sonora esplêndida de Ennio Morricone e direção de arte impecável de Maurizio Sabatini que reconstruiu Baarìa na Tunísia e sinaliza a passagem do tempo com sutileza e realismo.

Como não poderia deixar de ser, o cinema, paixão de Tornatore, é também personagem em “Baarìa”. E acompanhamos na tela o cinema mudo dos anos 30, os filmes de Fred Astaire nos anos 40, uma filmagem em Baarìa e Fellini sendo citado em uma carta de Peppino à família quando estava em Paris tratando de assuntos do Partido Comunista Italiano.

Uma auto-referência torna-se uma brincadeira com o público e envolve a atriz Monica Bellucci de “Malena”, que é citada na publicidade de “Baarìa”e faz uma micro-ponta, seduzindo os meninos e o professor de uma escola que acompanham mudos, pela janela, uma tórrida cena entre a bela atriz e o pedreiro de uma construção em frente.

Comovente história afetiva de um povo, narrada por um de seus talentosos filhos, “Baarìa”é um filme para ser degustado sem pressa e apreciado pelo coração.


domingo, 12 de setembro de 2010

O Refúgio



“O Refúgio”- “Le Refuge”, França, 2009
Direção : François Ozon



De muita coisa fala o novo filme de François Ozon, em cartaz em São Paulo, “O Refúgio”: a fragilidade do ser humano, a morte, o luto, a maternidade.
Longe, porém, de ter um discurso chato com tentativas de ensinar e moralizar, esse é um filme delicado, especial, feito mais de sugestões e dúvidas que de verdades sólidas.
Mousse (Isabelle Carré) e Louis (Melvil Poupaud) moram em Paris, a cidade das luzes, mas procuram a escuridão e o abandono que a heroína traz. São muito jovens mas a vida já parece pesar sobre eles. O refúgio é a droga. Caminho perigoso, quase sempre a busca de um suicídio inconsciente.
Os dois recebem o traficante que entra pela porta aberta do apartamento:
“- Você nos salvou”, diz Louis.
Rostos fatigados e pálidos, os dois se injetam o que vai ser uma “overdose”.
Só Mousse sobrevive. Acorda no hospital.
“-Há quanto tempo não menstrua? Sou o seu médico.”
“- Não sei...”
“- Você está grávida de 8 semanas...”
“-Onde está Louis?”
“- Ele não resistiu... Está morto.”
Mousse perde a voz, uma lágrima escorre, ela desliza para o esquecimento.
Como um fantasma, assiste ao enterro de Louis, conhece Paul (o cantor e ator Louis-Ronan Choisy) e a mãe deles que a aconselha a não ter o bebê.
“-Espero que não queira ter esse bebê...Não queremos descendentes de Louis. Posso apresentá-la a um médico que cuidará disso”.
“- Não sei ainda...”
O interessante é que Ozon escolheu uma atriz grávida para o papel de Mousse. E o filme teve que se adaptar a isso, ser filmado em ordem cronológica e respeitar o ritmo de uma gravidez. Desejo de um homem de decifrar o mistério da maternidade?
Em entrevista a Luiz Carlos Merten, Ozon responde:
“-Sua pergunta já carrega um pouco a resposta. A maternidade é um mistério que escapa ao homem. Podemos estudar científicamente as transformações que ocorrem em seu corpo e ainda assim haverá uma zona de sombra. As próprias mulheres se surpreendem, muitas vezes, ao vivenciar o processo de gestação. E há aquelas que reagem contra o ser que cresce dentro delas, que o consideram um estranho. Queria entender um pouco o fenômeno e, por isso, há tempos acalento o projeto de “O Refúgio”.(...)Ela decide ter o filho sozinha, mas o que quer, no próprio corpo, é prolongar a vida do homem amado e que perdeu.Minha personagem encara o desafio da maternidade sem ter o desejo de ser mãe.”
Mais uma vez, Ozon toca em um ponto delicado para todos nós, mortais. O luto é um processo difícil e envolve um trabalho duro de aceitação da realidade da morte.
Em “Sob a areia”(2000), Charlotte Rampling foi a atriz escolhida pelo diretor para viver a agonia de perder o marido e não entender o que acontecera. Não havia a morte... Como chorá-lo?
Aqui, Mousse agarra-se a si mesma, como se pudesse, mágicamente, dar a luz a Louis. Trazê-lo de volta e negar a separação.
François Ozon é um diretor que gosta de trabalhar aspectos complexos da natureza humana. Agrada ao diretor francês levantar dúvidas, mexer com tabús e focalizar o que não é óbvio.
Em “O Refúgio”, Mousse foge de Paris e procura na casa da praia outro refúgio, onde tenta livrar-se da heroína e se iludir, tentando esquecer que perdeu seu outro lado, com quem vivia uma ilusão de fusão na droga que era a vida deles.
Paul, irmão de Louis, que chega sem aviso prévio e propõe a ela a alteridade, vai ser o intruso que a coloca um pouco mais perto de si mesma e da dor.
Quando chega a hora, uma canção de ninar embalará Louise, o bebê de Mousse.
E ela começa uma procura, para poder viver o amor generoso, que nela é uma promessa.
Um filme simples mas marcante.