sábado, 29 de agosto de 2015

O Pequeno Príncipe



“O Pequeno Príncipe”- “Le Petit Prince”, França, 2015
Direção: Mark Osborne

Meu primeiro livro “O Pequeno Príncipe”, eu ganhei aos 8 anos, presente de uma estrela. Ela era linda, poeta e morreu jovem, aos 36 anos. Nunca a esquecerei, Lupe Cotrim Garaude.
Na animação, que está nas telas, vemos as páginas do livro, com seus desenhos cheios de delicadeza e imaginação e a letra cursiva com que as frases famosas são escritas.
“Você é responsável por aquilo que cativa”, tradução do francês “Tu es responsable de ce que tu as apprivoisé.”
Quem conhece a história sabe que essa é uma frase que a raposa diz para o pequeno príncipe.
A dificuldade de traduzir o verbo “apprivoiser”, eu só fui encarar alguns anos mais tarde, quando ganhei meu segundo livro do “Le Petit Prince”, em francês.
Não é difícil encaixar os verbos domar, domesticar, amansar, que estão no dicionário, para falar da amizade entre a raposa e o menino. Mas como fica quando o verbo se refere à rosa amada e um ser humano querido? Escolheram “cativar” na tradução e eu achei que soava estranho.
Mas quando a raposa explica as consequências de “apprivoiser/cativar” alguém, o verbo se encaixa bem:
“- Mas se você me cativa, nós vamos precisar um do outro. Você será único no mundo para mim. Eu serei única no mundo para você.” ( No francês: “- Mais si tu m’apprivoises nous aurons besoin l’un de l’autre. Tu seras pour moi unique au monde. Je serai pour toi unique au monde.”)
É uma história cativante.
Alguns vão relembrar, outros vão conhecer essa história, pela primeira vez, com o desenho animado encantador do americano Mark Osborne, que tem uma menina de 8 anos, tristinha mas esperta, que precisa estudar o tempo todo, seguindo a agenda que a mãe preparou para ela. Acontece, porém, que a mãe trabalha o dia todo.
Sentindo-se solitária, a menina descobre um dia seu vizinho, um velhinho que vive na casa ao lado, diferente de todas as outras casas daquele bairro cinzento.
Ele quer consertar o avião que está em seu quintal e voar novamente. Porque ele tinha sido um aviador e conta para a menina a história de um pequeno príncipe que ele encontrou, quando ainda era jovem, no meio do deserto onde seu avião aterrissou depois de sofrer uma pane.
E a menina passa a ler a história nas páginas que o velhinho dá para ela. E se encanta. Os dois ficam amigos e partem para  viver juntos novas aventuras.
Claro que o velhinho é o próprio Saint-Exupéry (1900-1944), autor do livro “O Pequeno Príncipe”, 1943.
Eu me lembrei demais de mim mesma, aos 8 anos, embasbacada com o desenho da jiboia que engoliu o elefante e da rosa protegida pela redoma de vidro. Não precisa nem dizer que as raposas se tornaram um dos meus bichos preferidos.
O uso de duas técnicas de animação cria um belo contraste entre as duas histórias que são contadas.
O 3D do mundo cinza da garota e o “stop-motion” com as figuras coloridas do livro, em “papier maché”, que empresta uma beleza especial às cenas no deserto, aos personagens do rei, do homem vaidoso, da raposa, da serpente e da rosa mimada.
Chorei em muitas passagens e me dei conta de que “O Pequeno Príncipe” é uma história sobre perdas e sobre a morte. E ensina a maneira de nos consolarmos e conseguir aceitar a realidade da existência humana, com poesia e delicadeza.
“Só com o coração a gente vê bem. O essencial é invisível para os olhos.”
Difícil para uma criança entender, mas depois, vai fazer sentido, se ela se lembrar do que leu e agora viu no filme.
Recomendado para crianças e adultos sensíveis.





Homem Irracional


“Homem Irracional”- “Irrational Man”, Estados Unidos, 2015
Direção: Woody Allen

A fama precedeu a chegada de Abe Lucas (Joaquim Phoenix) na universidade onde vai lecionar. Fofocas sobre ele ser mulherengo, manter casos com as alunas, ter um problema com a bebida e não ser uma pessoa de temperamento fácil, já rolavam nos corredores do “campus” antes da presença dele por lá.
Mas ele parece deprimido nas aulas, semblante desanimado e distante. Com um “quê” de arrogância, fala dos filósofos com um desprezo sem disfarce:
“- Para os existencialistas, nada acontece até você chegar no fundo do poço.”
Em “off”, ouvimos o comentário da aluna dele, Jill (Emma Stone):
“- Acho que Abe estava louco desde o começo.”
Mas não prestamos muita atenção nisso que ela diz porque as cenas se desenrolam na tela, mostrando o professor bonitão, alvo de comentários também de Rita, a professora morena atraente (Parker Pousey) que dá em cima dele, abertamente:
“- Desde que eu soube que você vinha, fantasiei que nos encontraríamos e algo especial aconteceria...”
Mas quando ele a levou para a cama foi uma decepção.
E o desequilíbrio de Abe aparece com clareza quando faz “roleta russa”, diante de estudantes assustados, numa festinha.
“- Havia algo errado com Abe mas eu estava fascinada por ele” diz Jill, romântica.
Ela era a melhor aluna do professor de filosofia e falava muito dele, a ponto de provocar ciúmes no namorado e preocupação na mãe dela:
“- Espero que você não esteja se interessando demais por ele...”
Todos os indícios estavam presentes mas a negação de Jill, empenhada em ser a salvadora da vida de Abe e renovar seu prazer de viver, era alimentada pelo professor que começou a seduzi-la, ao mesmo tempo negando-se a ela:
“- Você merece alguém melhor do que eu.”
Nas aulas, ele continuava irreverente:
“- Se vocês não aprenderem nada comigo, pelo menos aprendam que filosofia é masturbação mental.”
E o esperado momento em que Abe Lucas encontra um sentido para sua vida e um novo prazer em viver, tem as características do acaso e a justificativa irracional de que um crime perfeito não tem nada de imoral, já que está sendo praticado para ajudar alguém e a livrar o mundo de um ser desprezível.
Mas sua auto-destruição continua trabalhando nas sombras e ele deixa rastros evidentes de suas ações.
Semelhanças com “Crime e Castigo” de Dostoievski não são mera coincidência. O livro está na mesa de trabalho de Abe e ele anotou, nas margens, ideias de Hannah Arendt sobre a “banalidade do mal”.
Woody Allen, 79 anos e com um filme por ano, desde que começou a fazer cinema em meados dos anos 60, não está interessado em agradar multidões. Seu filme “Homem Irracional” é sofisticado, tem um humor negro sedutor e é recomendado para quem tem interesse em psicologia. O diretor e roteirista está interessado em pensar sobre a irracionalidade do ser humano, que vemos por aí, ora vestida com trajes religiosos, ora aparente nos discursos moralistas e até mesmo muito provável entre os narcisistas.
Quem puder apreciar, vai se deleitar com “Homem Irracional”.  
  

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O Julgamento de Viviane Amsalem


“O Julgamento de Viviane Amsalem”- “Gett”, Israel, França, Alemanha, 2014
Direção: Ronit Elkabetz e Shlomiu Elkabetz

Aos olhos de uma pessoa que viva num estado laico, pode parecer impensável o que acontece no filme dos irmãos Elkabetz. Ou seja, para conseguir um divórcio, Viviane Amsalem (Ronit Elkabetz, magnífica atriz e co-diretora) pena por cinco anos em um tribunal de rabinos, porque seu marido Elisha (Simon Abkarian) não quer conceder-lhe o divórcio (“gett”), de jeito nenhum.
Seu estratagema é faltar seguidamente nas audiências marcadas pelos rabinos e, quando presente, anunciar que é bom marido, pai e provedor, um homem perfeito, pela boca de testemunhas que comparecem a esse tribunal. Pergunta então, por que Viviane quer se separar de um homem assim?
Acontece que a religião judaica é antiga e sábia. Mas sabemos que as leis dependem dos homens que as aplicam. O casamento e o divórcio são presididos por rabinos, já que não há casamento, nem divórcio civil entre os judeus.
Tendo a anuência do casal, o divórcio, concedido pelo marido, que deve dizer claramente que a mulher está disponível para outros homens, não dura mais que uma hora.
Mas , se o marido se recusa e nega o divórcio à esposa, o tribunal de rabinos tentará convencê-lo e mesmo, coagí-lo, com penas que vão desde a retirada da carteira de motorista, até a prisão. Isso porque uma mulher separada e, não divorciada, tem sérios problemas para sobreviver. Até os filhos que ela possa ter com outro homem são punidos, já que são considerados bastardos e só poderão casar-se com outros da mesma condição. Ela será para sempre uma pária humilhada, uma “agunah” (acorrentada) .
Esse é o caso de Viviane Amsalem que, com a ajuda de seu advogado Carmel (o ótimo Menashe Noy), tenta, de todas as maneiras a seu alcance, fazer valer o seu direito, já que ninguém pode obrigar alguém a ficar casado contra sua vontade, segundo a lei judaica.
Mas, sabemos como são os homens e as mulheres. Haverá sempre pessoas sensatas e as insensatas.
No caso do casamento de Viviane, vai ficando claro, conforme se desenrola o julgamento,que ela aguentou por 30 anos uma situação infeliz. Casou-se aos 15 anos, teve quatro filhos mas , agora, diz em alto e bom som:
“- Eu não quero viver com ele. Não quero!”
E, por mais que o irmão de Elisha, Shimon (Sasson Gabai), tente fazê-la ser vista como uma mulher louca e ingrata, perante os olhos e os ouvidos do tribunal presidido pelo rabino Solomon (Eli Gornstein), e mais outros dois, Viviane vai lutar.
O filme tem um clima claustrofóbico, apertando os personagens no tribunal, numa sala pequena e simples. E noutra, de espera, menor ainda.
E, aos poucos, vamos nos identificando com o sofrimento de Viviane, mostrado nos longos closes em seu rosto expressivo e passamos a entender os olhares que Elisha dirige a ela. Há arrogância e vontade de ganhar, custe o que custar. Ele irá até o fim, fazendo valer sua doentia ilusão de posse sobre Viviane.
Os diretores e roteiristas, os irmãos Elkabetz, dizem que se inspiraram na própria mãe para compor Viviane, personagem forte e altiva.
Esse filme é o último de uma trilogia sobre a família deles, judeus sefaradis que vieram do Marrocos para Israel. Mas não é necessário ter visto os outros dois (“Prendre Femme”2005 e “Les Sept Jours”2008) para compreender que “Gett” é mais do que um filme sobre um divórcio judaico.
O que se discute aqui é a própria condição humana. E o fato de, por vezes, reinar entre nós, onde quer que se viva, a insanidade, que provoca sofrimentos inúteis em pessoas inocentes.

sábado, 22 de agosto de 2015

Las Insoladas


“Las Insoladas” – Idem, Argentina, 2014
Direção: Gustavo Taretto

Buenos Aires à noite. Prédios iluminados vão apagando suas luzes. A madrugada ganha vida e morre. Amanhece. Os primeiros raios de sol iluminam a arquitetura da cidade.
“Vem aí o sol”, canta George Harrison (“Here comes the sun”) e um grupo de mulheres começa a aparecer num telhado de um prédio da cidade. É verão e as adoradoras do sol, com seus biquinis coloridos e jeitinho portenho de ser, estendem-se para se bronzear.
Seis mulheres de classe média, com profissões diferentes mas com os mesmos sonhos, abrem seus corações e falam de seus desejos e medos.
Estamos nos anos 90, Menem é presidente e o consumo anima o país. Sabemos que isso durou pouco.
O filme de Gustavo Taretto, diretor e roteirista do sucesso “Medianeras”, interessa-se aqui pelo universo feminino que ele usa como metáfora da humanidade. Faz delas o centro de sua câmera e convidou uma roteirista, Graciela Garcia, para diálogos típicos de mulher.
É como se elas estivessem num espaço de imaginação e sonhassem em tornar o faz-de-conta em realidade, já que, apesar dos poderes anti-depressivos do sol, elas não estão satisfeitas.
Aprisionadas naquele terraço, com um mar de papelão anunciando as maravilhas do mar e areias de Cuba, elas pensam em como fugir da prisão de suas vidas comuns.
A eterna insatisfação do ser humano está presente naquelas mulheres jovens que desejam homens que as façam possuidoras de coisas (apartamento, carro, viagens) e que as desejem mais que às outras, enquanto se consolam , momentaneamente, com alfajores, Cuba Libre e um baseado, torrando ao sol com um bronzeador feito em casa.
Elas sonham com o Caribe e com o comunismo da ilha de Fidel e do “Che”, onde seria possível não trabalhar e viver um ano, se conseguissem míseros 240 dólares para cada uma. Que maravilha seria o mar transparente, os hotéis com piscina e todo o resto incluso na diária barata, os homens másculos, a noite cubana e a salsa.
Flor, Vale, Lala, Kari, Sol e Vicky são bonitas de se ver e as atrizes que as interpretam, Carla Peterson, Maricel Alvarez, Luisana Lopilato, Marina Bellatti, Elisa Carricajo e Violeta Urtizberea, tem talento para divertir, dançar e se mostrar (já que passam o tempo todo de biquini) e fazem de “Las Insoladas” um filme que não se obriga a ser só comédia escancarada e arrisca espirituosidade e humor.
“Las Insoladas” é bem agradável de ver e muitos podem sair do cinema pensando em suas próprias “prisões”, douradas ou não.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Na Próxima, Acerto no Coração



“Na Próxima, Acerto no Coração”- “La Prochaine je viserai le coeur”, França, 2014
Direção: Cédric Anger

Vamos conhecer um dos casos criminais mais estranhos já acontecidos na França, avisa um letreiro antes do filme começar. Estamos em Oise, região próxima de Paris, no inverno de 1978.
Um homem, do qual não vemos a cabeça, fecha o zíper de uma jaqueta azul. Ouvimos uma música soturna com primazia para os violoncelos.
Na rua deserta, duas garotas em mobiletes. Uma se adianta. Ele escolhe a retardatária e a segue com o carro, muito perto. Ela olha para trás apreensiva e ele a empurra para a calçada com uma manobra do carro. Ela cai. Os violinos soam lancinantes.
“- Você é louco?”grita ela e volta para a mobilete.
Ele dá meia volta e, quando chega bem perto, atropela a garota de propósito. O sangue escorre pelo para-brisas. Aponta a arma para a mocinha caída e vai atirar, quando um carro aparece e ele foge.
Larga o carro roubado mais adiante mas, antes, trabalha com fios e há algo escondido dentro, sob uma manta.
Na manhã seguinte, bem cedo, um homem emerge de uma tenda montada sobre a cama de campanha e veste-se com um uniforme. É um membro da Guarda Nacional, encarregado de proteger a população.
Com os colegas numa viatura, procuram o carro usado pelo atirador que assusta a região. O atropelamento daquela garota da mobilete não é o primeiro crime dele.
Quando encontram o carro suspeito, um deles força a porta e uma bomba incendiária explode.
Ficamos atônitos. O guarda é o assassino que procuram. E que, por ironia, investiga os crimes que ele mesmo cometeu. E mais, é respeitado pelo chefe, que confia em Franck Neuhart, que está acima de qualquer suspeita. Mas é um monstro.
Em sua intimidade, práticas bizarras: flagelação com um ramo de árvore, banhos gelados de banheira, tortura o próprio braço com um arame farpado e com o irmão menor faz treinos de tiro no bosque vizinho à casa dos pais. Correm com pedras nas botas. O garoto parece estranhar tudo isso mas seu irmão não admite contestação:
“- Por que as pedras?”pergunta ao irmão.
“- Por causa da culpa. Sempre temos culpas para pagar.”
Arrogante, confessa seus crimes em cartas anônimas, que ouve o chefe ler em voz alta:
“Sou um matador, preciso matar. Garotas de 19 anos vagando provocantes por aí à noite, são as minhas preferidas...Na próxima vez, acerto no coração e não nas pernas.”
Impassível, vai interrogar no hospital a garota da mobilete, que escapou com vida mas que não consegue falar, de tão machucada. Não passa pela cabeça de ninguém que a vítima e o carrasco estão frente a frente.
É admirável a interpretação de Guillaume Canet, 42 anos, nesse filme sóbrio, dirigido e roteirizado por Cédric Anger, baseado em fatos reais e num livro de Yvan Stefanovitch. Frio, sem sinal de medo num rosto sem rugas, Canet incorpora o espírito do “serial killer”. Ele mesmo não sabe por que mata as garotas mas tem ideias grandiosas e alucinadas sobre estar castigando a humanidade hipócrita e cruel: “Vou matar à esmo até ser morto também”, pensa ele na floresta, dormindo debaixo de um céu estrelado.
Sophie (Ana Girardot), a bela garota que trabalha na casa dele, não o conhece e pensa que ele é gentil.
Mas sexo para Franck é uma coisa perigosa. Quando se excita, tem que matar.
A sexualidade dele está emaranhada com agressividade, culpa e castigo, de tal forma, que ele sufoca com a excitação e precisa agir. Depois vomita mas não se livra nunca daquilo que nasceu com ele.
Este é um filme que sonda mistérios insolúveis da mente humana.
Impressionante.

sábado, 15 de agosto de 2015

A Dama Dourada


“A Dama Dourada”- Woman in Gold”, Estados Unidos, Inglaterra, 2015
Direção: Simon Curtis

Ela era a Mona Lisa da Áustria.
Pintado em 1907 por Gustav Klimt (1862-1918), o retrato de uma dama da sociedade vienense, Adele Bloch-Bauer, fascinou os que o viram antes e depois que foi roubado da parede dos Bloch-Bauer em 1941, quando os nazistas que tomaram Viena saquearam as riquezas das famílias judias, antes de mandá-las para campos de concentração, onde a maioria morreu.
A Viena dos fins do século XIX e começo do XX era a cidade de Adele, que viveu uma época de esplendor e cultura. Nos salões da rica elite burguesa, entre os quais os Bloch-Bauer, desfilavam intelectuais e artistas festejados.
Adele (Antje Trauer, belíssima), mulher de Ferdinand Bloch-Bauer, era uma beldade de olhos negros, que aparecem com uma expressão grave em seu retrato, cercada de ouro, motivos egípcios, vestida como uma princesa e ostentando um maravilhoso colar de brilhantes, salpicado de rubis, esmeraldas e safiras.
Ela morreu ainda jovem em 1925, com 43 anos e expressou em seu testamento o desejo de que seu tão admirado retrato fosse exposto ao público, no Belvedere Museum, após a morte do marido.
Adele não presenciou a tragédia que se abateria sobre sua família, anos depois de sua morte. Foi poupada da perseguição, humilhação e espoliação que sofreu toda a comunidade judia quando a Áustria foi anexada em 1938 pela Alemanha de Hitler.
Maria, sobrinha de Adele, interpretada com emoção por Tatiana Maslany, consegue, com sorte, fugir de Viena e exilar-se na América, para onde já tinham ido seu tio e sua irmã.
E leva uma vida pacata em Los Angeles, até que em 1998, com a morte da irmã, algo muito forte vem à tona e começa a grande aventura do quadro admirado em Viena como “A Dama Dourada”, sem sobrenome que identifique suas origens.
Em uma história, que o filme conta de uma forma  envolvente, um jovem advogado americano (Ryan Reynolds), neto do compositor judeu Arnold Schoenberg e o jornalista austríaco Hubertus Czermin (Daniel Bruhl), vão ajudar Maria Altmann (Helen Mirren, sempre admirável), numa disputa judicial entre ela, sobrinha de Adele e a Áustria, que não queria ceder o quadro, tesouro nacional.
Vamos assistir à saga pela qual passou um dos quadros mais famosos e valiosos do mundo, das paredes do Belvedere Museum para a Neue Gallery em Nova York, onde está exposto, depois de ser comprado por 135 milhões.
Além de contar com talento essa história verdadeira, o filme do diretor britânico Simon Curtis (“Sete Dias com Marilyn”) levanta questões sobre a restituição de obras de arte roubadas de famílias judias pelos alemães durante a Segunda Guerra.
O roteiro do filme, de Alexei Kaye Campbell, baseou-se no documentário de 2006, “The Rape of Europe”, mas quem leu o livro de Anne-Marie O’Connor, “A Dama Dourada”, publicado no Brasil pela José Olympio, vai sentir falta da história de Adele Bloch-Bauer e Gustav Klimt.
Recomendo o filme e o livro. 

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Gemma Bovery - A Vida Imita a Arte


“Gemma Bovery – A Vida Imita a Arte”- “Gemma Bovery”, França, Inglaterra, 2014
Direção: Anne Fontaine

Existem muitas Madames Bovary, nos lugares mais comuns do mundo. Ou seja, casamentos aborrecidos, onde um alguém busca outro alguém para se animar. Tanto homens como mulheres podem ser uma Emma Bovary.
Ou achar que alguém é a Bovary.Ou seja, os próprios desejos reprimidos fazem essa pessoa ter medo do que vai acontecer ao outro. Ou outra.
No caso desse filme, adaptado de um livro ilustrado de Posy Simmonds, autora inglesa, a “Gemma Bovary” é uma bela jovem inglesa, casada, que acabou de ter uma decepção amorosa, que o marido desconhece e achou melhor casar e se mudar.
O casal de ingleses vai para a Normandia, norte da França e a casa deles é pitoresca mas muito desconfortável para alguém que viveu em Londres.
Acontece que o vizinho do casal, o padeiro francês Martin (Fabrice Luchini, sempre excelente) é grande conhecedor da literatura e aprecia Flaubert e seu romance de 1857, “Madame Bovary”, sobre Emma, uma dama casada e entediada, que procura amores para se distrair de um vazio existencial. Só que ela acaba mal.
Ora, quando o padeiro se depara com Gemma, um monumento de mulher, é como se fosse fulminado por um raio. A sua Bovary, vive ao lado da casa dele e, ao mesmo tempo que a deseja e só pensa nela, defende-se desse amor fatal tentando protegê-la do seu horrível fim.
“- Lá se foram 10 anos de tranquilidade sexual”, suspira num momento de lucidez.
E, como o filme começa pelo fim, o padeiro rouba o diário de Gemma que o marido ia queimar e passa as noites a ler e reviver o que se passou, agora sob o ponto de vista de sua Bovary.
Anne Fontaine, diretora do filme, confessa que resistiu à ideia de escolher a inglesa Gemma Aterton para fazer o papel, já que ela tinha atuado em um filme adaptado de um outro livro da mesma autora de “Gemma Bovery”. Mas, aconselhada por Isabelle Huppert, deixou-se também levar pelo magnetismo dessa bela mulher, tão fascinante para homens e mulheres. Um corpo escultural e generoso, um jeito adolescente e um ar meio desligado, compuseram uma Gemma Bovery irresistível.
As belas paisagens da Normandia no verão e os encontros campestres de Gemma e sua cadelinha Carrington e o padeiro Martin e seu cão Gus, trazem ao filme um prazer a mais.
E você não precisa ter lido Flaubert para se envolver, mesmo não querendo, com essa outra dama e sua história amorosa.

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Jimmy's Hall


“Jimmy’s Hall”- Idem, Reino Unido, França, Irlanda, 2014
Direção: Ken Loach

O confessado último filme do diretor Ken Loach, quase 80 anos, várias vezes premiado em Cannes, conta uma história real. Ele diz que só fará documentários daqui em diante.
Jimmy Gralton (1886-1945), interpretado com carisma por Barry Ward, depois de passar anos como imigrante nos Estados Unidos, por causa da Depressão volta a seu país natal, a Irlanda, em 1932, de onde havia saído após a luta de seu povo pela independência do Império Britânico (1919-1921).
Em 1922 eclodiu uma guerra civil entre os que aceitavam o Tratado imposto pelos ingleses e os que o recusavam. As forças que aceitaram o Tratado foram apoiadas pela Grã-Bretanha e venceram a guerra civil.
Quando Jimmy volta, dez anos depois, uma mudança de governo promete mais paz no futuro.
Mas, como diz o padre da aldeia (Jim Norton, excelente), que visita a mãe de Jimmy para saber se ele tinha mudado:
“ - Vindo de Nova York, ele vai estranhar nossa vida simples e humilde. Passamos um tempo violento e difícil, Alice... Foi irmão contra irmão, vizinho contra vizinho. As cicatrizes no coração levam tempo para fechar... Mas, eu sinto uma nova atmosfera, inclinada ao perdão. Concorda? “
A velha senhora, que o escuta com olhos preocupados, responde:
“- Sim. Mas tem que haver respeito mútuo.”
E muita gente espera Jimmy em sua casa, quando ele chega. A câmara de Loach aproxima-se dos rostos dos camponeses rudes, alegres com a festa pela volta de um líder deles:
“- O que vai fazer agora, Jimmy?”
“- Vou ajudar minha mãe e ter uma vida tranquila.”
Resposta que faz todos rirem, já que conhecem o temperamento de Jimmy.
A moça (Simone Kirby) que servia os sanduiches, sai com sua bicicleta e ele corre atrás:
“-Oonagh!”
E entrega presentes para os filhos dela e uma caixa grande:
“- Por que parou de escrever?”
“- Você sabe...” responde com tristeza.
O clima é de pesar mas há calor e saudade naqueles dois. O vestido, que ele trouxe para ela, vai enfeitar uma das cenas mais bonitas do filme.
De volta do campo onde foram buscar turfa na lama, Jimmy e seus companheiros encontram moças e rapazes dançando na estrada, ao som de instrumentos tocados por outros do grupo.
E Jimmy é saudado com entusiasmo porque aqueles jovens já sabiam do seu “hall” e queriam que ele o reabrisse.
“- Estamos desempregados e à toa”, diz um rapaz.
“- Queremos um lugar aquecido onde a gente possa dançar, cantar, aprender coisas”, acrescenta uma mocinha.
E é a história desse famoso “hall”, desse salão onde os jovens vão aprender os passos das novas danças dos negros americanos com Jimmy, que vai ser contada. Um lugar de conhecimento e liberdade, que incomoda tanto os padres católicos locais quanto a polícia e os donos das terras.
 “O “hall” de Jimmy é sobre a possibilidade de aprender, de transpor limites e também sobre as forças que tentam impedir que isso ocorra com as pessoas”, diz o roteirista.
Ele e o diretor Ken Loach, fizeram, principalmente, um belo filme contra toda forma de autoritarismo.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

O Ciclo da Vida



“O Ciclo da Vida”- “Fei yue lao ren Yvan”, China, 2012
Direção: Zhang Yang

A morte é o destino certo de todos nós. Mas é um assunto do qual muitos fogem, sem perceber que é preciso pensar nela, para que se torne menos cruel.
O filme do diretor chinês de 48 anos, Zhang Yang (“Banhos”1999), é uma lição de vida. Seus personagens são velhos, que um parente próximo internou numa Casa de Repouso e lá foram abandonados, pelas mais diversas razões.
Então não vamos ver velhinhos “fofos”, nem vamos ouvir falar de “melhor idade”. Sem eufemismos, vamos entrar em contato com pessoas de mais idade, na maioria maltratados pela vida, solitários e sem acesso aos cuidados de profissionais que fazem retardar os efeitos do envelhecimento.Contam consigo mesmo e com os outros que moram junto a eles (o ótimo elenco tem de 55 a 92 anos).
A história começa com a chegada do senhor Gê (Xu Huanshan) na casa de repouso onde vive seu amigo, o senhor Zhou (Wu Tiang-Ming) que, tempos atrás, fora seu colega de trabalho como condutor de ônibus. Zhou é um velho enérgico e criativo, que inventa espetáculos para distrair seus companheiros.
Ele interfere junto à enfermeira-chefe e, apesar da casa estar lotada, arranjam uma cama para o senhor Gê, que acaba de perder sua segunda esposa e não tem para onde ir, já que o lugar onde morava pertencia aos filhos da falecida.
O senhor Gê vive uma situação complicada com o filho de seu primeiro casamento. Não se falam por causa de velhas mágoas.  
Tudo isso o senhor Gê conta em lágrimas para o amigo Zhou, que tenta consolar o desolado pai rejeitado.
E é a postura do senhor Zhou, frente à própria morte, que vai levar alguns dos velhinhos da casa, inclusive o senhor Gê, para uma aventura fascinante, que será o projeto que vai tirá-los de um fim de vida amargurado.
Sabendo que está gravemente doente, o senhor Zhou convida quem quiser, e puder, para ensaiar com ele um esquete, pequena cena engraçada, que seria apresentada num concurso televisionado para todo o país. Esse é seu último desejo. E confessa ao amigo Gê que gostaria muito de conhecer o mar.
E, para conseguir chegar na distante cidade onde acontece o concurso, o senhor Zhou vai ter que inventar muitas estratégias para manter o plano em segredo e comandar a fuga emocionante dos velhinhos através da China.
“O Ciclo da Vida” é um filme divertido que comove e faz pensar com admiração na posição ativa e confiante desse grupo de pessoas, solidárias umas com as outras, apesar das mazelas e sofrimentos. São todos por um e um por todos, na vontade de participar do concurso e fazer valer o projeto em comum.
Afinal, para valer a pena viver, nada melhor que um projeto. Mesmo que seja a realização de um último desejo.

sábado, 1 de agosto de 2015

Adeus à Linguagem


“Adeus à Linguagem”- “Adieu au Langage”, Suiça, França, 2014
Direção: Jean-Luc Godard

Aos 84 anos, o diretor francês Jean-Luc Godard ainda é o mesmo provocador que ele sempre foi. Mas, agora, com toda a sua vida e a da humanidade na cabeça, ele pode dar-se o luxo de ser bem ele mesmo, em 3D e com o Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2014.
“Adeus à Linguagem” é como se fosse um passeio pela cabeça do diretor e roteirista.
Entretanto não será uma visita fácil. Ele avisa, com uma frase bem no começo do filme: “Todos aqueles que não tem imaginação, refugiam-se na realidade.” Então já estamos prevenidos. Vai ser muito louco do ponto de vista daqueles que não conseguem jogar-se no mundo do desconhecido e um deleite, cheio de sustos e perguntas, para aqueles que aceitam o convite porque já gostam de Godard há muito tempo.
Desde a estreia dele, com “Acossado – À bout de souffle”1960, os amantes do cinema seguem Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo naquela corrida por uma rua de Paris.
E, com “Adeus à Linguagem”, também ficamos sem fôlego, nossos olhos tentando ver e nossa mente querendo guardar as frases lidas, faladas e escritas na tela. Tudo leva à vertigem, quase à irritação, porque o filme nos escapa quando queremos compreendê-lo.
Então, a melhor maneira de ver o último Godard é deixar-se levar, olhando a tela e sorrindo com as piadas. Desde as mais intelectuais (“Ah Dieu”, no primeiro plano em letras vermelhas e “Langage” no segundo, quase que se fundindo), até as escatológicas (no banheiro).
Uma mulher casada (Héloise Godet, jovem e  bela) e um homem solteiro (Kamel Abdeli), numa casa num lago, fazem amor, brigam e discutem filosofia nús, na companhia de um cão. Seria simples se não fosse Godard.
Porque em “Adeus à Linguagem”, ele contrapõe o passado, o jogo infantil com os dados, a vida sem tecnologia, com um mundo infestado por celulares, TVs enormes na sala e uma Babel de línguas, tanto no mundo externo como no interno. A ponto de ouvirmos a mulher dizer:
“- Logo vamos precisar de intérpretes para entender o que nós mesmos falamos.”
O século XX desfila em imagens de telejornais e são cenas de guerras, Hitler, o Holocausto, Vietnam, o terrorismo. A História triste.
Mas quando entra “A Natureza”, trazida pela arte da pintura (Monet e “representar o que não se vê”) e da música (trechos de Beethoven, Tchaikovski, Sibelius), belíssimas imagens aparecem na tela em cores lisérgicas.
Profusões de flores, campos, águas, árvores nas diversas estações.
“- Nunca deram um Nobel para a pintura, nem para a música...”ouve-se em “off”.
E Roxy Miéville (o cachorro de Godard, com o sobrenome da companheira dele, Anne-Marie), amado pelo diretor, seguido pala câmara, anda nas margens do lago e passeia pela floresta (“os indios quando queriam dizer “mundo”, usavam a palavra para floresta”, comenta uma voz). E homenageia Darwin que escreveu que o cachorro era o único animal que ama mais seu dono do que a ele mesmo.
A “Natureza” nomeada pela “Metáfora” leva à compreensão do mundo? Uma mulher lava as mãos numa água transparente onde boiam folhas de outono.
O filme, que tem um assassinato quase escondido e latidos de cachorro e choro de bebês como epílogo, fica conversando conosco durante muito tempo depois que saímos do cinema aturdidos.
Mas isso só para quem tem e usa a imaginação.