domingo, 22 de setembro de 2013

Amor Bandido



 
“Amor Bandido”- “Mud”, Estados Unidos, 2012
Direção: Jeff Nichols

O grande rio é a vida deles. Ellis (Tye Sheridan, de “Árvore da Vida”, já um grande ator) e Neckbone (Jacob Lofland), a dupla de melhores amigos, que lembra Tom Sawyer e Huckleberry Finn do livro de Mark Twain, vivem suas aventuras no Mississipi, para lá e para cá, numa pequena embarcação simplória.
Ellis mora numa barcaça encostada na margem do rio, herança do avô dele para a mãe (Sarah Paulson), que vive às turras com o marido (Ray McKinum), um pai ausente. O amigo Neckbone, quase irmão, órfão, mora com o tio (Michel Shannon), solteiro e mulherengo. Os dois mal entraram na adolescência e sabem pouco da vida e ainda menos do amor.
Em suas andanças pelo rio majestoso, um dia, os meninos encontram um tesouro. Um barco foi parar no topo de uma árvore, numa ilhota, na última grande cheia.
O sonho deles é colocar o barco na água e navegar com ele.
Mas Mud (Mattew McConaughey, ator carismático) vai cruzar o caminho deles e tornar-se a maior aventura com que poderiam jamais sonhar.
Foragido da polícia, boa pinta, másculo, cheio de histórias, em pouco tempo torna-se o ídolo dos garotos. Principalmente de Ellis, que é sensível e romântico. Ele vai servir de pombo-correio entre Mud e seu grande amor desde a infância, Junniper (Reese Whiterspoon). E claro, vai apaixonar-se também por ela, sem o saber, idealizando-a como a mulher perfeita.
“- Ela é uma deusa loura, de pernas longas, com rouxinóis tatuados nas mãos”, conta Mud.
Quando Ellis ouve isso, fica hipnotizado. Faria qualquer coisa por eles. Inocência infantil.  
E as cobras negras mortíferas rondam o rio. O velho Tom (Sam Sheppard), que não fala com ninguém, não vai conseguir acabar com elas, por mais que seu rifle certeiro consiga matar as que nadam à flor da água.
Jeff Nichols, 34 anos, roteirista e diretor, em seu terceiro longa, mais uma vez brilha, como já havia feito em “O Abrigo” com Jessica Chastain, um dos filmes mais interessantes do ano passado, que, infelizmente, não passou no Brasil.
A história é ótima, os personagens míticos e a direção afinada com os atores estupendos.
O rio, sempre uma boa metáfora para a vida, traz surpresas boas e más, aprendem os garotos, que amadurecem durante o desenrolar das aventuras com o enigmático Mud.
Um dos melhores filmes do ano, com certeza.
 

O Casamento do Ano



“O Casamento do Ano” – “The Big Wedding”, Estados Unidos, 2013
Direção: Justin Zackman

O que acontece quando o público vê os nomes do elenco desse filme? No mínimo surge uma grande curiosidade para ver como é que Robert De Niro, Diane Keaton, Susan Sarandon e Robin Williams estão envelhecendo.
E eles estão bem. Alguns até, melhores do que muitos de nós, que acompanhamos a carreira deles desde que todos éramos bem crianças ainda.
O cinema tem disso. Cria uma intimidade entre as estrelas e nós. E queremos ver como estão. Saber se as plásticas deram certo e, principalmente, se o velho carisma continua lá.
E, claro, isso faz com que a crítica dessa parte do público ao filme seja amena. Sabemos que é uma comédia, com os nossos velhos conhecidos e que eles estão bem nos papéis que escolheram.
E é então com um sorriso de cumplicidade que acompanhamos o desfile de clichês da trama, as situações nada originais que acontecem e os diálogos previsíveis. Tudo bem, não foi para ver um filme desse ângulo que viemos assistir a “O Casamento do Ano”.
Quanto às estrelas mais jovens, Amanda Seyfried e Bem Barnes, dão o toque juvenil e combinam bem com o cenário e o romance.
Alíás é uma casa de sonho em Connecticut que abre a primeira cena. O jardim manicurado, a grande árvore aconchegante, o lago, tudo é de encher os olhos.
E o público mais jovem, principalmente as meninas, vão suspirar e acompanhar cada passo do casamento, sonhando com o delas.
Katherine Heigh, como a problemática filha mais velha de casal De Niro e Keaton, tem as melhores cenas e se destaca entre os atores mais jovens.
O direto e roteirista Justin Zackman, 42 anos, se sai muito bem, aliás. Todo mundo deve ter se divertido muito fazendo esse filme, inclusive o diretor.
Filmes como “O Casamento do Ano” não são para a crítica. São feitos sob medida para os fãs do elenco e para quem gosta de relaxar com uma comédia sem maiores pretensões.






sexta-feira, 13 de setembro de 2013

As Acácias




“As Acácias” – “Las Acacias”, Argentina/Espanha, 2011
Direção: Pablo Giorgelli

Um caminhão na estrada leva embora o bosque de acácias que antes brilhava ao sol. Os machados e as serras elétricas derrubaram tudo. Uma beleza perdida.
O que será que aconteceu com esse caminhoneiro da carga de acácias que tem um semblante tão fechado?
Mas não sabemos nada sobre ele.
E quer o seu destino que, daquela vez, a viagem do Paraguai a Buenos Aires, vai ser diferente. Ele não vai sozinho. Uma carona é imposta e ele não tem outro remédio senão aceitar calado.
E o já sombrio caminhoneiro não disfarça o mau humor com a presença da jovem mãe e ainda por cima, uma bebê de meses, dividindo o espaço estreito da cabina do caminhão.
Clima emocional seco, quase sem palavras, só olhares de soslaio, naquele diálogo mudo dos dois.
Ao longo do caminho, entretanto, algo muito tímido vai começando a acontecer naquela boleia de caminhão.
Uma aproximação entre dois seres solitários e maltratados pela vida é possível?
Uma nota de esperança envolve o espectador quando sai do cinema.
Pablo Giorgelli, diretor argentino de primeira viagem, já mostra em “As Acácias” que sabe fazer cinema e emocionar, sem nenhum apelo a músicas melosas (o filme não tem trilha sonora, só ruídos ambientais) ou diálogos com confissões e pedidos de empatia.
O diretor também não se apressa em contar a história. O tempo em “As Acácias” não é demais nem de menos. Tempo justo.
Feito de pequenos nadas, som ambiente, “closes” nos rostos dos personagens e poucas palavras trocadas, o filme faz o espectador se interessar por Rúben (Germano De Silva) e Jacinta (Hebe Duarte), acompanhando num suspense incomodado, o decorrer daquela viagem.
Um roteiro original, minimalista, vence aos poucos a barreira da falta de comunicação entre os personagens e entre o filme e a plateia. E emociona.
Não é à toa que Pablo Giorgelli ganhou a Câmara de Ouro, como melhor diretor, no Festival de Cannes e vem acumulando outros prêmios por onde passa.
Merecido.


terça-feira, 10 de setembro de 2013

O Estranho Caso de Angélica



“O Estranho Caso de Angélica”- Idem, Brasil/Espanha/França/Portugal
Direção: Manoel de Oliveira

É uma lição de vida. Com 104 anos, o genial diretor de cinema português, Manoel de Oliveira, consegue pensar e realizar um filme sobre a morte.
“O Estranho Caso de Angélica” parece que foi feito com aquela matéria prima que evitamos. O medo da morte e mais, do sofrimento ao ter que passar por ela, assusta a todos nós, seres humanos. Ora, Manoel de Oliveira está bem vivo mas mais perto dela e deve pensar nela mais do que nós, que achamos, mas não sabemos, que vamos viver mais do que ele.
A história do filme é simples e romântica. Um fotógrafo (Ricardo Trêpa), se apaixona por uma moça morta (Pilar Lopes de Ayala). Ao fotografá-la na “chaise longue” de seda azul, onde parece dormir, com os cabelos louros emoldurando seu belo rosto, ele se assusta. Imagina, ou vê, pelo olho da camêra, que ela sorriu para ele.
E daí em diante, a vida não mais o encanta.
Sonha com Angélica e se vê voando com ela, que veio busca-lo. Ao passar pelo rio, ele colhe uma flor para ela.
Parecem os noivos do quadro de Chagall, sempre voando, vestidos nos trajes do casamento.
Ao acordar, assustado grita:
“- Angélica!”
E esse grito vai ressoar algumas vezes durante o filme. Todos que cercam Isaac, o fotógrafo, pensam que ele enlouqueceu. Viera para documentar o trabalho nas vinhas da região do Douro, feita ainda de modo tradicional, com os camponeses cantando. Agora, esquece-se de tudo, só pensa nela.
Mas Manoel de Oliveira também deve sonhar com Angélica, o anjo da boa morte. Espera encontrá-la e unir-se a ela, num estado inebriado como Isaac. Sonho, desejo de morrer nos braços de uma morte feminina, encantadora, apaixonante.
Acho que todos nós, ainda, mais dia menos dia, vamos precisar de uma Angélica. Um anjo bom que nos faça esquecer que somos mortais e que tememos a morte.
Um pequeno filme precioso.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

O Verão do Skylab



“O Verão do Skylab”- “ Le Skylab”, França 2012
Direção: Julie Delpy

Tudo começa numa viagem de trem. Albertine, o marido e os filhos não conseguem se sentar juntos porque ninguém quer ceder seu lugar:
“- Pessoas más...”, diz Albertine.
E, sentando em seu lugar, entre zangada e cansada, ela começa a se lembrar das férias da infância, em Saint-Malo.
E somos transportados, aos onze anos dela (Lou Alvarez excelente), ao verão de 1979, que ficou em sua memória como aquele em que sua mãe (Julie Delpy, a diretora e roteirista) tinha certeza de que o Skylab, um satélite americano fora de controle, iria cair na Bretanha, onde ficava a casa da avó deles.
Mamie  (Bernadette Lafont) faz 67 anos e a família inteira, tios, tias e primos de todas as idades se reúnem para comemorar. As crianças ficam dormindo em barracas no jardim, menos Albertine por causa do medo de sua mãe de que o Skylab caia justo em sua cabeça, e os adultos na casa.
Nas refeições, a família, dividida em duas mesas, adultos e crianças separados, vão comer o carneiro que o tio matou e vai preparar para o churrasco. Todas as crianças vão espiar a carcaça sem cabeça pendurada no galpão.
Ironicamente, toda essa função é observada pelo pequeno rebanho que pasta e bale junto à casa.
Estamos no princípio da era onde tudo é comprado no supermercado, já embalado e sem semelhança com nada vivo.
Outra coisa que mostra que os tempos mudaram, é a observação de Albertine sobre a idade da avó:
“- Você faz 67 anos? Está velha mesmo.”
A praia de nudistas, ao lado daquela que a família frequenta, levanta a curiosidade e a malícia de quase todos.
A política divide as opiniões e a possibilidade de Mitterrand ganhar as eleições, é motivo para se pensar em deixar o país. Não os pais de Albertine, de esquerda e liberais, mas os tios de direita.
Porém entendam, são brigas em família, que não levam a nada grave. Todo mundo se entende e até protegem as maluquices do tio Hubert (Albert Delpy, pai da diretora) e compreendem o tio Roger (Dénis Manochet) que lutou na guerra da Argélia e não se acostuma com os tempos de paz.
Quarto filme dirigido por Julie Delpy, “O Verão do Skylab” é terno com a família de Albertine e pronto a ser compreendido por todos que viveram aquela época e mesmo os que não viveram, porque as famílias felizes são sempre iguais, as infelizes é que são diferentes, já dizia o grande Tolstoi.
Todo mundo sai feliz do cinema com o filme. Julie Delpy é uma diretora que consegue recuperar, com graça e naturalidade, a ternura das relações humanas.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Frances Ha



    “Frances Ha”- Idem, Estados Unidos, Brasil, 2012
Direção: Noah Baumbach

Ela parece um pássaro migratório. Busca a casa mas vai parando pelo caminho. Porém, diferente dos pássaros, guiados pelo instinto, Frances (Greta Gerwig) se guia pelas emoções. Ela é um ser caloroso.
Por isso, os momentos de afeto verdadeiro são preciosos para ela. A melhor amiga, Sophie (Mickey Sumner, que é filha do músico Sting), é como um porto seguro para ela, do qual não quer partir.
Fica até difícil entender a sexualidade de Frances. Sua agarração a Sophie seria uma expressão de um amor homossexual? Talvez não, se pensarmos que ela é tão infantil que mais parece uma menina agarrada à melhor amiguinha. Onde uma vai, a outra vai atrás. Quase que respiram juntas, tal a sincronia.
Mas, a tristeza é que Sophie amadurece e seu amor por Frances é deixado de lado. Arranja sua vida longe dela.
O ninho das duas tem que ser desmanchado.
Momento de crise para Frances, a bailarina muito alta, que vai viver com dois rapazes.
Para ela, parece que a vida é assim. Viver o presente. Embarcar em convites por impulso. Deixar rolar.
Frances pertence a uma geração, onde muitos não querem crescer. Há um apego à infância, a uma vida sem responsabilidades, um narcisismo intenso que prejudica a avaliação que Frances faz do mundo.
Sua depressão leva à bebida e aí fica tudo mais complicado.
O que falta a ela? Aos 27 anos, talvez a vida ainda lhe ensine quem ela é e aí Frances poderá dar uma direção à sua busca.
Quando visita os pais em Sacramento, Frances (atuando com os pais verdadeiros da atriz) tem uma primeira intuição de que a infância já passou e que ela já não é mais a mesma menina de antes. Há dor mas também uma primeira aceitação de quem ela é.
Há momentos no filme que são pura fruição do prazer. Inesquecível a cena onde ela dança pelas ruas de Nova Iorque, dando “jetés” na faixa de pedestres, giros e passos de uma dança que flui livre, ao som de “Modern Love” de David Bowie.
Noah Baumbach, 44 anos, diretor de “Lula e a Baleia” de 2005, escreveu o roteiro a quatro mãos com a atriz Greta Gerwig, que é sua namorada desde 2011.
Em preto e branco, com uma câmara que capta ângulos originais, ele mais parece fazer um documentário sobre essa moça de 27 anos, bailarina, que não consegue dar um rumo à sua vida.
O problema de Frances parece ser o amadurecimento, que precisa ser atingido para que ela possa fazer algo que seja o que ela é, que a faça expressar-se artisticamente com sinceridade e perseverança.
Muitos dessa geração dos 1990 vão identificar-se com Frances, uma personagem de carne e osso, muitas aspirações, tendência à depressão e um certo auto-centramento que impede uma visão mais ampla do mundo.
Mas ela é adorável.