domingo, 28 de novembro de 2010

Um Homem que Grita





“Um Homem que Grita”- “Um Homme Qui Crie”, França, Bélgica, Chade 2010

Diretor : Mahmat- Saleh Haroun





Esse filme é um pequeno milagre.

Filmado no Chade, um país muito pobre, chamado de “coração negro da África” por seu clima desértico e sua distância do mar, é um raro filme africano premiado em festivais. Ganhou o Prêmio do Júri em Cannes 2010 e em São Paulo, a Mostra concedeu-lhe o Prêmio Humanidade.

“Um Homem que Grita” é o quarto longa do diretor Mahmat- Saleh Haroun, de 50 anos, nativo do Chade, para quem o cinema foi paixão à primeira vista. Seu tio levou-o a ver um filme de Bollywood e o menino de 9 anos caiu de amores pela linda indiana que sorria na tela, em “close”, só para ele.

“ - A sensação foi tão marcante, que até hoje me lembro desse rosto”, conta ele.

Aos 15 anos vê “Roma, Cidade Aberta” de Roberto Rossellini. Diz:

“ - Pensei: tenho que fazer a mesma coisa que ele.”

Aos 19 anos foi ferido na guerra civil e depois de algumas aventuras, fugiu para a França.

Aos 21 anos cursou o Conservatório de Cinema de Paris.

Seus filmes falam sempre sobre o seu país:

“ - Quero ajudar a construir a memória do Chade. Quando comecei a filmar me perguntei: o que tenho dentro de minha cabeça como imagem de meu país? Nada. Porque ninguém nunca o filmou.”

“Um Homem que Grita” conta a história de um ex-campeão de natação (Youssouf Djaoro), aos 60 anos, a quem só resta cuidar amorosamente da piscina de um hotel em N’Dajema, capital do Chade, de ruas de areia, cruzadas por pequenos lagartos indiferentes aos homens.

Quando isso lhe é tirado, ele afunda em um poço negro, destituído de sua identidade e dignidade.

“- A piscina é a minha vida “, repete Adam. Desconsolado.

Substituido por seu filho Abdel (Diouconda Koma) nessa função, a ele compete ser o novo porteiro do hotel, vestido com as roupas muito curtas do antigo funcionário. É a imagem do desânimo, com seus longos braços e pernas sem outra coisa a fazer que abrir e fechar a cancela do hotel.

Em casa, fazendo abdominais no escuro da noite, seu corpo negro brilha com o suor e seu rosto reflete o impacto dos anos que já lhe pesam.

“- Está parecendo um leão velho”, diz Abdel de 20 anos ao pai envelhecido.

Tudo isso vai fazer Adam, a quem todos chamam de Campeão, tomar uma atitude da qual vai se arrepender para sempre.

A guerra civil grassa no país há anos e a todos é pedido um ”esforço de guerra”: dinheiro ou um filho. A outra opção é fugir do país.

O diretor Haroun disse, em uma entrevista, quando veio ao Brasil no lançamento de seu filme:

“- Não é um filme sobre a guerra, mas sobre aqueles que sofrem com ela, experimentando o sentimento de o seu próprio destino lhes escapar.”

E é isso que comove o espectador. A história é contada com poucas palavras, muito silêncio e imagens impactantes pelo desespero e solidão que retratam.

Às tantas, um personagem, abalado pela situação terrível que o país vive, diz:

“- Nosso problema é que colocamos nosso destino nas mãos de Deus.”

De forma simples, direta, e com longos “closes” no rosto expressivo molhado de lágrimas de Adam, compreendemos todo o seu drama e sua impotência.

“- Meu protagonista é alguém que compreende, dolorosamente, que o seu grito de sofrimento tem como única resposta o silêncio de Deus,” diz Haroun.

Uma das cenas mais emocionantes é a do lamento cantado em língua africana pela namorada do filho de Adam, com seus mega-brincos e sua barriga grávida, ao ouvir a fita cassete gravada que ele lhe envia, desesperado, do “front” de guerra.

O pai, que todo escuta, prepara-se para uma ação perigosa.

E a bela cena final, na qual o rio assume a importância de um lugar sagrado, não será esquecida fácilmente.

Depois do filme, palavras de um poema de Aimé Césaire aparecem na tela e nos faz pensar no sofrimento da África, esquecida pelo mundo:

“Não fique indiferente,

A vida não é um espetáculo.

Pois o homem que grita,

Não é um urso que dança...”

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Você vai conhecer o homem dos seus sonhos



“Você vai conhecer o homem dos seus sonhos”-

“You Will Meet A Tall Dark Stranger”, EUA / Espanha, 2010

Direção: Woody Allen





Sábios antigos advertiam que, quando os deuses queriam castigar os homens, satisfaziam os seus desejos...

Isso acontece porque é próprio da natureza humana estar sempre insatisfeita. Desejar, e frustrar-se depois, seria a marca do nosso jeito de viver no mundo...

Pior ainda, aprisionados pelo tempo, desejamos o que não sabemos como será. Porque é próprio do futuro esconder-se atrás de um véu inalcançável.

“Você vai encontrar o homem dos seus sonhos”, encena essa questão central do desejo na vida humana e suas complicações.

O filme começa e ouve-se a canção “When you wish upon a star”(Quando você vê uma estrela e pensa em um desejo), cantada pelo Grilo Falante e que encerra o desenho “Pinocchio”de Walt Disney, de 1940. Aliás, essa música ganhou o Oscar daquele ano.

Todo mundo se lembra que Gepetto, o marceneiro que fabricou o boneco, deseja que Pinocchio se torne um menino de verdade. Então, ele vê uma estrela e expressa seu desejo: seu sonho se realiza.

E tudo isso porque a crença na fada da estrela norteou o desejar de Gepetto.

Ora, Woody Allen pergunta nesse seu novo filme: será que as pessoas que tem uma crença são mais felizes do que as que não acreditam em nada?

E ele mesmo responde ao “The New York Times”:

“Para mim, não existe diferença real entre uma cartomante, um biscoito da sorte e qualquer uma das religiões organizadas. São todas igualmente válidas ou inválidas. E igualmente úteis.”

E esclarece para os seus fãs: “Não sigo essas coisas. Bem que eu gostaria. Seria uma grande ajuda naquelas noites escuras.”

Pois é...

Aos 74 anos, Woody Allen filma novamente em Londres (fotografada pelo magnífico Vilmos Zigmund) onde seus personagens vivem histórias entrelaçadas. Tudo tem a ver com a luta para se alcançar o que se deseja e o papel que as crenças desempenham na vida das pessoas.

Como sempre, Woody Allen é universal e contemporâneo, usando dessa vez o casamento para ilustrar suas conclusões sobre a natureza humana.

Os pais de Sally (a excelente Naomi Watts) se separam após quarenta anos de casados. Alfie, o pai (Anthony Hopkins), acredita que pode reconquistar a juventude perdida e casa-se com uma moça vulgar, de pouca moral e consumista (Lucy Punch). Helena, a mãe (ótima Genna Jones), ajuda financeiramente a filha que está passando um mau momento em seu casamento com Roy (Josh Brolin), um escritor bissexto que se encanta pela vizinha Dia (a sensual indiana Freida Pinto).

Acontece que Helena está deprimida por causa do divórcio e precisa de companhia. Terapias e remédios parecem não ajudá-la. É, então, incentivada pela filha a procurar uma vidente (Pauline Collins). Sally não tem tempo, nem paciência para cuidar da situação. E pensa que a vidente Cristal, apesar de ser uma charlatã, vai distrair a mãe e fazer-lhe uma companhia inócua.

Mas a cada visita que faz à vidente, a mãe de Sally se envolve mais e mais. Traz para a filha as previsões, nas quais acredita piamente, mas Sally a escuta com pressa e nem chega a prestar atenção ao que ela diz.

Essas conversas com a filha e seus encontros com o livreiro esotérico fazem da personagem Helena um foco de graça, em um filme que não tem a finalidade de fazer rir mas que convida a sorrir por empatia.

Embalada por seus sonhos de ter a sua própria galeria de arte, Sally também não dá muita atenção à atração que sente pelo patrão (Antonio Banderas, muito apagado nesse papel) e nem ao marido desanimado. Quando acorda é tarde demais.

No final, uma história de decepções e desencontros vai envolver a todos, ilustrando de forma exemplar o castigo dos deuses ao realizar o desejo dos homens.

Filme pessimista? Eu diria que é realista e amadurecido. Com leveza (que pode até ser confundida com superficialidade), Woody Allen se mostra, como sempre, um grande observador da natureza humana.

Ele nos ensina que o problema não é desejar isso ou aquilo, já que é próprio da nossa natureza viver assim. Daí a citação inicial com as palavras de Shakespeare sobre a vida humana ser "som e fúria" e acabar em nada.

E, mesmo admitindo ser um cético, explora o fato de que crenças irracionais podem ajudar os humanos a melhorar a auto-estima.

Eu acrescentaria que, se a coisa não der certo, apesar do nosso empenho, vale aceitar a vida como ela vem. Mudar o foco do desejo. Aliás, a única maneira de se viver bem.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Minhas Mães e Meu Pai



“Minhas Mães e Meu Pai” – “The Kids Are All Right”, EUA, 2010

Direção: Lisa Cholodenko



Leon Tolstoi, escritor russo do século XIX, começa assim o seu conhecido romance, “Anna Karenina”: Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes é que são diferentes. Cada uma infeliz à sua maneira.

Pensei nisso enquanto saia do cinema depois de assistir ao novo filme de Lisa Cholodenko, “The Kids Are All Right”, ou seja, “As Crianças Estão Bem”.

O tradutor brasileiro, com a evidente intenção de vender o filme, tratou de batizá-lo com um título que cairia bem em uma daquelas velhas chanchadas da saudosa Atlântica: “Minhas Mães e Meu Pai”.

Ora, a pergunta então é: este é um filme “gay”?

E a resposta é sim, se pensarmos no casamento de 20 anos que une harmoniosamente a durona ginecologista Nic e a frágil paisagista Jules. As duas formam um casal que se dá bem na cama e lê-se afeto em suas presenças mútuas.

E a resposta é não, se, prestando atenção nos filhos das duas, Joni que vai fazer 18 anos (Mia Wasikowska) e Laser de 15 (Josh Hutcherson), nos envolvermos com as cenas de café da manhã e jantares na cozinha da família e sessões-pipoca no sofá. Não há nada de diferente, nada fora do comum. As mesmas conversas e as mesmas situações que estamos acostumados a ver num cenário convencional.

E tudo continuaria assim, se Laser e Joni não se metessem a procurar o pai biológico deles. Concebidos cada um por uma das mães, as crianças são fruto de inseminação artificial, sempre com o mesmo doador.

E aí começa uma situação que lembra “Teorema”, o filme de 1968 de Pasolini, quando o aparecimento de um intruso abala as estruturas de uma família burguesa.

Claro, o “doador de esperma”, Mark Ruffalo, esplêndido no papel, vai mexer com o equilíbrio conquistado por essa família.

Os filhos, imediatamente se envolvem com esse simpático e irresponsável sedutor que tem um restaurante “cool”, na moda, e que cultiva hortaliças e frutas orgânicas para os pratos de sua cozinha. Com esse pai tudo é uma festa, o que põe as mães sob uma luz menos brilhante.

Ele, por sua vez, está encantado com aqueles filhos que ele nem desconfiava que tinha, prontos, bonitos e sem problemas. O famoso “Édipo”vai comparecer nas vidas deles, fazendo a jovenzinha retraída descobrir a sexualidade e a rebeldia e o garoto, a competição com o pai e o ciúme.

As mães também se envolvem com aquela novidade na vida deles e, cada uma à sua maneira, vai ter que tomar uma atitude.

O filme é cativante. Muito graças à atuação dos cinco atores principais que se colocaram de corpo e alma nos personagens.E também devido ao roteiro muito bem escrito pela própria diretora e Stuart Blumberg.

Lisa Cholodenko vive uma situação parecida com o seu filme na vida real. Ela é casada com a musicista Wendy Melvoin e as duas tem um filho concebido por inseminação artificial.E é claro que se preocupa com isso. Em seu roteiro as mães conseguem educar muito bem os filhos mas existem situações até engraçadas, por exemplo quando Nic e Jules se perguntam se o filho Laser seria "gay".

Talvez seja dessa vez que Annette Benning ganhe o seu Oscar, prometido a ela desde a indicação por “Beleza Americana”(1999) ou Julianne Moore emplaque o seu, depois de quatro vezes preterida na noite da festa do cinema em Hollywood. Ou quem sabe seja possível que as duas sejam indicadas em dupla, como já se viu acontecer no passado, por exemplo, com Geena Davis e Susan Sarandon em “Thelma e Louise”( 1992).

“The Kids Are All Right”causou sensação em todos os festivais de que participou e foi sucesso de bilheteria nos Estados Unidos.Vamos ver como reage o público brasileiro.

Lidar com situações de vida real e preconceitos frente às neo-realidades da família e do casamento é cada vez mais um assunto para todos nós. Há no Brasil pessoas que julgam com muita severidade opções diferentes daquelas escolhidas por seus pares. A esses eu recomendaria vivamente o filme. Pode surpreender e fazer bem a pessoas que nunca se aproximaram do assunto com mais leveza e simpatia.

domingo, 7 de novembro de 2010

Ondine






“Ondine”- Estados Unidos, 2010

Direção : Neil Jordan







As sereias são seres mitológicos muito antigos. Já na época dos primeiros gregos falava-se delas como a incorporação da mulher fatal. Seu canto levaria os pescadores à morte. Os homens seriam seres indefesos face à atração do seu canto pois, ouvindo-o, atiravam-se às águas, afogando-se em busca das delícias prometidas pelo seu canto sedutor.

O mais famoso herói da Grécia antiga, Ulisses, teria sido o único mortal a ter conseguido escutar o canto das sereias e sobrevivido graças ao estratagema de ensurdecer os marinheiros com cera de abelhas nos ouvidos e atar-se com cordas ao mastro da embarcação que rodearia a rocha das sereias. Escutado o canto e poupado da morte pelos marinheiros “surdos”, que não o desataram do mastro, já que não ouviam suas súplicas, Ulisses representa o homem inteligente que consegue satisfazer os seus desejos, sem atrair para si a morte invejosa.

É com uma versão dessa história que brinca o filme ”Ondine”.

Estamos na Irlanda de Neil Jordan, diretor dos famosos “The Crying Game” (1992) e “Entrevista com o vampiro”(1994 ). É ele que assina a direção do filme que usa o nome das sereias da França, que significa “aquelas que vem do mar”.

Estrelado pelo ator irlandês Colin Farrel, o filme “Ondine” conta uma história na qual um pescador, Syracuse, lança uma rede ao mar e pesca uma “sereia”, vivida pela bela cantora de origem polonesa, mas nascida no México, Alicja Bachleda.

A filha do pescador, Annie (Alison Barry), que sofre de insuficiência renal, menina inteligente mas carente, que mora com a mãe e vive numa cadeira de rodas, acredita que a mulher pescada pelo pai é uma “selkie”, ou seja, uma foca/mulher que, desvestida de sua pele, a enterra para poder viver um romance no mundo dos humanos, por sete anos. O melhor disso tudo seria que o desejo de uma dessas “sereias”conseguiria transformar a pobre Annie, que usa uma cadeira de rodas, em pessoa saudável e ao mesmo tempo curar o alcoolismo do pescador , seu pai, por amor.

Estamos longe da “sereia” fatal da Grécia. O mito da “selkie”, derivado daquele que gerou a sereia do mar Egeu, seria regenerador na Escócia e Irlanda.

A bela fotografia de Christopher Doyle aumenta o poder de sedução da lenda e faz com que Ondine seja no filme o centro de atenções do pai e da filha.

Sentimos, porém, que algo vai mal porque a fotografia abusa dos tons aquosos turvos e das silhuetas escuras que aumentam o mistério em torno à verdadeira identidade de Ondine.

Mas a história encanta até o fim porque o mundo das águas impera com sua magia e esperança, através dos olhos de uma menina que ama o pai e que quer vê-lo feliz e domesticado por uma criatura da natureza selvagem, uma foca encantada, uma “selkie”, que a faria tornar-se saudável e feliz. Porque ninguém melhor que uma criatura dessas para entender o desejo de Annie de voltar a andar pelas próprias pernas.

O tema do ser encantado, que libertado, concede desejos aos humanos responsáveis por essa liberdade, tal qual o gênio da lâmpada de Alladin, é base de muitas histórias que até hoje são contadas às crianças por adultos que ainda se lembram delas.

“Ondine”, o filme que fala do mundo dos seres das histórias míticas, pode agradar a muitos humanos românticos, que ainda acreditam e esperam que seus desejos se realizem, de uma forma ou de outra.


quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A Suprema Felicidade






“A Suprema Felicidade” – Brasil, 2010

Direção: Arnaldo Jabor









Voltar a filmar foi a suprema felicidade para Arnaldo Jabor.

Sente-se isso ao longo de todo o filme, o primeiro depois de mais de vinte anos de auto - exílio da terra do cinema.

Memórias como tema, ele volta ao passado no início do filme. Estamos no Rio de Janeiro do final da Segunda Guerra, quando ele, criança, começava a observar o mundo ao seu redor com olhos curiosos e pensativos.

“_ Levanta meu filho. Acabou a guerra!”, diz a mãe ao menino.

Todos saem para as ruas onde há um Carnaval misturado com um sábado de aleluia. A meninada malha Hitler como Judas. O pai, com o uniforme da FAB, dá tiros de revólver para o alto. Momento de alegria e luz.

Na tela, contra um cartão postal do Rio de Janeiro em preto e branco, destacam-se as letras coloridas do título do filme.

E é esse contraponto entre memórias vivas e coloridas e outras, mais desbotadas, que vamos ver por mais de duas horas. Aqui, o corte na sala de montagem, poderia ter deixado de fora alguns trechos menos felizes do filme. Mas digo menos felizes no sentido de menores, toscos até, quando a vontade de fazer rir prevalece e um deboche geral turva a cena.

Jabor é um excelente cronista e gosta de falar sobre si mesmo. Seus leitores já sabiam quase tudo que o filme conta. Em seus textos, ele consegue ser cinematográfico usando só palavras. Mesmo quando é contundente mantém a classe, apesar da prolixidade.

Ora, isso fica prejudicado no filme porque os atores conduzem com estilo dramático diferente os seus personagens. Ora farsa, ora drama realista. Por exemplo, Jorge Loredo (o padre que fala sobre o "vício solitário") ou Elke Maravilha, a avó “polaca”, criam um tom de circo, enquanto outros como Mariana Lima, a mãe ou Maria Flor, a “pinup” espírita, descambam para o melodrama e outros ainda, como os três Paulinhos (Caio Manhente, o menino, Michel Joelsas, o adolescente e Jayme Matarazzo, o mocinho) e o pai (Dan Stulbach, ótimo como sempre) , optam por uma interpretação mais realista. Escolha do diretor ou direção confusa de atores?

Também por isso, cria-se uma colcha de retalhos com pouca ou nenhuma costura entre os episódios que são contados. Faltou trabalhar o roteiro? Jabor tinha pressa em voltar ao cinema?

O próprio diretor se justifica em entrevista à Folha:

“Os filmes atuais são obcecados pelo enredo. O que tem de felliniano no meu filme é que as sequências se somam, sem que uma explique, necessariamente, a outra.”

Pode até ser.

Mas para mim, o personagem do avô criado por Marco Nanini, com a habitual força e espontaneidade, é o destaque e a salvação de “A Suprema Felicidade”. Nele reside o melhor Jabor. Cabe ao avô conduzir o filme com empatia e calor, afastando-se tanto do melodrama quanto da caricatura e mantendo-se o mesmo, apesar da passagem do tempo. Memória afetiva conduzindo a câmera e a alma do diretor.

Tammy Di Calafiori também brilha com a criação singela e sexy de sua Marilyn. Dublando a trágica musa, ela empresta à personagem um frescor original.

Ela e Jayme Matarazzo são os responsáveis pela cena mais bonita do filme, na minha opinião. Um amanhecer em Copacabana tinge de tons rosa os corpos jovens e nús, entregues ao depois do amor. Raro momento romântico, num filme onde as mulheres não primam pela presença bela.

Arnaldo Jabor em "A Suprema Felicidade" não filmou um "tempo de delicadeza" como canta a música de Chico Buarque ao longo do filme. Aliás, a canção aqui é apenas música sem palavras...

Mas como as memórias subjetivas ou construídas são do Jabor, como diretor ele nos oferece o filme que quis fazer, depois de tanto tempo pensando nele.

"A Suprema Felicidade" é, para mim, um filme irregular que pode agradar aos fãs do colunista Arnaldo Jabor mas que pouco acrescenta à sua obra de cineasta.