terça-feira, 30 de maio de 2017

Punhos de Sangue - A Verdadeira História de Rocky Balboa


“Punhos de Sangue - A Verdadeira História de Rocky Balboa”- “Chuk”, Estados Unidos, 2016
Direção: Philippe Falardeau

Surpreendente. É o mínimo que se pode dizer sobre esse filme.
Porque com esse título em português, esperaríamos ver um drama com a subida e queda trágica de um pugilista. Como acontece em “Réquiem para um Lutador” de 1962, com Anthony Quinn (1915-2001) sendo derrotado por um jovem Cassius Clay. Aliás, esse era o filme preferido de Chuck Wepner (Liev Schreiber), o protagonista de “Punhos de Sangue”, que sabia de cor todas as falas.
Mas não. Aqui, cenas de ringue só há poucas. Não é o box o grande tema. O roteiro destrincha o que a fama pode fazer com quem não está preparado para ela, mas também mostra como o momento de glória pode ser lembrado como algo memorável e que valeu a pena viver apesar dos pesares.
O narrador da história real é o próprio protagonista que relembra em “off” , para a plateia, seus bons e maus momentos, criando sintonia e simpatia, com seus comentários irônicos e bem humorados.
Ele era um pugilista que sangrava muito nas lutas. Daí o apelido de “Bleeder”, hemofílico. E nunca foi um grande boxeador.
Aconteceu que ele era o único branco no ranking e Muhammad Ali, em 1975, campeão dos peso-pesados, depois da luta com Foreman, queria nocautear um branco frente à plateia que tinha vindo só para vê-lo. Sobrou para Chuck.
Foi uma luta duríssima, ao contrário do que todos pensavam. Wepner chegou a fazer Ali cair no ringue e no 12º round, estava com o nariz quebrado, cortes sangrentos no rosto amassado mas durão, de pé até o fim. Ali ganhou por nocaute técnico só quando faltavam 20 segundos para acabar o último round.
Chuck Wepner virou um herói depois disso. Era reconhecido, pediam autógrafos. Beber, ele sempre havia bebido. Mulherengo também sempre tinha sido. Mas a luta trouxe algo inesperado e vivido intensamente como uma glória. Silvester Stallone (Morgan Specton), que tinha visto a luta, inspirou-se nele para escrever o roteiro de “Rocky” (1976), que ganhou três Oscars em 1977: melhor filme, diretor e edição. Chuck Wepner era agora também “The Real Rocky”.
Tudo isso subiu à cabeça de Chuck que exagerou em tudo depois da fama: bebida, mulheres e descobriu a cocaína.
Ficou conhecendo Stallone mas isso não levou a nada. O melhor foi encontrar “um anjo que caiu do céu”, como ele, um romântico, chamou a “barwoman” Linda (a bela Naomi Watts, casada com Liev Schreber na vida real e coprodutora do filme) por quem se apaixonou.
O ator Liev Schreber está ótimo no papel do grandalhão de bigodinho ridículo, uma pessoa carismática apesar de só se interessar de fato por si mesmo. A mulher (Elizabeth Moss), a filha, o irmão, são meros coadjuvantes com quem Chuck não pode perder muito tempo. Ele é um “bon vivant”, atrapalhado e sonhador.
O diretor canadense Philippe Falardeau faz um bom filme, dirigindo bem o elenco, com excelente reprodução de época, ajudado por uma trilha sonora com sucessos dos anos 70.
“Punhos de Sangue” é uma boa surpresa para o grande público ver e, inesperadamente, se enternecer.


sexta-feira, 26 de maio de 2017

Faces de uma Mulher


“Faces de uma Mulher”- “Orpheline”, França, 2017
Direção: Arnaud des Pallières

Quantas mulheres existem numa mesma mulher? Ou, dizendo de outro modo, é provável que em cada fase da vida, uma mulher tenha características de personalidade que vão se desenvolvendo em direções diferentes, frente às diversas experiências vividas. Assim, em cada fase, ela é diferente da anterior.
Como as bonecas russas, que vão aparecendo conforme vamos desmontando a figura maior, o diretor Arnaud des Pallières faz o retrato de uma mulher, começando no presente e indo em direção ao seu passado, procurando um elo de ligação entre elas.
E radicaliza, usando quatro atrizes diferentes para ser a personagem principal. Adèle Haenel é Renée, aos 30 anos, Adèle Exarchopoulos é Sandra, aos 20 anos, Solène Rigot é Karine, aos 13 anos e Vera Cuzytek é a menina de 6 anos.
O espectador que não souber disso, pode ficar meio perdido, pensando que são histórias de mulheres diferentes que estamos vendo. E, de certo modo, é isso mesmo. São todas diferentes e todas a mesma pessoa.
O roteiro foi escrito a quatro mãos pelo diretor Arnaud des Pallières e sua mulher, Christelle Berthevas e é baseado na vida dela.
O filme começa com a história de Renée, uma diretora de escola para crianças filhas de imigrantes. Rosto severo mas uma preocupação tocante com a vida de seus alunos. É casada com Darius (Jalil Lespert) e quer um filho. Há um segredo em sua vida.
É então que somos apresentados a uma jovem vinda do campo para Paris e que procura um emprego. Conhece um homem bem mais velho, viciado em jogo e que a leva para lugares mal frequentados.
A terceira história é a da adolescente Karine, 13 anos, que foge de casa à noite para dançar e seduzir homens mais velhos. É autodestrutiva, corpo jovem marcado por hematomas. Quem bate nela? O padrasto? Onde está sua mãe? Ela se diz órfã.
Sumida por várias noites, quando um policial a interroga, perguntando por que foge de casa, responde:
“- Não sou feliz.”
E o início dessa infelicidade e culpa de ter sobrevivido parece ter sido vivida por Kiki, uma menina com uma família disfuncional que passa por uma tragédia.
O filme tem cenas de sexo, a maioria filmadas em close, porque a sexualidade vai marcar as diversas fases da vida de Kiki. Adolescente, Karine busca no sexo alimento para sua enorme carência afetiva, maiorzinha, Sandra faz do sexo uma moeda de troca e adulta, Renée experimenta, com muito medo, o amor.
“Faces de uma Mulher” é uma tentativa de fazer de forma diferente o que talvez funcionasse melhor da maneira tradicional. E pode irritar o espectador que não reparou no título em português que entrega a chave do enigma, ou seja, a presença de várias mulheres para serem as faces de uma só.
Um filme tocante e que trata de sofrimentos femininos, infelizmente ainda presentes na vida de muitas mulheres, nesse nosso mundo machista.




terça-feira, 23 de maio de 2017

A Cabana


“A Cabana”- “The Shak”, Estados Unidos, 2015
Direção: Stuart Hazeldine

Se você quer ver o filme “A Cabana” e não gosta de saber sobre o filme antes de assistir, não leia essa resenha porque ela vai ter “spoilers”, ou seja, desmancha-prazeres. Mas quando tiver visto, volte aqui.
O livro do canadense William P. Young que inspirou esse filme foi um sucesso mundial. Vendeu mais de 22 milhões de exemplares, sendo 4 milhões deles só no Brasil.
Vi o filme, interessada em saber por que as pessoas se emocionam tanto com ele, apesar da crítica ter detestado.
A história envolve um personagem que teve uma infância difícil. O menino, filho de um alcoólatra violento, vê a mãe ser agredida e sente-se impotente e culpado por não poder ajudá-la.
Quando expõe para a comunidade da igreja que a família frequenta o que vê em casa, leva uma surra e, de novo, sente-se culpado por ter envergonhado o pai.
Mas, como toda criança tratada de maneira violenta, fica com muita raiva e vemos uma cena em que ele põe veneno na bebida do pai. Não sabemos se foi uma fantasia ou realidade.
Todo mundo fantasia, todo mundo sonha.
Mack, o menino do pai agressivo cresce com a culpa de ter matado, se não na vida real, mas em seu íntimo, aquele que deveria amar e respeitar.
Cresce, cria a própria família, mas sente-se em dívida. Quer ser punido.
Quando acontece o pior e sua filha pequena desaparece, eis o castigo que ele vai receber num misto de grande culpa, depressão e um certo alívio. Chegou afinal o que ele esperava que viesse. Mas que não o redime. Só o castiga, jogando-o numa depressão sombria e empurrando para uma solução fatal. Assim, não vê o caminhão vindo em sua direção na estrada e vai parar no hospital. Dias desacordado.
Perdido em seu duplo luto pelo pai e pela filha, Mack (Sam Worthington) vai sonhar que vê Deus, o Todo Poderoso que ele tacha de cruel.
Só que aquele que é o culpado de ter abandonado Mack e deixado sua filha morrer, é também aquela vizinha que o consolava na infância, com sua torta de maçã e palavras carinhosas.
Octavia Spencer, já oscarizada, faz com desenvoltura o papel de “Papa” (que é como a mulher de Mack chamava Deus) e ensina boas lições para Mack, que precisava pensar para poder sair da depressão e do luto.
E as lições que ele aprende envolvem primeiro ter que entender que ele pode se recriar, com Sarayou ( a japonesa Sumire Matsubara), depois, desenvolver confiança no outro, com o filho de ”Papa”, interpretado com simpatia pelo israelense Avraham Aviv Alush. A corrida deles sobre as águas do lago é um momento inusitado de companheirismo e alegria.
Depois disso, Mack será levado pela personificação masculina de “Papa” frente à Sabedoria (Alice Braga), para entender o senso de justiça e, finalmente, terá que se haver com a capacidade de perdoar.
Já sabemos que quem não perdoa, não será perdoado. Uma lei muito simples. O que condenamos nos outros, condenamos também em nós mesmos.
E eis que Mack é levado a refletir, e também a plateia, que somos os responsáveis por nossas escolhas. Não existe um Todo Poderoso cruel mas a maldade. E, se escolhermos a maldade, vamos arcar com as consequências.
Existe também aquilo que não podemos evitar. Nem Deus.
E isso não é desculpa para nos entregarmos à amargura. Qualquer vida aqui na Terra vai ter sofrimento, muito ou pouco. É a lei da vida. Que tem também prazeres para serem apreciados.
“A Cabana” nos reconcilia com a ideia da bondade, da força do amor, da possibilidade de procurarmos ser pessoas melhores.
Não é um grande filme mas é muito bom nas lições que ensina ou nos faz relembrar.



sábado, 20 de maio de 2017

Rei Arthur - A Lenda da Espada



“Rei Arthur - A Lenda da Espada”- “King Arthur - Legend of the Sword”, Estados Unidos, Austrália, Reino Unido, 2017
Direção: Guy Ritchie

Todo mundo já ouviu falar de Camelot. Tantos livros, filmes, musical da Broadway, animação. Mas há sempre um modo novo de olhar a saga do Rei Arthur. Foi o que fez o talentoso diretor inglês Guy Ritchie, 48 anos.
Aqui, ele é um menino que olha assustado e escondido a morte de seu pai, o rei Uther Pendragon e vai parar num bordel, onde esquece suas origens até que é chamado ao seu destino. Só em sonhos terríveis, dos quais acorda assustado, é que Arthur vai começar a lembrar-se daquela noite de onde foge desde que ela aconteceu.
O másculo e simpático Charlie Hunnam é Arthur quando jovem. Camelot e Guinevere estão longe ainda no tempo e ele tem que lutar contra o demoníaco tio Vortigern que assassinou seu pai e sua mãe, para merecer “Excalibur”, a espada mágica e poderosa forjada por Merlim, o mago, que vai fazê-lo rei das terras que muito depois virão a ser a Inglaterra.
Guy Ritchie cria um mundo de sombras e fogo, animais mágicos, soldados sem rosto, uma torre macabra, um poço onde mora a maldade e uma Londonium medieval, que vai ser a Londres que conhecemos, que é palco de lutas corpo a corpo, flechas e espadas que se chocam, em suas ruelas estreitas.
E é de lá que sai Arthur, criado pelas moças do bordel, que o encontraram enrolado em peles num barco que chegou às margens do rio. Outros heróis, de outras culturas também nasceram das águas para outras vidas.
O tema principal do filme é o renascer de Arthur para tornar-se rei e derrotar seus inimigos. Ele é bem intencionado e não é cego pela ânsia do poder. Ao contrário, vai ter que entender que precisa abandonar sua vida simples para tornar-se o protetor do povo e criar um reinado de paz.
Apenas uma mulher, a maga (Astrid Bergès-Frisbey) tem lugar nessa história. Nem a bela Dama do Lago, que aparece numa das mais bonitas cenas do filme, flutuando nas águas transparentes, com seu vestido de águas-vivas, ajudando Arthur a recuperar Excalibur, tem relevância.
O pai, o masculino, a potência do falo, o poder, o autoconhecimento da força do corpo e da mente é que vão criar o rei Arthur. O bem e o mal, o pai (Eric Bana) e o tio (Jude Law) brigam por Arthur. E fica claro que um menino precisa de um modelo masculino e do amor do pai para tornar-se homem.
Por isso, o filme é todo músculos, pernas, corpos em luta, muita testosterona e adrenalina, não esquecendo a camaradagem entre companheiros que, sem solenidade, com humor e valentia, vão se tornar os Cavaleiros da Távola Redonda.
Bom entretenimento, visual atraente, cenas em câmara lenta e rápida, figurinos que lembram o contemporâneo nos detalhes, a música de percussão de Daniel Pemberton, tudo isso faz com que “Rei Arthur-A lenda da Espada”, mereça ser visto.
Apesar de um pouco atordoante, tenho que reconhecer.



segunda-feira, 15 de maio de 2017

Vermelho Russo


“Vermelho Russo”, Brasil, Portugal, Rússia, 2016
Direção: Charly Braun

Viagens sempre alargam nossos horizontes. As iniciáticas, ou seja, aquelas que propõem não só um perambular por lugares que não conhecemos, mas que ensinam a respeito de nós mesmos, são as mais interessantes e material rico para a literatura e o cinema.
Charly Braun, que dirigiu “Além da Estrada – Por El Camino”2010, gosta de palmilhar territórios afetivos. Dessa vez o roteiro foi escrito a quatro mãos e ganhou prêmio no Festival do Rio. O diretor leu um diário de viagem da atriz Martha Nowill, publicado na revista Piauí, quando ela e a amiga e também atriz, Maria Manoella, foram à Rússia para ter aulas de atuação no sistema do russo Constantin Stanislavski (1863-1938).
Além da emoção da viagem para um país distante e desconhecido, algo inesperado esperava pelas amigas
e que foi o elemento que mais me atraiu no filme de Charly Braun.
Porque frente às dificuldades que a experiência provocou, o frio, o não entender a língua, a proposta de trabalhar o que poderia melhorar a atuação das duas como atrizes, havia também o que elas não esperavam.
Martha e Manu vão mergulhar profundamente no sentimento complexo que é a amizade e vivenciar rivalidades, antipatias, cansaço.
Já no avião, na ida para Moscou, Martha reza para espantar o medo e estuda frases em russo para uso no cotidiano enquanto Manu dorme. De cara, percebemos que as amigas são pessoas diferentes no modo de viver que escolheram, o que não impede que viajem juntas.
Mas a convivência diária no mesmo quarto, vai evidenciar diferenças marcantes que incomodam as duas e fazem explodir uma raiva frente à impotência que ambas sentem. Porque há nelas uma pressa em acertar, em sentir segurança como atrizes e um receio do profundo mergulho em si mesmas que o professor (Vladimir Poglazov) propõe e que poderia propiciar a naturalidade buscada na interpretação das cenas da peça de Tchecov.
Nesse ponto, a experiência das duas atrizes serve para qualquer tipo de atividade humana que busque aprimorar-se. Porque tudo muda o tempo todo. Nós é que nos enganamos e queremos que tudo seja sempre o mesmo. É preciso ter consciência disso. Parar e notar o que é proposto de novidade pela vida vai fazer a diferença.
O aventurar-se é então o que nos ensinam Martha e Maria Manoella. E o diretor-ator (Esteban Feune de Colombi), que está no lugar de Charly Braun fazendo um “making off” da viagem das duas é aquele que registra os passos dados e que fazem tudo valer a pena. Através dele vemos outros ângulos das atrizes.
A fotografia do filme é bonita e contemporânea e traz a beleza da Rússia para quem não conhece, além de mostrar que as noites de Moscou podem ser quentes e divertidas.
Um filme interessante e original.



sábado, 13 de maio de 2017

O Cidadão Ilustre


“O Cidadão Ilustre”- “El Ciudadano Ilustre”, Argentina, Espanha, 2016
Direção: Gastón Duprat e Mariano Cohn

“Volver”? Esta pergunta assombra Daniel Mantovani (Oscar Martinez) desde que recebeu uma carta da cidadezinha onde nasceu na Argentina, Salas, de onde saíra aos vinte anos para nunca mais voltar.
Prêmio Nobel de Literatura, o primeiro da Argentina, ele mora em Barcelona e vive na Europa há 40 anos.
Em seu discurso de agradecimento pelo Nobel, podemos perceber os sentimentos contraditórios que invadem o escritor, que se diz orgulhoso pelo prêmio mas que sabe que este é uma denúncia de que ele agrada a uma elite conservadora, que ele, no fundo, despreza. Ao final, diz que o prêmio é a morte de sua atividade artística, mas que ele está ciente de que o único responsável é ele mesmo. Silêncio na plateia até que tímidos aplausos terminem numa ovação.
Daniel passa a recusar todos os convites de entrevistas, palestras, prêmios, lançamentos e não escreve nenhum romance há já cinco anos, desde que recebeu o Nobel.
Então é entre surpreso e arredio que ele abre uma carta vinda de Salas, que o convida a passar quatro dias na cidadezinha para receber a Medalha de Cidadão Ilustre.
Sem saber direito o porquê, Daniel Mantovani aceita o convite e parte para a Argentina.
A viagem para Salas já começa mal, com um carro velho que vai buscá-lo no aeroporto, sem estepe. Claro que passam a noite na estrada.
E Daniel, à luz de uma pequena fogueira, conta para o motorista uma história de um de seus livros, sobre gêmeos que amavam a mesma mulher.
“- Mas são os gêmeos Remonedo, não? ”pergunta o motorista ao final.
“- É só um conto” responde Daniel irritado.
Dia seguinte aparece o resgate, o prefeito pede desculpas e dá boas vindas, lendo um extenso programa que prepararam para ele.
Tudo parece correr bem, apesar de um Daniel envergonhado ter que chegar no lugar da homenagem em cima do carro de bombeiros, ao som de sirenes ligadas, buzinadas e latidos dos vira-latas.
Um vídeo caipira e ufanista conta a vida de Daniel e ele enxuga lágrimas. Depois o prefeito discursa exagerado:
“- Diego, o Papa, a Rainha da Holanda, Messi e agora Daniel! ”
E a Rainha da Beleza entrega a medalha.
“- Queridos amigos, este prêmio é diferente e único. Mais importante do que o que foi negado a Borges.”
Mas, em meio aos aplausos, as notas dissonantes começam a aparecer, mostrando um ressentimento velado, uma grande inveja geral e, pior, contas a acertar com quem não considerou seus parentes bem retratados nos livros de Daniel. A agressividade submersa emerge e a brutalidade aparece.
Os diretores Gastón Duprat e Mariano Cohn, em seu terceiro longa, trazem uma história que mistura elementos de farsa, comédia e drama num ponto justo, apoiados no roteiro bem escrito de Andrés Duprat.
O tema da qualidade universal que é melhor percebida quando o escritor fala de sua aldeia, é trabalhado no filme com sucesso.
Oscar Martinez desempenha seu papel com um humor de tintas amargas, mesclado a uma arrogância que algumas vezes cede à generosidade e à empatia. Ganhou o Leão de Prata de melhor ator em Veneza.
O filme recebeu o prêmio Goya e foi indicado pela Argentina ao Oscar.
“O Cidadão Ilustre” é mais um excelente filme argentino, na linha que eles sabem explorar bem ou seja, a zona confusa da complexidade da natureza humana, onde se escondem amores que se transformam em ódios, repúdios travestidos em orgulho e assim por diante. Todo os avessos.



domingo, 7 de maio de 2017

A Filha



“A Filha”- “The Daughter”, Austrália, 2015
Direção: Simon Stone

Histórias que contam dramas e segredos envolvem sempre a nossa curiosidade. É o caso do filme “A Filha”, do jovem e estreante diretor em longas, Simon Stone, 32 anos, que veio do teatro e adaptou a peça do famoso autor norueguês, Henrik Ibsen (1828-1906), “O Pato Selvagem”, trazida para os tempos atuais.
A ação é deslocada para uma cidadezinha australiana, que em tudo depende da madeireira local, que acaba de fechar suas portas, devido à crise econômica, deixando todos na cidade sem emprego e obrigados a procurar trabalho em outro lugar.
Aparentemente alheio ao drama dos habitantes da cidadezinha, o dono da madeireira Henry (Geoffrey Rush), patriarca de uma rica família que gerenciava por 100 anos o negócio, vai se casar com a governanta da casa, Anna (Anna Tory), que tem idade para ser sua filha.
Seu único filho Christian (Paul Schneider) vem para o casamento, deixando a mulher nos Estados Unidos, onde vivem. O casamento parece que não vai bem e Christian, além de problemas com a bebida, sofre com feridas na alma, não cicatrizadas desde o suicídio de sua mãe.
Ele reencontra seu antigo colega de escola e melhor amigo Oliver (Ewen Leslie) bem casado com Charlotte (Miranda Otto). O casal tem uma filha adolescente inteligente e amorosa, Hedvig (Odessa Young).
O pai de Oliver, Walter (Sam Neil) havia sido sócio de Henry na madeireira. Algo grave acontecera mas só ele tinha sido preso na época. Parece que depois eles tinham se entendido e acertado uma pensão para a família de Walter.
O avô de Hedvig, uma menina bonita de cabelos louros pintados de um leve rosado, construíra um santuário onde cuidava de animais feridos. O último a chegar foi um pato selvagem que Henry atingira na asa com um tiro. Salvo por um erro de pontaria, o pobre não conseguia voar.
Esse pato selvagem vai servir como metáfora para os personagens atingidos por erros dos outros. Mas também vai ser uma imagem de esperança de vida e recuperação.
Todos apresentados, ocorre o drama central. Aquele que é o personagem mais infeliz, hipocritamente trará à tona um velho segredo que vai fazer a infelicidade geral.
Alguém, movido apenas pelo ressentimento e inveja, vai usar a verdade como uma arma para ferir a todos. E o personagem mais inocente é o que vai ser atingido mais cruelmente.
“A Filha” é bem dirigido, as locações tem belas paisagens bem fotografadas por Andrew Commis e o elenco, de primeira linha, convence na representação desse drama.
E a moral dessa história é que a verdade nem sempre traz felicidade. Muitas vezes é melhor deixar que ela fique enterrada e esquecida.
É cinemão. Mas de qualidade e bom gosto.





sábado, 6 de maio de 2017

Norman: Confie em Mim



“Norman: Confie em mim”- “Norman: The Moderate Rise and Tragic Fall of a New York Fixer”, Estados Unidos, Israel, 2017
Direção: Joseph Cedar

Simpático, cabelos brancos, óculos, fala mansa e sempre vestido em seu elegante sobretudo, na fria Nova York, Norman Oppenheimer (Richard Gere, 67 anos, carismático como nunca) movimenta-se como se fosse esperado para o fechamento de um negócio importante. Celular em punho, fala com muita gente, o tempo todo.
Mas quem é ele? Em seu cartão que distribui generosamente, está escrito “Estratégias Oppenheimer” e perguntado, não explica, muda de assunto. Ele se diz amigo de todos os nomes importantes da cidade e se coloca à disposição para apresentá-los a quem possa interessar.
Quando um jovem político israelense aparece em Nova York para uma conferência, lá está Norman, de olho nele. Mas o que pretende esse homem misterioso?
Misha Eshel (Liar Ashkenazi, ótimo ator), vice-ministro do comércio de Israel, andando pelas ruas da cidade, para numa vitrine elegante. Olha com cobiça para um par de sapatos. E, imediatamente, Norman surge a seu lado, puxando conversa. Consegue arrastar o político para dentro da loja caríssima e faz o homem experimentar o luxo.
Sedutor como a serpente do paraíso, Norman consegue o que quer. Com um gesto aparentemente generoso, presenteia os sapatos para o agradecido desconhecido e compra um lugar em sua vida. Aquele gesto não será esquecido.
Mas por que? Qual o interesse de Norman em se acercar e agradar esse personagem do segundo escalão da política em Israel?
Ao longo do filme em quatro capítulos, vamos seguindo os passos de Norman, divididos entre torcer por ele, para que seus obscuros planos deem certo e uma aflição. Afinal o que move Norman?
Parece que não é a vontade do lucro, de ganhar dinheiro. Se existe, está em segundo plano. Não sabemos nada de pessoal sobre ele. Nem onde vive, nem se a mulher morta e a filha existem mesmo. Desconfiamos que se abriga de noite na sinagoga, onde é amigo do rabino (Steve Buscemi).
Com o desenrolar da história começamos a entender a solidão de Norman, sua existência sem raízes, a vida inventada à custa de personagens ilustres que ele seduz.
Todo mundo o conhece mas ninguém sabe quem ele é.
Num mundo cada vez mais interessado só em aparências, não há lugar para a verdadeira amizade que requer tempo, investimento afetivo e presença. Norman é um subproduto desse jeito de viver. Apoia-se no desejo do outro. Tenta satisfazer todos os seus “amigos” para ser visto, reconhecido, quem sabe até ser quase amado.
Joseph Cedar, diretor e roteirista americano radicado em Israel, em seu primeiro filme em Hollywood, toca num ponto sensível da sociedade contemporânea. E por isso fez um filme que angustia e pode não agradar a quem pensou que iria ver uma comédia. Porque não existe um pouco de Norman em todos nós?



terça-feira, 2 de maio de 2017

Além das Palavras


“Além das Palavras”- “Quiet Passion”, Reino Unido, Bélgica, 2016
Direção: Terence Davies

Fica claro, desde o início, que Emily Dickinson (1830-1886) era uma alma rebelde. Na escola, é a única que enfrenta a pergunta da diretora do “Mount Holyoke Female Seminary” com uma resposta inesperada mas sincera:
“- O inferno a espera. Vai aceitar Deus?”
“- Acho que não” responde a mocinha (Emma Bell).
“- Está sozinha em sua rebelião Miss Dickinson.”
Quando a família vem buscá-la, sente falta da mãe:
“- A viagem seria demais para ela” responde o pai (Keith Carradine).
Emily, Vinnie e Austin são os filhos da família Dickinson que vive em uma grande casa amarela, de janelas verdes, com um belo jardim de altas árvores e canteiros bem cuidados, em Massachusetts.
Tia Elizabeth é velha, rica e esnobe mas principalmente conservadora como o pai de Emily. No teatro, onde está toda a família, o pai comenta sobre a soprano:
“- Uma mulher não deveria se expor assim...”
“- Mas ela é talentosa”, retruca Emily, que está encantada.
Quando recomeça o canto, ela exclama:
“- O demônio da música!”
“- Não seja vulgar, Emily”, censura o pai.
Então, no início, ela era vivaz e cheia de esperança. Vemos quando pede ao pai sobre sua vontade de escrever à noite:
“- Não vou aborrecer ninguém. Prometo.”
Chamada pela tia de ”Robespierre” por causa das ideias que expõe, Emily responde com humor:
“- Tia, no máximo uma Charlotte Corday!”
Essa rebeldia feminina, vista com maus olhos pela sociedade calvinista em que vivia, vai custar mais tarde a Emily uma vida reclusa e nenhum reconhecimento pelos pouquíssimos poemas que publica.
“- Eu gostaria de ter alguma aceitação em vida”, lamenta ela a alguém que a consola dizendo que ela escreve para a posteridade.
Emily admirava a beleza e, para seu infortúnio, não era bela como a irmã Vinnie (Jennifer Ehle, atriz maravilhosa) ou sua amiga coquete e esperta Vinyling Buffam (Catherine Bailey). Uma severa autocrítica e rigidez ficam ainda mais marcantes quando a juventude passa e não há mais esperança de ser amada e amar.
Uma mãe depressiva e reclusa (Joanna Bacon) não poderia ter dado à sensível Emily, na infância, o aconchego que ela nunca iria experimentar. Vinnie, sua irmã mais nova, que também não se casa, é a pessoa que mais consegue compreender a irmã e suas angústias.
Os poemas daquela que hoje é considerada uma das maiores poetas da língua inglesa, são lidos em “off” e acompanham cenas de episódios conhecidos de sua vida.
“ - Meus poemas são o meu consolo.”
Aos 55 anos morre ela de uma doença incurável que a faz sofrer muito.
O trabalho de Cynthia Nixon como Emily é esplêndido, retratando-a como uma mulher inteligente, rebelde, de personalidade complexa e carente de afeto mas muito rígida para aceitar a natureza humana e suas imperfeições:
“ - Acabamos nos transformando naquilo que tememos...” lamenta uma Emily já muito próxima do fim de sua vida, amarga e solitária.
Terence Davies, 71 anos, diretor e roteirista, faz um belo trabalho reconstituindo o século XIX por fora, com sua estética fotografada por Florence Hoffmeister e por dentro das pessoas, mostrando conflitos e a posição inferior da mulher na sociedade daquela época.
Um filme triste e belo.