sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Lembranças de um Amor Eterno


“Lembranças de um Amor Eterno”- “La Corrispondenza”, Itália, 2016
Direção: Giuseppe Tornatore

O amor é sempre generoso? Depende.
No caso do professor de astrofísica Edward Phoerum (Jeremy Irons) e sua aluna Amy Ryan (Olga Kurylenko), o amor dele por ela, faz com que ele queira transpor a barreira do tempo/espaço e eternizar essa relação.
Eles estudam estrelas. E sabemos o quanto pode ser romântica a ideia de que uma estrela que já morreu, ainda brilha no céu, para os nossos olhos, devido ao tempo de viagem da luz dessa estrela até nós na Terra. Nossa vida é muito breve diante do tempo do universo.
Quando o professor Ed começa um caso amoroso com sua aluna, ele está encantado por ela e ela por ele. Fazem amor escondidos num hotel e isso parece que estimula os dois.
Amy, em suas horas fora da universidade, trabalha como dublê em filmes de ação, em cenas que envolvem perigo. São carros que ela tem que capotar em barrancos íngremes, explosões, incêndios. Há nela algo que podemos chamar de namoro com a morte, como se inconscientemente se sentisse culpada de algo. É como se merecesse a morte como castigo.
Quando ficamos sabendo de um acidente de carro ocorrido no passado, no qual ela dirigia e seu pai encontrou a morte, descobrimos o elo que a prende ao perigo e talvez mesmo a atração pelo professor mais velho que ela.
Amy é uma pessoa com problemas e, por isso, presa fácil de um amor/prisão.
Quando o professor Ed descobre que está com uma doença fatal, ele não conta nada para Amy. E desenvolve um esquema complicado, envolvendo pessoas que o conhecem, que se tornam mensageiros do além túmulo, sem o saber.
Ela recebe cartas, e-mails, mensagens no telefone, vídeos, tudo que o faz presente na vida dela, mesmo depois de sua morte, que ela descobre com um grande choque.
O amor de Ed por Amy é egoísta, possessivo, não a deixa viver uma vida sem ele.
Esse amor é como uma maldição recebida como uma benção. A garota que, inconscientemente se sente culpada pela morte do pai, merece um amor sem o amado.
Amy é a mulher ideal para Ed entreter por toda a eternidade, ou seja, enquanto durar a vida dela. Ele chega ao cúmulo de dar para ela a casa na ilha de Borgo Ventoso, seu lugar preferido no mundo, repleto da presença dele em tudo que ela toca.
Quando a vemos sentar-se na pedra onde ele se sentava para olhar o lago e pensar nela, vemos a melancolia começar a ganhar terreno no coração de Amy e tememos por sua vida.
Em nenhum momento Ed pensou em Amy como uma mulher amorosa que mereceria ser amada por alguém de carne e osso, ao invés de um fantasma tecnológico.
Giuseppe Tornatore, 60 anos, diretor do famoso “Cinema Paradiso”de1988, “Malena”de 2000 com a bela Monica Belucci e do intrigante “O Melhor Lance”de 2013, onde havia um homem velho apaixonado por uma mocinha, tem sempre como colaborador na trilha sonora o premiado Ennio Morricone. Em “Lembranças de um Amor Eterno” a música nos envolve em belas locações na Escócia e Itália (com destaque para o encantador Lago d’Orta).
A direção dos belos e bons atores faz a história ganhar certa credibilidade. Olga Kurylenko, que já foi uma Bond-girl, é bonita e expressiva e Jeremy Irons tem o “physique du role” par atrair uma mulher bem mais jovem do que ele.
E essa história de amor, apesar de todos os estratagemas para conquistar a eternidade, serve para pensar que o amor só sobrevive quando é generoso.

Porque o verdadeiro amor liberta, não aprisiona. O resto é ingenuidade e auto-destruição.

domingo, 25 de setembro de 2016

O Vale do Amor


“O Vale do Amor”- “The Valley of Love”, França, 2015
Direção: Guillaume Nicloux

Há mistérios no sentimento do amor que escapam à compreensão das pessoas, até sentirem na própria pele os seus efeitos.
Isabelle e Gérard (Huppert e Dépardieu), um casal separado há muito tempo, vai ao encontro de um desses mistérios incompreensíveis, sem nenhuma certeza do que iria acontecer.
Quando se encontram, ela mantém um ar de delicada frieza e distância, mas ele não esconde sua angústia. Muito gordo, não está bem. É visível. Uma carência tímida se esconde em seus gestos.
E, à medida que nos aprofundamos na razão que os trouxe ao Vale da Morte, na Califórnia, vamos compreendendo que vivem um luto ainda recente. Perderam um filho de 30 anos, há seis meses. E não é fácil lidar com um suicídio.
A necessidade que ela tem de falar ao celular e a irritação crescente porque não é possível uma boa comunicação com o marido, esconde um problema maior. Aos poucos vamos percebendo nela o medo de perder o chão, a falta de comunicação consigo mesma, a angústia sufocante que também a habita.
Duas cartas são lidas em voz alta. Uma é do filho para o pai, outra de Michael para a mãe. Há nelas uma promessa de reencontro, se sete lugares forem visitados, em horas pré-estabelecidas na carta ao pai.
O calor é insuportável. O deserto e suas areias escaldantes, com montanhas e desfiladeiros de pedras claras, é um belo cenário, mas aqueles dois não estão interessados em paisagens.
Isabelle mostra que está mais abalada do que pensa. Um sonho mostra a morte em olhos escuros, sem luz.
Ele, mais vulnerável, faz uma confissão a ela, mostrando o quanto esse luto mexeu com ele. De noite, vaga pelo hotel e vê uma estranha figura que também fala de morte. Sonho ou alucinação?
O fato é que já não estão tão longe um do outro. A peregrinação, castigo para a culpa que sentem, como diz Gérard, os aproxima de suas próprias fragilidades. Marcas nos corpos lembram feridas nas almas desses pais abandonados.
Isabelle Huppert e Gérard Dépardieu são dois monstros sagrados do cinema francês. Trabalharam juntos uma primeira vez em 1974, “Corações Loucos – Les Valseuses”, de Bertrand Blier e em “Loulou” de 1980, de Maurice Pialat. E vê-los interpretar, 30 anos depois, a dor escondida na alma desses pais destroçados, nos faz perceber nuances nesse sofrimento, como se tudo estivesse acontecendo ali mesmo, entre eles, Isabelle e Gérard, nomes do casal de pais, também atores famosos como eles.
Há em “Vale do Amor” um jogo de espelhos comovente e intrigante. E o limite tênue entre realidade e ficção, sonho e alucinação, cria uma atmosfera que nos envolve, se não lutarmos contra ela.
Um filme raro.




sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Meu Rei


“Meu Rei”- “Mon Roi”, França, 2015
Direção: Maiwenn

Como explicar a paixão? É um sentimento avassalador que prende com nó cego a possibilidade de pensar e agir com liberdade.
Tony (Emmanuelle Bercot, tão verdadeira) fica refém dessa armadilha e só vê Georgio (Vincent Cassel, convincente) na sua frente. Ela, um pouco tímida, advogada, já tinha visto ele na boate e bar onde trabalhava quando era estudante. Sempre cercado de mulheres lindas.
Quando o encontra novamente, naquela mesma boate, toma coragem e aproxima-se dele, repetindo o gesto que ele fazia, de respingar água do balde de champagne no rosto das moças, parecendo dizer:
“- Você vem para a cama comigo!”
Surpreso, Georgio não se lembra dela. Mas esse gesto dele, repetido por ela, tanto tempo depois, atraiu o narcisismo dele.
Os olhos dela já brilhavam de paixão antes mesmo do convite para a cama. E, depois, ele se torna “meu rei”, o dono de Tony e seus desejos.
Ela ri encantada com tudo que ele diz. Drogada? É a sensação.
Olhares cúmplices e orgasmos longos. Os olhos dela são de devoção. O mundo era deles e era sempre uma festa.
Tony estava cega e imersa numa realidade fantástica criada pela presença de Georgio. Em transe, o mundo dela desapareceu e ela se inseriu no dele, ou assim pensava ela.
Mas, a realidade, que aparece aos poucos, primeiro desprezada, vai ferir Tony de tal maneira, que serão precisos dez anos para que ela possa acordar e lentamente recuperar-se.
Mas, antes disso, do alto dos Alpes nevado, com o rosto e os cabelos batidos pelo vento gelado, ela lança-se na descida íngreme como se algo terrível a perseguisse. Cai.
Na clínica à beira mar, com o diagnóstico de rompimento total do ligamento cruzado anterior no joelho direito, ela vai ter um tempo para voltar a andar e começar a limpar a cabeça daquilo que a envenena.
A história é contada em “flashbacks” e entendemos, junto com Tony, o que foi que aconteceu.
A decepção devolve a liberdade roubada pela paixão.
O filme é de Maiwenn, jovem e bela diretora (“Polissia” 2011) e atriz francesa, 40 anos, que assina também o roteiro de “Meu Rei”.
Emmanuelle Bercot, 48 anos, atriz e também diretora  (“De Cabeça Erguida” 2015), ganhou o prêmio de interpretação feminina pelo papel em “Meu Rei” no Festival de Cannes 2015. Mereceu. Ela nos assusta e comove.

“Meu Rei” é um filme que pode ensinar uma ou duas coisas sobre os perigos da paixão. Sem falsos moralismos, nem seriedade demais.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Conexão Escobar



“Conexão Escobar”- “The Infiltrator”, Estados Unidos, 2015
Direção: Brad Furman

Todo mundo já ouviu falar de Pablo Escobar, o mais famoso traficante de cocaína do mundo, que se tornou um dos homens mais ricos de sua época, morto em 1993, aos 44 anos, na cidade de Medellín na Colômbia.
Ele liderou o cartel de Medellín, que no seu auge ganhava mais de 70 milhões de dólares por dia (22 bilhões por ano). Dizia-se que Escobar movimentava 1 milhão de dólares por dia e era dono de uma riqueza estimada de 13 bilhões.
E o poderoso dizia, a respeito de seu negócio:
“- Simples.Você compra alguém aqui, outro acolá e paga um banqueiro amigo para ajudar a trazer seu dinheiro de volta.”
O negócio da droga começou pequeno e os colombianos guardavam seu dinheiro em galpões, em maços de notas fechados por elásticos. Mas, quando os ratos começaram a roer o dinheiro, não gostaram do prejuízo e passaram a procurar bancos estrangeiros gananciosos e sem nenhuma moral.
Foi pensando nisso e com o plano de seguir o caminho do dinheiro e não da droga, que o agente federal americano Robert Mazur, interpretado por Bryan Cranston com toques geniais, achou que bancar o especialista em lavagem de dinheiro iria levá-lo aos chefões do tráfico. Numa cena brilhante, Robert “Bob” Mazur, com bigodão, personifica Bob Musella, rico homem de negócios que lida com lavagem de dinheiro. Guiando um Rolls Royce e calçando botas de pele de cobra, tenta fazer crer aos traficantes, aos quais tinha acesso por um informante, que ele é o maior  “lavador” de dinheiro dos Estados Unidos e oferece seus serviços.
Infiltrado na máfia da droga, ele passa por sérios perigos, até convencer os que estavam abaixo de Escobar que ele era aquilo do que precisavam. Balas e facas apareciam de todo lado ao menor sinal de desconfiança.
Mas, até chegar a Escobar, Bob Mazur vai ter que contar com o auxílio precioso de seu parceiro Emir Abreu (John Leguizanno) e de uma noiva de fachada, a bela Diane Kruger, ela também agente federal, em sua primeira missão.
A dupla desfila figurinos exagerados e cafonas e torna-se íntima do casal Alcano, próximos de Escobar. Kathy, a noiva, fica gostando da mulher de Alcano e lamenta a perda da amizade dela quando tudo termina. Isso mostra um detalhe importante da ambiguidade vivida pelos personagens dessa história real, apesar do filme evitar um aprofundamento maior na psicologia dos envolvidos.
Uma das cenas mais tensas, mas que mostra a atuação divertida de Cranston, envolve ele e sua mulher (Juliet Aubrey) diante de um bolo de aniversário, que vai ter um fim inusitado para que Mazur não seja desmascarado de seu disfarce, quando por acaso um dos chefes do tráfico entra no restaurante em que o casal estava.
O roteiro, escrito pela mãe do diretor, Ellen Brown Furman, baseia-se na autobiografia de Bob Mazur. E, apesar de, às vezes, parecer embaralhar a narrativa da história, principalmente no começo, depois encontra seu ritmo.

Mas não há como negar que o brilho do filme depende do ator de “Breaking Bad”, que constrói esse personagem da vida real, com tanto talento e pequenos detalhes, que não conseguimos desgrudar os olhos dele. Indicado para o Oscar de melhor ator no ano passado por “Trumbo”, ele merece uma outra indicação na lista dos melhores do ano. Com certeza. 

sábado, 17 de setembro de 2016

Mate-me por favor


“Mate-me por favor”, Brasil, Argentina, 2015
Direção: Anita Rocha da Silveira

Dramaticamente maquiada, uma garota bela e triste olha para nós. Seus olhos escuros enchem-se de lágrimas. Chora sem soluços.
Senta-se no meio fio da calçada. Parece desanimada. Drogada? Afasta-se do posto de gasolina onde está um grupo de jovens. Caminha pela rua vazia. Prédios ao fundo com poucas luzes acesas. É tarde da noite.
A música, antes muito alta, agora sugere um suspense contido. Ela anda rápido, quase correndo. Olha sempre para trás. Parece que foge de alguém. Ouvimos sua respiração ofegante. Cai. De bruços, vira-se e grita desesperada.
Na tela, o “Mate-me por favor” em letras garrafais.
Mas não é um filme de terror. Nessa primeira cena, temos os temas principais que serão vivenciados: rejeição, solidão, falta de rumo, angústia, medo. A crise da adolescência que todos conhecemos.
Mas também haverá o namoro com o perigo, a excitação de andar à beira do precipício, o sexo ligado à dominação.
Há um não saber que a fantasia ajuda a viver, estimula a imaginação, colore os sentimentos.
Mas cuidado. Há perigo no perder-se em devaneios. Por outro lado, como pedir foco na realidade aos 15 anos?
A história tem como protagonista Bia (Valentina Herszage, ótima, premiada no Festival do Rio) e suas três amigas inseparáveis. E o cenário é o bairro da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Mas podia ser qualquer outro lugar em que meninas e meninos começam a fazer sexo.
Quando a conhecemos, Bia diz para as amigas:
“-Dormi muito mal...Tive um sonho muito louco.”
E conta como apareceu aquele cara lindo que a forçou a fazer sexo com ele, tapando sua boca. Não podia fugir nem gritar. Sangrava muito.
“- E daí?”
“- Eu morri.”
“- Você é muito pirada! Que morreu que nada!”
Percebemos o elo evidente que une Bia e a mocinha estuprada e assassinada da primeira cena. Quando o sexo é forçado, a mulher é vítima sem culpa. Para elas e eles, o sexo traz culpa. Só de pensar. Quanto mais em fazer.
A narrativa do filme envolve essa mistura de sonho, devaneio e realidade. Privilegia aquela hora onde tudo está escuro e o dia começa a clarear com neblina. Sem contornos nítidos.
Quando escutam os boatos sobre os assassinatos naquele matagal perto do colégio, um clima de histeria domina. Medo e prazer. Dor e gozo. Bia começa a alimentar pesadelos.
O rito de passagem da adolescência para a vida adulta acontece sempre envolvido em conflitos. No filme não vemos adultos. Porque, na verdade, eles não tem nada a ver com isso.
Bia, seu irmão e os outros adolescentes do filme vão em frente, cada um à sua maneira. Não há receita. O pior que pode acontecer é tornar-se zumbi, diz a última cena, aludindo à desumanização, à psicose.
Porque foi a realidade que inspirou a diretora. O assassinato cruel da atriz, filha de Gloria Perez, anos atrás, impressionou Anita e foi a semente do seu roteiro.
O primeiro longa da diretora carioca tem um visual impactante (belíssima fotografia de João Atala), bom ritmo e não tem moralismos. Observa as quatro meninas (que foram premiadas no Festival de Veneza), bem dirigidas e com uma atuação convincente. A trilha sonora, bem escolhida, é a cara dessa geração.
“Mate-me por favor” é um filme esteticamente atraente, que não propõe respostas às perguntas apresentadas, já que isso é o trabalho de cada jovem e no seu próprio tempo.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Loucas de Alegria


“Loucas de Alegria”- “La Pazza Gioia”,Itália, França, 2016
Direção: Paolo Virzi

Um mar de um azul espantoso é o pano de fundo da primeira cena que vemos. Uma mulher jovem com um carrinho de bebê, da ponte, olha o mar lá embaixo. Um arrepio de medo se insinua.
Mas já estamos em uma vila toscana transformada em hospital psiquiátrico judiciário. A movimentação e a gritaria só cessam na hora em que as pessoas são sedadas para dormir. Aliás, nem isso, porque algumas zanzam pela casa.
E salienta-se uma loura espalhafatosa que fala alto e dá ordens a torto e a direito. É Beatrice ( Valeria Bruni-Tedeschi, ótima) uma aristocrata que surtou e arruinou a família. Considerada perigosa, não pode sair da vila.
Quando chega uma jovem tatuada, suja, descabelada, andando de muletas, com a perna machucada, chama logo a atenção de Beatrice que se aproxima dela.
As duas são o centro de “Loucas de Alegria”. O que as une é a vontade de fugir.
A depressiva Donatella (Micaella Ramazoti, excelente), é empurrada para a vida por Beatrice, que não tem medo de nada, sempre enfática e a mil por hora.
E as aventuras das duas vão fazer a plateia rir e depois chorar. Tão diferentes, no fundo são parecidas. Ambas dividem uma infância triste e vidas interrompidas por atos de violência que acabaram estigmatizando-as como indesejáveis à sociedade.
E entramos com elas num turbilhão, comandado por Beatrice, a quem não faltam ideias grandiosas, sempre envolvendo uma vida de luxo e riqueza que ela perdeu.
Já a mais moça tem na cabeça um filho, que ela não sabe onde procurar. E lembramos do mar azul do início. Mãe
e filho corriam perigo mesmo.
Paolo Virzi, diretor de “O Capital Humano” de 2013 com Valeria Bruni-Tedeschi e de “A Primeira Coisa Bela” de 2010 com Micaella Ramazoti, une as duas ótimas atrizes em “Loucas de Alegria” e conquista nossa aflição pelas duas, perdidas na noite e dia que passam fugidas da Villa Biondi.
Vamos entendê-las melhor e perceber que é a angústia o que as move.
A agitação maníaca de Beatrice a impede de pensar sobre o porquê da sua internação. Seu surto foi a sua ruina, impedindo-a de viver a realidade. Uma paixão bandida foi um mergulho na insanidade.
Já Donatella, movida pelo amor e ódio, tomou decisões trágicas que vão condená-la à solidão e auto-destruição.
Mas a fuga é um elo de união entre elas. E as meninas tristes que não tiveram apoio ou não souberam se aproveitar dele, afastadas do mundo, descobrem uma amizade que poderá ser um benefício terapêutico e uma esperança de dias melhores.

E uma lágrima rola ao som de “Senza Fine”, cantada por Gino Paoli, ao fim de “Loucas de Alegria”, uma bela comédia dramática que nos envolve e comove.

domingo, 4 de setembro de 2016

Aquarius


“Aquarius”, Brasil, 2016
Direção: Kleber Mendonça Filho

Ouvimos o barulho do mar. E, de repente, Taiguara com seu vozeirão canta:
“Hoje, trago em meu corpo as marcas do meu tempo...”
No fim do filme, essa música é o fecho.
E o preâmbulo de “Aquarius” passa-se em Recife, 1980.
Na praia de Boa Viagem, um carro faz estrepulias na areia.
Depois, Clara, 30 anos, cabelos bem curtinhos, emociona-se na festinha de aniversário da tia Lúcia (Thaia Perez), que sempre foi uma batalhadora. É louvada pelos sobrinhos que dizem que a vida dela daria um poema, um livro, um filme.Viveu a revolução sexual e combateu a ditadura.
Clara, enfrentou um câncer, pesadelo em seu corpo e agora com o marido e filhos parte para viver a vida.
O tempo dá um pulo e, no presente, entramos pelo apartamento de Clara, à beira mar, decorado com objetos escolhidos, livros, álbums de fotos e uma coleção de vinil. Uma rede perto da janela convida à languidez.
E ela ilumina a tela. Sonia Braga aparece como a Clara de mais de 60 anos mas com um corpo sedutor e o belo rosto que ela oferece à câmara, soltando os longos cabelos negros e alongando-se como um gato.
Conversa com a empregada de anos sobre o almoço e vai para a praia.
O salva-vidas Roberval (Irandhir Santos) vigia enquanto ela entra na água, sem medo de tubarão. Some nas ondas verdes.
Clara é viúva há 17 anos, de um marido amado, seus três filhos são adultos. O mais velho está casado e tem um bebê, a filha do meio (Maeve Jinkings) separou-se e tem um menino, Pedro e o mais novo é gay assumido.
Ela é jornalista aposentada, foi crítica musical e escreveu um livro sobre Villa Lobos. Vive num mundo de escolhidas sonoridades.
Clara passou a vida inteira naquele predinho de dois andares, onde criou os filhos, amou o marido e lutou contra um câncer no seio. Cercado por edifícios modernosos, o “Aquarius” é uma raridade, uma memória de tempos de outrora e é o chão de Clara. Mistura-se com sua identidade.
Ela modificou a planta original numa reforma e o apartamento é o seu território, que ela defende com garra das ofertas de compra de uma construtora.
O “Aquarius” está vazio. Todos se foram, rendidos ao mercado e só restou Clara, agarrada com teimosia às suas paredes como a uma tábua de salvação.
Até os filhos e principalmente a filha, fazem uma propaganda sutil a favor da venda, dizendo-se preocupados com a segurança da mãe. Mas ela resiste. E começa um periodo de baixarias contratadas pela construtora para que ela se vá.
Clara resiste e luta como fez a vida toda. E compreendemos que ela tem no sangue a rebeldia contra os que querem impor à força sua vontade. Como tia Lúcia.
Para Clara, que fala baixo e não incomoda ninguém, a resistência passiva frente ao poderio econômico é uma questão de honra. E o final surpreende.
Muita gente se incomodou com o gesto dos atores em Cannes, segurando frases contra o governo atual. Mas o filme foi super elogiado e agradou à crítica internacional.
Vai para o Oscar representar o Brasil? Deveria.
Kleber Mendonça Filho, 48 anos, o diretor do também festejado “Som ao Redor” de 2012, em “Aquarius”, seu segundo longa de ficção, mostra com arte um retrato do Brasil, que não agrada a quem não gosta de ver expostas nossas feridas, como a desigualdade social, a tensão e a violência que isso provoca, a tendência a ignorar a preservação da memória das cidades e o modo escravagista como ainda são tratadas as empregadas domésticas. Mas como deixar de lado o que se vê?

“Aquarius” não é um filme abertamente político mas a resistência de Clara assusta, num belíssimo Davi e Golias.

sábado, 3 de setembro de 2016

Ben-Hur



“Ben-Hur”- Idem, Estados Unidos, 2016
Direção: Timur Bekmambetov

Para quem viu, em 1960, o “Ben-Hur” de William Wyler (“remake” do primeiro, de Fred Niblo, de 1925), que ganhou 11 Oscars, o filme do cazaque Timur Bekmambetov não chega a empolgar. Por que? Porque o filme de Charlton Heston impregna nossa memória com uma emoção que falta ao novo “Ben-Hur”.
Com um roteiro focado na dominação do povo romano sobre o povo judeu que habitava a Palestina no século I da era cristã, perde-se a intenção de seguir dois irmãos que não tinham nem o mesmo sangue, nem os mesmos deuses, em seu conflito pessoal de amor e ódio. A ideia seria a de mostrar um filme de soldados e exércitos cruéis. Oprimidos e opressores.
Soa mais contemporâneo? Mais político? Mas tal ideia se perde já que os dois personagens principais continuam sendo a atração.
Assim, Judah (o príncipe judeu, interpretado pelo neto de John Huston, Jack Huston) e Messala (o órfão romano adotado pela família judia, papel do fraco ator Toby Kebbell), no início rapazes inseparáveis, viram inimigos ferozes e, diferente da história original, acabam novamente como inseparáveis, no final boboca.
Ou seja, tentaram mudar o foco da vingança de Ben-Hur para o perdão. Certamente mais apropriado para os nossos tempos do politicamente correto. Mas para quê mexer numa história tão conhecida? Para quê fazer um “remake” que é diferente do original? Falta de bons roteiros?
Porque no livro do general Lew Wallace de 1880, Messala morre na cena da corrida das bigas, que também é o fim de Stephen Boyd, ótimo no filme de 1959. Já no filme atual, ele só é ferido e perde a corrida para Ben-Hur, humilhando assim Poncio Pilatos e sai louco por uma vingança mas é dominado novamente por uma afeição a Ben-Hur.
Aliás, reza a lenda, alimentada por Gore Vidal, um dos roteiristas do filme de William Wyler, que havia uma intenção, nas entrelinhas, de fazer um par gay dos dois rapazes. E esconderam isso de Charlton Heston porque ele era muito conservador e não teria aceito o papel.
Outros tempos. Outros atores. Outros filmes.
Aliás, a figura de Jesus, que não era mostrada na versão de 1959, nessa atual é o que há de melhor, como atuação e composição de personagem. Rodrigo Santoro mostra a que veio, fazendo da figura mais famosa, o centro emocional do filme, não só pela mensagem que comunica ao mundo mas pela presença suave e poderosa do ator brasileiro.
Mas Bekmamtov também mostrou ser bom diretor, já que a cena das bigas, foi muito bem feita, usando os próprios atores e não substitutos digitais, o que impregna de perigo o ponto alto do filme.
Sem esquecer a batalha naval, também emocionante, onde o inglês Jack Huston, apesar de não ser nenhum Charlton Heston, tem mais chance de mostrar seus talentos como ator.
As mulheres que interpretam a mãe, a irmã e a mulher de Ben-Hur passam desapercebidas, tanto quanto Morgan Freeman, meros figurantes.
Resumindo, quem não viu o filme de 1959, vai se entreter com o de 2016, não mais do que isso.