sábado, 17 de setembro de 2016

Mate-me por favor


“Mate-me por favor”, Brasil, Argentina, 2015
Direção: Anita Rocha da Silveira

Dramaticamente maquiada, uma garota bela e triste olha para nós. Seus olhos escuros enchem-se de lágrimas. Chora sem soluços.
Senta-se no meio fio da calçada. Parece desanimada. Drogada? Afasta-se do posto de gasolina onde está um grupo de jovens. Caminha pela rua vazia. Prédios ao fundo com poucas luzes acesas. É tarde da noite.
A música, antes muito alta, agora sugere um suspense contido. Ela anda rápido, quase correndo. Olha sempre para trás. Parece que foge de alguém. Ouvimos sua respiração ofegante. Cai. De bruços, vira-se e grita desesperada.
Na tela, o “Mate-me por favor” em letras garrafais.
Mas não é um filme de terror. Nessa primeira cena, temos os temas principais que serão vivenciados: rejeição, solidão, falta de rumo, angústia, medo. A crise da adolescência que todos conhecemos.
Mas também haverá o namoro com o perigo, a excitação de andar à beira do precipício, o sexo ligado à dominação.
Há um não saber que a fantasia ajuda a viver, estimula a imaginação, colore os sentimentos.
Mas cuidado. Há perigo no perder-se em devaneios. Por outro lado, como pedir foco na realidade aos 15 anos?
A história tem como protagonista Bia (Valentina Herszage, ótima, premiada no Festival do Rio) e suas três amigas inseparáveis. E o cenário é o bairro da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Mas podia ser qualquer outro lugar em que meninas e meninos começam a fazer sexo.
Quando a conhecemos, Bia diz para as amigas:
“-Dormi muito mal...Tive um sonho muito louco.”
E conta como apareceu aquele cara lindo que a forçou a fazer sexo com ele, tapando sua boca. Não podia fugir nem gritar. Sangrava muito.
“- E daí?”
“- Eu morri.”
“- Você é muito pirada! Que morreu que nada!”
Percebemos o elo evidente que une Bia e a mocinha estuprada e assassinada da primeira cena. Quando o sexo é forçado, a mulher é vítima sem culpa. Para elas e eles, o sexo traz culpa. Só de pensar. Quanto mais em fazer.
A narrativa do filme envolve essa mistura de sonho, devaneio e realidade. Privilegia aquela hora onde tudo está escuro e o dia começa a clarear com neblina. Sem contornos nítidos.
Quando escutam os boatos sobre os assassinatos naquele matagal perto do colégio, um clima de histeria domina. Medo e prazer. Dor e gozo. Bia começa a alimentar pesadelos.
O rito de passagem da adolescência para a vida adulta acontece sempre envolvido em conflitos. No filme não vemos adultos. Porque, na verdade, eles não tem nada a ver com isso.
Bia, seu irmão e os outros adolescentes do filme vão em frente, cada um à sua maneira. Não há receita. O pior que pode acontecer é tornar-se zumbi, diz a última cena, aludindo à desumanização, à psicose.
Porque foi a realidade que inspirou a diretora. O assassinato cruel da atriz, filha de Gloria Perez, anos atrás, impressionou Anita e foi a semente do seu roteiro.
O primeiro longa da diretora carioca tem um visual impactante (belíssima fotografia de João Atala), bom ritmo e não tem moralismos. Observa as quatro meninas (que foram premiadas no Festival de Veneza), bem dirigidas e com uma atuação convincente. A trilha sonora, bem escolhida, é a cara dessa geração.
“Mate-me por favor” é um filme esteticamente atraente, que não propõe respostas às perguntas apresentadas, já que isso é o trabalho de cada jovem e no seu próprio tempo.

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