segunda-feira, 29 de junho de 2015

Minha Querida Dama


“Minha Querida Dama”- “My Old Lady” , Estados Unidos, França, 2014
Direção: Israel Horovitz

Um americano em Paris. Procura um endereço andando pelas ruas do Marais, bairro tradicional da cidade.
Entra no pátio de um “hotel particulier”, bate numa porta azul e entra, porque está aberta. Vasculha o apartamento, como se fosse o dono e se depara com uma velha senhora deitada numa “chaise longue”.
Ele dirige-se a ela num francês sofrível mas ela responde em inglês:
“- Você é Mathias?O advogado falou que você vinha.”
“- Herdei esse apartamento de meu pai.”
“- Sou Mathilde Girard”, apresenta-se ela.
“- A senhora poderia me mostrar o apartamento?”
“- Claro. Passemos ao “salon d’hiver”, por aqui” e ela o conduz a uma sala luminosa cuja grande janela mostra um belo jardim.
“- Esse jardim no meio de Paris deve valer uma fortuna!”
Ele senta-se ao piano e dedilha as teclas.
“- Você se parece muito com seu pai.”
“- Você conheceu meu pai? Ele comprou o seu apartamento?”
E é nesse momento que o sonho de Mathias Gold, de vender o apartamento e sair do buraco financeiro em que estava metido, desmorona. Ele fica sabendo pela velha senhora que havia herdado um “viager”, ou seja, uma maneira da lei francesa permitir que alguém compre um imóvel, mais barato, com um inquilino dentro, por toda sua vida. Além disso compromete-se a pagar-lhe uma quantia por mês, até sua morte.
“- Seu pai comprou esse apartamento há 43 anos atrás.”
“- Era a minha última esperança...Ele me pegou de novo!” diz com raiva.
E assim começa a convivência forçada de um trio formado pelo americano de 57 anos, três divórcios e problemas com a bebida, a senhora de 92 anos e sua filha, Chloé, solteirona de 50 anos, professora de inglês e amante de um homem casado.
Israel Horovitz, 75 anos, autor de 70 peças teatrais, escreveu “My Old Lady”, levou-a ao palco, fez a adaptação para o cinema e dirigiu o filme.
O que começa divertido, vai ficando mais pesado quando o passado sobe à tona. Mathias e Chloé são lamurientos e culpam seus pais por tudo que não acontecera de bom na vida deles. Muito parecidos. E, portanto, com vocação para casal.
Mas Mathias é o mais complicado dos dois. Além do pai ausente e que não o valorizava, sempre segundo ele, descobrimos com horror que sua mãe ainda fora mais cruel que o pai, como toda pessoa que se acha vítima acha-se no direito de tratar os outros.
Mas crianças traumatizadas tem que fazer escolhas na vida quando crescem. E é a partir de uma catarse que Mathias entende finalmente que precisa viver seus dias, que ainda restam, saindo dessa sombra dos pais sombrios.
Kevin Kline está soberbo. Faz rir com seu humor ácido e comove quando encara de frente sua tragédia pessoal.
Kristin Scott-Thomas também caminha para um final melhor resolvido, graças ao espelho que vê em Mathias.
E Maggie Smith, aos 80 anos, convencendo como uma saudável e enérgica senhora de 92 anos, tem um jeito de olhar que faz do espectador seu cúmplice. Está maravilhosa.
Só esse trio já vale o filme. Mas tem mais. O Sena, com suas margens fotogênicas sob todo tipo de luz e um apartamento bem produzido como cenário para uma nova história de amor.

domingo, 28 de junho de 2015

Rainha e País


“Rainha e País”- “Queen and Country”, Reino Unido, 2014
Direção: John Boorman

Um filme nostálgico sobre um país e a vida de um jovem que, na verdade, é o próprio diretor e suas recordações.
John Boorman, 82 anos, faz aqui a continuação de seu “Esperança e Glória - Hope and Glory” de 1987, que contava as aventuras dele, quando criança, durante a Segunda Guerra, em Londres.
Mas não é preciso ter assistido ao primeiro filme para apreciar o segundo.
“Rainha e País” lembra, em sua primeira cena, o menino que, em 1943, agradece a Hitler o bombardeio de sua escola, porque não vai ter mais aulas e pula para 1952, quando ele completa 18 anos e vive com a família numa ilha do rio Tâmisa, lugar para onde se mudaram, fugindo das bombas nazistas em Londres.
Na pele do jovem Bill Rohan (Callum Turner), que é convocado para o exército, o diretor e roteirista lembra de sua vida em passagens com o amigo Percy (Caleb Candry Jones), dono de um humor ácido.
A guerra da Coreia mobiliza naquele momento os ingleses para lutar, mais uma vez, ao lado dos americanos. Mas o país mudou e as palestras de Bill para os recrutas, apoiadas em artigos do “The London Times” revelam o quanto de desacordo existia na Inglaterra e na nova geração, que não vê encanto nenhum em ir lutar por algo que não é compartilhado, uma bandeira que não é a deles.
“- Essa guerra é imoral”, diz Bill citando palavras do jornal respeitado, o que lhe vale uma encrenca.
Além da novidade de crítica à política do governo, os dois amigos partilham da mesma opinião sobre as rígidas regras do exército inglês, que prepara os jovens para o combate na Ásia. E declaram uma guerra particular contra o Sargento Bradley (David Tewliss), irascível e fanático por disciplina e seguimento das regras do manual do exército.
Anuncia-se o espírito transgressor e crítico ao “establishment” que iria varrer a Inglaterra nos anos 60.
Mas há também no filme o tema sexo versus romance, que colore os ímpetos libidinosos dos rapazes e moças. Há garotas mais livres, como a irmã de Bill (Vanessa Kirky) e outras mais complicadas como “Ophelia”(Tamsin Egerton), a mulher mais velha de 24 anos, por quem Bill, quase 20 anos, se apaixona.
Boorman cria na tela momentos inspirados como quando a família toda se reúne na frente da TV, comprada especialmente para a coroação da Rainha Elizabeth II, muito jovem e com uma graça solene. Ali percebemos o quanto o país produziu de gerações e mentalidades diferentes. O avô critica a casa real de Windsor, chamando-os de “alemães”, enquanto o  pai reverencia a Rainha e a Inglaterra.
“- Eu me pergunto qual país poderia exibir um espetáculo tão magnífico quanto esse!”, comenta o pai que lutou na Segunda Guerra, com um patriotismo reverente.
E Bill, membro da nova geração, vê a cerimonia com um ar levemente divertido, porém atento.
“Rainha e País”, sem nomes conhecidos no elenco, vai agradar a quem gosta de memórias afetivas e de um ritmo mais lento, num cinema delicado e de espírito jovem, sob a batuta de um mestre do cinema, do alto de seus 82 anos de idade.

sábado, 27 de junho de 2015

Jauja


“Jauja”- Idem, Argentina, Dinamarca, 2014
Direção: Lisandro Alonso

Um texto na tela informa que os antigos falavam de “Jauja”, uma terra mitológica, de abundância e felicidade. Muitas expedições a procuraram. Estrangeiros participavam dessas buscas, em terras do sul da Argentina.
Podem preparar-se para a beleza das imagens que trazem a Patagonia para os nossos olhos. Há uma contemplação da natureza que hipnotiza, ao mesmo tempo que observamos os poucos personagens: o capitão Gunnar Dinensen (Viggo Mortensen) e sua filha, uma menina bonita de 15 anos, loura de olhos azuis, vestida à moda do século XIX (Ghita Norby).
“- Papai, por que não posso ter um cachorro?”
“- Você vai ter Inge, quando voltarmos para casa.”
Estão sentados numa pedra, próximos ao mar, onde formam-se lagoas entre os recifes cobertos de musgo. Vemos leões marinhos ao longe.
Outros personagens aparecem: um militar de calças vermelhas, dono de um olhar lúbrico e cruel, que deseja a menina dinamarquesa, tem colares de prata no peito queimado de sol. Outro ainda, fala em francês e usa bengala e chapéu, afetado como um dândi.
Em suas conversas, referem-se aos “cabeças de coco” e a um certo Zuluaga, que desapareceu. Correm boatos que se juntou a um bando e cavalga vestido de mulher.
“- Por que os chamam de “cabeças de coco”? Precisamos saber quem são para poder entendê-los” diz o capitão dinamarquês.
“- Não vamos entendê-los, vamos matá-los”, responde ríspido o militar de olhar cruel.
Mas a procura do paraíso, “Jauja”, como os indígenas chamavam, transforma-se num inferno para o dinamarquês. Sua filha desaparece com um soldado, ele vai atrás dela e vaga sozinho por uma terra verdejante com riachos e depois árida e pedregosa. Tromba com mortos, quase mortos e fantasmas.
“Jauja” traz uma natureza de rara beleza que convida à contemplação, enquanto desafia o capitão dinamarquês. A câmara, fixa, mostra grandes planos com o capitão lá longe. À noite, o céu de estrelas brilhantes, de dia o azul ou chuva intensa sobre os campos amarelos.
E nós nos perguntamos: foi tudo um sonho? Que salto foi esse para um século depois?
O roteiro escrito por um poeta, Fabian Casas, conta a história argentina da campanha sangrenta dos militares para conquistar as terras dos índios e mistura a esse episódio a expedição de busca de “Jauja”, o paraíso perdido.
O tema do feminino e do amor costura as personagens mulheres através de um soldadinho de brinquedo.
O formato da tela não é o usual e a narrativa é solta.
“Jauja” não é um filme para se  compreender. É um convite para uma interpretação pessoal sobre o que significa essa busca do paraíso, tema recorrente na história da humanidade.


quarta-feira, 24 de junho de 2015

Cidadão do Ano


“O Cidadão do Ano”- “Kraftidioten”, Noruega, Suécia, 2014
Direção: Hans Peter Molland

A Noruega, um país avaliado como o mais pacífico do mundo, numa pesquisa realizada em 2007 pelo “Indice Global da Paz”, é o cenário para o surpreendente “O Cidadão do Ano”, no qual acontece uma matança em meio a muita neve e frio.
E as mortes, inicialmente, são de autoria de um pai de meia idade, até então pacato, recentemente escolhido como “Cidadão do Ano” por sua eficiência e caráter, que fica insano quando seu filho inocente é assassinado por gangsters envolvidos no tráfico de cocaína. O “limpa-neve” vira uma fera. Stellan Skarsgaard está assustador como Nils Dickman.
Por mais que o assunto da vingança seja mórbido, o filme não é. Porque se a raiva assassina do pai é realista, o bando norueguês, comandado por um nervoso rapaz, Ole, conhecido como “Conde”(Pal Sverre Hagen) é o responsável por inúmeras trapalhadas. O narcisismo enorme, modos infantís e a constante briga com a ex-mulher pela guarda do filho, criam situações divertidas e até mesmo demonstrações de brutalidade gratuita, que o “Conde” vê como normais.
Já que a cidade está dividida entre as gangues norueguesa e sérvia, esta última comandada pelo velho Papa (Bruno Ganz,ótimo), os dois bandos culpam um ao outro pelas mortes que acontecem, sem se dar conta de que quem está matando é o apagado “limpa-neves”, que transforma até seu poderoso caminhão em arma letal.
Essa situação equivocada provoca ainda mais mortes, inclusive a do filho de Papa, que inicia uma guerra sem trégua ao bando de Ole.
Agora são dois pais furiosos que querem o “olho por olho”.
Daria para povoar um cemitério o número de bandidos mortos por ambos os lados, nomeados na tela por um anúncio fúnebre, que ora tem uma cruz católica em cima do nome do morto, ora uma cruz ortodoxa, ora uma estrela de David, ora outros simbolos menos conhecidos.
O título em inglês do filme é “Por ordem de desaparecimento – By order of disappearence”, uma brincadeira com o “In order of appearence” que sempre anuncia o elenco nos créditos finais.
“Uma comédia com vocação para o absurdo e a morbidez”, foi como o diretor, Hans Peter Molland, definiu seu filme.
“O Cidadão do Ano” horroriza nossa sensibilidade e, ao mesmo tempo nos diverte, criando uma contradição original que fala sobre a agressividade assassina comum a todos nós, humanos, quando perdemos o controle e a razão.
Um filme diferente que vale a pena ser visto.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Lugares Escuros




“Lugares Escuros”- “Dark Places”, Estados Unidos, França, 2015
Direção: Gilles Paquet-Brenner

Existem lugares escuros na alma humana. Neles, a luz da consciência brilha tênue, o que faz com que tudo fique indistinto ou claramente assustador, se assim acreditamos.
Esse é o dilema de Libby Day (Charlize Theron).
Quando ela era pequena, sua família fora massacrada de noite, no escuro. Um horror que a fez fugir correndo para se esconder, tremendo de medo e muito confusa.
Em sua memória, aquela noite era um lugar escuro, onde ela mal distinguia o que acontecera. Seu depoimento à polícia, inculpando o irmão Ben (Tye Sheridan faz o garoto e Corey Stoll, o adulto na prisão), era algo que a torturava. Porque se tivesse sido ele mesmo que cometera esse ato impensável, ela também tinha a mesma maldição pairando sobre ela. O sangue ruim do pai (Sean Bridgers), bêbado e alucinado, marcara para sempre o destino dela e de Ben?
Mas a lembrança mais forte ainda era do rosto de sua mãe (Christina Hendricks) , naquela noite.
A pequena Libby tinha episódios de sonambulismo e neles, sempre ia até a cama da mãe. Naquela noite fatídica, ela lembrava bem, tinha acordado com a mãe dizendo que a amava, e isso não era uma coisa comum:
“- Eu te amo Libby, minha joaninha. Nunca se esqueça disso”, a mãe lhe dissera com uma expressão de tristeza no rosto.
A caçula de três irmãs, Libby escapara com vida daquela tragédia, bem como seu irmão Ben, que todos diziam na escola que estava encrencado. Falavam que Ben era adepto do satanismo, que namorava uma garota do mal (Chloe Grace Moretz)) e que molestara não só uma menina (Drea de Matteo), mas muitas outras. Só podia ter sido ele quem fizera aquele horror. Tanto sangue...
Adulta, Libby ainda arrasta uma culpa pesada. Ela sobrevivera. Por que? Qual a explicação?
Convidada por um sujeito (Nicholas Hoult) que escrevera uma carta para ela, Libby vai visitar um lugar estranho, frequentado por pessoas que se interessavam por crimes e assassinatos não resolvidos ou mal solucionados.
Libby, que sobrevivia às custas da caridade alheia e também da curiosidade que despertava nas pessoas, está desesperada atrás de dinheiro.
Lye, que a convidara para o Clube da Morte, faz perguntas insistentes que a torturam mas que a levam, finalmente, a pensar melhor sobre todos os acontecimentos que jaziam na penumbra do passado e que finalizaram na noite do massacre.
Ela vai deparar-se com o que não quis ver naquela noite. Vai trilhar um caminho que lançará alguma luz naquele lugar escuro em sua mente.
Charlize Theron produziu e atua nesse filme de mistério, com seu belo rosto escondido quase o tempo todo sob um boné, parte da composição da personagem Libby, com baixa auto-estima e massacrada pelo passado.
O diretor francês, Gilles Paquet-Brenner do ótimo “A Chave de Sarah”2010, conduz bem a trama, com muitos “flash-backs”, adaptação do livro da mesma autora de “Garota Exemplar, Gillian Flynn.
Um filme para quem gosta de desvendar segredos.

domingo, 21 de junho de 2015

Sangue Azul


“Sangue Azul”, Brasil, 2014
Direção: Lírio Ferreira

Em preto e branco, o barco Solaris leva a trupe do Circo Netuno para a ilha distante. Enquanto a lona é erguida na praia, o vento bate forte e o mar bravio sufoca os ruídos com o clamor de suas ondas. É o prólogo.
Em capítulos, e com cores, é contada a história do “Homem Bala”, que saiu da ilha menino ainda, levado por Caleb, o dono do circo. Ele volta depois de 20 anos, com outro nome. Não é mais Pedro, é Zolah, vestido de azul, que é atirado todo dia sobre uma rede, depois da explosão do canhão.
Daniel de Oliveira, olhos claros e fala mansa, faz o ilhéu que volta à sua terra natal, reencontra a mãe (Sandra Corveloni) e a meia-irmã Raquel, a mergulhadora loura e doce (Carolina Abras), com quem divide memórias da infância.
Com um cenário belíssimo, já que a ilha de Fernando de Noronha tem praias de areia, mar azul transparente e rochedos que se erguem do mar e da terra, o filme ganha em mostrar quadros com inspiração, na fotografia de Mauro Pinheiro Jr, premiada no Festival de Paulínia.
A cena do mergulho é de uma beleza espantosa e nos leva junto para a quietude do fundo do mar.
O elenco tem atores de primeira linha como Paulo Cesar Pereio, o Caleb, Matheus Nachtergale, o atirador de facas Guetan, Milhem Cortaz, o homem forte homossexual e Teorema, a sensual dançarina cubana (Laura Ramos).
Aos poucos, a presença dos personagens do circo atrai os ilhéus. O apelo sensorial e erótico fica mais forte.
Um triângulo amoroso se forma com Pedro/Zolah, Raquel e seu noivo Cangulo. As paixões explodem e o incesto tão temido pela mãe do “Homem Bala”, emerge do fundo do passado.
A ilha vulcânica parece estimular a libido e os corpos se aproximam e se enroscam, desafiando as leis dos homens e honrando a natureza exuberante e bravia do local. Mas a angústia também se faz presente e assusta com sua força.
No epílogo, Ruy Guerra, na pele de um velho pescador misterioso, conta às crianças o mito da “Lenda do Pecado”, fundadora da arquitetura dos rochedos da ilha: Dois Irmãos e Morro do Pico. Os gigantes que ali habitavam, tanto se amavam e transavam o tempo todo, com erotismo e força, que atraíram a inveja dos deuses e foram transformados em pedra.
“Sangue Azul”, com uma narrativa pouco estruturada, fascina pelos cenários naturais, pela magia do circo e das paixões.
Um cinema original.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Enquanto Somos Jovens


“Enquanto Somos Jovens”- “While We’re young”, Estados Unidos, 2014
Direção: Noah Baumbach

Assim como existe a inveja entre pessoas da mesma idade, existe o mesmo sentimento entre as gerações. Pensar sobre esse tema é a proposta dessa quase comédia, que às vezes soa como quase tragédia.
Josh (Ben Stiller) e Cornelia (Naomi Watts) são um casal quarentão que optou por não ter filhos, depois de algumas tentativas frustradas. Ele é documentarista, ela produtora dos documentários do pai, uma lenda nesse campo.
Quando o filme começa, os amigos do casal acabam de ter um bebê e estão empolgados com a novidade. Aliás, falar sobre filhos é o único assunto que interessa às amigas de Cornelia.
“- Vocês deveriam tentar!”
Quando voltam para casa, alguma dúvida paira no ar porque não conseguem justificar o porque de não querer ter filhos. A natureza claramente não ajudou Cornelia mas o “gostamos da vida assim”, “temos liberdade para fazer o que queremos”, “viajamos quando tivermos vontade”, soam pouco convincentes. Mesmo porque o casal acomodado não usa a tão prezada liberdade. Não saem de casa, não viajam faz tempo e o trabalho não é empolgante.
O primeiro filme de Josh fez algum sucesso mas ele trabalha há uma década no segundo, que não consegue acabar, apesar das centenas de horas de filmagem. Além disso, não consegue patrocínio e suas aulas na universidade sobre documentários são medíocres.
Arrogância em não querer ajuda do sogro (Charles Grodin), também impede a carreira de Josh. Mas ele tem pouca auto-crítica, é egoísta e está mais inseguro do que nunca.
É nesse momento que um casal jovem, de vinte e poucos anos, Jamie (Adam Driver) e Darby (Amanda Seyfried), entram na vida do casal quarentão. Eles ficam encantados com o jeito aparentemente desapegado deles, a despreocupação e principalmente porque Jamie também quer fazer documentários e diz abertamente que gostou do “Power Elite”de Josh. Essa é a senha para Josh querer adotar Jamie como seu protegido.
Cornelia, cujo pai Jamie citou como sua grande inspiração, fica com um pé atrás mas logo segue Josh no encantamento com aqueles dois.
A casa dos jovens é o oposto da casa do casal mais velho:
“- Eles tem tudo aquilo que nós já jogamos fora mas tão bem arrumadinho! Eles tem máquina de escrever, discos de vinyl e fitas VHS”, descreve Cornelia para a amiga do bebê.
O próximo passo é abandonar os velhos amigos para viver experiências excitantes com o novo casal.
Entretanto, quando Jamie consegue fazer o documentário dele e é admirado, Josh fica tomado pelo ciúme e o acusa de falta de ética e de não respeitar a verdade.
A idealização com que cercou a  imagem do jovem casal é substituída por despeito e uma tentativa de desqualificação. Pura inveja.
O certo é que a crise dos 40 pega quase todo mundo. E começamos a nos perguntar se conseguimos chegar onde queríamos. Hora de lidar com desilusões e ver que o tempo passou.
Noah Baumbach, 45 anos, diretor de “Frances Ha” 2012 e “Lula e a Baleia” 2005, avisa: culpar os outros pelo nosso próprio fracasso é algo patético. A única saída é tentar mudar de jeito ou buscar algo ou alguém que nos console.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Sob o Mesmo Céu


“Sob o Mesmo Céu”- “Aloha”, Estados Unidos, 2015
Direção: Cameron Crowe

Quem tem um fraco por comédia romântica vai gostar desse filme, se bem que, se você olhar mais de perto, vai ver que tem mais do que romance aqui. Fala-se de
escolhas de vida.
A história acontece no Havaí, 49º estado dos Estados Unidos. E logo pensamos em mar azul, colares de flores e dançarinas de hula hula. Tem tudo isso mas, há também, em “Sob o mesmo Céu”, um Havaí mais secreto, que é uma nação com um povo com antigas tradições e crenças compartilhadas. Mais, o Havaí é um reino sob dominação de um exército. E tem um rei respeitado.
O herói da nossa história (Bradley Cooper), no começo do filme, conta em “off” que, quando menino, estudava o céu com seu telescópio e sonhava com o espaço sideral:
“- Eu via o futuro e ele me pertencia.”
Entrou para a vida militar, mas com a crise de 2008 deixou-se comprar por um bilionário ( Bill Murray) e envolveu-se em negócios excusos em Cabul.
Ele volta ao Havaí, onde vivera, convocado pelo mesmo bilionário, que agora tem um projeto de lançar um satélite em águas internacionais, mas precisa dele para convencer os nativos a instalar uma base em suas terras. Ninguém, fora o general do exército (Alec Baldwin) e Brian,  sabe ao certo do que se trata aquele “Anjo Bravo”, o satélite.
Brian Gilcrest (Bradley Cooper) chega ao aeroporto e logo um menino pergunta para ele:
“- Você é o deus que vem para o Advento?”
O garoto, filho de uma ex de Brian, vive no Havaí com a família, a mãe Tracy (Rachel McAdams), casada com o pai dele, o militar Woody e uma irmã adolescente, a bela Grace.
Ela leva a sério as aulas de hula hula, uma dança que harmoniza o céu, a terra e as águas. O menino, envolvido nas crenças locais, acha que descobriu em Brian o deus que vai levar a deusa Pele para dentro do vulcão, iniciando com isso um novo ciclo.
Se nos mantivermos dentro desse registro do mito, a deusa é a faceira Emma Stone (sempre talentosa), Allison Ng, piloto da Força Aérea, a preferida de Hillary Clinton quando ela vem ao Havaí. Foi escalada para ser a parceira de Brian, em suas excursões pela ilha para conversar com os nativos.
Assim como os filhos de Tracy, a piloto, ¼ havaiana, respeita e conhece todo um lado sagrado que os nativos da ilha conferem à natureza.
O diretor e roteirista Cameron Crowe, 57 anos, de “Quase Famosos”2000, com o qual ganhou o Oscar de roteiro original, “Vanilla Sky”2001 e “Compramos um Zoológico”2011, tem familiares que moram no Havaí e conhece bem o lugar. Ele comentou numa entrevista que o filme tem a ver com o amor, a natureza e novas chances. Assim como a terra vulcânica, constantemente criada, assim, diz o filme, deveria ser a vida das pessoas, sempre renovada.
Brian terá que escolher entre a destruição gananciosa e o amor por uma mulher. Continuar a ser cético e materialista ou tornar-se apaixonado e ligado ao futuro da humanidade.
Um filme agradável, com um ótimo elenco.

terça-feira, 9 de junho de 2015

Mad Max: Estrada da Fúria


“Mad Max: Estrada da Fúria”- “Mad Max: Fury Road”, Austrália, Estados Unidos, 2015
Direção: George Miller

Já consagrado em Cannes, aplaudido durante sua exibição para a crítica internacional, “Mad Max: Estrada da Fúria”, está sendo considerado o melhor filme de ação do ano.
Max, o personagem de Mel Gibson nos outros três filmes, agora é Tom Hardy, o único macho atraente na tela.
A trama é simples. Max, sempre atormentado por culpas do passado, é aprisionado por estranhos seres pálidos e carecas, muito maus, que o aprisionam numa gaiola para servir como doador de sangue.
O líder deles é “Immortal Joe”(Hugh Keays-Byrne), que tiraniza seu povo e se anuncia à multidão de excluídos como o Redentor. Usando uma prótese com enormes dentes, cabelos brancos desgrenhados e olhar furioso, ele é assustador.
São dele todos os recursos que existem nesse mundo pós-tudo, incluindo a água, plantas e até mesmo mulheres que doam seu leite para os inúmeros filhos de Joe, que servem como seu exército, protegendo sua cidade, a Cidadela.
Quando a Imperatriz Furiosa (Charlene Theron) foge de Joe, levando as mulheres dele, começa uma perseguição cruel. Max, que consegue escapar dos seres pálidos, tenta ajudar a Imperatriz a livrar-se desses seres endoidecidos que estão no seu encalce.
De cabeça raspada, maquiagem negra que cobre sua cabeça e testa e vai até os olhos claros, alta e com um corpo perfeito, a Imperatriz tem uma prótese no lugar de seu braço esquerdo, o que mostra que ela não hesita em se arriscar. Guia um caminhão híbrido de tanque de combustível com pedaços de outros carros acoplados. Ela arrasa.
E as companheiras, que ela roubou de Joe, são belas e jovens mas também selvagens.
O filme passa-se quase que inteiramente no deserto, onde a perseguição acontece. E são colisões, capotamentos, explosões, muito tiro, motos que voam sobre carros saídos da imaginação mais louca, mistos de sucata de tudo que tenha um motor, ao som de uma furiosa guitarra elétrica, qual trio elétrico do horror.
A fotografia de John Seale, belíssima, pinta cenas com amarelo e vermelho para o dia e cinzas azulados para a noite. E a câmera acompanha, frenética, o exército atrás de Furiosa. Nota dez para a edição que empresta ritmo acelerado ao filme, bem como para a direção de George Miller, idealizador de tudo que pertence a esse universo bizarro e brutal.
O filme prende a atenção o tempo todo, colando o espectador na cadeira.
Mesmo pessoas como eu, que não gostam de filmes de ação, vão se encantar com Furiosa, Max e as velhinhas de moto que se aliam a eles. Porque é deliciosa essa fábula sobre um mundo onde a luta é por uma qualidade de vida melhor para todos.
Aqui é o matriarcado que vai salvar a humanidade dos machistas empedernidos e terríveis. Doa a quem doer.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Permanência


“Permanência”, Brasil, 2014
Direção: Leonardo Lacca

Há um desconforto entre os dois.
Ele se anuncia pelo interfone, tentando brincar e põe a mala no elevador.
Sobe a escada com passos largos. Ela sorri quando abre a porta e vê que o elevador chegou primeiro com a mala, mas sem ele. Lembranças chegam antes dele, que retarda aquele encontro.
“- Você ainda tem problema com elevador?”
Na cozinha, ela se esquiva quando ele fica mais ardente. E oferece café.
O que foi que separou aquele casal?
“Permanência”, primeiro filme de Leonardo Lacca, ilustra o tema do silêncio. Não o vazio, mas o que contém o que não se diz. E por isso o desconforto. Ficam palavras entaladas na garganta. E a emoção paira.
Cabe ao espectador valer-se das suas próprias experiências para preencher as lacunas, já que é uma linguagem que todos compreendem.
Ivo (Irandhir Santos), fotógrafo que chega do Recife para sua primeira exposição em São Paulo, reencontra Rita (Rita Carelli). Ela está casada com outro, muito diferente de Ivo, que apesar de sentir o clima entre sua mulher e o recém-chegado e porejar ciúme, faz um tipo seguro de si, tratando o outro como um caipira na grande cidade. É aparentemente acolhedor e prestativo, mas soa falso e inútil.
Ivo é filho de uma aventura do pai (Genésio de Barros), que o esconde, também mantendo um silêncio incômodo. Tem como desculpa, a existência de Tereza, sua mulher, que não vai gostar de saber desse segredo.
Ivo vai pela cidade, transa com Laís (Laila Pas) mas tem Rita na cabeça.
As mãos deles, apaixonadas, se torcendo juntas e clandestinas no cinema, são mais sensuais que qualquer outro ato de amor.
E dela, restam com ele fotos, sinais da permanência de sentimentos. Ela olha essas fotos e se emociona com o que trazem ao coração.
Aquele amor vivido permanece na memória dos dois, onde deixou traços indeléveis.
“Permanência” foi muito premiado no Festival do Recife: melhor filme, melhor atriz para Rita Carelli, melhor ator coadjuvante para Genésio Barros, melhor atriz coadjuvante para Laila Pas e melhor direção de arte para Juliano Dornelles.
Mais um bom filme nacional que vem engrossar o veio que nos vem do Recife.
“Permanência” é um filme que se vê intrigado, até que o espectador perceba que tem que entrar em sintonia com as emoções e não com as palavras. 

domingo, 7 de junho de 2015

Promessas de Guerra


“Promessas de Guerra”- “Water Diviner”, Estados Unidos 2014
Direção: Russell Crowe

Estamos em 1915, num território da Primeira Guerra, na batalha de Galipoli, onde perderam a vida 4.000 australianos e neozelandeses do Army Corps, que integrava as forças britânico- francesas e 7.000 turcos, defendendo suas terras, ainda parte do Império Otomano. Fala-se de um total de 200.000 mortos nos dois exércitos que se enfrentaram. Foi uma carnificina.
Na Austrália, um homem e um cachorro andam por terras desertas. Ele procura água com um instrumento rudimentar na mão. Mas não são as varinhas que vão encontrar a tão rara água naquelas terras ressecadas, e sim o homem, que possui dons misteriosos.
Sabemos de suas estranhas visões sobre a guerra, bombas, gritos de dor e um dervixe que roda sem cessar.
De volta à casa, Joshua Connor (Russell Crowe, ator e agora diretor estreante) encontra sua mulher deprimida, chorando a perda dos três filhos deles naquela guerra distante. Quatro anos já se passaram e não há notícias sobre os rapazes, soldados voluntários, dados como desaparecidos, talvez mortos.
Ele olha com piedade para aquela mãe, enlouquecida de dor, que pede que ele leia uma história para os filhos, que ele sabe que não estão mais ali.
E é quando encontra o corpo dela, boiando sem vida no pequeno lago, que ele toma a decisão de ir atrás dos corpos dos filhos, ou do que resta deles, para dar-lhes sepultura em solo sagrado.
Vemos quando desembarca em Istambul, depois de uma longa travessia num barco que o trouxe da Austrália e começa a rastrear os filhos com os mesmos dons com que acha água.
Não foi tão fácil.
Ele vai a Galipoli. Mas numa terra onde se empilham milhares de caveiras sem nome, como encontrar os restos dos três rapazes?
Russell Crowe debuta na direção com esse filme que ousa ser antiquado e melodramático, com imagens terríveis de corpos estraçalhados nas trincheiras e homens que se matam com as mãos nuas, esgotadas as munições e perdidas as baionetas que atravessaram tantos corpos.
Era assim a guerra no começo do século XX.
Connor tem a ajuda de um oficial turco, major Hasan (o ótimo ator turco Yilmaz Erdogan de “Era Uma Vez na Anatólia”) e se instala na casa da viúva Ayshe (Olga Kurylenko, mais bonita do que boa atriz), levado pelo filho dela, o menino Orhan (Dylan Georgiades).
“Promessas de Guerra” tem bela fotografia, produção de arte sofisticada e cenários reais que mostram a Mesquita Azul, o palácio Topkapi e suas cisternas milenares. Outras cenas recriam campos de batalha na Austrália com perfeição.
É um filme bem feito, uma mega produção que poderia ganhar em ritmo se fossem cortadas algumas cenas repetidas, cruciais para o entendimento da história, mas que não fariam falta se vistas uma só vez.
Agradará a quem gosta de filmes “retrô” e nos faz pensar em como todas as guerras são terríveis e insensatas.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

3 Corações




“3 Corações”- “3 Coeurs”, França, Alemanha, Bélgica, 2014
Direção: Benoit Jacquot

Quem não teve na vida um amor não vivido? São eles a porta de entrada para as já famosas “vidas paralelas”, sempre idealizadas, principalmente quando as coisas não vão bem em nossas relações afetivas.
E então, aquele amor que não vivemos porque não aconteceu, passa a ocupar a mente com promessas que não foram cumpridas. E se...
O fato é que frustrações são frequentes nas vidas dos seres humanos e esses amores não acontecidos passam a ser o oásis sonhado no deserto.
Foi o que aconteceu com Marc e Sylvie em “3 Corações”.
Os dois se encontraram numa noite em que, por coincidência, trombaram um no outro na cidade de interior onde ela morava. Marc estava lá a trabalho mas perdera o trem, estava só e de mau humor, não sabia onde tinha ido parar o celular e buscava um hotel para passar a noite e voltar para Paris.
Foi assim que começou a conversa:
“- Com licença, sabe onde posso encontrar um hotel?”
E foram conversando noite adentro até o sol nascer e sem trocar nomes ou endereços. Meio de improviso, combinam que ela irá a Paris e marcam um encontro no Jardim das Tulherias.
Sylvie vivia um momento de impasse em sua vida. Seu marido terá que ir trabalhar e viver nos Estados Unidos e ela hesitava em segui-lo.
O aparecimento desse homem parece que a distrai dessa decisão a ser tomada. Confidencia a Sophie, sua irmã querida com quem trabalha na loja de antiguidades que tinha sido da mãe delas, que encontrara alguém.
E vai ao seu encontro com muitas expectativas.
Mas quis o acaso que, problemas no trabalho e um ataque de pânico, fizessem com que ele se atrasasse muito e ela já tivesse ido embora quando ele chega ao encontro marcado.
Sylvie (Charlotte Gainsbourg) e Sophie (Chiara Mastroianni) são irmãs. Catherine Deneuve é a mãe delas. Benoit Poelvoorde é Marc, o homem que as irmãs vão amar, uma sem saber da outra, até a hora em que tudo pode ou não vir à tona.
O roteiro é bem escrito pelo diretor Benoit Jacquot (“Adeus Minha Rainha”) e Julien Boivent. O espectador segue a história, não sabendo bem por quem torcer porque as duas irmãs são encantadoras e não merecem sofrer por esse homem que, aliás, não é nenhum príncipe encantado.
Catherine Deneuve, a mãe delas, posa de matriarca impecável, desfila sua eterna beleza e não se mete na vida das filhas, que sempre correm para ela quando as coisas desandam. Mas seus olhares aflitos dão a perceber que, talvez, ela seja a única que sabe de tudo.
O final é a coroação daquilo que eu chamei de “vidas paralelas” no início desse texto. E se... Seria tudo tão diferente...
São mentirinhas que contamos para nós mesmos para nos distrair da realidade inevitável.