quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O Conselheiro do Crime



“O Conselheiro do Crime”- “The Counselor”, Estados Unidos, 2013
Direção: Ridley Scott

Antes mesmo dos letreiros, a câmera de Ridley Scott penetra embaixo dos lençois de uma dupla, sussurando excitados. Apaixonados, Michael Fassbender (de “Shame”), o advogado e Penélope Cruz (sensual e ingênua), começam o desfile de estrelas, no filme “O Conselheiro do Crime”.
A segunda dupla que aparece é mais vulgar, mas mais rica do que o advogado e sua noiva. No deserto do México, Javier Bardem (sempre excelente, com um visual de cabelo espetado, bronzeado e camisas incríveis), e Cameron Diaz (arrasadora, sexy e fria) acompanham com binóculos a caçada dos dois guepardos, seus bichinhos de estimação, que usam coleiras incrustradas de pedras faiscantes.
Quando as duas moças se encontram na piscina do spa, Malkina e Laura (Cameron e Penélope), conversam sobre o solitário que o advogado deu para sua noiva e que comprou de um diamantário filósofo (Bruno Ganz, o ator alemão de “Asas do Desejo” de Wim Wenders):
“- Um diamante perfeito seria feito de luz.”
Enquanto Malkina, avalia a pedra com olhos de conhecedora, Laura, romântica, nem sabe quantos quilates tem seu anel.
O conselheiro é advogado da turma dos que negociam com drogas. Quer mais dinheiro e é com essa gente que que ele vai buscar o que quer.
Mas, estranhamente, ele que se considera tão inteligente, recebe lições dos clientes, que parecem saber bem mais do que o conselheiro sobre como é o mundo onde todos eles se movimentam, puxando o tapete uns dos outros e fugindo da polícia.
Brad Pitt dá aquele gingado no andar, se veste de “cowboy” moderno, cabelos longos e aparece pouco. Mas a cena onde entra o “bolito” (prestem atenção na explicação do personagem de Bardem), é só dele.
Em sedas com estampas azuis, vestidos curtos mas de bom gosto e tatuagens de pintas de um guepardo em lugares estratégicos no corpo perfeito, Cameron Diaz, 41 anos, nunca vestiu tão bem um papel como o de Malkina.
A cena com a Ferrari amarela é de cair o queixo. Ela  movimenta-se como uma felina e seus olhos azuis escondem-se debaixo de uma franja loura.
Sempre carregada de ouro nos braços, colo, orelhas e dedos, Cameron Diaz brilha como uma deusa pagã.
Ridley Scott, 76 anos, faz de “O Conselheiro do Crime” um filme de grife. Alguém se esquece de “Blade Runner”1982 ou “Thelma e Louise”1991?
A história, entretanto, com roteiro de Cormac McCarthy, o escritor de “Onde os Fracos não tem Vez”, levado com brilho ao cinema pelos irmãos Cohen, deixa a desejar. Diálogos longos e pseudo-intelectuais, quando não abertamente empolados e verborrágicos, atrapalham a narrativa.
De qualquer forma, vale ver esse último Ridley Scott, pelo elenco fabuloso e pela maneira farsesca como essa fábula moral contemporânea mostra que o crime não compensa e que a ganância é mortal.

sábado, 26 de outubro de 2013

37a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo




37ª Mostra Internacional de São Paulo

Todo ano é aquela expectativa para ver os filmes da Mostra. Fui ver alguns muito bons, que eu recomendo. Vocês podem ver porque alguns desses ainda vão passar outras vêzes, ou na repescagem da Mostra, depois do dia 31/11. Quem quiser conferir a programação vá até o site da Mostra: www.mostra.org.
Aqui estão algumas anotações na saída da sala, bem esquemáticas:

1 - “A Mulher do Policial” – “Die Frau Des Polizisten”, Alemanha, 2013-10-23 Direção: Philip Groning

Em 59 capítulos, o diretor vai introduzindo, através de belíssimas imagens, a vida de uma família composta por um casal e uma filha pequena.
Em alguns desses capítulos, de alguns minutos, a natureza do local é mostrada e quase nada acontece. São espaços de meditação que vão levando a gente a poder ver o que vai acontecer. Em outros, vemos a mãe e a filha, amorosas, na vida diária e em outros ainda, o pai e a família. Mas o assunto que vai ser tratado é bem pesado: violência doméstica.
O filme nos leva a pensar sobre o desespero e a loucura que unem o sádico e a masoquista. Os dois fogem da realidade vivida para se enganar e acreditar, no caso desse filme, que existe uma família feliz.
A menina, filha dos dois é a maior vítima, retirada brutalmente de um paraíso de felicidade com a mãe, para acordar num inferno onde o pai/bicho machuca a mãe e grita. Ela se pergunta: onde está o papai bonzinho?
O espectador só acorda para a realidade crua do massacre que sofre a mulher, quando vemos as marcas em seu corpo.
A dupla de pais se infantiliza como defesa, para não ter que lidar e controlar os surtos de agressividade do homem da casa, do qual se espera afeto e proteção.
Na falta de um superego protetor, nesse casal, sucumbem todos.
No capítulo final, o diretor nos remete, com imagens de água e o corpo da mãe e da menina, a uma fantasia: a volta ao útero materno.
Muito impactante.
(O filme ganhou o Prêmio Especial do Júri do Festival de Veneza 2013)

  
2 - “Inside Llewlyn Davis”, Estados Unidos/França 2013
Direção: Joel e Ethan Cohen

Sem um canto seu, sem emprego, sem amor mas com alguns amigos.
O filme dos Cohen retrata uma situação cruel. Por que o jovem cantor de música folk não consegue nada na vida? Será que é o destino ou ele mesmo nada faz em seu favor?
Ele é como um gato vira-lata sem dono, à mercê da bondade ou maldade das pessoas. Ou como uma folha ao vento. O mundo em que ele vive tem pouca compaixão.
Triste e frustrante, o filme pinta um cenário quase sem esperanças para o protagonista.
Ele, que canta lindamente músicas tristes, está só porque seu parceiro saltou da ponte para a morte.
Ele parece se esforçar para dar certo mas a evidência dos fatos mostra o contrário.
A depressão e o luto pela morte do parceiro o levam a uma sinistra e calada auto-destruição sem saída.
Provavelmente, o voo na ponte será também o seu destino...
(O filme ganhou o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cannes 2013)

3- “Bertolucci por Bertolucci”, Itália, 2013
     Direção: Luca Guadagnino e Walter Fasano

É um privilégio assistir a esse documentário que faz uma interessante montagem de entrevistas dadas ao longo da vida do cineasta e mestre do cinema, Bernardo Bertolucci, 73 anos.
Vamos vê-lo em imagens antigas, desde as primeiras, recebendo um prêmio dado ao mais jovem poeta italiano, filho de um poeta e já cineasta, até aquelas na cadeira de rodas, na qual ficou nove anos sem filmar.
Ao longo de entrevistas com cortes que fazem o tempo ir e voltar, vemos Bertolucci contar suas ideias sobre o cinema, sobre política, sobre a psicanálise, sobre a censura italiana, sobre os Oscars que ganhou em Hollywood, enfim, uma vida é passada na tela.
É um desfile montado por ele mesmo, o poeta, o humanista, o comunista sonhador, o diretor apaixonado por seus atores, o cineasta orgulhoso de seus sucessos, o megalomaníco infantil competindo com outros mas também o homem mais velho e sábio que fala por paradoxos e aceita as contradições nele mesmo e no mundo.
Diz que pensa que o cinema deve proporcionar prazer ao espectador. Mas que se compreenda, assinala ele, que não se trata de um prazer só de alegria mas de sentimentos humanos, de angústia, a ponto do diretor de cinema não poder ter medo de se despir perante o público e até de ser julgado de forma injusta.
Bertolucci diz que o cinema é sombra, é reflexo de um reflexo. E é um sonho que podemos sonhar juntos na sala de cinema.
Durante o documentário vemos o rapaz bonito e confiante, o homem maduro sedutor e seguro de si e o homem mais velho, realista e carinhoso.
Fala muito da psicanálise como uma experiência que o ajudou a se conhecer melhor e aceitar os outros. Considera “La Luna” seu filme mais psicanalítico.
Ele conversa com vários entrevistadores ao longo do documentário e fala sobre seus filmes mais famosos como “Antes da Revolução” 1964, “O Conformista”1970, “O Último Tango em Paris”1972, “1900” 1976, “O Último Imperador”1987, “O Céu que nos Protege”1990, “O Pequeno Buda”1993, “Beleza Roubada”1996, “Os Sonhadores”2003 e “Io e Te”2012.
É um privilégio assistir “Bertolucci por Bertolucci”.


4 –“Miss Violence”, Grécia, 2013
Direção: Alexandros Avranas

Algo muito errado acontece naquela família.
A menina que faz aniversário, onze anos, se suicida durante a festinha familiar, se jogando pelo terraço do apartamento.
Por que Angeliki se suicidou? E com um sorriso nos lábios?
Todos se perguntam sobre isso na escola, a polícia, o serviço social, os vizinhos.
Mas só o espectador vê seu último sorriso.
Os avós, a mãe da menina e seus irmãos (uma menina mais velha de14 anos, muito próxima de Angeliki, um menino de uns 9 e outra menina de uns 10 anos), não falam sobre o acontecido.
O avô dá remédios fortes para a filha, mãe de Angeliki, que parece muito deprimida. Mas ela só pode chorar trancada no banheiro.
Todos moram juntos num apartamento agradável.
Ninguém diz nada sobre o pai dessas crianças. É como se não existisse.
À mesa de refeições todos se sentam eretos e calados, esperando a avô, o chefe daquela família, muito rígido.
As crianças são mandadas para a escola no dia seguinte da tragédia, para espanto dos professores.
Parece que todos temem o avô, apesar de algumas demonstrações mínimas de afeto.
“Miss Violence” é o segundo longa do jovem diretor grego de 36 anos. Aparentemente é um filme que trata de segredos de família bem guardados que são revelados quando, inesperadamente, a violência explode.
Mas parece que o filme pode também fazer uma leitura crítica do estado dos valores morais e éticos na Grécia, que passa por uma grave crise econômica.
É como se o filme nos perguntasse: como chegamos a esse ponto? O que foi que deixamos fazer conosco? Por que nunca nos rebelamos?
( O filme ganhou o Leão de Prata de melhor diretor e  também o de melhor ator para Themis Panou, que faz o avô, no Festival de Cinema de Veneza 2013)

5 – “Child’s Pose”- “Instinto Materno” Romenia, 2012
Direção: Peter Netzer

Uma mãe dominadora, antipática e cheia de si (a excelente Limunita Gheorgiu), vestida com casacos caros, bolsas de couro brilhantes e muito ouro nas mãos, punhos e orelhas. Cornélia, aos 60 anos já perdeu seu único filho, que não tem uma boa relação com ela. E mais que isso, vive com uma moça divorciada, que ela desaprova.
Rica e manipuladora mas contrariada por causa do filho, leva uma vida afetiva de fachada.
“- Ela nem ao menos colocou um bebê no colo dele”, reclama com sua melhor amiga.
Um acidente trágico vai ser a oportunidade que Cornélia vê de se reaproximar do filho.
Morreu um menino de 14 anos, pobre, das redondezas de Bucareste, por imprudência do filho de Cornélia que queria ultrapassar um carro em alta velocidade.
É a hora em que essa mãe onipotente, muito bem relacionada, começa a se intrometer na investigação policial, pensando que pode comprar a liberdade do filho e trazê-lo de novo para o seu domínio.
Mas o filme envereda por outro caminho e aproxima duas mães que nada tem a ver uma com a outra.
O novo cinema romeno, premiadíssimo já, tem em “Child’s Pose” um excelente representante de seu vigor.
(O filme ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim de 2013)

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Os Suspeitos


“Os Suspeitos”- “Prisoners”, Estados Unidos, 2013
Direção: Denis Villeneuve

Uma floresta sob a neve. Uma voz de homem reza o “Pai Nosso”. Um cervo aparece entre as árvores. O tiro de um rifle mata o animal.
Na estrada, sob a chuva, o pai fala para o filho:
“- Estou orgulhoso de você! Foi um belo tiro.”
E a carcaça do animal jaz inerte, na parte traseira da caminhonete.
Prazer e morte. Mau presságio.
Um dos gêneros que mais agrada a quem gosta de cinema, sempre foi o “thriller”, o filme de suspense. Mas, fazer um filme desses, não é para qualquer um.
Por que? Muitos elementos são necessários nessa empreitada na qual, mais que tudo, o roteiro tem que ser inteligente e ter ingredientes que atraiam a curiosidade.
“Os Suspeitos” do diretor canadense Denis Villeneuve
(do ótimo “Incêndios”2011), consegue preencher esses requisitos com sucesso. Temos aqui um filme excelente.
Contando com um roteiro bem escrito por Aaron Guzikowski, prende o espectador e o incentiva a prestar atenção em todos os detalhes em cena, capturados que somos pelo mistério do desaparecimento de duas meninas, numa tarde de feriado do dia de Ação de Graças na América, num bairro de classe média, atingindo dramaticamente duas famílias, uma de brancos (Hugh Jackman e Maria Bello, os pais de Anna) e outra de negros (Viola Davis e Terrence Howard, os de Joy).
Chove muito. A neve enlameada e o frio são o cenário ideal para esse clima que se abate, não só sobre as duas famílias mas também sobre a comunidade local.
A fotografia de Roger Deakins abusa de tons terrosos e sujos, para reforçar a ideia de tristeza e decepção dramática.
O detetive Loki (Jake Gyllenhaal, talentoso), tem fama de resolver todos os casos que investiga mas vai ter que encarar a frustração e bater de frente com o pai de Anna, uma das desaparecidas, violento e destemperado, na pele de um sempre excelente ator que é Hugh Jackman (o Jean Valjean de “Os Miseráveis”).
Os dois homens não podem ser mais diferentes na forma de externalizar suas emoções, o que cria um atrito constante. O detetive compenetrado e racional e o pai furioso, sem controle, que quer levar tudo na base da força bruta e do castigo. Certamente, no passado está a chave desse comportamento que beira a loucura de um e da contenção exagerada do outro.
Um rapaz que é doente mental (Paul Dano) e que é visto por perto do local onde as meninas estavam, num trailer velho, é preso e sua tia (Melissa Leo), que afirma que o sobrinho é inofensivo, são envolvidos pelo clima de desespero que toma conta de todos.
O fanatismo religioso, a sexualidade bizarra, o trauma, a loucura, tudo se mistura para produzir um resultado que estimula uma angústia crescente na plateia, que acompanha o frenesi dos envolvidos no caso do desaparecimento das crianças.
“Os Suspeitos” é um suspense como há muito não se via, que nos interroga sobre até onde podemos ir quando acreditamos que estamos certos. Ou seja, pergunta se estamos preparados para enfrentar a tentação de justificar a maldade.
Não perca.

Diana


“Diana”- Idem, França/Suécia/Bélgica 2013
Direção: Oliver Hirschbiegel

Ela conheceu dias de glória e também de choro e ranger de dentes. Era a mulher mais famosa do mundo
e dizia que queria ser amada, não só pela multidão de fãs mas por um homem.
Via-se como rejeitada, por isso queria tanto agradar?
“Diana”, o primeiro filme que fazem sobre a vida de Lady Di (e muitos virão), foi baseado no livro de Kate Snell, “Diana: Her Last Love” de 2001( “Diana: O Último Amor de uma Princesa”, Prata Editora).
A trama do filme centra-se no suposto relacionamento amoroso com um médico paquistanês, que operava num hospital em Londres, Hasnat Khan (Naveen Andrews, péssimo no papel).
E o roteiro fraco, não ajuda a vender esse romance desmentido por ela.
Na verdade, nunca saberemos a verdadeira história da princesa de Gales, que dizia preferir ser a “Rainha dos Corações” a ser rainha da Inglaterra.
E, se tudo é ficção, uma coisa é certa. Desde sua primeira aparição na imprensa, com aquela saia transparente na contraluz e rosto de anjo, num jardim da infância onde trabalhava, Diana levou uma vida sendo fotografada e filmada.
E parecia gostar disso.
A famosa entrevista de 1995 para a BBC foi um choque para o mundo todo. A cena do filme em que ela ensaia as respostas em frente ao espelho, mostra algo que pode fazer sentido. Porque parece que Diana sempre quis se vingar da rejeição que dizia ter sofrido por parte da família real e de Charles, seu marido.
Conta a lenda que foi Camilla Parker Bowles, na condição de amante, quem escolheu Diana para ser mãe dos herdeiros de Charles, o primeiro na lista da sucessão, se Elizabeth II renunciar ou morrer.
“ - Éramos três naquele casamento...” diz ela com o rosto angelical e grandes olhos azuis marejados, fazendo de si mesma uma vítima a ser glorificada.
A partir daí, em sua curta vida de 36 anos, a imprensa nunca mais deixou de acompanhar cada passo que ela dava. Todo mundo viu todas as fotos.
E, por isso mesmo, Naomi Watts mostra que, na difícil missão de encarnar Diana, ela se saiu muito bem. Nosso olhar a segue em todas as posturas de cabeça, modo de andar e olhar, que flagramos na princesa. Claro que maquiagem, roupas, joias, fazem parte do cenário e ajudam, mas Naomi Watts é o filme.
Percebe-se o talento da atriz, que não fez uma imitação barata mas incorporou a personagem, identificando-se com ela e simpatizando com seus sentimentos.
Isso passa para o público no cinema de maneira tão forte, que, acabado o filme, pensamos em Diana e em nossas memórias sobre ela. Cada um com sua versão particular, mas todos encantados com essa princesa bela e simpática, aberta para as pessoas simples e necessitadas mas que sempre foi e para sempre será enigmática.


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Os Belos Dias


“Os Belos Dias”- “Les Beaux Jours” França, 2012
Direção: Marion Vernoux

Quantos belos dias teremos ainda em nossa vida?
Essa pergunta não é para os muito jovens. Nem mesmo para os que ainda estão entre os 40 e os 50 anos.
São as pessoas de 60 que começam a se fazer essa pergunta que não tem resposta certa.
Caroline (Fanny Ardant, elegante e bela) perdeu sua melhor amiga para um câncer e sombra num luto que todos confundem com enfado.
Ela era dentista e se aposentou depois de uma feia discussão com uma cliente. Agora tem tempo de sobra. Para quê?
O pior de tudo é que ninguém se dá conta da culpa que Caroline arrasta para um clube de aposentados, onde o marido (o ótimo Patrick Chesnais) e as duas filhas nos trinta, casadas e com filhos, acham que ela se distrai.
O clube de aposentados “Beaux Jours” é um lugar que deprime Caroline mais do que ela pode suportar.
Mas lá vai ela, como um castigo, às aulas de teatro, cerâmica, yoga e enologia. Nessa última, ela está mais interessada em beber do que aprender o que já sabe. Ela é uma mulher sofisticada e deprimida.
Eis que, de repente, surge Julien (Laurent Lafitte), o professor de informática, um sedutor que atrai Caroline para sua rede. E ela não reclama.
Ele é bonito, alto, sexy mas vulgar e paquerador. Tem idade para ser seu filho.
Alguns, irão explicar esse caso de uma mulher mais velha com um homem mais jovem e com tempo de sobra (como diz sua filha), como uma busca pela juventude, pelos “belos dias”.
Outros, percebendo que Caroline está de luto, vão dizer que ela se engana com o amante, para não pensar na morte da amiga, que a tortura e enche de culpa e medo inconfessáveis.
A diretora Marion Vernoux não emite julgamentos morais. Só mostra o que acontece e nós deduzimos o que vai acontecer.
“Os Belos Dias” foi adaptado do romance “Une Jeune Fille aux Cheveux Blancs”, que pode ser traduzido como “Uma Garota de Cabelos Brancos”, escrito por Fanny Chesnel, que foi co-autora do roteiro com a diretora. Os diálogos são bem naturais e nos momentos em que Caroline passeia pela praia, ao por do sol, aproveitando seus belos dias, a luz é suave e romântica.
A verdade é que não é fácil envelhecer. Para ninguém. Muito menos para uma mulher bela, que quer ter um espelho amoroso que a faça esquecer da decadência inevitável.
Fanny Ardant, que sempre foi um ícone de mulher no cinema, conhece o que é passar por um luto. Sua personagem perde a amiga e ela perdeu o amor de sua vida, o diretor François Truffaut (1932-1984), aos 35 anos. Só ela sabe como conseguiu superar isso. Está envelhecendo muito bem, como se pode ver no filme, elegante e bela aos 64 anos.
“Os Belos Dias” é um filme agridoce. Divertido para quem está de fora e não se preocupa ainda com a contagem regressiva. E levemente amargo para os demais.
Mas, ajuda a estes últimos porque induz a uma reflexão que todos que gostam da vida deveriam fazer.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Gravidade


“Gravidade”- “Gravity”, Estados Unidos/ Inglaterra 2013
Direção: Alfonso Cuarón

A doce curvatura da Terra azul preenche a tela. Silêncio.
Imagens deslumbrantes em 3D mostram pessoas que trabalham em trajes de astronautas no espaço, onde a vida é impossível, a 600 km do nosso planeta.
O grande passo que a humanidade deu, quando o primeiro astronauta pisou a Lua, segue seu curso. Homens e mulheres trabalham dentro e fora dos veículos espaciais que gravitam em órbita da Terra.
A Dra Ryan (Sandra Bullock), engenheira-médica, novata no espaço, conversa com Houston em terra firme, enquanto faz um reparo na nave. Chega perto dela outro astronauta, o veterano Matt Kowalski (George Clooney), que consegue pegar um parafuso que se soltara da mão dela.
“- Desculpe. Eu trabalho num laboratório onde as coisas caem no chão”, brinca ela.
Os dois ouvem Houston informando:
“- Uma estação russa foi atingida e criou uma nuvem que pode atrapalhar vocês.”
Mas eles trabalham tranquilos.
“- A vista daqui é inigualável”, diz Kowalski olhando para a Terra. E continua:
“- O que você gosta mais aqui?”
“- Do silêncio”, responde ela.
“- Tenho um mau pressentimento sobre essa missão. O mesmo que senti em 19997 num Carnaval...” e ele continua a contar um caso, quando ouve-se uma voz alarmada:
“- Explorer! Aqui é Houston. Missão abortada. Restos de um míssil atingiram outra nave e a nuvem de detritos é perigosa.”
Kowalski diz para a dra Stone:
“- Melhor voltarmos.”
De repente, toda aquela aparente tranquilidade se transforma em desespero e terror.
Assistimos a tudo apavorados, como se estivéssemos lá, com eles. De um momento para o outro, a nave é atingida e a Dra Stone é arremessada para longe e cai para cima, em direção a um vazio de um turbilhão de estrelas.
Com o coração apertado, escutamos sua respiração curta, em estado de pânico e a vemos girando e girando.
“Gravidade” é um filme que toca a todos os humanos, porque trata de nossos medos mais primitivos. Faz com que a plateia sinta o perigo mortal e lento da asfixia, o pavor de cair para sempre e o horror de sentir-se impotente para controlar uma situação que pode ser aniquiladora.
Nossa fragilidade está em primeiro plano, companheira de uma solidão total.
E o paradoxo, que tanto o roteiro como o modo de filmar  da câmera nos mostram, é que, apesar de percebermos que somos como a Dra Stone, um quase nada perante a força da destruição à volta dela, também somos aquela fagulha humana que consegue recuperar o controle e ter esperança.
O filme concretiza uma condição psíquica depressiva, claustrofóbica, na qual se é levado a crer que a morte, o largar-se, seria a única opção. Mas ir até o limite do insuportável, faz descobrir novas forças e coragem para enfrentar o que se imaginava, antes, que era uma situação sem saída.
Não à toa, a Dra Stone vivia na Terra um luto patológico. Precisou quase perder a vida para valorizá-la e acreditar de novo em razões para viver.
A fotografia de Emmanuel Lubezki cria imagens que guardamos como quadros em nossa mente, enquanto que o roteiro, co-escrito pelo diretor mexicano de 51 anos, Alfonso Cuarón (que dirigiu o aclamado “Harry Potter e o Prisioneiro de Askaban” 2004) e seu filho, o também diretor Jonás Cuarón, conta uma história simples e terrível, quase sem diálogos e alguns monólogos.
Sandra Bullock consegue mostrar um talento, até então escondido, que comove. Seja no corpo cansado, assumindo a posição fetal, flutuando, quando consegue se livrar do pesado traje de astronauta, seja em seu rosto expressivo, olhando a inesquecível lágrima que flutua em frente aos seus olhos. Momentos que são o umbigo emocional do filme.
“Gravidade” beira o sublime. Imperdível.

sábado, 12 de outubro de 2013

O Capital




“O Capital”- “Le Capitale”, França, 2012
Direção: Costa-Gravas

Ninguém dava nada por ele.
Assistente “faz-tudo” do presidente do Banco francês Phoenix, chegou até a escrever um livro para ele. Com o tempo, tornou-se indispensável para o patrão mas permanecia apagado aos olhos dos grandes executivos.
Foi assim até que o todo poderoso do banco ficou doente.
Para surpresa geral, o assistente foi indicado como sucessor pelo próprio presidente. Mas ninguém se preocupou com isso. Para todos, seria uma marionete nas mãos dos que mandavam no banco.
Grande engano. Empossado, Marc Tourneil vai aguçar o olhar e mostrar os dentes.
Sua ascensão vai ser fulminante. E os métodos que ele vai empregar nessa subida, detestáveis.
Marc (na pele de Gad  Elmaleh, marroquino, 42 anos, noivo de Charlotte Casiraghi, 27 anos, filha de Caroline de Monaco) vai mostrar a todos a que veio. Inteligente, frio, muito ambicioso, ele adora o poder.
“- Eles querem um presidente barato”, diz para sua mulher (Natasha Régnier).
“- Mas 150 mil euros por mês não são suficientes para você?”
“- Dinheiro é poder. Eu quero mais. Assim serei respeitado.”
E contrata um ex-policial para investigar tudo e todos.
“- Vasculhe o lixo. Quero saber quem está contra mim.”
E já como presidente, toma decisões nada ortodoxas. Sua primeira medida é anular o crédito para pequenas empresas, que tem baixo retorno e acabar com os projetos ligados a novas tecnologias visando a proteger o meio ambiente:
“- Vou por no mercado os produtos tóxicos. Para a imprensa, sublinhem nossa preocupação com o crescimento da Europa.”
Mas um grupo de acionistas americanos, que tem um porta-voz duro (Gabriel Byrne), quer comprar o banco francês e não pagar nada por ele. Para isso precisam que o novo presidente trabalhe para eles. Toda espécie de suborno e ameaças são usados. Como isca, uma top-model, na fraca interpretação da modelo Liya Kebede, faz um jogo de sedução que envolve o deslumbrado Marc.
Aqui vemos claramente que Costa- Gravas não quer denunciar só um sistema financeiro mas quer mostrar a mentalidade dos que estão circulando em torno a ele.
Marc Tourneil só se interessa pelo jogo da conquista. Corre atrás da moça e a suborna com empréstimos cada vez mais altos. Mas para quê? O desejo dele está envenenado e sua libido só responde a triunfos.
As demissões em massa valem bônus para ele. Trinta milhões de euros. Marc consulta um especialista em “off shores”:
“- É na crise que se fazem as grandes fortunas. Mas precisamos proteger nosso dinheiro”, comenta o consultado.
Com o roteiro adaptado do livro de 2004 de Stéphane Osmont, pseudônimo de um executivo que trabalhou no governo francês e em grandes instituições financeiras europeias, “O Capital”, alusão ao livro de Karl Marx, descreve muito bem o sistema reinante, o capitalismo “cowboy” dos acionistas americanos e, principalmente, o perfil psicológico raso daqueles que mandam no dinheiro, alheios aos pequenos e pobres.
Marc Tourneil, intitulado o “Robin Wood dos ricos”, tem um tom de farsa e ironiza aqueles que gravitam em torno ao dinheiro, que é o que traz poder no mundo de hoje.
Aos 80 anos, o diretor grego naturalizado francês, de filmes políticos antológicos como “Z”1969, sobre a ditadura militar na Grécia e “Desaparecidos”1982 sobre o Chile, ainda sabe conquistar o público. Em “O Capital” seu tom é de sarcasmo e de denúncia da frieza e desumanidade do mundo financeiro.
O ritmo do filme tem suspense e a produção de arte se esmera nos detalhes que mostram riqueza. Assim, vemos coquetéis nos salões exclusivos do Louvre, desfiles de alta costura, jatinhos, barcos com champagne e mulheres à vontade, restaurantes e hotéis de luxo e escritórios decorados com mestres da pintura que valem milhões. Mas não há alma nesses cenários maravilhosos. Só cobiça e jogo sujo.
“O Capital” ensina a quem não sabe, sem perder o humor sarcástico e sem medo de denunciar os males dos nossos tempos. 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Obsessão


“Obsessão”- “The Paperboy” Estados Unidos, 2012
Direção: Lee Daniels

É quase uma regra sem exceção. Pessoas fragilizadas, quando acuadas, tendem à violência. Se o ambiente estimular, uma pessoa dessas perde a cabeça. “Obsessão” vai mostrar como isso acontece.
Os irmãos Jansen, Jack (Zac Efron) e Ward (Mattew McConaughey), vão passar por apuros ao se interessar em desvendar o assassinato de um xerife, odiado pelos negros e temido pelos brancos, na Flórida do fim dos anos 60.
Quem foi para a prisão, condenado à morte, é um sujeito desbocado e esquisito (John Cusack).
Ward, o mais velho dos irmãos é jornalista e acha, juntamente com o amigo negro, também jornalista, que a história pode levá-los à fama, se conseguirem provar a inocência do acusado.
O caçula Jack, o “paperboy”(entregador de jornais), é muito jovem, largou a faculdade e vai onde o irmão for.
Zac Efron empresta sua figura de garoto bonito ao nadador Jack, que, muito carente, vai sofrer as consequências do abandono materno, quando era criança. Largados com o pai, dono do jornal local, rude e ausente, quem vai cuidar do pequeno Jack é a empregada negra Anita (a cantora Macy Gray), que é a narradora em “off “da história.
Tudo em meio às perseguições raciais que levavam brancos e negros a confrontos violentos.
Não é à toa que, em certo momento aparece Angela Davis na TV, a ativista pelos direitos humanos dos negros e uma branca comenta com sarcasmo:
“- Agora ela vai querer ser presidente do país...”
E, para incendiar a cena, surge a garçonete Charlotte Bess (Nicole Kidman, indicada ao Oscar de melhor atriz coadjuvante no ano passado por esse papel), que gosta de escrever cartas para os presidiários, que a ajudam a manter a auto-estima, rebaixada por um passado obscuro e um presente sem futuro.
Sensual, bonita, cafona e sem controle, a vida de Charlotte é um namoro com o perigo.
Os dois irmãos ficam conhecendo essa bomba-relógio em forma de sereia, porque ela resolve se envolver com o suposto assassino, via cartas despudoradas, e quer ajudá-los a inocentá-lo.
Charlotte, roupas justas e curtas, em cores berrantes, maquiagem pesada que realça os olhos azuis e a boca carnuda, cabelos louros com franja petulante, é a encarnação do desejo explosivo.
E o jovem Jack vai se apaixonar perdidamente por ela, mais velha que ele e uma pessoa perturbada.
O diretor Lee Daniels e o escritor do livro “Paperboy”, Pete Dexter, foram os co-autores do roteiro. A história é contada, propositalmente, de maneira embaralhada, o que faz o espectador se prender mais na narrativa e deixa todo mundo em suspense.
Há cenas fortes envolvendo sexo e violência mas certas pessoas se escandalizaram mais com o xixi que Nicole Kidman faz em cima de Zac Efron na praia, no papel de Jack, para aplacar a dor causada por um ataque de águas-vivas.
A trama é envolvente, a trilha sonora muito boa, a fotografia entre o antigo e o novo e o elenco responde com talento à direção inteligente de Lee Daniels que já nos deu “Preciosa” 2009, Oscar de melhor atriz e roteiro, em 2010.
Se você não for uma pessoa pudica, vai gostar.

domingo, 6 de outubro de 2013

O Tempo e o Vento


“O Tempo e o Vento”, Brasil, 2013 
Direção: Jayme Monjardim

As meninas do meu tempo liam esse livro escondido, surrupiado da prateleira mais alta da biblioteca das mães. Era considerado um texto impróprio para menores. Mas claro que todas as curiosas liam, e adoravam, essa trilogia de volumes avantajados, cujo primeiro título, “O Continente”, fora editado em 1949 e o segundo, “O Retrato” em 1951. O terceiro, “O Arquipélago”, as meninas, já mocinhas, compraram em 1961.
Érico Verissimo (1905-1975) foi um dos autores preferidos do meu tempo de garota. “Clarissa”, “Olhai os Lírios do Campo”, “Música ao Longe” e outros, passavam de mão em mão no colégio.
“O Tempo e o Vento” foi vária vezes adaptado para o cinema e a televisão. Ainda me lembro da novela de 1967 na TV Excelsior, dirigida por Dionísio de Azevedo, com Carlos Zara e da minissérie de 1985, direção de Paulo José, na Globo, com Tarcisio Meira e Glória Pires. Marcaram época e divulgaram a obra do autor do sul do Brasil.
Jayme Monjardim, com seu apurado senso estético e dom para captar minúcias na interpretação dos atores, nos traz uma nova versão de “O Tempo e o Vento”, seu segundo longa. A história é centrada na memória afetiva da personagem Bibiana, às portas da morte, para quem o marido, Capitão Rodrigo, nunca morreu.
Não é preciso dizer que Fernanda Montenegro arrepia a plateia, de tanta emoção que passa, tanto em seus silêncios quanto em suas falas, com seus olhos turvos embevecidos, mirando seu marido que volta em sonhos para ela. Ele é Thiago Lacerda, másculo, tão bonito e carinhoso, com aquele sorriso carismático de sempre.
A escolha dos atores não poderia ser melhor.
A Bibiana jovem de Marjorie Estiano, interpretada com doçura e paixão, mostra claramente as raízes desse amor que atravessa a vida e penetra na morte.
A história sofre com sua adaptação para duas horas de cinema? Tavez. Mas parece que o roteiro de Leticia Wierzchowski e Tabajara Ruas, que levou cinco anos para ser escrito, teve a intenção de centrar-se nos personagens principais e mostrar sua história romântica. A do sul do Brasil, serve de pano de fundo para a vida dos personagens.
A fotografia de Affonso Beato, um mestre do belo no cinema, ajuda a mostrar o pampa em sua imensidão verde, seja sob a luz de um sol soberano, seja sob um teto de estrelas.
“O Tempo e o Vento” é um filme bonito, bem realizado e que emociona a plateia.
Façam como as meninas da minha época. Além de ver o filme, leiam o livro que nos encantou e que acaba de ser relançado em sete volumes pela Companhia das Letras. 


sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Preenchendo o Vazio


“Preenchendo o Vazio”- “Fill The Void”- “Lemale et
ha’halal”, Israel, 2012
Direção: Rama Burstein

Para uma cultura laica com a nossa, pode parecer impensável regrar a vida das pessoas pela tradição ditada pela religião.
Mas essa foi e é a atitude corrente em muitas culturas, na nossa e em outras épocas.
Sabemos que pessoas cultas não julgam uma cultura pelos olhos de outra. Portanto, a propósito do filme israelense “Preenchendo o Vazio”, soaram preconceituosas as críticas mal informadas que, não compreendendo o significado de certas práticas da religião judaica, viram tudo como um desrespeito à mulher, adotando uma postura nada condizente com a regra de não julgar qualquer cultura com os preceitos de outra.
Melhor assistir ao filme despindo-se de seus preconceitos, deixando-se envolver.
O filme conta a história de Shira (Hada Yaron), 18 anos, filha caçula do casal Aharon e Rivka (Irit Sheleg). A outra filha, Esther (Renana Raz), 28 anos, está grávida.
No início da trama, vemos Shira e sua mãe escondidas, olhando o moço da família Miller no supermercado. Ele é um possível pretendente da menina.
Mas a felicidade da família de Shira vai ser abalada. Esther morre ao dar a luz a Mordechai, deixando viúvo Yochay, homem alto, de olhos inteligentes e doces, ainda jovem e que era muito apaixonado pela esposa morta.
Ao saber que foi feita uma proposta de casamento para Yochay, com uma moça viúva belga, a mãe de Shira se desespera porque vai perder a convivência com o netinho.
“- Eu enlouqueço se tirarem ele de mim”, diz Rivka.
“- Pode enlouquecer, eu estou aqui”, responde o marido com carinho.
“- Por favor, vamos falar com Shira”.
E, mesmo não estando de acordo com sua mulher, o pai pergunta a Shira o que ela pensa sobre o casamento com o viúvo da irmã:
“- Shira, ninguém a está obrigando, é uma decisão sua.”
E, apesar de ficar muito abalada com essa proposta, ela começa a pensar. Acompanhamos seu rosto de criança transformar-se e adquirir expressões maduras.
Ao longo do filme, vemos Shira amedrontar-se, revoltar-se com a ideia de ser colocada no lugar da irmã morta mas também a vemos olhar Yochay mais detidamente. E rezar, pedindo forças para tomar sua decisão.
Conversa até com seu pretendente jovem mas tudo acontece diferente do que ela imaginava. Ele quer se casar com uma dona de casa na cozinha:
“- E você?” pergunta o jovem Miller.
“-Quero que a minha, seja uma casa de verdade”, responde Shira com o rosto iluminado.
“Preenchendo o Vazio” mostra que os sonhos românticos das mocinhas é natural e se exarceba nas culturas onde elas não podem ter a liberdade que temos na nossa. Mas sentimentos são próprios dos seres humanos em qualquer cultura. E Shira deixa-se levar pelos seus.
Na bela cena final, ela reza, balançando como trigo ao vento e sorri.
Rama Burstein, 45 anos, diretora e roteirista, nasceu em Nova York mas foi criada e estudou em Jerusalém, na Escola Sam Spiegel de Cinema e Televisão.
Pertence à comunidade judaica ortodoxa e por muito tempo reuniu-se com mulheres como ela, que faziam filminhos domésticos, para diversão da família.
Isso não bastava para Rama, que dedicou 15 anos de sua vida ao seu primeiro longa. Foi exibido no Festival de Veneza e  Hadas Yaron, que faz o papel principal, ganhou o prêmio de melhor atriz. O filme ganhou outros prêmios pelo mundo, inclusive o de melhor longa de ficção, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no ano passado.
“Preenchendo o Vazio” é um olhar feminino, de dentro de uma cultura, que mostra que, apesar das roupagens e costumes diferentes, somos todos muito parecidos.