sábado, 23 de novembro de 2013

Um Fim de Semana em Hyde Park



“Um Fim de Semana em Hyde Park”- “Hyde Park on Hudson”, Reino Unido, 2012
Direção: Roger Michell

O garoto que atraia garotas com sua coleção de selos, não perde a mania, mesmo quando ele se torna o Presidente dos Estados Unidos.
Ele é Franklin Delano Roosevelt (1882-1945), 32º Presidente do seu país, que serviu por quatro turnos, 12 anos, até sua morte. Enfrentou uma poliomielite, uma enorme crise financeira mundial e a Segunda Guerra. Lider do Partido Democrata, sua política liberal ficou conhecida com o nome de “New Deal”.
Ela é Daisy (Laura Linney), prima distante dele, na verdade Margareth Suckley na vida real, não especialmente atraente, mas dócil e tímida.
Numa tarde de primavera, o telefone toca na casa da tia dela, onde morava e a vemos ficar pálida:
“- Sinusite?” diz ela e ouve a convocação.
“- Alguém morreu?” pergunta a tia quando a vê arrumar-se apressada.
“- Não vou demorar”, responde lacônica.
Era a mãe dele (Elizabeth Wilson) que, depois de esgotar a lista de pessoas para entreter o presidente, lembra-se dela.
Primos distantes, ele não se recordava de Daisy mas a chama para sentar-se mais perto:
“- Sr Presidente?”
“- Coleciona selos, Daisy?”
Ela aproxima-se e ele serve-se de uma garrafa de prata escondida na gaveta.
“- Posso fazer isso porque minha mãe não está aqui” diz, como se fosse um garoto travesso.
A secretária Missy (Elizabeth Marvel) entra na sala sem bater, desculpa-se quando a vê e a olha com um olhar interrogativo.
“- Minha prima”, apresenta ele, enquanto assina o papel e a secretária sai.
Voltam aos selos.
“- Esse é lindo. Gostaria de ir para lá”, ela diz.
“- Onde?”
“- Para ser franca, gostaria de ir para qualquer lugar.”
Ele ri, com os olhos brilhando como os de um leão observando a presa.
E foram muitos passeios, no carro construido especialmente para ele, que tinha limitações com as pernas. Sempre fumando com a sua piteira elegante, ele a levava a passear no conversível preto.
E a vida dela passou a girar em torno às visitas dele a Hyde Park on Hudson.
Mas, quando o rei e a rainha da Inglaterra (Samuel West e Olivia Colman) chegam para um fim de semana em 1939, para conseguir a adesão dos Estados Unidos à guerra dos  Aliados contra a Alemanha nazista, Daisy descobre que é apenas uma sombra na vida dele.
Eleanor Roosevelt (Olivia Williams), a mulher do presidente, que não morava com ele, toma as rédeas da visita real e impõe sua vontade: jantar formal para o qual Daisy não é convidada e piquenique com indios e “hot-dogs”.
Passada a tristeza, Daiy decide que o melhor a fazer é contentar-se em ser um segredo.
O filme, dirigido por Roger Michell (“Um lugar chamado Nothing Hill”1999), tem uma produção de arte competente, figurinos bem escolhidos, locações no belo campo americano e um ótimo Bill Muray como o presidente.
Mas as melhores cenas não são com Daisy e sim com o rei, gago e inseguro, para quem o presidente se arvora em conselheiro paternal.
Essa estranha divisão em duas tramas, tira a força do filme, que não faz juz à fama conquistada por Roosevelt na política, contentando-se com fofocas sobre a vida do presidente e dos “royals” ingleses.
Mas, diga-se a verdade. O filme consegue entreter.

Os Filhos da Meia Noite


“Os Filhos da Meia Noite”- “Midnight’s Children”, Reino Unido/Canadá, 2012
Direção: Deepa Mehta

A India é um país diferente. Apaixonante para alguns, estranho para outros.
“Os Filhos da Meia Noite” é um filme para quem já adora a India e também para aqueles que tem curiosidade pelo país, sua história e seu povo.
O filme foi baseado no livro do mesmo nome, do escritor indiano Salman Rushdie, 66 anos, que nasceu na Cashemira e que foi responsável pelo roteiro e pela narração do filme.
Rushdie escreveu “Os Filhos da Meia Noite” em 1981, seu segundo romance, que ganhou o Booker Prize. Seu quarto livro, “Versos Satânicos”, 1988, foi centro de controvérsias e valeu ao autor uma sentença de morte, decretada pelo Ayatollah Khomeini em 1989, já que muitos muçulmanos se ofenderam com o livro. Desde então, Rushdie mudou-se para o Ocidente.
O filme foi dirigido pela indiana Deepa Mehta, 63 anos, radicada no Canadá, que assinou a direção de dois filmes indicados ao Oscar de melhor filme estrangeiro, “Terra”, 1998 e “Água”, 2005.
“- Era uma vez o meu nascimento em Bombaim, no momento em que a India encontra sua independência. Mas minha vida começou trinta anos antes de eu nascer, na Cashemira”, conta o narrador Saleem Sinai (Sathya Bhabba), no início do filme, na voz de Salman Rushdie.
“Os Filhos da Meia Noite” começa em 1917, quando o médico formado na Europa, Aadam Aziz (Rajat Kapoor) se casa e tem três filhas.
Anos depois, uma delas, Amina, está grávida e mora em Bombaim, hoje Mumbai, com o marido. Na hora do parto, ela está na mesma maternidade que Vanita, uma pobre artista de rua. As duas dão a luz a dois meninos, no exato momento em que a India se liberta da Inglaterra, na meia noite de 15 de agosto de 1947.
Só que a enfermeira do berçário (Seema Biswas), resolve trocar os bebês, influenciada pelas idéias de um amigo revolucionário:
“- Que os ricos sejam pobres, que os pobres sejam ricos.”
Assim, Saleem que era filho da pobre Vanita, vai parar nos braços de Amina, a rica filha do médico Aziz e o outro bebê, Shiva, filho verdadeiro de Amina, vai ser criado pelo artista pobre que pensa ser seu pai, já que Vanita morre ao dar a luz.
Salman Rushdie se serve da história dos dois meninos para falar da guerra entre India e Paquistão, que massacrou tanto indús, quanto muçulmanos, estes obrigados a sair de suas terras, numa equivocada partilha da India feita pelos ingleses ao decretar a independência da India, que em 1971 resultou na criação de Bangladesh, e na nunca terminada crise entre o Paquistão e a India.
E um elemento de realismo fantástico enriquece a narrativa, já que as crianças nascidas na data da independência, chamados de “Os Filhos da Meia Noite”, tem poderes mágicos. Uma metáfora de esperança que faz alusão à India como uma terra antiga, onde os deuses milenares do quotidiano são reverenciados.
Paisagens belissimas, cores deslumbrantes e uma trilha sonora que usa música indiana e ocidental, acompanham a narração dessa saga.
Se você for daqueles que gosta do exótico e da magia peculiares à India, não perca esse filme.

domingo, 17 de novembro de 2013

Trem Noturno para Lisboa


“Trem Noturno para Lisboa”- “Night Train to Lisbon”, Alemanha, 2013
Direção: Bille August

Um livro pode mudar a vida de alguém?
Depende. No caso do professor Raimund Gregorius (Jeremy Irons, convincente), ele tem um encontro marcado com o destino, naquela manhã chuvosa e escura, em Berna, Suiça, quando passa pela ponte que era seu caminho até a escola, onde dava aulas de latim.
Vê uma jovem pronta para pular nas águas geladas do rio. Grita e salta sobre ela. Os dois caem no chão molhado.
Sua pasta se abrira e os papéis se espalhavam pela rua. Ele e a mocinha recolhem as folhas levadas pelo vento.
“- Posso ir com você?”, pergunta ela ao professor aturdido.
E os dois seguem até a escola.
“- Sente-se”, diz ele para ela, que tira o casaco vermelho molhado.
Mas enquanto ele distribui os trabalhos dos alunos, ela escapa. Ele sai atrás dela, com o casaco que ela deixara para trás. Procura por algo que identifique a jovem nos bolsos do casaco e encontra um livro escrito em português. “O Ourives das Palavras” era o título, o autor um certo Amadeu de Almeida Prado e fora editado em Lisboa. Um carimbo mostrava o nome de uma livraria conhecida.
Lê uma frase a esmo:
“Se vivemos só uma parte da nossa vida interior, o que acontece com o resto?”
Pensativo, com o livro aberto, o professor caminha até a livraria e fica sabendo que o livro fora vendido a uma moça que procurava livros em português, no dia anterior:
“- Ela sentou-se, leu o livro por uma hora, pagou e saiu aflita”, conta o livreiro.
Quando manuseia o livro, cai de dentro dele uma passagem do trem noturno para Lisboa.
“- E parte em 15 minutos”, nota o dono da livraria.
O professor sai correndo, como se algo muito forte o tomasse e sobe no trem já em movimento, levando o livro e o casaco vermelho da moça.
As palavras do livro tinham mexido tão profundamente com o professor que ele vai andar por Lisboa atrás de pistas que o levem a conhecer a vida do autor.
Quanto mais sabe, mais procura e depara-se com a história da ditadura de Salazar, a resistência e a polícia política, a PIDE, conhecida por sua repressão cruel.
Descobre uma história de amor do passado e talvez uma nova vida no presente.
O livro que foi adaptado para o filme foi escrito por um professor de filosofia da Universidade de Berna, Peter Bieri, que usou o pseudonimo de Pascal Mercier. O livro vendeu mais de dois milhões de exemplares.
Bille August, 65 anos, dinamarquês, foi quem adaptou o livro para o cinema e comandou, com competência, um elenco de grandes nomes: Jeremy Irons, Charlotte Rampling, Bruno Ganz, Mélanie Laurent, Lena Olin e Christopher Lee. Todos ótimos.
Falado em inglês, o filme tem um charme português e Lisboa está linda, com seu casario ao sol, ladeiras estreitas e o Tejo de águas que procuram o mar.
Suspense, política e romance, ingredientes de sucesso, misturados a reflexões filosóficas interessantes, fazem com que o filme “Trem Noturno para Lisboa” seja altamente recomendado para quem gosta de histórias sofisticadas.

Jovem e Bela


“Jovem e Bela”- “Jeune et Jolie”, França, 2013
Direção: François Ozon

A sexualidade de uma linda garota, Isabelle (na pele da ótima Marine Vacth, 23 anos), é o centro das atenções no novo filme do diretor e roteirista François Ozon, que faz muitas perguntas, nos envolve sempre em seus mistérios e nos deixa pensando em questões abertas e impactantes. Ele intriga o público para que as pessoas saiam do cinema levando o filme na cabeça.
O mundo de Isabelle é desconcertante. Seu corpo bonito, seu jeito sensual, os olhares de admiração que a seguem, convivem com uma adolescente que acabou de fazer 17 anos e que parece fria porque não expressa seus sentimentos. Ela é distante e reservada. Mas há lampejos certos de infelicidade em seu olhar.
Conhecemos Isabelle no verão, na praia com seu biquini estampado. Olha para os lados e tira a parte de cima. Um binóculo segue todos os seus movimentos.
Ela se exibe e gosta disso.
Chega o irmão (Fantin Ravat), garoto de uns 12 anos, a pessoa com quem ela tem mais proximidade. E Isabelle escolhe um garoto alemão, alto e louro, para perder sua virgindade.
Parece que a experiência só serve para libertá-la para uma outra vida. Desdobrada, como se num espelho, ela assiste a tudo que se passa consigo mesma, de pé, na praia e vestida. Distante de si mesma.
Voltando a Paris, retoma a escola e começa a se prostituir em segredo.
Por que Isabelle faz isso?
Seus parceiros, que a escolhem na internet, são homens mais velhos, que nem sempre a tratam com delicadeza como Georges (Johan Leysen), que se torna seu cliente preferido.
Ela não precisa do dinheiro que ganha e guarda numa bolsinha escondida no armário. A mãe (Géraldine Pailhas) e o padrasto (Frédéric Pierrot) dão a ela tudo que precisa. Portanto, o dinheiro só pode ter outro significado.
Aos poucos, vai se delineando a figura de um pai distante, que manda dinheiro para ela no Natal e no aniversário. Ela cobra 300 euros dos homens com quem faz programa. É dessa forma que ela conhece o seu valor?
Então é por causa do pai que tudo isso acontece com Isabelle?
Pode ser. Mas tem mais. É sempre com a blusa cinza de seda, que roubou da mãe, que ela sai para as noites de sexo pago. A mãe tem uma sexualidade adulta e livre. Mas não conversa com Isabelle. É afetiva mas a intimidade entre elas não existe.
Ao longo das quatro estações do ano e ao som das canções de Françoise Hardy, vamos acompanhar Isabelle em sua vida dupla. A câmera percorre seu corpo esguio, desvendando, com certo pudor, a dança que ela executa nas camas dos hotéis, aparentemente muito pouco envolvida com esses homens que a desejam. Mas ela gosta disso.
Exibir-se e fazer sexo é mais fácil para Isabelle do que sentir seus próprios sentimentos. Tem medo disso.
É preciso que aconteça uma tragédia para Isabelle parar para pensar.
E uma conversa com uma mulher mais velha, vivida por Charlotte Rampling (musa de Ozon), parece que a redime desse jeito “Belle de Jour” de ser.
Será?

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Juan e Evita - Uma História de Amor


“Juan e Evita – Uma História de Amor”- “Juan y Eva”, Argentina, 2011
Direção: Paula de Luque

Na tela em “close” um operário fala de sua vida difícil, em preto e branco. No rádio, uma estrela brilha narrando a história de Carlota, a Imperatriz do México. E, no “club” de San Juan, Argentina, os cristais tilintam sinistramente, anunciando o terremoto que arrasaria a região em 1944.
É nesse cenário que a atriz Eva Duarte (Julieta Diniz) conhece o coronel Perón (Osmar Núnez), vice-presidente da República, Ministro da Guerra e Chefe da Secretaria do Trabalho e Provisões.
E presenciamos o primeiro momento de intimidade de Juan e Eva. Ela cochicha ao ouvido de Perón, que parece ficar feliz com o que ouve, durante uma apresentação no Luna Park, em benefício da população vitimada pelo terremoto.
Contam que ela teria dito:
“ - Obrigada por existir!”
Depois do espetáculo, na mesa de militares, onde é a única mulher, perguntam:
“- Como explica o sucesso de Carlota do México?”
“- A morte prematura eterniza os romances”, responde Eva (1919-1952), sem saber que falava de seu destino.
Mas não foi só isso.
O filme de Paula de Luque conta em cenas simples e pontuais, mas belas e trabalhadas, como a intimidade crescente do casal se torna paixão, acompanhando a ascensão política de Juan Domingo Perón.
A câmera se insinua na cama dos dois, e, com elegância, registra o amor, o fogo sensual que os invade. Aquela bela mulher vai ver crescer sua influência sobre o homem bem mais velho que ela e mulherengo.
Eva, de personalidade forte e inteligente, afasta uma a uma, as mulheres que gravitavam em torno ao coronel viuvo, até tornar-se a única. Só não consegue conquistar a elite social de Buenos Aires e militares conservadores que não a perdoam por ser filha ilegítima, atriz, proletária e viver com Perón sem ser casada.
Mas os trabalhadores amavam Perón e Eva se torna a imagem mais brilhante do peronismo.
Baseado no livro de Jorge Coscia, “Juan y Eva – El Amor, El Odio y La Revolución” , o filme se ocupa o tempo todo do casal mais famoso da América Latina e de como o coronel Perón, que depois foi eleito três vezes Presidente da República, tornou-se o lider de um movimento com o seu nome, importante polícamente, ainda hoje.
Paula de Luque mistura cenas em preto e branco que simulam um documentário, na última parte do filme, com cenas reais. É impressionante ver a Praça de Maio no dia 17 de outubro de 1945, lotada por uma multidão que acena lenços brancos para Perón, que discursa para 300.000 com os dois braços ao alto, gesto seu característico.
A diretora resume seu filme numa frase:
“- É um grande romance de duas pessoas que, depois, transcende as quatro paredes de sua casa e derrama-se sobre o povo, tornando-se parte do universo público.”
Muito interessante e bem cuidado, o filme consegue unir romance e política, ensinando a história da Argentina de uma forma eloquente e, claro, com admiração pelo homem e pela mulher que a escreveram.

domingo, 10 de novembro de 2013

Lore


“Lore”- Idem, Alemanha/Austrália/Reino Unido, 2012
Direção: Cate Shortland

Quando a australiana Cate Shortland, 45 anos, ganhou do marido o romance “Dark Room”, de Rachel Seiffert, ela soube que poderia fazer um filme original, que teria tudo a ver com a família dela e a do marido, judeus alemães que se refugiaram na Austrália em 1938.
A diretora e roteirista resolveu levar para o cinema uma das três histórias contadas no livro, a de Lore, uma alemã de 14 anos, vivendo momentos terríveis nos dias que se seguiram à vitória dos Aliados, na 2ª Guerra Mundial, em 1945.
Claro que foi um assunto difícil de encarar para uma judia. Cate Shortland sabia disso.
Então, apoiou-se em longas conversas com a autora do livro, uma alemã, que trata da repercussão do Holocausto na mente dos alemães. E ficou sabendo que era uma história real, a de Lore. Rachel Seiffert, a autora do livro, viveu isso. Seu avô era da Gestapo e foi preso por crimes de guerra.
“Lore”, a história da mocinha (Saskia Rosendahl), filha de um oficial nazista, que é abandonada pela mãe, que prefere entregar-se aos Aliados do que morrer nas mãos dos camponeses alemães e deixa os filhos com a mais velha, é comovente e terrível.
A diretora disse, em uma entrevista, que contar a história do ponto de vista dos derrotados, os alemães e não pelo olhar das vítimas, os judeus, foi muito difícil mas também recompensadora:
“- ... o que me atraiu foi realmente essa perspectiva assustadora de fazer um filme sobre os agressores ou os filhos dos agressores. E eu tive que lutar contra os meus próprios demonios e minha percepção sobre o que é a Alemanha e a minha própria raiva sobre o assunto...”
A diretora também diz, na mesma entrevista, que tentou não fazer julgamentos sobre as pessoas porque elas viviam sob o nazismo. Era natural para Lore que o pai (Hans-Jochen Wagner), a mãe (Ursina Lardi) e a avó (Eva-Maria Hagen) adorassem Hitler.
Foi preciso que algo muito forte acontecesse durante o percurso a pé de Lore com quatro crianças, uma delas um bebê de colo, desde a Bavária, no sul, atravessando a Floresta Negra e chegando ao Mar Báltico, no norte, para que ela fosse mudando e compreendendo, afinal, o que acontecera em volta dela, em seu país.
A descoberta da intensa atração por um misterioso rapaz (Kai-Peter Malina) que ajuda Lore na fuga com os irmãos, leva a mocinha a um conflito: como amar aquele que ela aprendera a desprezar e odiar?
“Lore” é um filme feito com delicadeza, com um olhar feminino sobre a vida, apesar das imagens terríveis, obrigatórias numa Alemanha destroçada, com falta de tudo que é essencial e descobrindo o horror do Holocausto, crime do nazismo, quase que uma religião para os alemães, que ainda não se davam conta do que realmente acontecera.
“Lore” é belo, terrível e original. Vá ver.

sábado, 9 de novembro de 2013

Capitão Phillips


“Capitão Phillips” – “Captain Phillips”, Estados Unidos, 2013
Direção: Paul Greengrass

Algo terrível vai acontecer para aquele homem. Mas ele ainda não sabe.
Vai para o aeroporto, de onde seguirá para seu posto como capitão de um navio que transportará carga do porto de Omã para o Quenia. No carro, conversa com sua mulher (Catherine Keener) sobre a vida e o futuro dos filhos:
“- Essas minhas viagens deveriam ficar mais fáceis mas é o oposto. Agora tudo está mudando tanto... O mundo de nossos filhos também vai ser muito diferente, Ange. Só os mais fortes sobrevivem...”
Parece um presságio. O Capitão Phillips (Tom Hanks), de óculos, fala mansa, nada atlético, vai entrar para a história. Ele será o foco de um dos episódios que chamou a atenção do mundo todo: o sequestro de um navio americano, o Maersk Alabama, por piratas somalis em abril de 2009.
A conhecida e perigosa rota do “Chifre da Ásia” vai fazer mais uma presa. E nós, que conhecemos ou não essa história, vamos ficar com o coração aos pulos, frente aos acontecimentos e vamos sofrer como a tripulação do navio, que tenta desesperadamente evitar o confronto com os somalis.
Em vão.
Quando os magérrimos, assustados e agressivos piratas sobem a bordo, vestidos com farrapos, a fleugma do capitão e de sua tripulação, some.
E, o que faz toda a tensão ser ainda mais realista, foi a ideia que o diretor Paul Greengrass teve de não apresentar os atores americanos aos somalis:
“- Eu os vi pela primeira vez pelo binóculo, quando estavam prestes a tomar o navio,” disse Tom Hanks numa entrevista. E ele só foi entender o que diziam quando viu o filme com legendas. Isso mostra o talento para contar histórias do diretor inglês, de 58 anos, responsável pelos filmes de ação com Matt Damon, “A Supremacia Bourne” 2004 e “Ultimato Bourne” 2007, bem como “Voo United 93” de 2006.
É impressionante o embate dos primeiros olhares entre o chefe dos piratas e o Capitão Phillips. Ambos expressam o medo que mostra o perigo daquele enfrentamento e, ao mesmo tempo, quase que lemos, nas palavras não ditas, o reconhecimento mútuo. Do desempenho dos dois capitães vai depender o desfecho daquilo tudo.
O novato Barkhad Abdi que faz Muse, o lider dos somalis, nascido na Somália e que veio pequeno para os Estados Unidos, atua de uma maneira tão convincente que quase nos esquecemos que ele também é um ator. Expressa fúria, medo e também esperança de poder viver uma vida melhor na América (quanta ironia...) com o dinheiro do sequestro. Sabemos pelas cenas iniciais que a tribo dele tem que pagar altas somas para um bando que explora os antigos pescadores, transformando-os em feras soltas à procura de sua sobrevivência.
O roteiro, escrito por Billy Ray, baseou-se no livro do próprio Capitão Richard Phillips e Stephan Talty e o filme foi rodado em 60 dias em pleno alto mar.
A fotografia de Barry Ackroyd, que sempre trabalha com Greengrass, acrescenta nuances à narrativa e ajuda a aumentar o clima de medo permanente, nos espaços escuros ou muito claros no navio e na baleeira laranja, sacudida pelas ondas, no que é ajudado pela música de Henry Jackman, ampliando com seus sons, a tensão já quase insuportável.
Tom Hanks, 57 anos e dois Oscars consecutivos por “Philadelphia”1993 e “Forrest Gump”1994,  já está sendo comentado como forte candidato ao Oscar de melhor ator. Seu Capitão Phillips é, mais que tudo, um ser humano tendo que lidar com seus limites de resistência à fome, sede, medo e assim mesmo, tendo que manter a cabeça pensando, seguir tudo que sabe sobre situações de perigo como a que está vivendo, sem perder nem mesmo a compaixão.
E a cena final vale mesmo um prêmio.
Ninguém sente passar o tempo vendo “Capitão Phillips” de tanto que o filme nos envolve. Recomendo essa experiência para você também.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Blue Jasmine


“Blue Jasmine”- Idem, Estados Unidos, 2013
Direção: Woody Allen

Todo mundo conhece uma Jasmine French. Não é uma pessoa rara num mundo no qual os valores éticos decaem e são substituidos por ambição desmedida e egoismo.
Pior. Todo mundo tem uma Jasmine dentro de si, pronta a eclodir, desrespeitar limites, entregar-se ao narcisismo desenfreado e proteger-se através da cegueira, para não ter que mudar nenhum milimetro.
Através de Jasmine, Woody Allen, o diretor, fala de todos nós, ele inclusive, claro. Ela é humana por excelência, naquilo que a humanidade tem de tendência à voracidade, desrespeito aos outros e preguiça.
Por meio de “flashbacks” entendemos que Jasmine vivia na Park Avenue, em Nova York, lugar onde moram os muito ricos e era a que melhor recebia a elite endinheirada, na cidade ou nos Hamptons, praia chic para onde vão os mesmos que circulavam nos seus salões na cidade.
Casada com o especulador Hal (Alec Baldwin), Jasmine era uma flor habituada a um ambiente luxuoso. Em sua estufa, desde que tivesse tudo o que queria, ela não via problema nos flertes do marido. Para mantê-lo, cegava-se às suas infidelidades constantes.
E parece que também fechava o olho à maneira com que o dinheiro chegava até eles. Fazia-se de desentendida. Até que...
Porque um dia a casa cai e pobre daquele que não sabe o que fazer nessa situação previsível e perigosa.
Jasmine, quebrada financeiramente e ferida em seu narcisismo, entrega-se à loucura mansa. E engana-se mais uma vez. Pensa que vai poder refazer sua vida, sem mudar nada em si mesma.
E lá vai ela para a casa da irmã (Sally Hawkins, ótima) que ela evitava nos dias de luxo. Troca Nova York por São Francisco mas só para não cruzar com os ex-amigos na situação em que está.
Cate Blanchet, 44 anos, faz uma Jasmine de cortar o coração. Porque ela é fútil, mentirosa, egoista mas sofre demais, porque não entende nada sobre si mesma.
A atriz australiana que já tem um Oscar de melhor atriz coadjuvante por “O Aviador” 2004 e quatro outras indicações, pode ganhar o seu segundo e como melhor atriz. E seria merecido porque Cate Blanchet incarna Jasmine com alma, fazendo sua personagem sem criticá-la e emprestando a ela beleza e elegância naturais.
Quando a vemos, falando sózinha, olhos vermelhos e embaçados, sentada num banco de jardim público, as risadas nervosas da plateia cedem lugar a um silêncio empático.
Esse é o grande lance do filme. Como sempre escrito pelo próprio diretor. “Blue Jasmine” não é comédia, tampouco tragédia. É a vida.
Woody Allen, 77 anos, em seu 40º filme acertou mais uma vez e, de quebra, agradou também aos críticos americanos que escreveram elogiando o filme.
Ele deve estar feliz com o resultado e já se prepara para o próximo, com Emma Thompson.
Não perca “Blue Jasmine”, uma outra obra prima de Woody Allen sobre a condição humana, seu assunto preferido.

domingo, 3 de novembro de 2013

O Mordomo da Casa Branca



“O Mordomo da Casa Branca”- “The Buttler”, Estados Unidos, 2013
Direção: Lee Daniels

“A escuridão não pode afastar a escuridão, só a luz pode fazer isso.” Com essas palavras de Martin Luther King, o grande defensor da causa dos direitos civís para os negros americanos, começa o terceiro filme de Lee Daniels, 54 anos, que também dirigiu “Preciosa” 2009, que ganhou dois Oscars e o recente “Paperboy – Obsessão” 2012.
Daniels é negro e ativista do movimento do Dr King.
Forest Whitaker, 52 anos, faz o papel principal nesse drama que conta a história de Cecil Gaines, um menino nascido nos anos 20 do século XX, numa plantação de algodão no sul dos Estados Unidos.
Criança ainda, vive uma tragédia dupla num só dia, quando sua mãe é violentada pelo filho do patrão branco, que mata também seu pai.
A mãe do assassino (Vanessa Redgrave), leva o menino orfão para dentro de sua casa e o inicia nos afazeres domésticos. Ela não sabia mas o destino vai jogar a seu favor e ele vai ser um dos mordomos da Casa Branca e vai servir sete presidentes.
Dizem que o roteirista Danny Strong adaptou a biografia do mordomo Eugene Allen para poder contar a história dos Estados Unidos, principalmente os episódios que marcaram dramáticamente a luta pelos direitos civís dos negros. E conseguiu. Em pouco mais de duas horas desfilam na tela os acontecimentos mais marcantes dessa luta e seus lideres.
Oscar de Melhor Ator pelo filme “O Último Rei da Escócia” 2006, no qual interpretou o ditador africano Idi Amin, Forest Whitaker emociona no personagem do mordomo.
Casado com Gloria (uma espetacular Oprah Winfrey), tem dois filhos, Louis (David Oyelowo), rebelde e que adere com paixão ao movimento iniciante dos direitos civis para negros, contra a vontade do pai e Michael, que morre no Vietnam.
Grande ator, Whitaker sabe passar cada nuance desse personagem que serviu toda a sua vida aos brancos, inclusive aos lideres do país e desde o início, passa a ser transparente, como se não existisse, nem pudesse ter ideias próprias.
Exposto às conversas políticas na Casa Branca e dividido entre seu amor pelos filhos e a negação de que o mais velho tinha razão em sua posição a favor dos cidadãos de sua cor, Cecil trava uma luta íntima entre o “negro da casa” e a pessoa com direito a salário equivalente ao dos brancos e acesso a promoções.
Dentre os sete presidentes a quem serviu, John Kennedy parece ter sido o que mais perto chegou da causa defendida pelos negros, às custas de maus tratos, linchamentos, assassinatos e prisões.
“- Cecil, meu irmão Bobby disse que o seu coração foi tocado e tocou o meu também ”, confessa o presidente a um emocionado mordomo.
Nomes de peso do cinema americano fazem pontas no filme como Robin Williams, que faz Eisenhower, John Cusak como Nixon e Jane Fonda, perfeita como Nancy Reagan.
“O Mordomo da Casa Branca” termina na eleição de Barak Obama presenciada por um velho e orgulhoso servidor da Casa Branca que, finalmente, podia ter esperanças que seus irmãos de cor conhecessem respeito e justiça.

Bastardos


“Bastardos”- “Les Salauds” França, 2013
Direção: Claire Denis

Enigmático desde o início, o filme nos leva a pensar e perguntar sobre o que significam aquelas imagens iniciais. Quem é o homem atormentado que olha a chuva cair? Onde ele está? Num escritório?
É noite e a chuva é torrencial.
A cena a seguir, com a ambulância e um corpo envolvido em algo claro, que mal se vê, não responde a nada. Mas intriga ainda mais.
E na próxima, aquela jovem mulher com um corpo perfeito, nua, anda de salto alto pela rua, com seu rosto belo numa expressão de confusão. O que aconteceu? Está drogada?
A câmera faz “close” em um pé de sapato com salto alto e um envelope.
Na delegacia, a mulher do suicida lê a carta que o marido deixou:
“- Está aberta! Me revolta vocês terem lido essa carta... Meu marido processou esse porco! A culpa da morte de Jacques é dele! Sózinha não vou ter forças... Não tenho mais ninguém além do meu irmão, que está sempre no estrangeiro...”
“- A carta foi endereçada a ele...” diz a policial.
“- Foi ele que me apresentou a Jacques anos atrás...”
“- Pense na sua filha. Por ela é que você vai lutar”, responde a policial, encorajando a mulher arrasada.
Vincent Lindon faz esse irmão, Marco Silvestri, que trabalha num petroleiro e vem a Paris para ajudar a irmã Sandra (Julie Bataille) e a sobrinha Justine (Lola Créton), internada em uma clínica psiquiátrica.
Chiara Mastroianni, linda e triste, é Raphaelle e mora no mesmo prédio em que Lindon vai ficar, um apartamento praticamente vazio. O que ele procura ali? Ela é casada ou amante de Édouard Laporte (Michel Subor) a quem a irmã de Marco acusa de ser o responsável pelo suicídio do marido.
Marco procura pistas e se envolve com a personagem de Chiara, mãe do pequeno Joseph, filho de Edouard, homem muito mais velho que Raphaelle. Esta criança sofre perigo? Uma cena curta, que mostra a bicicleta abandonada numa floresta e o horror da mãe apontam para o futuro?
Claire Denis, a diretora de 65 anos, trabalha sempre com mistério e enigmas em seus filmes (“Noites sem Dormir”1994, “Minha Terra África”2008, “35 Doses de Rum”2008).
Em “Les Salauds” traduzido como “Bastardos” em português, perdeu-se o sentido pesado de “canalhas” que o roteiro da diretora e Jean-Pol Fargeaud quer passar.
“- Era preciso que o filme fosse violento”, diz Claire Denis. E acrescenta:
“- A gente costuma achar que as crianças estão protegidas em uma família, o que é uma mentira. Eles não estão protegidos em lugar nenhum.”
O filme “Bastardos” segue uma linha contemporânea de denúncia de abuso sexual doméstico com crianças e adolescentes. Na Mostra de São Paulo, o contundente “Miss Violence” do grego Alexandro Avranas, trata do mesmo assunto.
Existem muitos canalhas por aí. Vitimizando mulheres e crianças.
Claire Denis denuncia esse aberrante estado de coisas nesse seu último filme, que causou desconforto na plateia do Festival de Cannes desse ano, onde estreou e agora aflige aqui, as pessoas que vão ver o filme, que passa em apenas uma sala em São Paulo.
“- O filme fala de uma violência de vida, que conduz à morte”, declara a diretora.
Não é cinema diversão. É denúncia de misérias humanas.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

37a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo




37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Na segunda semana da Mostra gostei dos filmes que comento abaixo: “O Grande Mestre”, “Ana Arábia” e “Pais e Filhos” que ganhou o prêmio de Melhor Filme de Ficção Internacional do Público, ontem na premiação. Abaixo dos filmes coloquei o dia, hora e local onde serão reexibidos na repescagem da Mostra. Vale a pena!

1 – “O Grande Mestre”- “The Grand Master” Hong Kong,
       2013   
       Direção: Wong Kar Wai

Já na primeira cena do filme, o diretor, nascido em Shangai mas que vive em Hong Kong, 55 anos, mostra o espírito do que vamos ver. Uma luta marcial que é uma arte esquecida.
Um contra muitos, no meio de uma chuva torrencial, sem nenhuma arma a não ser ele mesmo, suas mãos, braços, pernas e uma sensibilidade aguçada. Vence a todos sem deixar cair da cabeça o chapéu Panamá, que o identifica nas cenas brilhantes de água na noite escura.
Ip Man (Tony Leung convincente no papel), o grande mestre que realmente existiu, faz uma entrada triunfante.
A câmera de Wong Kar Wai acompanha a luta de perto e é estonteante ver o mestre em ação. Vai de um em um, certeiro e econômico, deixando todos no chão.
O ballet do kung fu, mostrado de perto, fascina com sua precisão, agilidade e graça.
Vamos seguir a história do mestre, com “flash backs”, sua aceitação como discípulo do mestre Gong Yutian, no fim dos anos 30, no sul da China e o respeito com que é tratado por seus pares no bordel dourado , onde se reunem.
Até que chega ela, Er Gong (Zhang Zyi), a filha do mestre morto, que aprendeu com ele as 64 formas do bagua, outra linha do kung fu.
A luta deles é a mais bonita porque não é para que ninguém se machuque. É pura beleza e arte. Um homem e uma mulher, colocados frente a frente, para que o melhor domine o outro.
Os perfis que se roçam, as mãos que sustentam o outro  para que tudo possa recomeçar, os olhares que não se perdem um do outro, os voos na escada e a mocinha sobre o corrimão, qual pássaro pousada, vencedora, encanta os olhos da plateia.
Há cenas que são quadros (fotografia de Phlipe LeSourd),
como a do antigo mestre treinando na neve do jardim, observado por sua filha pequena que vai aprender a arte do pai e não terá para quem passá-la por ironia do destino.
Depois da cruenta guerra com o Japão e da Segunda Guerra, o kung fu torna-se em Hong Kong uma luta mais popular e menos sofisticada. Vemos uma rua inteira com escolinhas que pretendem ensinar algo que não é mais a arte milenar.
Como tudo na vida, o kung fu tem que mudar e é então que aparece o menino que será Bruce Lee. Ele vai encantar o Ocidente com a beleza e a graça letal de algo que não conhecíamos e que o grande mestre ensina ao seu discípulo mais famoso.
Bela homenagem do diretor de “À Flor da Pele”2001, à milenar arte marcial de seu país natal.
(O filme será reexibido domingo 3/11 no CineSesc às 21:50 hs)

2- “Ana Arabia”, Israel, França, 2013
Direção: Amos Gitai

Quem é Ana Arabia?
Certamente não a mocinha ruiva que conversa com uns senhores, num lugar pobre mas ajeitado. Onde? Também não sabemos.
Mas ela se apresenta como Yael, parece judia e entrevista Yussef, um árabe que foi casado com uma judia que já morreu.
Ele conta de seus filhos e filha Miriam. E também fala sobre a atual situação dos árabes e dos parentes espalhados por lugares do Oriente Médio.
Os homens daquele lugar vivem hoje de maneira diferente do que costumavam. Um dos filhos de Yussef era pescador mas o mar de Haifa não tem mais peixes, poluido e mortal para os peixes com as explosões que ocorrem. Virou mecânico.
A vida deles é o que pode ser. A simplicidade é a marca do que eles são no momento.
As mulheres contam histórias mais sentimentais para Yael.
Miriam, que trabalha na horta, conta como como tudo começou, ajudando a mãe a transformar um terreno pedregoso e cheio de lixo numa pequena mata que protege a horta e o pomar.
Ela fala da natureza, da sabedoria de deixar crescer ervas daninhas em torno ás árvores porque assim ficam mais protegidas e das urtigas que deixa crescer para que os moleques não venham correr por ali e estragar as plantas.
“- A natureza trabalha mais que os homens. O inverno acabou faz pouco e tudo já brotou. Até frutos apareceram.”
A viúva de um ds filhos de Yussef, Sarah, que é judia, fala sobre o amor.
“- As pessoas fingem mas o amor verdadeiro é difícil de encontrar...”
E por isso contenta-se em trabalhar na casa e cuidar dos filhos. Não teve um casamento feliz.
E assim vai Yael perguntando e as pessoas contando histórias do passado, quando os árabes se integravam mais com os judeus do que hoje em dia.
Mas a mãe de Miriam, que nasceu na Polonia e teve que enfrentar um campo de concentração antes de vir com a família para Israel, teve que lutar contra tudo e todos, dos dois lados, para ficar com o seu Yussef.
A história dessa convivência dentro dessa família e naquele lugar que tinha judeus morando lado a lado com árabes, é o foco de interesse de Amos Gitai.
Ele filma “Ana Arabia” num plano sequência de 81 minutos. Admirável, porque sem cortes, tudo tem que ser minuciosamente ensaiado antes da filmagem. E, no entanto, os atores parecem tão à vontade, tão verdadeiros em suas falas.
No fim, a câmera sobe e ficamos vendo que a cidade cerca aquele lugar que parece fora do mundo.
( O filme será reexibido sábado 2/11 na Cinemateca- Sala BNDES às 20:30 hs)

3- “Pais e Filhos”, Japão 2012
Direção: Hirokazu Kore-Eda

Tudo parecia tão em ordem naquela jovem família de classe média alta.
O pai, Ryota, arquiteto de sucesso, trabalha muito num escritório famoso, ganha muito bem e não tem tempo para a família. Chega tarde e já está na hora de Keita, seu filho de seis anos, ir para a cama. Mas isso não parece incomodar nenhum dos dois.
A mãe Midori é dedicada a esse filho, que ela trata com carinho. Ele é bonzinho, afetuoso e não dá trabalho nem em casa, nem na escola.
Tudo isso vai mudar.
A mãe recebe uma carta do hospital onde Keita nascera, distante da cidade onde moram mas perto da mãe de Midori, que iria assisti-la nessa época, já que o marido não podia largar o trabalho.
E a notícia chega como uma bomba: houvera uma troca de bebês. Keita não é filho de Ryota e Midori.
Depois do choque inicial vemos a consternação do casal  mas providências tem que ser tomadas. Encontros com o pessoal do hospital e, inevitavelmente, com a outra família.
“- Agora está tudo explicado!”, diz o pai quando voltam de uma dessas penosas reuniões.
Essa frase vai ecoar na cabeça de Midori e assustá-la. “Pais e Filhos” é um filme simples, bem feito e que conquista a plateia com o drama dos dois meninos trocados.
A questão sangue versus convivência será visitada por todos os envolvidos.
E a pergunta principal respondida: o que é ser pai de um menino para um homem? É uma pergunta que se encaixa em qualquer cultura.
Steven Spielberg comprou os direitos do filme quando ele passou no Festival de Cannes e ganhou o Prêmio do Júri. Vai ser interessante comparar as duas versões.
( O filme será reexibido no domingo, às 19:30 hs no CineSesc)