domingo, 31 de março de 2019

Em Busca da Terra do Nunca




“Em Busca da Terra do Nunca”- “Finding Neverland”, Estados Unidos, Reino Unido, 2004
Direção: Marc Foster

O grande público conheceu o personagem Peter Pan através da animação dos estúdios Disney em 1953, que encantou todo mundo. Lá havia o menino que não queria crescer e voava, as crianças da família inglesa que ele levava para a Terra do Nunca, o Capitão Gancho, a fada Sininho, piratas e índios, os meninos perdidos e o crocodilo que engoliu um relógio, sem esquecer do pó de pirlimpimpim. Tudo isso, na verdade, era a história de uma peça escrita pelo autor teatral escocês, James Matthew Barrie (1860- 1937), ”Peter Pan”, que fez sucesso desde a estreia em Londres em 1904.
A última peça de Barrie tinha sido um fracasso, o que fez o autor ouvir reclamações do produtor interpretado no filme por um ótimo Dustin Hoffman. Deprimido e também para afastar-se de sua esposa Mary (Radha Mitchell), que não o compreendia, leva seu cachorro para passear nos jardins de Kensington e lá se aproxima, por acaso, dos quatro filhos de Sylvia Llewellyn Davies (Kate Winslet), que serviriam de fonte de inspiração para sua peça “Peter Pan”.
“Em Busca da Terra do Nunca”, dirigido por Marc Foster, tem roteiro de David Magee que se baseou na peça teatral de Allan Knee, “O Homem que era Peter Pan”.
O filme mostra eventos reais e de ficção que teriam acontecido com o autor (Johnny Depp, esplêndido e contido), adulto com alma de criança e seus novos amigos, com quem se divertia ao criar histórias e vestir fantasias para encená-las.
Os meninos eram órfãos de pai e sentiam prazer com a presença de James, o tio Jim, porque ele inspirava confiança e era divertido. Julie Christie faz a avó dos meninos que era contra essas intimidades.
Na verdade, o pai dos meninos era vivo na época em que a peça foi escrita e só veio a falecer três anos depois da estreia. Há aqui uma licença poética para introduzir o tema da perda de um ente querido.
James, o autor, tinha apenas 7 anos quando viveu uma tragédia. Perdeu seu irmão David que tinha 13 anos. Ele introduz esse tema em “Peter Pan” porque se inspirou em sua própria infância. Não só perdeu o irmão, como viu a mãe afundar numa depressão. E não há menção de um pai que console. Daí a “orfandade” dos meninos Davies.
“Em Busca da Terra do Nunca” então, é uma fábula que ensina como se refugiar num lugar imaginário e belo para esquecer as tristezas da vida. Lá ninguém morre e fica criança para sempre.
Belo e consolador.


sábado, 30 de março de 2019

Dumbo




“Dumbo” - Idem, Estados Unidos, 2019
Direção: Tim Burton

Quem não conhece a figura do elefantinho de orelhas enormes que são como asas? Baseado no livro “Dumbo”, da escritora Helen Aberson e do ilustrador Harold Pear, o personagem tornou-se mais popular depois da animação de 1941, dos estúdios Disney.
O elefantinho diferente e tristonho, porque sua mãe foi banida do circo por ser considerada violenta, era chamado de “monstrinho” e considerado ridículo por suas orelhas imensas. O próprio nome que deram a ele, Dumbo, vem de “dumb” que quer dizer estúpido em inglês.
Pois todos verão ele se transformar na atração principal do circo dos Irmãos Medici, na verdade apenas um, interpretado com graça por Danny de Vito.
A história da primeira animação acontece em 1941 e foi trazida para 1919, ano em que a Primeira Guerra termina, nesse filme que tem animação e atores reais.
O diretor Tim Burton, de “Edward, Mãos de Tesoura”, trata o elefantinho com seu talento natural para proteger os mais fracos e perseguidos porque não são como a maioria. Atual, o tema do diferente ganha cores e defensores. E estes não são mais os próprios animais, como na animação original mas humanos. As crianças, filhas do capitão Ferrier (Colin Farrell), amam o elefantinho desde seu nascimento e o protegem. Principalmente Milly, a menina adolescente que quer ser cientista e não artista de circo. Ela e o irmão Joe estão identificados com Dumbo porque eles também não tem mãe, que morreu na epidemia de gripe. E o pai deles, que perdera um braço durante a guerra não pode mais montar, já que os cavalos do circo foram vendidos. Épocas difíceis para o circo que agora está em decadência.
E as crianças é que descobrem o talento de Dumbo para voar e o incentivam com entusiasmo.
O tema da superação é vivido tanto pelo filhote de elefante que tem medo mas enfrenta o voo de que é capaz, como na figura do pai das crianças, um cowboy do circo que pensa que não pode mais montar e se surpreende com seus poderes recuperados.
Mas o sonho impossível de Dumbo é reencontrar sua mãe. Ela vai reaparecer na história quando o circo é vendido para um empresário que constrói “Dreamland”, um grande parque parecido com a Disneyworld. Na “Ilha do Pesadelo” está a mãe de Dumbo, onde animais selvagens são expostos em jaulas e acorrentados.
Há aqui uma ironia sobre os parques do próprio estúdio que financiou o filme e à exploração dos animais que não tem quem os defenda e, como tema, englobando os seres humanos que estão sob a mesma condição.
O mega empresário Vandevere (o ótimo Michael Keaton) é a personificação daquele que só pensa no próprio lucro e não hesita em pisar em quem estiver dificultando o seu caminho.
O fato é que o talento de Dumbo para voar não significa que ele tenha algum prazer em se apresentar no circo. Quando Colette (a sempre fascinante Eva Green) monta em Dumbo não é mais para divertir a plateia. Ela também entendeu o sonho de liberdade de Dumbo e vai ajudá-lo com todo o elenco do circo. O lugar dele não é ali, como mostra a bela cena final.
“Dumbo” é um filme que tem a magia do diretor Tim Burton de quem o público estava com saudades.
E quem resiste aos olhos úmidos de Dumbo? Um grande acerto dos estúdios Disney.

terça-feira, 26 de março de 2019

Um Lugar Chamado Notting Hill




“Um Lugar Chamado Nothing Hill”- “Notting Hill”, Estados Unidos, 1999
Direção: Roger Mitchell

Já faz 20 anos que vi esse filme e quando agora revi me surpreendeu. Gostei ainda mais do que me lembrava. Pensei comigo mesma que os anos passam e deixam uma nostalgia ligada a eles que só percebemos depois e que o cinema pode fazer reviver. Os personagens com os quais nos identificamos trazem à memória momentos vividos que recuperamos. A emoção brota de uma fonte antiga que se faz nova diante da tela que conta uma história.
E essa comédia romântica tem essa magia.
O filme começa com “She”, a canção cantada com vibração pelo grande Charles Aznavour, enquanto passam os créditos e vemos Julia Roberts em “closes” com as mais diferentes expressões. Ela é sempre a estrela. Rodeada de fotógrafos por onde vai, a arte imita a vida dela. E a conquista é imediata. De cara estamos sob a fascinação que ela exerce com seu sorriso luminoso, seus olhos que brilham e o carisma que nasceu com ela.
Ele, Hugh Grant, ao contrário, faz o patinho feio ou melhor desajeitado, porque de feio ele não tem nada.
Mesmo quando mostra-se inibido ou atrapalhado quando ela entra na livraria dele em Notting Hill, por acaso e é deliciosamente sádica com ele, já que percebe o que acontece, Hugh Grant ganha também a nossa simpatia. E torcemos para que ela não vá embora. Aquele par parece perfeito. Uma química avassaladora preenche a tela e nos faz cúmplices, quase cupidos, daquele amor que está nascendo. Anna Scott e William Tacker nasceram um para o outro e nós já sabemos disso.
A celebridade da estrela famosa que a torna inacessível e o anonimato do livreiro tímido, com casamentos desfeitos e solitário, vai fazer a história do filme acontecer.
Há também uma vibração diferente no clima britânico em que Anna mergulha. No jantar do primeiro encontro na casa dos amigos dele, ela é admirada por todos, claro, mas só a irmã mais nova de William (Emma Chambers) assume a tietagem. E ela, ao invés de se aborrecer, é agradável e compreensiva com a garota meio desmiolada que faz par com o inquilino de William, o excêntrico Spike (Rhys Ifans).
Os amigos de William, bem intencionados, querem arranjar alguém para ele, mas parece que nada dá certo. Depois de Anna, então, não há salvação possível para William que está irremediavelmente apaixonado por ela.
O roteiro escrito por Richard Curtis tem diálogos engraçados e um “timing” perfeito para o público torcer para o reencontro final do par romântico.
Enfim, o filme é cativante e é considerado como um dos clássicos do gênero.
Detalhe. Assim como abre o filme, a canção “She”, agora na voz de Elvis Costello, fecha a história e se alguém quiser ver de novo, em tempos de NETFLIX, não só é possível mas compreensível.
 

domingo, 24 de março de 2019

Um Crime Perfeito



“Um Crime Perfeito”- “A Perfect Murder”, Estados Unidos, 1998
Direção: Andrew Davis

Entramos pelas janelas de um “loft” em Nova York, que é um ateliê de pintor. Espalhadas no espaço em cavaletes, outras no chão, numa mistura agradável, as obras do pintor convivem com materiais que ele usa em seu trabalho como tintas, solventes, pincéis. Mas ele não está trabalhando. Na cama, um casal faz amor. Não vemos os rostos. Só as joias dela na mesinha ao lado.
Agora é o Central Park e a câmara acompanha quem adivinhamos ser a companhia do pintor. Num casaco elegante, ela caminha pela calçada, cabelo louros bem cortados, maquiagem suave e as joias que já vimos.
Ela entra num rico apartamento. Móveis antigos, veludos, sedas macias e arte nas altas paredes.
Emily Taylor (Gwyneth Paltrow) surpreende-se com a presença do marido Steven (Michael Douglas), que acreditava estar num jantar com clientes. Ele é um grande investidor da Bolsa. Está vestido num “smoking” alinhado e a saúda com um “dry martini”:
“- Aos momentos roubados...”
“- Mudou de ideia? Pensei que não iríamos...”
“- Meus investidores ingleses perderam o avião. ”
E depois de um momento, onde ela sai para se vestir também, ele a segue. Ela está no telefone mas desliga quando o vê entrar em seu quarto de vestir. Diz algo sobre papéis que esqueceu em sua mesa na ONU, onde trabalha e pega um vestido do armário.
“- Prefiro este”, diz ele, autoritário, passando o cabide com um longo. Ela obedece mas deixa transparecer contrariedade.
Chegam ao Metropolitan Museum para a noite beneficiente e os fotógrafos a cercam. São “beautiful people”, como chamam os colunáveis.
Ela, com um colar de brilhantes discreto, tem os cabelos num coque que realça o belo pescoço, e é elogiada pelas mulheres atentas.
Ela se afasta do grupo e procura quem sabemos. Quando o encontra trocam olhares interrogativos:
“- Disse que não vinha...”
“- Ele mudou de ideia. Não consegui te avisar...”
Ele é David (Viggo Mortensen) com quem ela passou a tarde. Alto, cabelos longos, rosto atraente.
São esses os personagens da trama do filme que inclui o triângulo amoroso e crime.
Ainda não sabemos mas ela é uma rica herdeira e o marido passa por dificuldades financeiras.
“Um Crime Perfeito” é uma adaptação de um clássico de Alfred Hitchcock de 1954, estrelado por Grace Kelly, Ray Milland e Robert Cummings que, por sua vez era uma adaptação de uma peça de sucesso na Broadway escrita por Robert Burks.
Com um bom roteiro de Patrick Smith Kelly, atores talentosos e um visual atraente, “Um Crime Perfeito” tem suspense num crescendo e reviravoltas que surpreendem o espectador.
Andrew Davis conseguiu uma boa direção, muito diferente da de Hitchcock. Melhor assim porque tentar copiar um gênio nunca dá certo.


quinta-feira, 21 de março de 2019

O Retorno de Ben




“O Retorno de Ben” – “Ben is Back”, Estados Unidos, 2018
Direção: Peter Hedge

Qual mãe ou pai de adolescente não teme que seu filho ou filha seja atraído pelas drogas? Há uma epidemia mundial de jovens drogados, morrendo cedo, entrando e saindo de clínicas de reabilitação e pior, presos em cárceres escuros. O que pode fazer uma pobre mãe ou pai?
Dois filmes me impressionaram no tratamento sensível e nada meloso com que mostraram esse problema. Um foi “Querido Menino” de Felix Van Groeningen com Steve Carell e Thimothée Chalamet, uma história real e “O Retorno de Ben”.
Esse último acaba de ser lançado no Brasil e certamente muita gente vai ver, atraídos pelo nome da estrela do filme, Julia Roberts.
Tudo se passa numa cidade pequena americana, coberta de neve. É quase Natal.
Holly (Julia Roberts) levou seus dois filhos menores, um de ovelha e a outra de estrelinha, para ensaiar o presépio na igreja. A filha maior, Ivy (Kathryn Newton), do primeiro casamento de Holly, com sua bela voz, canta com o coro.
Na volta para a casa, uma visita inesperada está na frente da porta:
“- É seu irmão mais velho”, exclama Holly, olhando para Ben (Lucas Hedge), que chega para passar o Natal com eles.
Mas há algo errado no ar, uma crispação nos olhos da irmã, um sorriso meio preso no rosto da mãe.
Só começamos a compreender melhor o que acontece quando, depois de uma conversa forçada na cozinha, a mãe recolhe todos os remédios de prescrição que encontra nos banheiros, pega também suas joias e esconde tudo no meio das toalhas da rouparia.
Quando chega o marido de Holly (Courtney B. Vance), avisado por Ivy do que acontecia, vemos que está sério e preocupado:
“- Não entendo você aqui. Terapeutas, médicos e até você mesmo concordaram que ainda é muito cedo para você visitar a família no Natal. Há muitas tentações para você e gatilhos perigosos. ”
E só para Holly ele, que é negro, diz:
“ Se ele fosse negro, estaria na prisão. “
Sem ter consciência do que está acontecendo, Ponce, o cachorrinho da família, está eufórico. Late e pula pela casa, fazendo farra com Ben e os dois pequenos. Na segunda parte da história, o cãozinho vai servir para aproximar Holly de descobertas terríveis sobre o passado do filho.
A mãe está dividida nesse primeiro momento. Alegre por ter a companhia do filho e, ao mesmo tempo, concordando com o marido e a filha, que ele tem que ser vigiado.
Julia Roberts está esplêndida no papel de mãe de um drogado, mostrando em seu rosto bonito o conflito de amar e não poder ajudar um filho perdido para a droga. Ela é forçada a sair de uma negação defensiva, querendo acreditar que ele mudou e ao mesmo tempo não podendo deixar de perceber as mentiras e a farsa que ele encena.
Lucas Hedge (“Manchester à beira mar”), filho do diretor e roteirista Peter Hedge na vida real, está também muito bem mas a estrela aqui é Julia Roberts, num papel perfeito para mais uma indicação ao Oscar. Merecida.



terça-feira, 19 de março de 2019

Um Amor Inesperado




“Um Amor Inesperado”- “Um Amor menos pensado”, Argentina, 2018
Direção: Juan Vera

Pai e mãe se despedem no aeroporto do filho que vai estudar fora. Abraço longo com o pai, lágrimas nos olhos da mãe. O casal sai abraçado. Um pouco tristonhos mas ele consola ela, carinhoso:
“- Venha! Vamos festejar. ”
Mas Ana (Mercedes Morán) parece estar reagindo mal à falta do filho. O marido (Ricardo Darín), professor de literatura na universidade, nota que ela anda estranha. Não dorme bem. Fica no escuro pensando e voltou a fumar.
O casal se dá bem na cama, mesmo depois de 25 anos de casados, portanto, pensa ele, só pode ser a famosa síndrome do ninho vazio.  Para ele, a casa sem o filho é o motivo da depressão de Ana.
Ele perde a oportunidade de pensar a respeito de uma crise existencial, logo ele, professor de literatura, que ensina Nietzche aos alunos. Ana, que sonha para o filho uma vida plena de oportunidades e boas surpresas, lá no fundo, sem saber, alimenta uma intensa inveja do filho, da vida que ele tem pela frente, da liberdade, das realizações ainda por vir. Há nela uma enorme nostalgia pela juventude perdida.
Tudo isso mexe tanto com Ana que ela começa a questionar o casamento. Tem a impressão de que está presa a Marcos por motivos fúteis, como por exemplo, tudo que eles colecionaram naquele apartamento e que levaram uma vida para reunir.
De repente, ela se sente sufocada. Entediada. Precisa de ar, mais espaço para ser ela mesma. Começa a sonhar com as vidas alternativas que não viveu. E a solução que encontra é a separação. Não está mais apaixonada pelo marido nem ele por ela. São amigos mas ela quer mais da vida. É como se fosse descobrir no mundo espaços que lhe foram negados.
Marcos não pensa como Ana e é quem mais sofre com essa separação. Também está deprimido e não lhe passa pela cabeça que a crise de Ana tem a ver com algo que pode acontecer a qualquer um. Quando começamos a pensar que vamos morrer, não sabemos quando nem onde, pior ainda, envelhecer, perder a saúde, a beleza. Mas isso passa quando se tem espaço para uma reflexão saudável e bom senso.
Os dois excelentes atores dão vida aos personagens pensados pelo diretor estreante e roteirista, Juan Vera.
O filme é perfeito para quem gosta de ver Darín atuar. Ele é realmente um ator inspirado e valoriza qualquer papel que faz na tela.
E Mercedes Morán consegue manter uma boa dupla com Darín, sem apequenar-se com a fama do outro mas, ao contrário, brilhando como ele. Há uma ótima química entre eles. E é o casal que dá vida a um roteiro sem novidades, com algumas cenas divertidas mas arrastado.
“Um Amor Inesperado” é um cinema de atores. Excelente para quem gosta de ver atuações brilhantes.


sábado, 16 de março de 2019

Capitã Marvel





“Capitã Marvel”- “Captain Marvel”, Estados Unidos, 2019
Direção: Anna Boden e Ryan Fleck

Ela é pequena, bem proporcionada, cabelos louros sempre soltos, olhar inteligente e, quando cai, levanta logo, pronta para o que der e vier. É uma guerreira. E isso desde criança, como vemos em flashes, correndo de kart, subindo em árvore e virando mais tarde piloto de caça, numa época em que a Força Aérea americana não aceitava mulheres.
Ela usa uma roupa de borracha com as cores da bandeira americana mas só depois que entendeu quem era e de onde vinha. E leva muito tempo para ela compreender isso. Até chegar de volta ao planeta onde nasceu, Carol Danvers pensa que é uma extraterrestre em luta contra outros extraterrestres.
Ora, como ela tem que recuperar o passado, depois de ter esquecido quem é, o filme que teria que mostrar sua origem e de como se tornou uma super heroína, opta por fazer essa recuperação acontecer através de flashbacks curtos, que mostram a confusão na cabeça dela, depois de uma lavagem cerebral, o que também confunde a plateia.
Claro que isso acontece com as pessoas menos familiarizadas com a personagem. E certamente isso é um erro do roteiro porque a ideia do filme é ganhar novos espectadores para a Marvel. Todas nós mulheres do século XXI merecemos mais uma super heroína brilhando nas telas do cinema. Mas, depois da Mulher Maravilha a expectativa seria também a de um novo roteiro bem elaborado.
Mas Brie Larson, que ganhou o Oscar de melhor atriz por sua interpretação comovente em “O Quarto de Jack”, faz o que pode para dar mais profundidade à heroína que ela veste. Aqui, o problema não é a atriz, é a própria Capitã, que em muito poucos momentos insinua o que se passa em seu mundo interno.
E um tantinho de doçura não faria mal nenhum à personagem. Também sua sexualidade não aparece e a sensualidade é restrita apenas a mostrar suas formas na roupa de borracha. Nesse ponto, Annette Bening está mais feminina e sexy na jaqueta de couro preta que ela leva como ninguém.
Samuel L. Jackson que faz o agente que vai acompanhar a Capitã Marvel, é o encarregado de mostrar bom humor e afeto. Nick Fury está ótimo em seu carinho irremediável pela gata Goose que  faz com ele o que ela quer. Desde “Alien” não se via uma gata tão amada.
O filme é bem feito em seus efeitos especiais mas nada de mais do que já vimos. Ponto para a trilha sonora bem escolhida.
No mais, a Capitã Marvel é um cometa. Uma luz que risca os espaços do universo, forte e poderosa. Mas longínqua. E muito só.


quinta-feira, 14 de março de 2019

O Amor Não Tira Férias




“O Amor não Tira Férias”- “The Holiday”, Estados Unidos, 2006
Direção: Nancy Meyers

Como é triste brigar com o namorado nas vésperas do Natal porque ele é um traidor e ter que passar as festas relembrando tudo o que aconteceu. Mas também é péssimo perder um amor que nunca foi seu. Um terrível engano induzido por ele. O sujeito vai se casar com outra e nem para te avisar...
Pois é. Isso aconteceu com duas garotas, Amanda (Cameron Diaz) que vive em Los Angeles e Iris (Kate Winslet) que mora perto de Londres.
O desconsolo das duas é enorme. E a ideia de mudar de ares agrada a ambas. Pronto. Um toque no computador, num site criativo e Amanda se enamora do chalé inglês de Iris, que está disponível. Por sorte, Iris também adora a ideia de conhecer Los Angeles e ficar longe do seu amor infeliz.
Elas vão trocar de casas por duas semanas e tentar passar Natal e Ano Novo de um jeito diferente. Longe de homens em geral, promete Amanda. Longe do aproveitador (Rufus Sewell) que a enganou, pensa Iris, enxugando as lágrimas.
E assim foi feita a troca de casa, no dia seguinte. O que elas não previam é que iriam mudar também de vida.
Amanda, que tem uma companhia de sucesso que faz trailers para o lançamento de filmes, começa sua aventura londrina tendo que se virar para levar a mala numa estradinha com gelo e neve, já que o taxi não consegue chegar lá. Mas, depois, arruma tudo como gosta e percebe que, por companhia, só tem o cachorro de Iris, muito comportado e que estranha o jeito careteiro de Amanda, que não sabe ficar quieta nem por um minuto. Fala até consigo mesma.
Ironicamente, Amanda que queria tirar férias de homens, vai se encontrar com o irmão de Iris, que aparece no chalé sem saber da troca de casas e que é um homem bonito e charmoso (Jude Law).
Iris fica boquiaberta com a casa enorme de Amanda e adora tudo que vê desde o living bem decorado, a cozinha de cinema, até a piscina e o quarto. Imediatamente joga-se nos lençóis macios e descobre maravilhada que vai poder dormir, já que em Londres é 1:00 AM. E o quarto de Amanda tem persianas automáticas que fazem uma total escuridão para que a londrina possa dormir o tão merecido sono reparador.
O filme de Nancy Meyers (“Alguém tem que Ceder”) conta as duas histórias entrelaçando-as. E o resultado é gostoso de ver.
Amanda e o bonitão Graham, Iris e seu vizinho, Arthur Abbott (Eli Wallach), um senhor bem humorado e simpático, que viveu os anos dourados de Hollywood, como escritor de roteiros, vão viver dias inesquecíveis.
Está tudo certo quando tudo acaba bem, não é mesmo? O filme de Nancy Meyers com direção e roteiro dela também distrai e diverte. É uma boa comédia romântica.


segunda-feira, 11 de março de 2019

Mademoiselle Vingança




“Mademoiselle Vingança” - “Mademoiselle de Jonquières”, França, 2018
Direção: Emmanuel Mouret

Cenários belíssimos na França do século XVIII, um palácio, onde mora a ainda jovem e bela Madame de la Pommeraye (Cécile de France), cercado por um bosque de grandes árvores e um lago. Tudo bonito demais, tão bem cuidado que parece cenário pintado, quadro de época.
A bela dama combina com esse cenário perfeito. E logo a vemos, vestida de seda branca, passeando pelo bosque de braços dados com o Marquês des Arcis (Edouard Bauer), seu amigo, que é um rico libertino. Sua vida se passa mudando de amores com frequência. Isso diverte Madame que enumera a longa lista de mulheres que foram suas amantes.
Continuando a conversa, ela se vangloria de nunca ter amado e de não acreditar no amor:
“- Só acredito na amizade. O amor, combinado com o desejo, cresce fácil e magoa facilmente. ”
E o Marquês responde que presenciou um amor verdadeiro nos tios que o criaram:
“- E como pode amar e abandonar as mulheres como você faz? “
“- Porque em cada uma delas eu vejo, nem que por um momento, esse amor ideal que eu ainda procuro. “
Ela ri, vestida de azul e laços e diz que não acredita quando ele confessa que tem esperança de ver o amor crescer entre eles.
E o Marquês vai ficando como hóspede de Madame e os meses passam e ele continua fazendo a corte a ela. Até percebermos que ela está diferente. Apaixonada.
“- Ele mudou! Não é mais o mesmo homem ”, conta à amiga incrédula.
Vestida de seda turquesa, rendas brancas e bordados delicados, ela mesma dá a entender, no dia do aniversário dele, que ela se entrega a ele.
E conta à amiga, enquanto faz lindos arranjos de flores nos vasos de cristal do salão, que está feliz e que todos em Paris devem estar com inveja dela, vestida num belo tom de carmesim e plumas no cabelo.
Mas o tempo passa e aquela paixão também muda.
E a vemos chorar no ombro da amiga. Mas não tem certeza de que tudo acabou. E quando o vê à noite, ela mesma finge estar desiludida porque seus sentimentos mudaram. Já não é a mesma coisa de antes.
Ele, sem entender que é uma armadilha que ela montou para conhecer os sentimentos dele, concorda.
E vemos Madame empalidecer. Seu orgulho, seu narcisismo, não permitem que isso aconteça. Vai haver uma vingança.
E, para tal, ela vai usar uma nobre decaída e sua filha, Mademoiselle de Jonquières (Alice Isaaz), uma bela e tímida mocinha.
A história do filme foi adaptada pelo diretor Emmanuel Mouret, que escreveu o roteiro, do romance de Denis Diderot de 1784, “Jacques le Fataliste et son maitre”.
O filme é leve e tem uma moral: para curar uma ferida narcísica basta pensar que conseguiu pagar na mesma moeda. Assim pensa quem pensa só em si mesmo. Pura ironia.



domingo, 10 de março de 2019

Sete Anos no Tibete




“Sete Anos no Tibete”- “Seven Years in Tibet”, Estados Unidos, 1997
Direção: Jean-Jacques Annaud

Ele era obcecado por alpinismo. Atleta, gostava de vencer. E o desafio agora era subir ao ponto mais alto dos Himalaias, o pico Nanga Parbat, na Índia.
Estamos em Vienna, 1939 e a guerra se aproxima. Mas o austríaco Heinrich Harrer (Brad Pitt) só se interessa por seus planos. Sua mulher espera o primeiro filho deles e sua hora já está próxima mas Heinrich vai partir mesmo assim. Com a bandeira nazista na mão promete distraidamente aos repórteres que irá coloca-la no alto do pico, antes de entrar no trem que o levará mais perto de seu destino.
Ele e seu guia, Peter Aufschnaiter (David Thewlis), começam a subida. O espetáculo das imagens na tela é belíssimo. Mas não são os Himalaias, são os Andes o lugar escolhido para a filmagem, por ser mais acessível ainda hoje.
Os alpinistas passam por vários apertos e o tempo fecha, fazendo com que tenham de esperar no acampamento. Quando tudo estava propício para a subida final, uma avalanche destrói os planos de conquista do Nanga Parbat.
Quando descem são presos pelos ingleses porque a guerra começara e o território onde estavam era protetorado inglês, inimigo da Alemanha e da Áustria. Os dois ficam no campo de prisioneiros e depois de várias tentativas de fuga, são bem sucedidos.
Na segunda parte do filme é que vamos conhecer o Tibete, um dos países mais isolados do mundo naquela época, onde vivia um povo pacífico, inimigo da guerra e de estrangeiros. Sua cultura milenar, totalmente diferente da ocidental, tem no Dalai Lama seu líder máximo.
O encontro de Heinrich com o Dalai Lama, um menino de 11 anos, é o ponto alto do filme que foi adaptado da biografia do austríaco. Adorado como a reencarnação do primeiro líder tibetano, o menino se encanta com os cabelos amarelos do austríaco e faz dele seu tutor. Todo o tipo de pergunta sobre o ocidente preenche os encontros dos dois.
Algo de paternal também existe nessa relação. Afinal, Heinrich volta a pensar em seu filho e escreve cartas para ele. Mas, para sua tristeza, quando sente que cultivou um vínculo de amor com a criança, ele lhe escreve negando-o como pai e pedindo para não lhe escrever mais.
Heinrich cai numa depressão profunda que o faz rever seus valores e há uma aproximação maior com o menino sagrado.
O filme de Jean-Jacques Annaud tem uma produção de arte esmerada e os trajes, a decoração dos ambientes e a arquitetura do palácio em Lhassa, a cidade sagrada, são interessantes.
Brad Pitt com seu charme natural e lourice admirada, faz bem o papel do homem egoísta e frio que, aos poucos, vai temperando seus humores, perante as dificuldades da viagem, tornando-se mais solto e generoso durante sua estadia entre os amistosos tibetanos.
Infelizmente, nos anos 50 o Tibete é invadido pela China comunista e tem grande parte de seus tesouros artísticos destruídos e seu povo massacrado.
Aos 21anos, o Dalai Lama tem que abandonar o Tibete e hoje corre o mundo encantando plateias com suas sábias palavras em palestras bem frequentadas.
O filme poderia ter se aprofundado mais sobre os usos e costumes do Tibete mas o que foi privilegiado foi a relação entre Kundum, o menino sagrado e o austríaco que passou a encarar mais o seu mundo interno e menos as glórias mundanas.
Até hoje os dois são amigos.


Dogman




“Dogman”- Idem, Itália, França, 2018
Direção: Matteo Garrone

Só ele para amansar as feras. Falava com carinho e não se intimidava com latidos e rosnares. Dava banho nos cães daquele lugar pobre e esquecido perto do mar, nos arrabaldes de Roma. O pequeno Marcello (Marcello Fonte, prêmio de melhor ator no Festival de Cannes) era dono do petshop “Dogman” que cuidava de cães maiores do que ele, franzino e baixo.
Adorava a filha pequena, nascida de um casamento já desfeito. Ela também retribuía o amor dele e ajudava com o trato dos cães quando o visitava. Mas dela ele escondia seu outro trabalho: vendia cocaína no bairro.
Simone (Edoardo Pesce), o grandalhão feroz, que amedrontava a todos que andavam por ali, Marcello tentava tratar como os grandes cachorrões de dentes afiados. Nada feito. Simoncito era violento e forçava Marcello a obedecê-lo.
Na verdade, era seu cliente na droga mas abusava de seu tamanho e força física para submeter Marcello a seus desejos e há tempos não pagava mais a cocaína que exigia que o pobre Marcello lhe fornecesse.
Por culpa de Simone, ele se submete a ser motorista de um roubo. Não havia como dizer não. O grandão o obrigava a fazer o que ele queria.
E, ao saber pela boca dos ladrões que um cãozinho sofria na casa roubada, Marcello não hesita. Volta para salvá-lo. Temerariamente, escala os muros e entra na casa. Como o mais importante é salvar o cãozinho, ele não pensa nas consequências. Dessa vez ele escapa. Mas começamos a temer por sua sorte.
Marcello é um sujeito simpático com todo mundo. Sempre saudando os outros com o mesmo sorriso. Até quando não era correspondido.
Um dia no café da praça escuta que os negociantes do local querem se livrar de Simone e fica apreensivo por causa do outro. Mas por que? Ele também viveria melhor sem os abusos de Simone. Mas a alma humana tem segredos estranhos. Marcello precisava do grandalhão para ter um arremedo de amigo.
E as maiores encrencas começam. A docilidade de Marcello e sua impotência perante a violência do outro vão tomar outro rumo.
Quando Marcello vai preso no lugar de Simone porque não delata o verdadeiro culpado para a polícia, isso vai ter consequências fortes. Marcello sai da prisão diferente de como entrou.
Matteo Garrone, o diretor e co-escritor do roteiro fala no filme dessa violência e agressividade latentes em todos nós. Se as relações entre os homens não se pautarem pela civilidade estamos correndo o perigo de cair no cáos. Mesmo os que se guiam pela cordialidade tem acesso à essas forças subterrâneas. Cuidado com elas.



sexta-feira, 8 de março de 2019

Se a rua Beale falasse



“Se a rua Beale falasse”- “If Beale Street Could Talk”, Estados Unidos, 2018
Direção: Barry Jenkins

Eram crianças que cresceram juntas. Ele e ela passaram a infância brincando um com o outro e o amor pueril transformou-se, em seu devido tempo, em amor verdadeiro.
Só que a vida adulta reservava um pesadelo para aqueles dois jovens amorosos e confiantes.
As famílias se conheciam. Moravam perto. Mas quando anunciaram que iriam se casar, a mãe dele não gostou da escolha do filho. Ela era pouco para ele. Ou era um problema íntimo da mãe dele que tinha um casamento infeliz?
Foi duro mas não impossível conviver com essa situação entre as famílias. Eles se amavam e era o bastante. O amor deles era de verdade e nada os separaria.
Mas eram pretos. E a história deles não foi como a de Romeu e Julieta. O sistema foi quem os separou, não as famílias. Queriam ele como exemplo para os outros jovens negros como ele.
E, no desenrolar do drama que envolveu Tish (Kiki Layne) e Fonny (Stephan James), veremos quanto a justiça pode ser injusta dependendo de quem a exerce.
E foi contra ele que foi decidido. Preso e condenado sem provas cabais. Não há testemunhas? Ah! Se a rua Beale pudesse falar...
Ele foi considerado culpado da acusação. Um negro orgulhoso de sua cor e revoltado contra os que o acusavam. Merecia castigo e prisão. Assim pensavam seus algozes.
Então, só o vidro do parlatório da prisão os separava, porque a cada visita, seus corações estavam mais juntos do que nunca.
No início foram só lágrimas e dor mas ela mostrou sua fibra. Tish tinha a mãe (Regina King, que ganhou o Oscar de melhor atriz coadjuvante) do seu lado. O tempo estaria sempre a favor dos dois. Cada dia que passava ele estava mais perto dela e do filho crescido longe do pai mas tão amoroso nas visitas com a mãe à prisão. Quem sabe a criança não teria uma vida melhor?
Fonny, que era um artista, prometeu a Tish que iria construir uma mesa enorme onde todas as gerações futuras se sentariam para comer e celebrar em liberdade.
O diretor de “Moonlight”, Barry Jenkins, o melhor filme de 2016, assina esse romance dramático adaptado do livro de mesmo nome de James Baldwin, o grande escritor do povo negro americano,  com imagens  da fotografia de cores belíssimas de James Laxton.
Não só nos Estados Unidos nos anos 70, onde o filme se passa, mas ainda hoje no mundo todo existe preconceito contra a cor da pele do outro. Brancos, negros, amarelos e vermelhos de todos os matizes esquecem que, por baixo da pele, somos todos iguais.
“Se a rua Beale falasse” é um grito de dor contra esse estado de coisas.

terça-feira, 5 de março de 2019

Billy Elliot




“Billy Elliot”- Idem, Reino Unido, Irlanda do Norte, 2000
Direção: Stephen Daldry

Billy Elliot, um garoto de uns 11 anos, mora em Durham, Inglaterra, cidade pequena cuja principal fonte de trabalho é a mineração de carvão. Em 1984, quando o filme começa, havia uma greve do sindicato dos mineradores contra o governo de Margareth Tatcher. Mineradores e policiais se enfrentavam todos os dias nas ruas da cidade.
Billy mora com o pai, o irmão mais velho Tony, também minerador como o pai e a avó, mãe de sua mãe, que morrera jovem ainda. O pai (Gary Lewis) e o irmão aderiram à greve e por isso a família estava com dificuldades financeiras.
Como todos os meninos, Billy vai à academia onde tenta aprender a lutar boxe, com o incentivo do pai. Os outros esportes não o empolgavam e o boxe também não. Ele então ficava distraído olhando as meninas fazendo aula de balé clássico ao lado do ringue.
Billy tinha a mania de dançar onde quer que estivesse. Até no ringue de boxe e abraçado ao saco de areia. E tão fascinado estava com a aula na barra, que vai se aproximando e alguém empresta sapatilhas para ele.
Perdidíssimo no início, Billy começa a gostar e acertar os passos, com a ajuda da professora (Julie Walters). Ele é o único menino na classe e se sobressai porque é um bailarino natural.
Aos poucos vemos sua postura mudar e ele começa a  sentir prazer em exercitar seu corpo em alongamentos e piruetas.
Claro que a professora percebe o quanto de talento ele tem. Assim, iniciam aulas particulares para que Billy pudesse fazer o teste para a Royal Ballet School em Londres.
O filme é dirigido com arte pelo diretor Stephen Daldry, que sabe dosar a dança de Billy pelas ruas da cidadezinha e a luta dos mineiros contra os companheiros que furavam a greve. Esse foi seu primeiro filme e ele já foi indicado a melhor diretor no Oscar. Depois ele brilhou com “As Horas” 2002, “O Leitor” 2008. “Tão Forte e Tão Perto” 2011 e a série “The Crown” 2016/ 2017.
O filme é também uma história sobre uma relação difícil entre pai e filho, que herdara a sensibilidade da mãe. A avó meio caduca, repetia sempre que ela e a filha adoravam os filmes de Fred Astaire e que dançavam juntas na rua depois de assisti-los:
“- Eu poderia ter sido uma bailarina profissional “, repetia ela.
O preconceito na Inglaterra nos anos 80 era muito forte e foi difícil para o pai de Billy aceitar que o balé não fazia de seu filho um homossexual.
E no final, bem escolhido, vemos um Billy transformado em um grande artista, reconhecido por todos. Lágrimas vão querer molhar o rosto dos mais sensíveis. Eu chorei.


A Mula




“A Mula”- “The Mule”, Estados Unidos, 2018
Direção: Clint Eastwood

Ele é um mito. Aos 88 anos, quase 89, Clint Eastwood mantém o físico e a cabeça em perfeita ordem. Claro que os olhos turquesa empalideceram, o rosto se vincou ao sol da Califórnia e o corpo está franzino. Mas o ator está presente e é sutil, o diretor atento domina o filme e o compositor é o único que não aparece em “A Mula”.
Mas inspirou o músico Toby Keith a compor uma música para o filme, quando o ator respondeu a uma pergunta dele, durante um jogo de golfe:
“- Como você se mantém em forma? ”
“- Don’t let the old man in (Não deixe o velho entrar)”, diz Eastwood.
E esse é o título de uma das canções da trilha sonora de Arturo Sandoval.
Não sei se a nova geração percebe o valor desse homem que sofreu mudanças físicas mas que mantém a cabeça no lugar. Sempre foi político, não liberal, mas republicano. Não precisamos apoiar, nem celebrar suas opiniões, mas respeitá-lo pela integridade. Por falar nisso, prestem atenção na cara dele quando, em uma cena do filme, ele ajuda uma família de negros a mudar o pneu do carro e calmamente chama eles de “niggers”, o que é considerado uma ofensa. Chamam a atenção dele, dizendo que a palavra que ele usou é um insulto e que é melhor usar “blacks”. Ele ouve tudo sem discutir e segue adiante, impávido. É o jeito dele de ser e não tem nada a ver com o personagem que ele representa.
Aliás, Clint Eastwood voltar a participar como ator de um filme que ele mesmo dirige já é de surpreender. “Gran Torino” de 2008 e “Curvas da Vida” de 2012 pareciam ser suas últimas atuações no cinema. Que nada. Ele volta brilhando em “A Mula”, no papel de Earl Stone, um personagem da vida real, apaixonado por lírios e “bon vivant” que praticamente abandonou a família. Não participava, esquecia ou chegava atrasado em batizados, formaturas ou até no casamento de sua única filha (Alison Eastwood, filha do ator na vida real), com quem não falava há 12 anos quando o filme começa em 2005.
Ele era um bem sucedido produtor de lírios que cultivava com auxiliares latinos e participava com charme e simpatia de todos os congressos e convenções, até que, vencido pelas vendas pela internet que ele desprezava, foi à falência, em 2017.
Seu futuro parecia sombrio já que mesmo a família não o queria por perto. Quebrado, sem casa para morar, pois não podia pagar a hipoteca, eis que surge uma chance de trabalho por acaso. Um velho que nunca fora multado e guiava bem e com cautela, seria o motorista ideal para o cartel mexicano de drogas, porque poderia passar desapercebido pela polícia.
O filme é leve, divertido e agradável de ver. E o elenco tem nomes como o de Dianne Wiest que faz a ex, sempre vista nos filmes de Woody Allen, Bradley Cooper, a quem ele elogiou o trabalho de diretor em “Nasce uma Estrela”, que faz o agente dos narcóticos com Michel Peña, que vão caçar o mula pelas estradas ladeadas de belas paisagens americanas. E Andy Garcia, gordo e coberto de ouro, que é o chefão do cartel e recebe Earl Stone em sua fazenda no México, onde rolam bebidas e sexo à vontade.
O roteiro de Nick Schenk tem alto e baixos mas pode agradar se você souber quem é Clint Eastwood, ganhador de 4 Oscars e inúmeros outros prêmios mundo afora.
O “durão” aqui está mais suave e até faz auto crítica. Sem nunca deixar de ser charmoso e carismático, é claro.