sábado, 26 de abril de 2014

Eu, Mamãe e os Meninos


“Eu, Mamãe e os Meninos”- “Les Garçons et Guillaume à Table”, França, 2013
Direção: Guillaume Gallienne

Muitas vêzes é difícil para um menino ou menina conhecer sua identidade sexual. E a família sempre tem um papel decisivo para que essa dificuldade se instale.
“Eu, Mamãe e os Meninos” dirigido e interpretado por Guillaume Gallienne conta a história dele mesmo, com os pormenores de um caso complicado de determinação da identidade de gênero.
Ele escreveu um monólogo para o teatro e depois resolveu dirigir seu primeiro longa, onde essas memórias são encenadas com graça e inteligência.
E o sucesso foi enorme. Além da bilheteria de 2 milhões e 300 mil espectadores, ganhou cinco Césars, o Oscar francês 2013, incluindo melhor filme, ator e roteiro adaptado.
Por que será que Guillaume Gallienne caiu no gosto do público? Claro que ele é talentoso. Seu filme é divertido, intrigante e nunca vulgar. Mas sua maior qualidade é a facilidade com que nos envolve e como seguimos Guillaume em suas aventuras e dificuldades de entender quem ele é. Menina ou menino?
O título em francês é uma frase da mãe dele, uma de suas primeiras lembranças, chamando os filhos para a mesa e que traduz a ambiguidade, até mesmo a certeza, que ele vivia. Era diferente de seus irmãos homens, portanto deveria ser uma menina: “Guillaume e meninos, venham para a mesa”.
Essa frase perseguiu Guillaume e se somou às outras que ouviu de seus irmãos, seu pai e seus colegas de internato.
Ele explicava o uso de roupas masculinas, que a mãe comprava para ele, como um maneira de não desagradar o pai. Mas até ele confundia a voz de Guillaume com a voz da mãe. E odiava a situação. Queria que o filho fosse macho.
Filho caçula de uma mãe que queria uma filha, muito cedo Guillaume sintonizou com esse desejo da mãe adorada e tudo que ele fazia era para agradar a ela. Mais. Ser igual  ela.
Ótimo ator, Guillaume Gallienne, 42 anos, interpreta ele mesmo e a mãe, com tanto talento, que custa um pouco para o espectador perceber que não são dois atores.
E as peripécias vividas e trazidas em cenas hilariantes e comoventes, levam o cinema a rir com ele e a se emocionar com sua ingenuidade e temperamento amoroso.
A frase contundente e feliz de um de seus psicanalistas, o último, faz com que Guillaume comece a ver o mundo com olhos virados para si mesmo e não mais para a mãe  maravilhosa ou para o que os outros pensavam dele.
Saimos do cinema ainda rindo e relembrando cenas como a da massagem na Baviera, o internato inglês, a boate gay, a mãe aparecendo em todos os lugares, vinda da imaginação dele para opinar em tudo, a bela cavalgada ao som de Wagner e aquele jantar em Paris.
Faça como os francêses. Vá ver, rir e sorrir com Guillaume Galienne, um diretor sensível e ator talentoso.


terça-feira, 22 de abril de 2014

Amante à Domicílio


“Amante a Domicílio”- “Fading Gigolo”, Estados Unidos, 2013
Direção: John Turturro

Dois amigos fazem uma parceria inusitada em “Amante à Domicílio”.
E, por mais que pareça, à primeira vista, ser um filme de Woody Allen, este é um filme escrito e dirigido por John Turturro, com a participação de Woody Allen como ator, no papel principal.
A história passa-se em Nova York mas aquela não é a cidade do diretor de “Manhattan”. Tudo está mais colorido como se o filme se passasse nos tempos do cinamascope. E nunca o Central Park foi tão romântico.
E aquele personagem conhecido nosso, neurótico e rabujento, falando muito e apressado, transformou-se no dono de uma pequena livraria:
“- Meu avô abriu, meu pai foi dono e eu vou ter que fechá-la... Hoje em dia só pessoas raras compram livros...” diz Murray conformado.
Fatalista, enfrenta os fatos da vida sem reclamar.
Mas, o que vem a seguir parece-se mais com uma idéia de Woody Allen.
Como quem fala da coisa mais natural do mundo, começa a contar para Fioravante (John Turturro) que uma amiga bem gostosa (Sharon Stone) pagaria U$1.000 a hora, para experimentar o “ménage a trois”.
O amigo, que veio ajudá-lo com seu caminhãozinho de florista a carregar o que restou da livraria, pergunta assustado:
“- Você está tomando drogas?”
“- Fora o meu Zoloft, não.”
Então é nos diálogos que reconhecemos o estilo Woody Allen de ver o mundo. E o cinema todo ri quando ele acrescenta:
“- Pensei em ficar com uma pequena quantia do que você conseguir...”
Pronto. A dupla do gigolô e do cafetão está formada.
Mas não pensem que vão ver nús frontais. Apesar da presença de Sharon Stone e Sofia Vergara, as amigas “sexy” interessadas em ampliar seus conhecimentos, o filme não vai por aí. Claro, tem uma cena com os três na cama. Mas, diferente do que se possa pensar.
“Amante à Domicílio” volta-se mais para o amor do que para o sexo. A cantora e atriz francesa, Vanessa Paradis, é Avigal, a viúva melancólica de um rabino ortodoxo que Murray quer ver mais feliz.
Uma cena na mesa onde ela tira a espinha do peixe é mais sensual do que se fosse na cama.
E o Brooklyn mostra-se como nunca apareceu em filmes de Woody Allen. Os judeus ortodoxos com seus chapéus de pele, as mulheres de peruca, muitas crianças e aquele clima de proibição com o policial do bairro, sempre atento (Liev Schreiber como Ravi).
Há algumas piscadelas para o público, no filme, que remetem aos problemas que Woody Allen teve nos últimos tempos com a ex. A cena do menino no banheiro e a resposta simples e direta da mãe dele, explicando porque ele sentia dor no traseiro, só pode ser coisa de Woody Allen. Para não falar das acusações de incesto, adultério e todo o resto, sob pena de apedrejamento, no tribunal dos rabinos, também.
Humor inteligente, situações divertidas e a defesa da necessidade de amor e calor entre as pessoas, fazem de “Amor à Domicílio” um filme decididamente gostoso de se ver e conversar depois.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Yves Saint-Laurent


“Yves Saint-Laurent”- Idem, França, 2013
Direção: Jalil Lespert

Ele foi um grande artista.
Fazia moda com tanto talento que criou um estilo próprio. Tanto na alta costura, onde começou, como no pret-à-porter em 1966 (na butique da Rive Gauche, 21, rue de Tournon), maravilhou as mulheres com os “looks” que inventava. Quem sabia das coisas via de longe quem vestia um Yves Saint- Laurent.
Basta lembrar dos terninhos muito femininos, do smoking que virou marca registrada, das “sahariènnes”, dos “trench-coats” e a maravilha das ciganas e russas luxuosas, com estampas e bordados deslumbrantes.
É a história desse gênio que é contada no filme “Yves Saint-Laurent” de Jalil Lespert, que vai mostrar não só suas criações mas, principalmente, sua vida íntima.
Nascido em Oran, na Argélia, possessão francesa na época, ele surgiu em Paris em 1957, requisitado pela mais famosa “Maison” de alta costura da cidade das luzes.
Um toque dele e o vestido que deixava a desejar no ateliê de M.Dior, ganhava aquilo que o faria belo e único.
Com a morte do grande estilista, ele assumiu a direção artística da casa Dior, com apenas 21 anos:
“- Tristeza, angústia, alegria e orgulho. Mas também medo de não conseguir. Mas vou tentar até o fim. Isso eu prometo”, responde o rapaz tímido e muito magro, com imensos óculos no belo rosto, aos repórteres que o cercavam no salão da Casa Dior.
Pierre Niney, 24 anos, que faz Saint-Laurent renascer na tela, emociona a quem teve o privilégio de conhecer o personagem. Muito parecido fisicamente com o estilista, seu talento fez com que se aproximasse também de sua alma, seu jeito de ser.
O companheiro de toda a vida, Pierre Bergé (interpretado por Guillaume Gallienne, ótimo), disse:
“Niney não interpreta. É Yves no filme.”
Por causa disso e da história baseada na biografia escrita por Laurence Benaim em 2002, o diretor Lespert teve acesso ao lendário ateliê de Saint Laurent, além dos arquivos de Pierre Bergé e à fundação que leva o nome dos dois e que possui 5.000 criações, 15.000 acessórios e 35.000 croquis.
O filme também mostra a casa de Yves e Pierre em Marrakesh, La Majorelle, pintada em azul e ocre e o apartamento em Paris com o belo terraço dando para o Arco do Triunfo, cenários por onde desfilaram aqueles que faziam de Paris o centro do mundo.
Yves Saint-Laurent possuia genialidade mas se não tivesse encontrado Pirre Bergé muito jovem, talvez a históra tivesse sido outra. Sim, porque o tanto que ele tinha de talento, tinha também de auto-destrutividade, um lado sombrio que o levava à bebida e depois às drogas.
Na noite parisiense, cercado por seus manequins e homens que o adoravam, eles faziam a festa dos “flashs” indiscretos e das fofocas mundanas.
A paixão, vivida por 50 anos com Pierre Bergé, não impediu que os dois brigassem muito e se separassem várias vêzes.
Bergé, um homem equilibrado e culto, desaprovava os excessos do companheiro mas não conseguia fazer diminuir a angústia insuportável que roia a alma daquele homem que ele amava.
Mas resguardou a bela coleção que criaram juntos, leiloada em 2009 por 370 milhões de euros e, principalmente, sempre o amparou e administrou suas finanças.
Sem Pierre Bergé talvez Yves Saint-Laurent (1936-2008) não chegasse onde chegou. E é essa a história que o filme conta de forma bela e competente.

domingo, 20 de abril de 2014

O Grande Mestre


“O Grande Mestre”- “The Great Master”, China 2013
Direção: Wong Kar-wai

Aqueles que amam o cinema conhecem Wong Kar-wai, 58 anos, diretor de cinema chinês, nascido em Shanghai e que mora em Hong-Kong, por seus belos filmes de amor.
Em Cannes 1997 foi considerado melhor diretor por “Felizes Juntos - Happy Together” e em 2000, seu filme “Amor à Flor da Pele – In The Mood for Love” ganhou o César, o Oscar francês.
Escolhido como presidente do Festival de Berlim 2014, seu filme “O Grande Mestre” abriu a Berlinale.
Era um sonho de Wong Kar-wai filmar a biografia de Ip Man, o lendário mestre de Bruce Lee, que morreu em 1972, aos 79 anos.
Já na primeira cena de “O Grande Mestre”, vamos ver uma luta espetacular, uma arte esquecida.
Quase no escuro, mas com uma iluminação que destaca os detalhes, admiramos um contra muitos, no meio da chuva torrencial. Sem nenhuma arma a não ser seu próprio corpo, suas mãos, braços, pernas e uma sensibilidade aguçada, o mestre vence a todos sem deixar cair da cabeça seu chapéu Panamá, que o identifica, nas cenas debaixo de uma água brilhante.
Ip Man (Tony Leung, belo e convincente no papel), o grande mestre, faz uma entrada triunfal.
A câmara de Wong Kar-wai acompanha a luta de perto e é estonteante ver o mestre em ação. Vai de um em um dos desafiantes, certeiro e econômico, deixando todos no chão.
O balé do kung-fu, fascina com sua precisão, agilidade e graça.
Vamos seguir a história do mestre em “flashbacks”. Majestosas as cenas que mostram sua aceitação como discípulo do mestre Gong Yutin, no fim dos anos 30, no sul da China. Salta aos olhos o respeito com que é tratado por seus pares, no bordel dourado, onde todos se reúnem.
O ponto culminante acontece quando ela chega, Er Gong (Zhang Zyi, maravilhosa), a filha do mestre morto, que aprendeu com o pai as 64 formas do bagua, outra linha do kung-fu.
A luta de Ip Man e a bela é a mais bonita do filme porque não é para que ninguém se machuque. É pura beleza e arte. Um homem e uma mulher, colocados frente a frente, para que o melhor domine o outro.
A câmara ágil de Wong Kar-wai segue colada aos perfis que se roçam, as mãos que sustentam o outro para que tudo possa recomeçar, os olhares que não se perdem, os voos na escada e a mocinha sobre o corrimão, qual pássaro pousada, vencedora, encantando os olhos da plateia e apaixonando seu antagonista.
Há cenas que são quadros com detalhes que se quer guardar na memória (fotografia deslumbrante de Philipe LeSourd), como a do antigo mestre treinando na neve do jardim, observado por sua filha pequena que vai aprender a arte do pai e não terá para quem passá-la, por ironia do destino.
Depois da cruenta guerra com o Japão e da Segunda Grande Guerra, o kung-fu torna-se uma luta mais popular e menos sofisticada. Vemos uma rua inteira em Hong-Kong com escolinhas que pretendem ensinar algo que não é mais a arte milenar.
Como tudo na vida, o kung-fu tem que mudar e é aí que aparece o menino que será Bruce Lee. Ele vai encantar o Ocidente com a beleza e a graça letal de algo que não conhecíamos e que o grande mestre ensinou ao seu discípulo mais famoso.
Bela homenagem de Wong Kar-wai à milenar arte marcial de seu país natal.

domingo, 13 de abril de 2014

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho


“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, Brasil, 2014
Direção: Daniel Ribeiro

A adolescência é um periodo trágico para a maioria dos seres humanos. Insegurança, humor alterado, medos, sensação de não ser compreendido, problemas na aceitação de um novo corpo, auto-imagem destorcida e por aí vai.
Pois bem. Imaginem se o adolescente for cego. Piora, não?
No fim das férias, vemos Giovanna (Tess Amorim) e Leonardo (Guilherme Lobo) à borda da piscina, com muita preguiça e calor, conversando sobre namoro:
“- Dormindo e ouvindo Beethoven dias inteiros, acho que você nunca vai beijar ninguém...” diz Giovanna.
“- E quem vai querer me beijar?” responde Leonardo.
Para Leonardo o mundo está sempre no escuro. E ele tem que depender dos outros para fazer a maior parte das coisas que todo mundo faz sozinho.
Giovanna, sua melhor amiga, escolta ele todo dia da escola para a casa dele, abre o portão com a chave e volta dois quarteirões para a casa dela.
Na sala de aula sentam lado a lado. Leonardo, com o barulho que fazem as teclas de sua máquina de escrever em braile, é um prato cheio para os outros meninos caçoarem dele.
Em casa, pai e mãe são super-protetores não deixam ele em paz:
“- Parece que eu tenho cinco anos de idade...” reclama Leonardo.
Mas ele se abre mais com a avó (Selma Egrei), para quem pergunta sobre o namoro dos pais e a vida amorosa dela com o avô. Papos gostosos que divertem os dois.
O garoto anseia por liberdade e sonha em fazer intercâmbio através de uma agência especializada em cegos. Quer ir para um lugar onde ninguém conheça ele.
Mas mais que descobrir o mundo, o que não faz muito sentido para ele, Leonardo quer descobrir-se.
E não é um deprimido. Quer conhecer o amor mas não dispõe de visão. Como encontrar um alguém que desperte nele tudo que está a ponto de explodir?
Mas quando chega Gabriel (Fabio Audi), o novo aluno da sala, tudo vai mudar para Leonardo.
Com muita delicadeza, o diretor e roteirista paulista, Daniel Ribeiro, em seu primeiro longa, acerta no tom com que lida com assuntos que poderiam ser difíceis.
A cegueira não vai impedir Leonardo de explorar sua sexualidade. E é aqui que sentimos a força do talento, não só de Guilherme Lobo, que vive o garoto cego com perfeição mas o modo como o diretor vai levando o espectador a identificar-se e torcer pelo personagem.
Há um frescor e alegria nas descobertas, que faz com que o filme emocione até o mais renitente dos conservadores.
Em Berlim, o filme ganhou o “Teddy Award”, que é dado ao filme que melhor tratou de questões das minorias gays, levou também o prêmio de Melhor Filme da Mostra Panorama pelo FIPRESCI, o júri da crítica internacional e o 2º lugar do Prêmio do Público na Berlinale 2014. Fez bonito.
Você merece ver “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”. Não vai se arrepender.

sábado, 12 de abril de 2014

Entre Nós



“Entre Nós”, Brasil 2013
Direção: Paulo Morelli

Sempre haverá, dentro de nós, saudades de um tempo que já se foi. Mesmo quando ainda somos jovens.
“Entre Nós” conta a história de um grupo de amigos que, em 1992, quando quase todos tinham 20 anos, resolvem escrever cartas secretas que só seriam abertas dez anos depois e lidas entre eles.
A natureza verde das montanhas e colinas sob uma luz dourada, é o cenário onde eles se divertem e brincam, entre baseados e garrafas de bebida. Amores nascem em segredo enquanto outros são vividos. Muitos sonhos nas mentes e corações de quase adolescentes.
Já há pares formados. Lucia (Carolina Dickmann) namora Gus (Paulo Vilhena) e Drica (Martha Nowill) está com Cazé (Julio Andrade). E os três que ficam de fora, naquela hora em que os outros estão namorando, reclamam:
“- Mas nada impede que a gente faça a própria sacanagem”, diz insinuante, Silvana (Maria Ribeiro), dona do sítio onde estão.
Felipe (Caio Blat) e Rafael (Lee Taylor), os amigos literatos, se revezam beijando a moça quando, de repente, tomam um susto. Cai algo de uma árvore, aparado pela planta que cresce na enorme pedra onde os três estão sentados. Um passarinho é resgatado com delicadeza e voa.
Passado o momento breve em que se ocuparam com algo fora deles mesmos, a conversa volta a ser auto-referente e trata do livro que Rafa escreve num caderno de espiral com uma caneta Bic:
“- Você deixou o Felipe ler?” diz Silvana indignada. “Mas a gente tinha combinado de ler junto...”
Um drama vai acontecer e esse livro vai servir de pomo da discórdia entre eles todos, na reunião de 2002.
Dez anos mais velhos, muitos sonhos desmoronados, o sucesso de uns será objeto do ciúme de outros, que pouco conseguiram da vida.
Máscaras vão cair e a sensação de que algo importante foi perdido perpassa o grupo. Haverá mágoa e desilusões.
“Entre Nós”, um filme a quatro mãos, pai e filho, Paulo e Pedro Morelli, tem personagens muito bem desenvolvidos e interpretados com talento por um elenco escolhido a dedo.
É um filme raro e ousado no cinema nacional, já que se acredita que os brasileiros só querem rir em comédias recheadas de palavrão.
“Entre Nós” tem o que a vida das pessoas comuns também tem, momentos leves e outros pesados. Mas tem também suspense e segredos, traição e mentiras, em doses de vida real.
E, por isso, tem tudo para agradar a um público que tenha sensibilidade.

domingo, 6 de abril de 2014

Toque de Mestre


“Toque de Mestre”- “Grand Piano”, Espanha, 2012
Direção: Eugenio Mira

Um bom filme de suspense precisa de alguns elementos essenciais: ritmo, segredos e perigo. E estão todos presentes no ótimo “Toque de Mestre”, dirigido pelo espanhol Eugenio Mira.
A nota “noir” aparece desce o princípio quando um piano de cauda é retirado de um depósito, empoeirado e escuro, por homens fortes:
“- Esse lugar me dá arrepios...”, diz um deles.
Mas não é só um piano que viaja. O pianista (Elijah Wood) viaja também. Assustado e preocupado, num avião, em meio a turbulências. Mas será que é só isso que o  assusta?
Liga no celular para sua mulher, assim que pisa em terra. Ela tenta sossegá-lo, enquanto se prepara num lindo vestido azul longo, frente ao espelho.
Ela é bela e elegante (Kerry Bishé) e eles fazem um casal charmoso e de sucesso. Ela atriz, ele o maior pianista de sua geração.
Mas, infelizmente, Tom Selznick não pisa num palco há cinco anos, desde aquele concerto em que não conseguiu terminar de tocar uma peça, composta por seu amigo e mentor, Patrick Godureaux.
“La Cinquette” ficou com a fama de composição maldita. Impossível de ser tocada.
No entanto, no concerto desta noite, no próprio piano do amigo, falecido há um ano, Tom tenta dar um recomeço em sua carreira.
Um mau presságio o assusta quando, minutos antes de entrar no palco, dá com a peça maldita no meio das partituras daquela noite. Joga-a no chão como se lhe queimasse os dedos.
A plateia vestida a rigor se agita. Vai começar.
Mas quando o maestro dá início ao concerto e a orquestra realça a execução brilhante do pianista, uma flecha em vermelho, mostrada em “close” na partitura, intriga a nós e ao pianista.
Segue-se uma ameaça direta escrita em vermelho:
“Erre uma nota e você morre.”
Nessa noite, Tom Selznick vai ter que tocar sob a pressão de um assassino.
E vítimas de um desatinado vão tombar.
“Toque de Mestre” prende o espectador porque consegue criar uma noite de suspense num único cenário, o teatro, onde os personagens estão por vontade própria mas sem saber que vão ser testemunhas de atos cruéis.
Celulares, um notebook e um piano de cauda vão ser os figurantes da trama. E John Cusak faz o contraponto com convicção.
Com um roteiro inteligente de Damian Chazelle e uma majestosa fotografia de Umax Mandia, o diretor Eugenio Mira acerta no tom à Brian de Palma que escolheu para contar essa história.
E o final é uma dedução lógica que revela uma idéia brilhante.
Vocês vão gostar.

Noé


“Noé” – “Noah”, Estados Unidos, 2013
Direção: Darren Aronofsky

A Biblia da tradição cristã ou aTorah dos judeus, é um livro, ou melhor, um conjunto de livros que contam histórias muito antigas sobre o homem.
Uma delas é a do patriarca Noé, no livro do Gênesis, que teria atendido a uma ordem do Criador: construir uma Arca que salvasse os inocentes, ou seja, todos os animais aos pares, ele e sua família, pois haveria uma destuição total da humanidade com a água, o dilúvio.
O Criador estava zangado com suas criaturas humanas que se desviaram da tarefa de cuidar da Criação, dada a Adão e Eva.
Essa história sempre fascinou Darren Aronofsky, 45 anos, que já nos deu “Requiem para um Sonho”2000, “A Fonte”2006, “O Lutador”2008 e “Cisne Negro”em 2010.
Ele precisou de tempo para realizar esse sonho de infância com “Noé”, superprodução que custou U$130 milhões.
Em cenas grandiosas, vemos o patriarca levar adiante o pedido do Senhor.
Ajudado pelos anjos caídos, os gigantes de pedra que vemos no filme, Noé construiu a Arca e, quando chegaram as águas mortais, salvou a quem o Senhor ordenara que salvasse. Uma fumaça, que envolvia os animais na Arca, fazia com que dormissem durante todo o dilúvio.
Mas, longe de ser uma criatura sem conflitos, vemos  Noé, interpretado por Russell Crowe, debater-se em sonhos e mesmo acordado, com essa missão que levaria à morte toda a humanidade.
Ao longo do cumprimento dessa tarefa cruel, vemos ele usar de sua força e convicção, mas também transformar-se num fanático e depois em um ser atormentado pela culpa.
A família de Noé, no filme, mostra a bela Naameh (Jennifer Connelly) e seus filhos Shem (Douglas Booth), Cam (Logan Lerman) e Jafeh, além da filha adotiva de quem salvou a vida, Ila (Emma Watson). Eles ajudam Noé a cumprir sua promessa ao Senhor mas estranham quando ele assume o papel trágico de destruidor da humanidade. Assim Noé entendera a ordem do Senhor, que lhe falava em sonhos, por imagens.
Na tradição judáica, os estudiosos da Torah preenchem as lacunas das histórias com explicações mais detalhadas. São as “midrash”. O diretor Darren Aronofsky, judeu não religioso, valeu-se dessa tradição e incluiu na história de Noé alguns pontos que não estão no Gênesis, que traz uma narrativa curta sobre o dilúvio.
Por exemplo, o diretor criou para Noé uma família vegana, que não comia carne de nenhuma espécie e mostra o personagem como o primeiro defensor do meio ambiente.
Mas, em assim fazendo, também seguiu a tradição popular que dá muitas faces a Noé. Do velhinho bondoso das histórias infantís ao homem culpado que aparece em outras narrativas e no filme.
Russell Crowe disse em entrevista que o diretor Darren Aronovsky é um “ativista vegetariano” e que ele ama os animais. E acrescenta:
“Acredito que a forma como olhamos os bichos explica a nossa sociedade. Se mudarmos o jeito com que os tratamos, mudaremos também o modo como nos relacionamos."
E essas posições, defendidas por muitos, mundo afora, faz de “Noé” um personagem contemporâneo.
Vá ver o filme e mergulhe nessas questões. Pense nelas porque são importantes.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

O Congresso Futurista


“O Congresso Futurista”- “The Congress” Israel/Alemanha/Polonia/Luxemburgo/França/Bélgica, 2013
Direção: Ari Folman

Deixar-se levar pela imaginação é algo que não amedronta Ari Folman, 50 anos, o diretor israelense de “O Congresso Futurista”, que também é roteirista e produtor do filme e que já nos deu “Valsa com Bashir”2008, misto de documentário e animação sofisticada sobre os terríveis massacres de Sabra e Chatila, nos anos 80, no Libano.
Quem decidir ver o filme, deve tentar relaxar, deixar-se levar e mergulhar, principalmente na segunda parte da história, quando tudo é animação, sem se perguntar muita coisa, seguindo o fluxo das imagens e sem cobrar lógica ao enredo. E isso porque  estamos no registro dos sonhos, das alucinações, das fantasias e de nossos desejos loucos.
Robin Wright é ela mesma. Uma atriz de 44 anos que fez sucesso e depois, por causa de más escolhas, cai para um segundo time. Ela tem dois filhos, Sarah (Sami Gayle) e Aaron (Kodi Smit- McPhee). O menino tem uma doença rara que exige um tratamento caro.
O agente de Robin (Harvey Keitel, numa ponta bem aproveitada) leva-a a pensar sobre a dura realidade que ela vai ter que enfrentar. Precisando de dinheiro e fora do circuito de sucesso, ela vai ter que obedecer ao estúdio, que a chama para uma conversa sobre sua carreira.
Então, pressionada, Robin resolve aceitar a proposta do estúdio, que quer escanear sua imagem, reações e sentimentos, para usá-la em todo tipo de filmes, por um bom dinheiro. Faz parte do contrato, que dura 20 anos, que ela prometa não atuar mais, nem no cinema, televisão ou teatro.
E o produtor Jeff (Danny Huston) faz ela perceber que esse é o futuro do cinema. Daqui por diante, diz ele, quase todos os atores serão estocados como imagens, propriedade dos estúdios.
Ari Foldman não apenas faz um filme original mas também, através dele, critica os caminhos que conduzem os megaestúdios a querer que seus atores e atrizes ganhem dinheiro para eles, através de sucessos de bilheteria, que sempre são mais do mesmo, para um público preguiçoso e viciado.
Infelizmente, o talento vai ficando fora de moda no cinema.
Voltando ao enredo, passados 20 anos, Robin é convidada para “O Congresso Futurista”, evento do estúdio que quer homenageá-la, por causa do sucesso dos filmes do seu avatar.
E as cores enchem a tela. Ela própria se vê como animação no espelho do carro prata conversível, modelo antigo, 2013. As duas laterais da estrada são mares coloridos com peixes gigantescos.
Zepelins passam o trailer do último filme de Robin, ela muito jovem e interpretando uma heroina agressiva, tudo com muito sangue, aviões, guerra.
E claro que ninguém vai reconhecê-la. Ela agora é uma senhora de cabelos brancos num coque elegante.
Há ampolas de uma droga que é distribuida aos convidados e que faz a pessoa ser quem deseja ser. Portanto ninguém ali é real, só ela.
Vendo o filme com um outro olhar poderíamos pensar que tudo não passa de um sonho ou uma alucinação de Robin.
Afinal, Aaron, o filho que a levou a assinar o famigerado contrato, pode ter morrido depois dos 20 anos que se passaram. A mãe, melancólica, embarcaria então numa viagem louca, à procura daquele que não existe mais. Encarar a dura realidade a aterroriza. Enlouquece para fugir da dor.
Seja como for, quem gosta de originalidade, criatividade e belas imagens psicodélicas, não pode perder esse filme único, belo e muito, muito louco.