quarta-feira, 25 de junho de 2014

O Enigma Chinês


“O Enigma Chinês”- “Casse-tête Chinois”, França/Bélgica/ Estados Unidos, 2013
Direção: Cédric Klapish

Cada etapa da vida tem complicações diferentes. Pelo menos é o que chegamos à conclusão, depois que superamos as quatro primeiras décadas de existência. Já sabemos, a essas alturas, que tudo depende de como fazemos nossas escolhas, e da sorte e talento com que lidamos com o acaso e os imprevistos provocados pelos outros. E já não cobramos uma existência linear. Aprendemos a lidar com os altos e baixos e com as curvas do caminho. Bem, quase todos nós.
O escritor francês de 40 anos, Xavier (Romain Duris), por exemplo, acha que sua vida fica cada vez mais complicada e sonha com a linearidade de uma reta que conduza de A para B. Para ele, linearidade rima com felicidade. Ele quer casamento, amor, filhos, livros, amigos e basta.
Seu editor, que aparece pelo Skype para saber a quantas anda o livro que ele escreve no momento, pontifica:
“- A felicidade não interessa para a literatura.”
“ - Mas eu estou falando da vida”, geme Xavier.
“ - E eu, da narrativa literária.”
O caso é que Xavier está separado de Wendy ( a bela Kelly Reilly) com quem tem dois filhos e foi casado por 10 anos. E isso aconteceu porque ele resolveu ajudar a amiga Isabelle (Cécile de France), lésbica que queria um bebê, a engravidar, com seu esperma doado.
O casamento que já não ia bem, acabou e Wendy levou os dois filhos do casal para Nova York, onde ela foi morar com John (Peter Hermann), alto, rico e bonitão.
Xavier ouve de sua mãe:
“- Mas você vai repetir o erro que eu e seu pai fizemos? E as crianças? Não vá fazer o que seu pai fez com você!”
E lá vai ele para Nova York, para ficar perto dos filhos. E implicar com Wendy desde o momento em que conheceu John.
E com quem ele mora? Foi se abrigar com a dupla Isabelle e Ju, mães do outro filho dele.
Audrey Tautou também aparece, adorável, falando chinês correntemente.
Cédric Kaplich encerra com “Enigma Chinês” ( não é enigma mas sim quebra-cabeças ou “puzzle”, na tradução correta do título), a trilogia que ele começou com os mesmos atores e personagens em “Albergue Espanhol” 2002 e “Bonecas Russas”2005. Mas não é necessário ter visto os dois primeiros para entender o último.
“Enigma Chinês” é leve e divertido e sua narrativa não é linear. As peças vão se encaixando aos poucos, no decorrer da história.
O filme fala de uma geração que está com 40 anos e valoriza os filhos, frutos principalmente de casamentos já desfeitos. Há um sub-texto que trata da nostalgia da durabilidade dos laços afetivos e da força do amor na vida
das pessoas.
Mas “Enigma Chinês” ri até quando filosofa. Hegel e Schopenhauer, personagens do filme, que o digam.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

O Médico Alemão


“O Médico Alemão”- “Wakolda” França/Argentina/Espanha/Noruega,2013
Direção: Lucía Puenzo

Nos anos 60, ficou célebre a caçada que agentes israelenses fizeram a Adolf Eichmann, um dos maiores criminosos nazistas da Segunda Guerra, o responsável pela chamada “solução final”, ou seja, a organização estratégica do transporte de judeus para os campos de extermínio. Ele conseguiu fugir da Alemanha e vivia na Argentina com a família. Foi levado para Israel, onde foi julgado e condenado à morte.
Outro criminoso nazista, Josef Mengele, também procurado pelo serviço secreto de Israel, soube da prisão de Eichmann em Buenos Aires e fugiu para o Paraguai. Nunca foi encontrado e na versão oficial ele morreu afogado em 1979, em Bertioga, Brasil.
Mas onde estava Mengele antes de fugir para o Paraguai?
Lucía Puenzo, 37 anos, interessou-se pelo asssunto e escreveu um livro de ficção. Da adaptação desse livro surgiu seu terceiro longa, “O Médico Alemão”, produzido por seu pai, Luiz Puenzo, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em 1984 com  “A História Oficial”. Essa família talentosa tem também um excelente diretor de fotografia, Nicolás Puenzo, responsável pelas belas cenas do filme da irmã.
Tudo começa quando uma família argentina, a caminho de Bariloche, vai atravessar a Rota do Deserto, na Patagonia. Um médico alemão, que se apresenta como Helmut Gregor, pede para segui-los em comboio, com medo de ir sózinho.
Quem chamara a atenção desse médico (Alex Brendemuhl) fora a menina da família (Florencia Bado). Ele se aproxima dela e conversam sobre sua boneca:
“- Chama-se Walkoda e foi meu pai quem a fez. Ela é especial porque nesse buraco no peito vai ter um coração. Não brinco com bonecas. Estou acostumada que pensem que tenho nove anos. Mas tenho doze”, diz Lilith, uma garota bonita, loura, de olhos azuis.
Através da menina, que é a narradora da história, ficamos sabendo e, vemos na tela, as páginas desenhadas de um diário, com muitas anotações:
“- Nesse dia, ele escreveu que eu era um “especimen” perfeito, a não ser por minha altura.”
Para quem sabe um pouco de história, surge a primeira suspeita sobre quem é aquele alemão.
Eva (Natalia Oreiro), mãe de Lilith, fala alemão e conta para o médico que estão voltando para a hospedaria dos pais dela, com a intenção de reabri-la.
“- As crianças também falam alemão?”
“- Não. Mas entendem” responde Eva.
“- E eu não falo nem entendo,” interrompe o pai (Diego Peretti) que olhava com desconfiança para o estrangeiro.
O fato é que chegando ao destino, o alemão arranja um jeito de aproximar-se mais dessa família, sendo o primeiro hóspede do belo chalé frente ao lago.
A casa vizinha tem um entra e sai de hóspedes num hidroavião. E no jardim, pessoas com cabeças enfaixadas são acompanhadas por enfermeiras uniformizadas.
“- Sinto-me como se voltasse para casa”, comenta o médico com Eva, que está grávida de gêmeos.
Com que intenção esse homem se aproxima da menina e da mãe dela? Tememos por elas.
A tensão dramática que Lucía Puenzo cria é eficiente, apesar de não ser difícil identificar o médico como Josef Mengele, conhecido como “Anjo da Morte”, por suas experiências cruéis com judeus presos em Auschwitz, especialmente com gêmeos.
“O Médico Alemão” foi indicado como o concorrente da Argentina ao Oscar 2014. Não foi selecionado.
Mas é um ótimo filme na recriação de época, belas paisagens, atores excelentes e, principalmente, pela narrativa através dos olhos de uma criança crédula, que se decepciona intensamente e que adivinha crueldade onde vira apenas carinho e proteção.

domingo, 22 de junho de 2014

Oslo, 31 de Agosto


“Oslo, 31 de Agosto”- “Oslo, 31 August” Noruega, 2011
Direção: Joachim Trier

Quando uma pessoa procura a auto-destruição e ela se empenha nisso, sempre consegue o que busca.
Mas há um longo caminho a ser percorrido e os que amam e querem ajudar aquela pessoa vão desistindo aos poucos.
No caso do personagem do filme, ele escolhe as drogas. Heroína, anfetaminas, cocaína, maconha. Todas.
Vamos assistir ao último dia de Anders.
Teve uma noite livre da clínica de reabilitação onde está internado e passou a noite com uma garota. Mas, desde que sai do apartamento dela, tenta ser radical. Pedras nos bolsos entra no lago. Mas desiste. Tirou da cabeça? Parece que antes ele tem que fazer algo.
Tem uma entrevista para um emprego nesse dia. E, no caminho, passa pela casa de um amigo.
A filha pequena desse amigo desenha um ogro quando vê Anders chegar. E olha desconfiada para ele.
O pai brinca, tenta explicar que o amigo largou as drogas mas criança não se engana.
Algo desumano cresce a olhos vistos naquele rapaz de 34 anos, bonito, magro, com um rosto sem expressão.
“- Então Anders? Esteve com Malin? Que tal? Você já dormiu com tantas suecas!”
“- Difícil dizer...Eu não estava lá...”
Ele ausentou-se de tudo. Mas o que quer ainda?
“ - Me lembro de você falando: se alguém quer se destruir, é permitido.”
E, por mais que o amigo tente, ele derruba, um a um, seus argumentos a favor da vida. Parece que tem um prazer perverso nisso.
“- Ninguém precisa de mim... Não de verdade...Só quero que você entenda. Se eu terminar com tudo, será porque eu quero assim.”
“- Não posso ouvir você dizer assim desse jeito que vai se suicidar! E seus pais? “
“- Ia parecer uma overdose. Acontece todos os dias.”
“- Qual é? Você já passou por isso antes”, encoraja o amigo.
“- Tudo vai se arranjar” diz Anders sorrindo irônico. E completa a frase:
“- Só que não é verdade.”
Conversam mais um pouco e ele consegue deixar o amigo deprimido e culpado.
Na despedida se abraçam e o amigo fala:
“- Você não vai fazer nenhuma besteira? Eu ficaria muito mal.”
“- Prometo”, responde Anders, sem convicção.
E vai, deixando o amigo aflito.
Seu percurso é semeado por gente que ele perturba.
Na entrevista consegue falar mal do jornal que quer empregá-lo e confessa que é drogado. Sai antes que o outro possa mudar de ideia.
A própria irmã não quer vê-lo.
Num club noturno diz para uma desconhecida que pergunta o que ele faz:
“- Procuro compaixão...”
Tenta falar com a ex mas ela não retorna suas insistentes ligações. E ouve de um rapaz a quem ele aborda para pedir perdão:
“- Não é da sua conta se eu tive ou não um caso com sua ex. Não conheço você mas sei como trata as pessoas a seu redor. Não quero seu perdão. Você é um viciado...”
Parece que esse foi o único que Anders não conseguiu enganar.
Ele liga para Iselin e diz que foi uma pena ela não querer ouvir seu último recado e segue o seu caminho anunciado. É a manhã do dia 31 de agosto.
O diretor Joachim Trier, no seu segundo filme, faz uma homenagem à “Nouvelle Vague” francesa, inspirando-se para o roteiro no livro “Le Feu Follet”, de Pierre Drieu La Rochelle de1931, que foi adaptado por Louis Malle em 1963 no seu filme “The Fire Within”. Em comum, o tema do suicídio.
“Oslo, 31 de Agosto” tem uma interpretação impecável de Anders Danielsen Lie e é um filme que nos alerta sobre os perigos que rondam a vida, quando nos entregamos à auto-compaixão e ao ódio aos que querem nos abrir os olhos.

O Último Amor de Mr Morgan


“O Último Amor de Mr Morgan”- “Mr Morgan’s Last Love” Bélgica/Alemanha/França/Estados Unidos, 2013
Direção:Sandra Nettelbeck

É a vida. Num casal, um morre primeiro. O que fica precisa inventar uma nova história. E, às vêzes, é difícil conseguir.
Mr Morgan (Michael Caine, brilhante), ex-professor de filosofia em Princeton, mora há 30 anos em Paris e não fala uma palavra de francês. Para quê? Era sua mulher que falava por ele e traduzia.
Quando ela morre, parece que a vida acabou para ele. Arrasta os pés pelo amplo apartamento, com os ombros caidos, barba, olhos baixos. Não abre as cortinas. Não atende ao telefone.
Pilhas de jornais na entrada do apartamento mostram como ele não se interessa por mais nada. A faxineira vem, faz a limpeza e o almoço mas ele mal a vê.
O luto é tão desesperador que Mr Morgan, num dia pior do que os outros, vai até o banheiro e esvazia um vidro de comprimidos na boca. Cospe todos a tempo, quando se dá conta do que está fazendo.
Olha-se no espelho do banheiro e parece não reconhecer-se na pessoa que se tornou.
Visita a mulher no cemitério. Está desolado. Andando pela rua, ainda sente a mão dela segurando a sua.
Mr Morgan tem dois filhos que moram nos Estados Unidos e netos. Mas nunca se interessou de verdade por eles. A vida com sua mulher lhe bastava. Por isso mudaram para Paris. Para viver a dois.
Mas nossos planos não levam em conta as mudanças que a vida traz, sem nos consultar. É disso que sofre Mr Morgan, que está perdido.
Até que um dia, vendo sua atrapalhação, ela o ajuda no ônibus. Ele, longe de ser agradecido, quer se livrar dessa presença incômoda:
“... agora só me faltava essa escoteira que me aparece...” pensa aflito.
Mas ela o acompanha até o prédio dele e se apresenta. É jovem, bonita, professora de dança e se chama Pauline (Clémence Poésy). E ele lembra o pai dela, falecido há pouco.
“- Venha um dia me visitar na escola!”
Bem que ele tenta tirar a moça da cabeça. Pensa inciar uma coleção de selos, mas descobre que isso também é trabalho de uma vida.
Vai aos almoços com Colette (Gillian Anderson), uma amiga francesa de meia idade, que treina seu inglês com ele. Mas Mr Morgan está distraído, enfeitiçado, só tem Pauline em seus pensamentos.
E, um belo dia, toma coragem e pega aquele ônibus. E a revê.
Até a cidade revive. E contemplamos a Notre Dame das margens do Sena, os parques no outono, as ruas cheias de gente apressada. E as aulas de cha cha cha passam a ser o centro da vida de Mr Morgan.
Sem a barba, remoçado, ele vai inventar novas histórias com Pauline, que tem menos que a metade da idade dele. Será uma relação especial para os dois.
A diretora alemã Sandra Nettelbeck, 48 anos e dois filmes (“Simplesmente Martha”2001, “As Faces de Helen”2009), baseou-se no livro de Françoise Dorner, “La Douceur Assassine” e escolheu bem seus atores. Michael Caine e Clémence Poésy fazem um par sensível e afinado, que merece ser visto.

domingo, 15 de junho de 2014

Versos de um Crime


“Versos de um Crime”- “Kill Your Darlings”, Estados Unidos, 2013
Direção: John Krokidas

As imagens iniciais são belas e cruéis. Ao som da canção “Lili Marlene”, cantada por Marlene Dietrich, que lembra que estamos em plena Segunda Guerra, a água do Hudson serve de última morada para um homem.
Essa introdução leva à história que vai ser contada, que tem como centro Allen Ginsberg, o maior poeta americano da geração “beatnik”.
Esses poetas e escritores fundaram o movimento “New Vision” inspirados nos versos de W. B. Yeats, que propunha a ideia de matar o velho para criar novos modelos. Sentindo-se presos num circulo sem fim, os criadores precisavam quebrar essa reiteração de temas e propor a novidade.
O crime cometido não é a coisa mais importante dessa história. Faz parte da vida infeliz de Lucien Carr, um jovem carismático mas que se rebela mais por causa de sua inclinação sexual, que não é aceita pelos costumes e leis da época, do que por seus ideais.
É ele o sedutor que apresenta o inocente Ginsberg ao “País das Maravilhas”, o apartamento do professor David Kammerer (Michael C. Hall), onde não há proibições e nem tabús e onde cultua-se a liberdade para experimentar tudo que aparecer pela frente.
Lucien Carr (1925-2005), o excelente ator Dane DeHaan, bonito e desequilibrado, Jack Kerouac (1922-1969), interpretado por Jack Huston, que vive fugindo de casa e voltando para sua mulher Edie (Elizabeth Olsen) e William Burroughs (1914-1997), na pele de Ben Foster, que vai ser o mais radical em suas escolhas de vida, são o grupo de amigos que Allen Ginsberg (1926-1997), vivido por um ótimo Daniel Radcliffe, encontra na Universidade de Columbia em Nova York, em meados dos anos 40.
Nas aulas de literatura, Ginsberg contesta o modelo tradicional de fazer poesia, como inclusive seu pai, Louis Ginsberg (David Cross), continuava fazendo e é apelidado de “Walt Jr” pelo professor por causa de Walt  Whitman, ídolo de Ginsberg.
Mas o jazz, a boemia, as drogas e as experiências sexuais, vistas pela sociedade da época como criminosas, inspiram mais à Ginsberg e sua geração do que as aulas que pregavam: “imitação precede à criação”.
A frase que dá título ao filme é atribuída à William Faulkner e tem aqui o duplo sentido de matar os amores e esquecer o que se viveu para exercer a criação literária.
Esses poetas e amigos viveram para detonar as idéias antigas e pensar com as próprias cabeças. São os pais de toda a rebeldia que veio com eles e depois deles. Mas escreviam sobre suas experiências vividas e por isso, também, buscavam viver o novo.
John Krokidas, 41 anos, diretor e co-roteirista de “Versos de um Crime” faz um primeiro filme com algum atrevimento mas não quer superar os retratados e sim apresentá-los a uma nova geração que os desconhece.
Mas o filme não é para qualquer um. Exige um mínimo de curiosidade por literatura e isenção de preconceito.
Totalmente inadequado para os jovens neo-conservadores do momento.

A Culpa é das Estrelas


“A Culpa é das Estrelas” – “The Fault in Our Stars”, Estados Unidos, 2014
Direção: Josh Boone

Apesar de um leve pé atrás, gostei e chorei. E não tinha lido o livro.
Na minha época, mas mais grandinha que as meninas barulhentas que enchiam a plateia e perturbavam os adultos intrometidos que faziam “Chíu!”, foi o filme “Love Story”1970, que me fez soluçar.
Ao contrário do atual, o meu virou livro de sucesso só depois que estreou nas telas e foi escrito pelo roteirista do filme, Erich Segal.
Na minha época, o refrão que ficava era “Amar é nunca ter que pedir perdão”, encurtado para o “OK” de Hazel e Gus de “A Culpa é das Estrelas”, adaptado do best-seller de Josh Green.
O filme comove e emociona adultos e crianças porque trata com simplicidade e delicadeza da doença, da morte mas principalmente do primeiro amor.
Hazel e Gus estão doentes mas não recusam o que o coração comanda. Quem ainda não viveu isso, como as meninas da plateia, anseia por ele, ao mesmo tempo que o teme, mas quem já viveu isso há muito tempo, recorda com saudade.
Hazel Grace Lancaster e Augustus Waters encontram-se num grupo de ajuda para doentes jovens como eles. E como é encantador seguir os primeiros olhares.
Gus (Ansel Elgort) e Hazel (Shailene Woodley) sintonizados pela química que existe entre eles, passam para o espectador uma verdade difícil de ver em atores até mais tarimbados do que eles. E acho que isso acontece porque a entrega total dos dois a seus personagens, é visível.
A companhamos a garota que precisa de oxigênio, o tempo todo e o rapaz bonito e bem humorado que teve que perder uma perna para sobreviver, torcendo pelo casal. Não porque estão doentes, mas porque estão apaixonados.
O diretor Josh Boone, 38 anos, no seu segundo longa, dirige o filme fazendo a câmara acompanhar os protagonistas em belos cenários e suas cores são sempre solares e vibrantes, mesmo quando o inevitável acontece.
A mãe de Hazel (Laura Dern) e o escritor preferido de Hazel e Gus (Willem Dafoe), que eles encontram na viagem à Amsterdã, interpretados por atores famosos, não tem muitas cenas no filme. Os roteiristas Scott Newstadter e Michael H. Weber (“500 Dias com Ela”) decidiram assim. E fizeram bem porque o foco é o casal, responsável pelas lágrimas e pelos risos.
Na carta que escreve a Hazel, Gus diz que, na vida, todos nós seremos feridos ou seja, vamos sofrer. E que é um privilégio poder escolher quem vai fazer isso conosco. Ele refere-se ao amor, à morte e à sobrevivência de sómente um, que fica com a ausência e vive a perda. Mas se o amor continua a existir, mesmo na ausência do amado, valeu a pena.
Mesmo porque, a morte do próprio amor é sempre algo terrível.
Portanto, afaste suas ideias pré-concebidas e vá assistir ao filme que vai também ficar na história afetiva das pessoas sensíveis.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

O Lobo Atrás da Porta


“O Lobo Atrás da Porta” Brasil, 2013
Direção: Fernando Coimbra

Existem pessoas que são como bombas-relógio. Perigosas. O problema é que é difícil identificá-las. E, se o fazemos, quase sempre é tarde demais. Principalmente quando estamos envolvidos com elas.
A história começa com um flerte num trem de subúrbio. Aquela moça bonita, de cabelo curto e ruivo, parece não estar gostando do homem que olha para ela de soslaio. Lê um livro, muito séria.
Ela desce do trem e, na plataforma da estação, lá está ele, olhando de novo.
“- Você está me seguindo?” interpela ela.
Ele fica sem jeito.
“- Eu? Não...”
Mas ela muda de atitude.
“- Que pena...”
Sestrosa, ouve o convite para passear de carro. E vão.
Paixão na praia, no carro, na cama. Ela é fogosa nos beijos longos e ardente nos braços dele.
Até descobrir que ele é casado.
“- Não gosto de mentira... Mas posso continuar a ser sua amante. Por enquanto. Promete nunca me deixar?”
Ela passa a viver pensando em como possuir esse homem, que se nega a abandonar mulher e filha para ficar com ela.
E, quando ele é canalha com ela, vai ser olho por olho.
Rosa, carinha de anjo, por dentro é só ciúme e raiva. Humilhação e orgulho ferido levam à obssessão, deflagrando loucura.
Há insanidade na perseguição.
Numa cena de tempestade, trovões explodem e raios iluminam o rosto dela. O que vemos é um olhar determinado e escuro.
“O Lobo Atrás da Porta” de Fernando Coimbra é um filme como poucos. A trama de uma tragédia vai se urdindo passo a passo. Personagens da vida real, interpretados com garra e sensibilidade por um elenco magistral, vão apresentando cada um sua verdade. A mãe da menina desaparecida (Fabiula Nascimento) não entende nada. O pai (Milhem Cortez), o amante de Rosa, se arrepende tarde demais. E Leandra Leal, veste sua personagem com um rigor que assusta.
As imagens são de uma câmara que procura o primeiro plano para flagar nos rostos o momento decisivo mas, ao mesmo tempo, também enquadram cenários detalhados, dando tempo e lugar àquelas vidas.
A fotografia de Lula Carvalho, solar ou noturna, é sempre msteriosa, servindo para mostrar como acontece aquilo que se teme adivinhar.
A trilha sonora de Ricardo Cutz tem poucos sons. Ora a corda de um baixo soa junto a um zumbido rouco, outras vezes o silêncio é cortado pelo barulho do trem que passa muito perto. E o canto suicida das cigarras chega a atordoar. “Último Desejo”, de Noel Rosa, toca num rádio no momento certo.
Em seu filme de estreia, o diretor e roteirista Fernando Coimbra, acerta em tudo, construindo suspense com maestria e fazendo com que os mais velhos da plateia relembrem  uma história que fez escândalo há 54 anos atrás.
“O Lobo Atrás da Porta” é cinema de altíssimo nível.

domingo, 8 de junho de 2014

Que Estranho Chamar-se Federico - Scola Conta Fellini


“Que Estranho Chamar-se Federico – Scola Conta Fellini”- “Che Strano Chiamarsi Federico” Itália, 2013
Direção: Ettore Scola




Estranhamente o filme começa com um ator recitando versos em espanhol:
“Entre los juncos y la baja tarde,
qué raro que me llame Federico”
Ettore Scola, 83 anos, mostra desse modo de onde veio a inspiração para dar título a seu filme, homenagem ao grande homem, de quem foi amigo por 50 anos.
Usando o verso do poeta espanhol, Federico Garcia Lorca, morto pelos fascistas espanhóis na guerra de 1936, Scola lembra que a época em que a vida artística de Fellini começou, foi também a do fascismo na Itália, sob Mussolini. E que Fellini pertence também, como Lorca, à galeria dos rebeldes inspirados.
E, na tela, um desenho do próprio Ettore Scola vai se tornando uma imagem do Maestro (1920-1993), sentado em sua cadeira de diretor, com o famoso chapéu, frente ao mar, onde o sol se põe em vermelhos e laranjas cinematográficos.
Já noite, desfilam perante o cineasta, seus personagens: uma bela negra dança à luz de um holofote, o espetáculo continua com o mágico de cartola que faz seus números, depois é a vez do palhaço, seguido pelo engolidor de fogo e bolhas de sabão que encantam um menino.
Esse prólogo coloca-nos imediatamente dentro de um filme de Fellini, porque nossa memória afetiva reconhece seus personagens do circo, de sonhos e da infância.
E um trem adentra o Studio 5 de Cinecittá (onde foram rodados quase todos os filmes dele), trazendo o jovem Fellini de Rimini para Roma, com 19 anos, para trabalhar no jornal Marc’Aurelio, em 1939. Traz seus desenhos de cartunista.
Assim também tudo começa para Ettore Scola que, aos 16 anos, já depois da guerra, também vem trabalhar no mesmo jornal.
Os dois ficam amigos. Mas, antes da fama, passaram pelo teatro de revista e escreveram roteiros de cinema para outros diretores.
Nas noites de insônia, anos mais tarde, passearam juntos na Mercedes branca de Fellini, através de Roma. Ali, nesse mini-palco, o maestro entrevistava pessoas como o pintor de calçadas e a prostituta “Gioconda”, inspirações para personagens de seus filmes.
E Fellini filosofa com a história da prostituta:
“- Acho que a mulher é o planeta desconhecido, com quem o homem quer encontrar a parte que ele ignora de si mesmo, a parte obscura.”
Aquele que se intitulou em suas memórias “Fellini: Sou um Grande Mentiroso”de 2003, é desculpado por Giulietta Masina (1921-1994), sua mulher:
“- Para ele não é mentira, é tudo fantasia.”
E esse mix de realidade e sonho é o clima do filme de Scola, que foi o único que convenceu Fellini a fazer o papel dele mesmo em “Nós que nos Amávamos Tanto”1974. Ele aparece fazendo a cena da Fontana di Trevi de “La Dolce Vita”, com Anita Ekberg e Marcello Mastroianni. No fim da filmagem da cena, um fã dá os parabéns a Fellini, confundindo-o com Rossellini, o que provoca gargalhadas dos dois amigos.
Interpretados os dois quando jovens por dois netos de Scola e com roteiro de sua filha Sylvia, o filme é um tributo à Fellini e sobretudo à amizade deles.
Cenas com atores se misturam a cenas reais de arquivos, gravações da voz de Fellini, recriações de cenas famosas, entrevistas de Alberto Sordi e Vittorio Gassman para o papel de Casanova que acabou com Donald Shutterland, Orson Wells, Marcello Mastroianni e sua mãe reclamando de Scola que faz o filho dela ficar feio e elogiando Fellini que o faz belo, mil pedaços da vida e filmes de Fellini, ao som de Nino Rota, coladas com carinho e talento por Ettore Scola.
Um filme para ser visto e revisto pelos que amam a obra do grande mestre do cinema e para ser descoberto pelas novas gerações. 

sábado, 7 de junho de 2014

Anos Felizes


“Anos Felizes”- “Anni Felici” Itália/França, 2013
Direção: Daniele Luchetti

Os anos 70 foram uma época de contestação política, ecoando 1968, que foi o mais emblemático desse período. Assim como as ideias políticas, os costumes eram criticados por uma geração que pedia mais liberdade em tudo que fazia. “ É Proibido Proibir”, pichação nos muros de Paris, virou canção famosa de Caetano Veloso.
A história de “Anos Felizes” dirigido por Daniele Luchetti, é contada do ponto de vista de um garoto no começo da adolescência e narra o que aconteceu com a família dele no verão de 1974.
O pai (Kim Rossi Stuart) é um artista plástico que quer ser de vanguarda e faz “happenings”. Num deles, mulheres nuas pintam o corpo também nú de Guido, numa galeria em Roma.
“- O próprio corpo do artista é a obra de arte” pontifica Guido, que não agrada em nada à mulher dele, Serena (a bela Micaela Ramazzotti, que sorrindo lembra  Leila Diniz, musa dos nossos anos 70).
Noutro, Guido pede ao público:
“- Sete corpos para assinar com minhas mãos! Mas o burguês tem medo, renega a arte!”
Silêncio na plateia e, de repente, Serena levanta-se e tira a blusa. Vai até o marido que, sem jeito, tem que “assinar”o corpo dela.
“- Não era para ninguém se oferecer. Aquilo era uma provocação! Eu queria que o espectador se defrontasse com sua incapacidade de se apresentar!” reclama Guido em casa, com acidez.
Os dois filhos presenciam a briga calados e percebem que a mãe não está contente. O casal de jovens, pai e mãe deles, se desentende.
“- Acho que ele tem vergonha de mim... Quer uma intelectual...” desabafa Serena com a amiga Elke (Martine Gedek).
E aí continua o verão de 1974, com Serena e os filhos, numa praia francesa, com um grupo de feministas. O narrador, que é o filho mais velho, documenta tudo que vê com uma câmara pequena. E quem é a rebelde agora, é a mãe dele.
Claro que os meninos adoraram aquelas férias, brincando com as filhas das mulheres que descobriam uma nova forma de amar.
“- Sem dúvida, foram anos felizes... Pena que nenhum de nós percebeu...” diz o narrador já adulto, no fim do filme.
E talvez isso aconteça com todos nós. Uma idealização do passado que se expressa em frases populares e universais como :”eu era feliz e não sabia.”
O desejo de reviver aqueles anos passados com o total usufruto, negado por nossa inocência ou inexperiência, é fruto da insatisfação eterna que marca a natureza humana.
E é vivendo que se aprende que essa nostalgia, essa vontade de voltar atrás, não passa de uma ilusão.
“Anos Felizes” é um retrato simpático daqueles anos dourados que não voltam mais.

terça-feira, 3 de junho de 2014

Antes do Inverno


“Antes do Inverno”- “Avant l’Hiver”, França, 2013
Direção: Philippe Claudel

Naquela casa de vidro tudo parece impecável. Cercada por um lindo parque, ela nem parece habitada. Ou melhor, tudo está sempre tão perfeito, que nada ali denuncia o humano. Dir-se-ia um cenário.
Mas, aos poucos, um detalhe aqui, outro acolá, e a casa começa a ver seus habitantes palpitarem de vida.
Lucie, no fim dos 50 anos, não esconde o seu enfado, passando os dias a gastar sua energia no jardim e na cozinha, preparando o jantar para Paul, seu marido neuro-cirurgião, que passa muito pouco tempo em casa.
“- Por que você acorda tão cedo?” pergunta o marido à mulher.
“- Para poder te ver um pouco...” responde ela.
Mas não há reclamações nem brigas. Os dois, muito civilizados, ouvem música, tomam vinho tinto e comentam coisas sem importância.
Lucie é a melhor amiga e confidente de Gérard, psiquiatra que tem consultório na clínica de Paul, de quem é grande amigo. Os três personagens estão vivendo os últimos dias do outono de suas vidas, antes do inverno, ou seja, velhice e aposentadoria.
É nesse momento que muitas pessoas perguntam se viveram as vidas que queriam ter vivido. Perguntas difíceis porque não há respostas prontas, nem tempo para se fazer outras escolhas. Ou ainda há?
Esse é o tema do filme “Antes do Inverno” de Philippe Claudel, escritor e diretor de cinema. Seus personagens são expulsos do cenário tranquilo de suas vidas aceitáveis, quando buquês de rosas vermelhas começam a aparecer por toda a parte. Quem as envia? O que querem dizer?
Uma moça morena (Leila Bekti) parece perseguir Paul.
Alguma coisa terrível aconteceu porque a polícia interroga o grande neuro-cirurgião nas primeiras cenas do filme, antes do “flash-back”.
Os atores Daniel Auteil e Kristin Scott-Thomas estão soberbos na construção do casal que está junto há tanto tempo, que acham que tudo vai continuar assim até o fim.
Mas a vida encarrega-se de mexer com as pessoas e de tirá-las de um equilíbrio instável. São chamadas a responder perguntas que nunca fizeram a si mesmas ou, pelo menos, não em voz alta.
“Antes do Inverno” é um filme que mexe com a zona de conforto que todos os personagens construiram para si mesmos.
Aliás, tanto eles como todos nós. E, por isso, o filme talvez seja incômodo e melancólico para alguns. Quem não aguentar o tema, evite.