sábado, 1 de agosto de 2015

Adeus à Linguagem


“Adeus à Linguagem”- “Adieu au Langage”, Suiça, França, 2014
Direção: Jean-Luc Godard

Aos 84 anos, o diretor francês Jean-Luc Godard ainda é o mesmo provocador que ele sempre foi. Mas, agora, com toda a sua vida e a da humanidade na cabeça, ele pode dar-se o luxo de ser bem ele mesmo, em 3D e com o Prêmio do Júri do Festival de Cannes 2014.
“Adeus à Linguagem” é como se fosse um passeio pela cabeça do diretor e roteirista.
Entretanto não será uma visita fácil. Ele avisa, com uma frase bem no começo do filme: “Todos aqueles que não tem imaginação, refugiam-se na realidade.” Então já estamos prevenidos. Vai ser muito louco do ponto de vista daqueles que não conseguem jogar-se no mundo do desconhecido e um deleite, cheio de sustos e perguntas, para aqueles que aceitam o convite porque já gostam de Godard há muito tempo.
Desde a estreia dele, com “Acossado – À bout de souffle”1960, os amantes do cinema seguem Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo naquela corrida por uma rua de Paris.
E, com “Adeus à Linguagem”, também ficamos sem fôlego, nossos olhos tentando ver e nossa mente querendo guardar as frases lidas, faladas e escritas na tela. Tudo leva à vertigem, quase à irritação, porque o filme nos escapa quando queremos compreendê-lo.
Então, a melhor maneira de ver o último Godard é deixar-se levar, olhando a tela e sorrindo com as piadas. Desde as mais intelectuais (“Ah Dieu”, no primeiro plano em letras vermelhas e “Langage” no segundo, quase que se fundindo), até as escatológicas (no banheiro).
Uma mulher casada (Héloise Godet, jovem e  bela) e um homem solteiro (Kamel Abdeli), numa casa num lago, fazem amor, brigam e discutem filosofia nús, na companhia de um cão. Seria simples se não fosse Godard.
Porque em “Adeus à Linguagem”, ele contrapõe o passado, o jogo infantil com os dados, a vida sem tecnologia, com um mundo infestado por celulares, TVs enormes na sala e uma Babel de línguas, tanto no mundo externo como no interno. A ponto de ouvirmos a mulher dizer:
“- Logo vamos precisar de intérpretes para entender o que nós mesmos falamos.”
O século XX desfila em imagens de telejornais e são cenas de guerras, Hitler, o Holocausto, Vietnam, o terrorismo. A História triste.
Mas quando entra “A Natureza”, trazida pela arte da pintura (Monet e “representar o que não se vê”) e da música (trechos de Beethoven, Tchaikovski, Sibelius), belíssimas imagens aparecem na tela em cores lisérgicas.
Profusões de flores, campos, águas, árvores nas diversas estações.
“- Nunca deram um Nobel para a pintura, nem para a música...”ouve-se em “off”.
E Roxy Miéville (o cachorro de Godard, com o sobrenome da companheira dele, Anne-Marie), amado pelo diretor, seguido pala câmara, anda nas margens do lago e passeia pela floresta (“os indios quando queriam dizer “mundo”, usavam a palavra para floresta”, comenta uma voz). E homenageia Darwin que escreveu que o cachorro era o único animal que ama mais seu dono do que a ele mesmo.
A “Natureza” nomeada pela “Metáfora” leva à compreensão do mundo? Uma mulher lava as mãos numa água transparente onde boiam folhas de outono.
O filme, que tem um assassinato quase escondido e latidos de cachorro e choro de bebês como epílogo, fica conversando conosco durante muito tempo depois que saímos do cinema aturdidos.
Mas isso só para quem tem e usa a imaginação.

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