segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Tropicália



“Tropicália”- Brasil, 2012
Direção: Marcelo Machado

Quem era jovem em 1964, certamente foi ver, ou ouviu falar do espetáculo “Opinião”, que estreou no Rio de Janeiro em dezembro desse ano, alguns meses depois de instalado no Brasil o regime militar, que derrubou o presidente eleito, João Goulart, com um golpe de estado.
“Opinião” era uma colagem de textos e músicas de protesto contra a situação política do país, cantadas por Zé Kéti e Nara Leão, depois substituída pela baiana Maria Bethania, desconhecida até então. Ficou na nossa memória o rosto forte dela cantando “Carcará”.
Pois bem. Junto com Bethania, veio para o sul seu irmão, Caetano Veloso.
O rapazinho magro, tímido, charmoso, inteligente e principalmente, curioso por tudo, começou a andar com um pessoal que ia ver e fazia teatro, cinema e música, à sombra do regime que ainda não mostrava cabalmente suas garras.
A bossa nova era rainha no terreno musical. E Elis Regina e seu programa na TV Record, apresentado também por Jair Rodrigues, enchiam o teatro da Consolação com estudantes que iam aplaudir “O Fino da Bossa” em 1965. Nesse programa, Caetano e Gilberto Gil foram apresentados ao público, junto com Chico Buarque e MPB4, Toquinho, Maria Bethania, Milton Nascimento e outros.
A Record tinha também o programa “Bossaudade”, apresentado por Elizete Cardoso e “A Jovem Guarda” nas tardes de domingo, comandado por Roberto Carlos.
No rastro do I Festival de Música Popular Brasileira realizado pela TV Excelsior, a Record começou a também fazer festivais.
O II Festival de Música Popular Brasileira foi um sucesso e serviu para mostrar que havia um público dividido. Os que torciam por Geraldo Vandré e a música “Disparada” e aqueles que queriam “A Banda” de Chico Buarque. A confusão foi tanta que deu empate.
Caetano Veloso gostou da “Banda” que era uma marchinha “cinematográfica” e, no próximo Festival da Record, lançou também uma marcha que seria uma novidade e um sucesso instantâneo. Caetano cantou “Alegria, Alegria”, vestindo-se como a jovem guarda de Roberto, de boá no pescoço e perguntando “Por que não?”
O arranjo tinha guitarras elétricas e a sonoridade lembrava os Beatles. Ganhou o primeiro lugar.
No mesmo festival, Gilberto Gil cantou “Domingo no Parque”, também cinematográfica, com enredo e personagens, acompanhado pelos “Mutantes”, o arranjo também com guitarras elétricas e todos vestindo fantasias. Rita Lee, mocinha, chamava a atenção pelo seu “look” londrino. Alienados?
Estavam lançadas as bases de um movimento que sacudiu a música popular brasileira e que foi chamado de “Tropicalismo”. Tudo a ver com a Semana de 1922, Oswald de Andrade, antropofagia, “Macunaima” e “O Rei da Vela”. E também com Hélio Oiticica, sua obra “Tropicália” e os parangolés e no cinema Glauber Rocha com “Terra em Transe” e “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. E Chacrinha, claro.
O documentário “Tropicália” de Marcelo Machado conta tudo isso com agilidade e beleza, começando pelo fim, quando Caetano e Gil, depois de amargar prisão, foram para o exílio em 1969, quando começaram “os anos de chumbo”, com o AI-5.
A procura de uma síntese de ideias, por vezes contraditórias, foi a marca do movimento tão bem explicado no documentário que faz um painel do Brasil no fim dos anos 60, não apenas cultural mas também político. E mostra que uma coisa tinha tudo a ver com a outra.
Uma linguagem criativa costura fotos, pedaços de programas de TV, de filmes, cenas de rua, capas de LPs, o enterro do estudante Edson Luis, a passeata dos 100 mil, filminhos caseiros de Caetano e Gil no exílio em Londres, a participação deles no Festival da Ilha de Wight em 1970 e a volta ao Brasil.
Tudo isso ao som das músicas e depoimentos do pessoal que fez o Tropicalismo.
Imperdível para quem viveu isso e, principalmente, para quem não viveu isso e precisa saber como foi.

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