quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Pecados Antigos, Longas Sombras


“Pecados Antigos, Longas Sombras”- “La Isla Mínima”, Espanha 2014
Direção: Alberto Rodriguez

Lindas imagens de Hector Garrido ilustram os créditos iniciais. Parecem quadros abstratos, com verdes, azuis, cinzas e tons terrosos. Só aos poucos, percebemos que as imagens são do solo, tomadas de muito alto. Vamos nos aproximando e bandos de pássaros voam, cruzando os ares, barcos estão nos braços do rio, que nos seus meandros recorta as ilhas e se parece com um cérebro ou intestino humanos agigantados.
Esse olhar que vai do longe para o perto é um dos movimentos que vamos ver nessa história policial, acontecida na Espanha, numa região distante das grandes cidades, onde ainda reina a tradição espanhola de uma cultura conservadora e machista, com regras não escritas que sempre favorecem os poderosos.
Não podemos nos esquecer que o franquismo imperou na Espanha de 1939 a 1976, com o Generalíssimo Francisco Franco governando com punho de ferro. E a Espanha das aldeias é ainda franquista quando o filme começa, em 20 de setembro de 1980, apesar do ditador ter morrido há já cinco anos.
Uma dupla de policiais chega à pequena vila andaluz onde desapareceram duas jovens irmãs, de 15 e 17 anos.
Quando perguntam sobre elas, ficam sabendo que gostam de se divertir mas que sempre voltam para casa. Mas, dessa vez, não foi isso que aconteceu.
Visitam a casa das garotas e o pai os recebe muito mal. A mãe, escondida do marido, passa para os policiais algo que encontrara no braseiro do fogão: um pedaço de negativo de um filme meio queimado, que mostra as jovens seminuas, em uma cama, com um homem que tem um triângulo tatuado na mão. Parece haver outra pessoa, que fotografa as cenas.
A dupla de policiais se mostra bem diferente no modo de agir e ser. Enquanto Juan (Javier Gutiérrez) é mais truculento, gosta de beber e se misturar à noite com as pessoas que frequentam o bar, Pedro (Raul Arévalo) telefona para casa em Madri para saber da mulher grávida.
Politicamente, vamos ouvir, ao longo do filme, que os dois não são partidários das mesmas ideias políticas:
“- Você não deveria ter escrito aquela carta contra o General, Pedro. Os militares ainda tem muito poder. Por isso te tiraram de Madri.”
Juan, o mais velho, é bruto e às tantas, um jornalista o acusa de ter participado da polícia secreta de Franco e matado muita gente.
As coisas parecem diversas do esperado quando se investiga de perto. É difícil fazer as pessoas falarem. Há muitos segredos bem guardados na cidadezinha.
O fato é que as moças são encontradas mortas, com marcas de tortura e estupro. Os corpos, largados num dos canais do rio, foram assassinados longe dali. Não há traços de sangue no local.
Pior, desde 1977 desapareceram moças das famílias que habitam a região. Sempre na época das feiras, talvez porque a movimentação é maior e fica mais difícil rastrear o paradeiro delas.
Há um moço bonito, Quini, “El Guapo”(Jesus Castro), que namora uma amiga das assassinadas e os policiais desconfiam que há algo errado numa casa alugada para caçadores, onde ele leva a namorada.
“La Isla Mínima”, nome original do filme dirigido por Alberto Rodriguez, ganhou 10 dos 17 Goyas, o Oscar espanhol, inclusive melhor filme e melhor diretor. E é mais do que uma história de uma investigação policial. Parece dizer que há algo doentio entranhado na sociedade espanhola que mantém a impunidade, sustentando muita coisa errada, guardada em segredo.
A lição a se tirar talvez seja a de que quanto mais uma sociedade acoberta os seus culpados, quem mais sofre são os mais fracos, as vítimas com que ninguém se importa.
Um filme diferente.

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