terça-feira, 23 de abril de 2013

Irmãs Jamais



“Irmãs Jamais”- “Sorelle Mai”, Itália 2010
Direção: Marco Bellocchio

Quem vai ver “Irmãs Jamais” sem saber nada sobre o filme, se for uma pessoa que gosta de cinema e tem curiosidade sobre o processo criativo e o olhar de um grande diretor de cinema como Marco Bellocchio sobre a família, vai gostar de descobrir “Sorelle Mai”. Essa pessoa, certamente já viu “Bom dia, noite” (2003) sobre o caso Aldo Moro e as Brigadas Vermelhas e “Vincere” (2008) sobre a Itália no período Mussolini, grandes sucessos de Marco Bellocchio no Brasil e no mundo.
Agora, quem entra no cinema achando que vai ver uma comédia italiana e dar grandes gargalhadas, provavelmente vai sair no meio do filme.
Porque “Sorelle Mai” é um produto do acaso. E, ao mesmo tempo, é um retrato construído ao longo de uma década, da família e da sociedade italiana.
Explico melhor. Marco Bellocchio, 73 anos, em todos os verões, vai para sua cidade natal, Bobbio, fazer um “workshop” de cinema, “Fare Cinema”. Filmava um pouco a esmo, sem um projeto de fazer um filme. Foi só depois, que ele percebeu que os episódios que começam a ser filmados em 1999 e vão até 2008, podiam ser vistos como um filme único.
O local é sempre a casa da família, a praça de Bobbio, o rio, o cemitério. Os atores, e isso é uma coisa bela e rara, são quase todos parentes de Bellocchio.
As irmãs dele são as tias que permanecem sempre na casa, protegendo a família, um porto seguro para os sobrinhos, Giorgio (o protagonista, que é filho de Bellocchio) e a sobrinha-neta Elena (que é a filha caçula do diretor) que cresce com as tias, longe da mãe Sara, interpretada por Donatella Finochiaro, amiga do diretor.
O próprio Bellocchio faz uma ponta na cena da reunião de professores, como diretor da escola, na qual uma professora, locatária das tias, tem uma revelação brilhante sobre o papel do educador.
O titulo, traduzido ao pé da letra no Brasil, perde a ironia do duplo sentido que Bellocchio quis dar ao sobrenome dado às irmãs dele. Porque Mai, em italiano, significa “jamais” mas também pode ser um sobrenome. E as tias solteironas são o “jamais”, que nunca deixaram a casa, não tiveram filhos, um pouco por vontade própria mas muito por causa do jeito com que essa família tinha de mantê-las com guardiãs da casa, defendendo o território que será herdado pelos sobrinhos que iam e vinham. Giorgio, sempre com projetos que não davam certo, mora em Roma e Sara, que quer ser uma atriz, em Milão, longe da filha Elena.
Giorgio, apesar de suas trapalhadas, é afetivo com Elena quando está em Bobbio e briga com a irmã Sara que está ausente da vida da filha. Ele até tenta ser uma espécie de pai para a garota, que vemos crescer dos quatro aos quatorze anos, aparentemente feliz com o rumo que sua vida tomou, apegada à cidadezinha, aos amigos, às tias e ao modo de vida do interior.
É pelas perguntas que Elena faz às tias que ficamos sabendo um pouco sobre a bisavó dela , mãe de Bellocchio e de suas irmãs. O passado não morre. Linda a cena da brincadeira com o véu de noiva da bisavó.
E o personagem do contador Gianni Schichi, administrador das propriedades da família é um senhor de cabelos brancos que goza da intimidade de todos.
É através dele que a morte irá se introduzir de maneira inesperada, durante uma filmagem.
Ele desaparece como se os novos tempos não o encantassem. Uma despedida teatral.
“Sorelle Mai” junta realidade e ficção de uma maneira única e fala sobre a decadência de uma família e também de um país, com lirismo e graça.
A nota de esperança é Elena. Ela ainda tem a vida toda pela frente. Será a nova Itália?

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