segunda-feira, 1 de abril de 2013

Dentro da Casa



“Dentro da Casa”- “Dans la Maison”, França 2012
Direção: François Ozon

Será que a volta ao uso do uniforme no Lycée Auguste Flaubert vai trazer aos alunos a proclamada igualdade, lema revolucionário francês, como quer seu diretor?
Ora, na tela, vendo os retratinhos 3x4 dos alunos de uniforme se sucedendo com rapidez relâmpago, salta à vista a diferença dos rostos, cores e cabelos. Eis a primeira ironia de François Ozon em “Dentro da Casa”. A igualdade externa não existe.
E a cabeça daqueles alunos?
Para o professor Germain, de literatura, nisso eles se igualam. A mediocridade é comum a todos. São os “bárbaros do futuro”, numa alusão à decadência do Império Romano.
Incapazes de escrever duas linhas mal cozidas, tais alunos irritam o professor, que tenta apresentá-los aos grandes autores franceses, para que aprendam alguma coisa sobre a natureza humana.
Afinal, partilhamos todos a mesma natureza e ao mesmo tempo somos diferentes, dependendo da maneira com que cada um vive a própria vida. E é isso que impulsiona a nossa curiosidade sobre os outros, a vontade de bisbilhotar, falar da vida alheia, ler livros, ver filmes.
Em “Dentro da Casa”, o professor Germain (o ótimo Fabrice Luchini) não dá o braço a torcer mas está encantado com o seu aluno Claude Garcia (Ernst Umhauer, talentoso) e o estimula a continuar a escrever sobre a família do seu melhor amigo Rapha (Bastian Ughetto), a quem ele ajuda nas lições de matemática, na casa dele.
Apesar de ser um tantinho inusitado, no entender do professor, que Claude escreva e exponha a família de Rapha no papel, essas redações que sempre tem um “à suivre” no fim, isto é, “continua”, produzem um efeito intenso nele, que passa a lê-las para sua mulher (Kristin Scott Thomas), como se fossem os capítulos de um folhetim, uma novela.
Há uma forte identificação do professor com aquele aluno bem dotado.
“- Ele se senta na última fila,” diz Germain para sua mulher.
“- Como você fazia,” responde Jeanne.
“- É o melhor lugar. A gente vê todo mundo e ninguém vê a gente”, retruca o professor.
O filme se inspira na peça de teatro “O Menino da Última Fila” de Juan Mayorga, que foi transformada em roteiro pelo próprio diretor François Ozon, 45 anos, responsável por “Sob a Areia”(2000), “Ricky”(2009) e “Potiche”(2010), entre outros filmes de sucesso.
A procura de Claude em conhecer de perto tudo que diz respeito àquela “família normal”, como ele escreve e que ele cobiça, principalmente na figura da bela mãe do amigo (Emanuelle Seigner), pode ser compreendida à luz das carências de Claude, que tem um pai inválido e uma mãe que abandonou a casa quando ele era pequeno.
Mas essa motivação psicológica não é o que faz Claude prender a atenção do professor e de sua mulher, galerista de arte contemporânea. O que atrai no texto dele é a graça, a ironia, a sedução que faz com que todos que entrem naquela casa com Claude, queiram saber mais sobre aquelas pessoas.
São reais ou imaginárias? Não importa. A literatura tem o poder de contar histórias que nos prendem, sejam totalmente inventadas ou realmente acontecidas, pelo simples dom de contá-las que todo bom escritor tem.
E Claude tem esse talento, além de personificar aquilo que os franceses chamam de “beauté du diable”, beleza que a todos seduz.
Entre o aluno e o professor, instala-se um clima de “As Mil e Uma Noites”, sendo que aqui, Claude/Sherazade não apenas seduz o professor mas quer sempre escrever mais sobre aquela família escolhida.
Porque a história que é contada envolve também o contador da história que olha, por “um buraco de fechadura” imaginário, a vida de seus personagens, que tem muito dele mesmo, num retorno de uma imagem transformada.
“Dentro da Casa” é uma homenagem à imaginação que enriquece nossas vidas toda vez que lemos, ouvimos ou vemos uma história que nos prende.
Não foi à toa que Ozon homenageou “Janela Indiscreta” de Hitchcock na última cena do filme. Tem tudo a ver.

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