sábado, 17 de fevereiro de 2018

O Insulto



“O Insulto”- “L ’Insulte”, França, Líbano, 2017
Direção: Ziad Doueri

Para entender um pouco melhor a situação política do Líbano, temos que lembrar que a região é conturbada e que houve uma guerra civil entre 1975-1990 que dividiu o país, colocando em confronto os muçulmanos aliados à Síria e os cristãos aliados ao Ocidente. É um lugar de relacionamentos tempestuosos. Para aumentar a tensão, ocorreu que milhares de palestinos buscaram refúgio no Líbano e países vizinhos, depois de expulsos pelos israelenses das terras que ocupavam.
Em 1982, tropas enviadas por Ariel Sharon, Ministro da Defesa de Israel, iniciaram uma operação, “Paz na Galileia”, destinada a neutralizar as tropas palestinas no sul do Líbano, que atacavam o norte de Israel.
Uma frase dita com raiva por um dos personagens do filme refere-se a essa operação militar:
“- Quisera que Ariel Sharon tivesse exterminado todos vocês.”
E o acontecimento que deflagrou o conflito entre um libanês do partido cristão, Toni Hanna (Adel Karam) e o refugiado palestino Yasser Salameh (Kamal El Basha) foi uma coisa boba. A discussão na rua acabou no tribunal e tomou tal proporção que levantou embates entre grupos inimigos na cidade de Beirute.
O roteiro de Ziad Doueri, muçulmano e sua ex mulher cristã, Joelle Touma, vai mostrando camada por camada dessa briga que tem raízes profundas e antigas. E o talento do diretor, que foi assistente de Quentin Tarantino, envolve o espectador.
Quando o filme começa, vemos os partidários do partido cristão num comício atacando verbalmente os palestinos. E a mulher grávida do libanês cristão pede para o marido que a leve para a aldeia de Damour, terra da família de Toni, próxima de Beirute mas onde haveria um ambiente mais calmo. Ele se recusa a ouvi-la. É um homem jovem e autoritário.
Seu opositor, o refugiado palestino, mais velho, comanda reformas da prefeitura. Estando debaixo da sacada do apartamento onde moram Toni e sua mulher, cai água na cabeça dele, que fica zangado, xinga o outro que está molhando a plantas e diz que a calha está colocada de maneira errada. Pede para fazer o conserto mas o outro não deixa e exige que ele peça desculpas.
Quando o palestino vai pedir as desculpas, aconselhado por sua mulher, a coisa esquenta já que a TV na oficina de Toni berra um discurso do partido cristão contra os palestinos.
E mais, o libanês solta a frase já citada sobre Ariel Sharon olhando com raiva para o outro e leva um murro no estômago.
Pronto. A situação adquire contornos radicais e vai para o embate jurídico no tribunal.
E é lá que o filme cresce porque coloca questões difíceis de responder. Quem é o culpado? Quem agrediu primeiro? Ou ainda: são todos vítimas?
As razões para as guerras fratricidas são inúmeras. As cicatrizes não se consolidam, as feridas se abrem ao menor acontecimento que parece fútil, como a exigência do pedido de desculpas pela água derramada que levou à uma ofensa, que gerou ofensa maior ainda e por fim, deu vazão à violência.
A natureza humana não é pacífica. Em nós todos a agressividade é uma condição natural para a defesa da vida. Mas, diferente dos outros animais, guiados pelo instinto, temos acesso à reflexão, ao adiamento do primeiro impulso. Só isso pode nos levar a pensar em convivência com os que são diferentes de nós.
No estacionamento do tribunal há uma cena, envolvendo os dois ótimos atores, que acena com uma leve esperança e alívio da tensão. Mas até quando?
O filme escapou da censura no Líbano e foi a terceira maior bilheteria do ano passado no país. Está na lista dos indicados ao melhor filme estrangeiro e é a primeira vez que o Líbano concorre ao Oscar.


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