quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Lady Macbeth


“Lady Macbeth”- Idem, Inglaterra, 2016
Direção: William Oldroyd

Quando a vemos pela primeira vez, Katherine porta um véu branco de noiva e ouvem-se cânticos de igreja. Mas algo nada romântico cerca aquela mocinha. Está em seus olhos.
E logo a vemos ser vestida com uma camisola pela empregada negra, que pergunta:
“- Está nervosa?”
Ela responde que não e senta-se na cama, à espera do marido.
Quando ele chega, muito tempo depois, é para dizer que ela deve ficar dentro de casa e para ordenar com rudeza que tire a camisola. Nua, ela espera mas o marido joga-se na cama, sem um olhar para ela.
Na cena seguinte a câmara mostra a paisagem de colinas crestadas pelo frio. Ouvem-se trovões.
Aos poucos, o ritual quotidiano se repete, com Katherine num vestido azul-pavão brilhante que contrasta com a falta de cores da casa e dos tons escuros da paisagem. Sentada ereta no sofá com a saia armada pela anágua dura e o corpo apertado num corpete, o longo cabelo preso em tranças num coque, ela espera. E a espera é sempre longa e entediante. Nada acontece.
Mas Katherine, debaixo de sua aparente natureza dócil, esconde algo que vai surgir e florescer nesse ambiente de servidão onde vive.
À noite, nua e olhando para a parede, ouve o marido perpetrar sua rotina de masturbação, sem permitir que ela o encare.
Katherine (a excelente Florence Pugh, de apenas 19 anos) foi comprada como mercadoria pelo pai de seu marido (Paul Hilton), muito mais velho do que ela, sendo o sogro um brutal dono de minas de carvão (Christopher Fairbanks) que só quer que ela dê um herdeiro à família. Ele faz com que ela se lembre desse dever o tempo todo e a trata tão mal quanto trata a empregada negra, Anna (Naomie Ackie, uma atriz que fala com os olhos).
Mas Katherine, debaixo de sua aparente natureza dócil, esconde algo que vai surgir e florescer nesse ambiente de servidão onde vive. A rebeldia começa pela procura de ar puro, algo que a livre do clima claustrofóbico da casa. Agasalhada com seu xale, cabelos ruivos ao vento, ela visita as colinas terrosas de Northumberland, norte da Inglaterra.
O marido mais viaja do que fica em casa, o que faz com que Katherine descubra o alojamento dos empregados e lá encontre Sebastian (Cosmo Jarvis), para quem a sexualidade de Katherine se abre e ele a torna mulher.
Vemos no rosto expressivo da atriz Florence Pugh a transformação ocorrida quando ela se instala no território feminino e exerce livremente seus poderes de sedução.
E é aqui que Lady Macbeth encontra Lady Katherine, pois ambas buscam o poder. O que o marido lhe nega, ela busca por si mesma e começa uma escalada de tomada do poder na casa dos Leicester. Katherine quer sempre mais. E, por isso, vai precisar eliminar aqueles que se interpõem entre ela e seu alucinado desejo de liberdade.
O roteiro foi escrito por Alice Birch que adaptou a novela do russo Nikolai Leskov de 1865, “Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk”. A ação foi deslocada para a Inglaterra vitoriana do século XIX e bem sabemos que não era fácil ser mulher nessa época. E o final foi mudado para se adaptar com mais clareza à psicose desenvolvida por Lady Katherine.
O diretor estreante, William Oldroyd, veio do teatro e conta a história de maneira seca, quase sem música que, quando aparece, faz pesar ainda mais o clima naquela casa dos Lester.
E os personagens secundários e servos são negros, outra mudança na história russa, numa alusão direta ao racismo e classe social, assunto tão candente nos dias de hoje.
Exemplar é a transformação do agredido em agressor, com todas as consequências que isso trouxe para Lady Katherine.
Não é a natureza humana livre que se expressa nela mas o peso da explosão de seus limites.



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