domingo, 27 de março de 2016

Cemitério do Esplendor


“Cemitério do Esplendor”- “Rak Ti Khon Kaen”, Tailânda, Reino Unido, Alemanha, França, Malásia, 2015
Direção: Apichatpong Weerasethakul

Se você é daquelas pessoas que adoram cinema, vai a festivais e se interessa por filmes asiáticos, já deve ter ouvido falar desse diretor tailandês, de nome impronunciável para nós, ocidentais e que, por isso é conhecido como Joe. Ele ficou famoso quando seu filme “Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas” ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes 2010.
“Cemitério do Esplendor” é o novo filme desse diretor de 45 anos, original e criativo.
Seu país, a Tailândia, é instável politicamente e agora, depois de um último golpe de estado em 2014, instalou-se lá uma ditadura que impede a liberdade de expressão. Esse dado é importante para entender o filme e compreender porque Apichatpong diz que ele é como se fosse um adeus a seu país.
Em uma entrevista que aconteceu no último Festival de Cannes, onde seu filme passou na mostra não competitiva, “Un Certain Régard”, Joe conta que voltou para a região onde nasceu, Khon Kaen, para filmar “Cemitério do Esplendor”. E acrescenta que essa região da Tailândia é muito espiritualizada, influência da proximidade dos impérios do Camboja e Laos, marcada também pelo animismo “khmer”. Ele lamenta que tudo isso está em vias de desaparecer por causa do governo autoritário.
Filho de médicos, o diretor morava no hospital onde seus pais trabalhavam e conta que primeira ideia para o roteiro de seu filme veio de um fato ocorrido no norte do país onde soldados foram colocados em quarentena num hospital, porque sofriam de uma doença desconhecida. Isso despertou nele memórias antigas.
Em seu filme, um pequeno hospital, instalado num prédio que tinha sido antes uma escola, tem uma enfermaria onde soldados dormem, quase o tempo todo. Ninguém sabe o porquê daquela narcolepsia.
Instalam máscaras nesses soldados e um tubo de luz que muda de cores. Alguém diz que os americanos usaram a cromoterapia para melhorar o sono e os sonhos de pacientes, evitando pesadelos.
Uma voluntária, Jenjira (Jenjira Pongpan Widner, atriz favoritado diretor), uma senhora que anda de muletas, encontra um caderno onde Itt (Banlop Lomnoi), um dos soldados adormecidos, faz anotações e desenhos quando acordado. Ele não recebe visitas e Jen começa a cuidar dele. Aos poucos uma conexão muito forte se forma entre eles. Ela começa a sonhar também e muitas vezes não sabemos se a cena é um sonho ou a realidade.
Outra personagem é Keng (Janinpatra Ruengram), uma mocinha que é vidente e comunica-se com os adormecidos, comunicando os sonhos aos parentes dos soldados. Dizem que ela teria sido procurada pelo FBI para trabalhar para eles mas ela se recusara. Aliás os americanos estão presentes no filme, sendo citados várias vezes.
Jen descobre que o terreno onde está o hospital abriga em suas entranhas um antigo cemitério real e a vidente acredita que os reis drenam a energia dos soldados para continuar seus combates milenares.
São encantadoras as cenas em que a vidente descreve para a senhora Jen, o palácio real, que só ela vê. As duas andam pelo parque do hospital e o espectador, que se deixar levar, vai também “ver”os espaços luxuosos do palácio real, hoje uma terra com folhas secas, estátuas de concreto quebradas e todo tipo de lixo. A decadência do presente convive com o luxo do passado nas diferentes camadas do filme.
O sono dos soldados também pode ser uma metáfora paraa depressão, a inércia, o não fazer nada perante um regime político ameaçador. A retroescavadeira que trabalha no terreno do hospital, furando a terra, é a presença misteriosa desse governo autoritário. O que faz? Não sabemos.
E, no entanto, o diretor consegue fazer sonhar o espectador mais sensível, que lê metáforas e intui, mesmo que não conheça nada sobre a Tailândia, que o diretor fala de seu país no passado e no presente.
E as imagens de Diego Garcia, belas e estáticas, estimulam a meditação e o transporte para um lugar exótico e misterioso, onde é normal as princesas descerem de seus altares e desfilarem entre os humanos, mortas mas presentes e falantes. A conversa delas com a senhora Jen é uma cena inesquecível.

Quem gosta de filmes para meditar e pensar na vida real e na dos sonhos, não perca o surreal “Cemitério do Esplendor”.

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