quarta-feira, 9 de março de 2016

Boa Noite, Mamãe


“Boa Noite, Mamãe”- “Ich Seh Ich Se”, Áustria, 2014
Direção: Severin Fiala e Veronika Franz

Uma casa de arquitetura contemporânea, frente a um lago, numa bela paisagem campestre, vazia da presença de seres humanos. Ali vai acontecer uma história que pode ser vista de diversas maneiras.
Uns vão reagir ao filme fazendo com que o elemento medo rotule-o como “terror”. Outros verão na história um “non sense” próprio de um conto surrealista. Outros ainda, ficarão intrigados com o que acontece e vão procurar uma explicação racional para tudo aquilo.
Talvez todas as abordagens citadas tenham sua vez nessa fábula envolvendo criança e mãe, dirigida pela dupla Severin Fiala e Veronika Franz.
Trata-se, principalmente, de uma história que envolve a imaginação infantil recriando um mundo. Aconteceu uma perda dolorosa que atingiu aquela família abalando as mentes fragilizadas. Quando tudo começa, a tragédia já aconteceu. Mas não há sinal dela.
Os gêmeos de 9 anos, Lukas e Elias (interpretados pelos irmãos Lukas e Elias Schwarz), estão no melhor dos mundos, tomando banho no lago, explorando a floresta e brincando.
Quando a mãe (Susanne West) aparece, ela está com o rosto oculto por bandagens. Parece que se submeteu a uma operação plástica. Estética ou reparadora? Não sabemos.
Os meninos estranham essa mãe que voltou mudada.
Não é mais aquela pessoa meiga e doce que cantava para eles dormirem. Está nervosa, exige silêncio na casa e diz que precisa recuperar-se.
Mas há um comportamento extremamente perturbador. Ela evita olhar ou falar com Elias. É como se ele não existisse. Lukas tenta chamar a atenção da mãe para o irmão mas sem êxito. E ninguém fala nada sobre o que aconteceu antes de acompanharmos a história. Será que o gêmeo Lukas alucina a presença do outro, Elias?
E, cada vez mais, os gêmeos se convencem, por pequenos detalhes, que esta que está alí não é a mãe deles. E, portanto, precisam arrancar uma confissão da impostora e descobrir onde está a verdadeira mãe deles. Custe o que custar.
Perdas dolorosas levam as pessoas a comportar-se de maneiras loucas. Há uma negação do motivo que fez explodir a insanidade, porque é muito duro e terrível o que aconteceu. Como não existe uma possibilidade de aceitação da verdade, reconstrói-se na mente uma outra realidade, um outro mundo.
Os gêmeos estranham a mãe, ela não é mais a mesma. É outra. Ela diz que tem que se recuperar. Ou ser recuperada?
O que foi que aconteceu com essa família sem pai? Não há sinal dele. Então, a autoridade paterna vai aparecer de maneira terrível e perversa.
Não havendo pai e a mãe sendo falsa e perigosa, os gêmeos vão instituir o caos, como castigo.
A fábula faz menção à loucura derivada da perda, a descaracterização do mundo pela insanidade, a perda da identidade e ao aparecimento da perversidade como castigo imposto à “Mãe Terrível”, aquela que dá a vida e a morte.
Em contraste com o que se passa no interior das mentes envolvidas, os cenários são belos mas a fotografia fria e brilhante de Martin Gschlacht, ajuda a criar um clima de tensão.

Para mim, “Boa Noite, Mamãe” é uma releitura, para nossos tempos, das histórias dos Irmãos Grimm, tão terríveis ou mais ainda que essa fábula contemporânea que teatraliza angústias insuportáveis, dificilmente digeridas.

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