segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Filho de Saul


“Filho de Saul”- “Saul Fia”, Hungria, 2015
Direção:Lázló Nemes

Até onde o ser humano pode aguentar o sofrimento antes de enlouquecer?
Estamos num campo de concentração que não mostra seu nome. Dizem que se trata de Auschwitz/Birkenau, 1944. Mas isso, o espectador que não sabe nada sobre o filme, só descobre aos poucos.
Há um texto na tela negra, antes do filme, que explica o que é “Sonderkommando”. Um grupo de judeus é poupado do extermínio imediato para viver algo terrível. São eles que levam os que chegam no trem de carga, assustados e desorientados, para a sala onde tiram suas roupas e pensam que se preparam para um banho. São as câmaras de gás.
Depois, os corpos são arrastados e empilhados e levados ao forno, onde são queimados. Suas cinzas são jogadas no rio por esse grupo de homens, que a tudo presenciam, sabendo que o dia deles também vai chegar. São homens embrutecidos, que trabalham sem parar, num frenesi que os ajuda a não pensar.
Depois da guerra, alguns deles foram julgados e condenados porque entendeu-se que contribuiram para o extermínio de seus irmãos judeus.
Mas o diretor Lázló Nemes não entra nesses detalhes em seu filme. Só uma breve explicação e somos jogados na frente de Saul, que é um “Sonderkommando”.
A câmara gruda em seu rosto inexpressivo, onde os olhos parecem vazios. Ele não fala. E o horror do que vai acontecer transparece nos gritos que ouvimos, no choro convulsivo de mulheres e crianças, arrastadas para a morte.
O formato da tela, quase quadrado, nos aprisiona com Saul, que sabe o que acontece ao seu redor. O espectador vê apenas pedaços dessa cena em que vive Saul. Só as bordas desfocadas. Adivinhamos em nossas entranhas o horror que está acontecendo. Ouvimos o inferno pelo qual passam seres humanos.
“Filho de Saul” consegue ser visceral. Sentimos junto a Saul. Vemos o que acontece no seu rosto, por mais que ele fique inexpressivo. Os sons não mentem. Vivemos o que ele vive.
E o ponto de quebra em Saul acontece logo.
Na pilha de corpos alguém está vivo. Um menino respira com dificuldade. É levado para uma maca e percebemos a emoção no rosto de Saul. Vemos o que ele vê e sentimos nele uma mudança.
Esse menino, morto em seguida por um médico nazista, vai mudar o foco de Saul. Ele se crê pai da criança e vai fazer tudo que pode para encontrar um rabino para enterrá-lo segundo a tradição.
Esse projeto difícil de ser executado, dadas as condições em que vive, resgata Saul da morte em vida e faz com que recupere sua identidade como judeu e ser humano.
Géza Rohrig, 48 anos, é mais poeta que ator e nasceu em Budapeste, na Hungria. Depois de uma visita a Auschwitz na Polonia, decidiu tornar-se judeu. Mora em Nova York, é professor de crianças e publicou duas coleções de poemas sobre a Shoah, o Holocausto. Ator excepcional, ele vive seu personagem Saul, no filme, com corpo e alma.
Lázló Nemes, 39 anos, e estreante em longas, viu seu filme ganhar o Prêmio especial do júri e da crítica no Festival de Cannes do ano passado e o Globo de Ouro desse ano como melhor filme estrangeiro. É o favorito do Oscar 2016 para a mesma categoria.
“Filho de Saul” vai mais longe na representação do Holocausto do que outros filmes que já vimos. Seu impacto faz lembrar “Shoah”1985, de Claude Lanzman.

Chocante, faz pensar na maldade e perversidade que habita o ser humano. O que é salutar. Se não estamos conscientes disso, o perigo de cair nesse abismo é ainda maior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário