segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Timbuktu


“Timbuktu”- Idem, França, Mauritânia, 2014
Direção: Abderrahmane Sissako

Um antílope corre entra as dunas do deserto, perseguido por homens com o rosto e a cabeça amarrados em panos, só olhos para fora e armados até os dentes. Eles atiram mas não conseguem atingir o animal.
“- Ele vai se cansar. Nós vamos pegar!”grita um deles.
Essa mesma cena se repete no fim do filme, sendo que uma menina é agora perseguida, substituindo o animal. Nem um nem outro são apanhados. Há esperança?
O diretor Abderramane Sissako, em seu quarto longa, usa com maestria uma linguagem visual para que a plateia compreenda do que se trata.
As armas não atingem o antílope mas destroem peças de arte malinesas, impregnadas de séculos de tradição.
Em 2012, a cidade de Timbuktu, na República do Mali, antigo Sudão Francês, caiu nas mãos de guerrilheiros jihadistas, que submeteram a população às leis islâmicas ultra-radicais, principalmente proibições de tudo que fosse liberdade e alegria. Uma intervenção militar de franceses e malineses, em janeiro de 2013, acabou com essa usurpação.
Sissako conta a história real, filmando na Mauritânia, seu país natal, nas cidades de Oualata e Nema. Com poesia e beleza, algumas histórias ilustram o terror que esses jihadistas impuseram à população de Timbuktu.
O iman local (Abdel Mahmoud Charif) tenta argumentar com um dos chefes dos defensores de um dogma ultra-ortodoxo, em nome de Allah, que aquilo não era a doutrina da religião islâmica:
“- Onde está o perdão? A clemência? Proibir música, futebol, obrigar as mulheres a usar luvas sem nenhuma explicação? Vocês estão fazendo mal ao Islã!”
Mas os jihadistas recém-chegados, que falam árabe, inglês e francês, não escutam as palavras sábias do iman e nem entendem as várias línguas faladas em Timbuktu, habitada por várias etnias. Precisam sempre de intérpretes em suas imposições.
Os tuaregues, povo nômade, já deixaram o local, afugentados pelo medo. Mas Kidane (Ibrahim Ahmed), pastor de gado, que mora numa tenda no deserto, próximo de Timbuktu, com sua mulher e a filha de 12 anos e um menino orfão, acredita que ninguém escapa de seu destino. E não ouve a mulher, que quer sair dali.
Quando acontece que um pescador mata GPS, sua vaca preferida, que invadira suas redes no rio, Kidane vai tirar satisfações e leva uma arma, novamente sem ouvir o conselho de sua mulher para não fazer isso.
O pior acontece e Kidane vê o pescador morrer pelo disparo acidental da arma. É a ocasião para Sissako filmar uma linda cena de desespero mudo e mostrar a diferença entre a lei e a usurpação cruel da lei islâmica pelos jihadistas.
“Timbuktu” é uma proclamação humanista e uma condenação da violência e da tirania. Ganhou o Cesar, o Oscar francês e foi indicado a melhor filme estrangeiro do Oscar 2015. Merecido.

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