domingo, 8 de dezembro de 2013

Azul é a Cor Mais Quente


“Azul é a Cor Mais Quente”- “La Vie d’Adèle - Chapitres 1 et 2”, França/Belgica/Espanha, 2013
Direção: Abdellatif Kechiche

As cenas eróticas, ousadas e belas, são certamente o que vai ser mais comentado por todo mundo que viu o filme. Os jovens corpos nús, sob uma luz intensa, estão nítidos na tela. Vemos com clareza as duas moças empenhadas numa busca empolgada pelo gozo. A câmera percorre cada centimetro de pele e foca rostos suados e concentrados. Nunca se viu nada igual.
Mas, se o voyeurismo do público é premiado, não penso que seja esse o objetivo final do diretor. Ao contrário, saciando a curiosidade sobre o sexo do casal de mulheres, podemos passar para outros assuntos, questões de identidade e existenciais, que o filme propõe.
Vamos assistir à vida de Adèle dos 16 aos 20 e poucos anos, a passagem dos anos amadurecendo e destruindo ilusões, durante três horas.
Desde o início, a câmera procura o rosto de Adèle (Adèle Exarchopoulos, magnífica e comovente), uma adolescente que não é igual às outras do liceu onde estuda. Seu olhar é, ao mesmo tempo, tímido e agressivo. Ela procura algo que não sabe onde está.
Na sala de aula, o professor propõe aos alunos que pensem no tema da predestinação, a propósito do romance de Mme de Lafayette, “La Princesse des Clèves”. No momento em que a princesa encontra o duque de Nemours, acontece o “coup de foudre”, como se um raio atingisse os dois e criasse uma ligação instantânea entre eles.
Adèle, na rua, toda bela para um encontro com um menino do colégio dela, vislumbra um cabelo pintado de azul. Quando se cruzam, vê a outra (Léa Sedoux), olhar intensamente para ela, voltando-se para melhor contemplá-la, abraçada com outra garota.
O encontro predestinado aconteceu. Adèle reconhece esse momento, o “coup de foudre”, o raio amoroso que a atingiu.
A partir desse instante, a garota de cabelo azul preenche os sonhos e as fantasias eróticas de Adèle. Bem que ela tenta namorar o menino “heavy metal” que só tinha gostado de um livro em sua vida, “Ligações Perigosas” e, assim mesmo, só por causa do jogo duplo.
Adèle adora ler, gosta de livros, sua pouca cultura está acima da média dos adolescentes que a cercam. Mas ela é uma pedra preciosa sem polimento. Come de boca aberta, lambe os dedos, se bem que sempre de um jeito charmoso, infantil.
Os beijos tímidos que troca com uma morena na escada do colégio, ela confunde logo com compromisso. A outra diz claramente que foi só uma brincadeira, para a decepção de Adèle.
Nela, brilha intensamente a infância, a ingenuidade e principalmente a carência, a necessidade de se apegar.
Quando encontra Emma, estudante de Belas Artes, mais velha do que ela, a do cabelo azul, a atração física é intensa, a cama é um lugar de paixão para as duas mas Adèle se consagra à outra. Ama perdidamente, enquanto Emma segue sua profissão de pintora com afinco e ambição.
E é patético perceber o quanto é exatamente essa fixação obsessiva, esse entregar-se toda e com intensidade rara, que vai ser sua perdição.
Num tempo de sexo banal, Adèle precisa de Emma para viver. E a câmera mostra bem isso. O talento de Adèle Exarchopoulos, 20 anos, faz o coração da gente doer por ela.
O diretor e roteirista Abdellatif Kechiche, tunisiano, 53 anos, de “O Segredo do Grão”2007, “Vênus Negra”2010, ganhou a Palma de Ouro de 2013 em Cannes, juntamente com suas duas atrizes.
Steven Spielberg, presidente do júri, disse a Adèle Exarchopoulos que o filme era uma das mais belas histórias de amor que já havia visto.
Imagens inspiradas, câmera ágil, quase sempre em “close”, retrato psicológico interessante dos personagens, a discussão de temas atualíssimos, sem pieguices mas com afetividade e delicadeza, fazem de “Azul é a Cor Mais Quente”, um filme marcante e indispensável.

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