domingo, 29 de agosto de 2010

Um Doce Olhar




“Um doce olhar”- “Bal”, Turquia/ Alemanha, 2010
Diretor: Semih Kapanoglu


“Bal” quer dizer “mel” em turco. E é um filme que precisa ser descoberto pelo espectador.
Aparentemente simples, sem muitos acontecimentos, parece contar apenas a história de um menino que não fala, gagueja muito quando lê e preocupa a mãe, plantadora de chá (Tulin Ozen). O pai, Yakup (Erdal Besikcioglu) é apicultor e a família muçulmana mora em uma aldeia perdida no norte da Turquia, região montanhosa e coberta de florestas.
Mas, se você se deixar penetrar pelo filme, verá que ele tem muitos caminhos como a floresta onde quase tudo se passa.
Vamos presenciar de uma maneira íntima as dificuldades que podem atrapalhar o rito de passagem da primeira infância para “a idade da razão”, na qual uma criança descobre o mundo através da capacidade de ler e passa a compreender a cultura em que vive para nela se inserir.
Yusuf tem 6 anos, é inteligente mas não consegue ler nem falar sem gaguejar muito. Interpretado por Boras Altas, um ator excepcional e muito bem dirigido, ele logo nos conquista
e ficamos tocados pelo seu amor incondicional por seu pai-heroi.
A cena inicial do filme vai nos preparando para nos identificarmos cada vez mais com uma criança sensível, para quem o mundo é o lugar mais escuro da floresta quando o pai não está com ele.
Trabalhando no alto da copa das árvores, Yakup, o pai, enfrenta o perigo, acompanhado pelo olhar admirado do filho Yusuf, que o ajuda a içar para cima os utensílios de que o pai necessita para o manejo das abelhas e a extração do mel. Seu rosto brilha e vemos pelos seus olhos a luz dourada filtrada pelas folhas verdes dos ramos mais altos da árvore. Um cenário idílico.
Mas acontece o acidente que antevíamos. O galho se quebra e o pai fica pendurado da árvore. Queda iminente? A floresta-mundo fica escura e aparece o terror de perder a quem se adora.
Os letreiros passam na tela e a gente fica cismando... O que aconteceu?
Parece que a vida continua porque, em seguida, presenciamos a uma das cenas-chave de “Um doce olhar”. O menino no colo do pai conta que teve um sonho:
“- Eu estava sentado sob uma árvore...”
“-Shhhh... Sussure no meu ouvido. Os sonhos não devem ser espalhados por aí“, diz o pai.
O menino passa a cochichar e não escutamos o que ele diz.
“-Não conte seus sonhos para ninguém”, recomenda o pai.
“Um doce olhar” é o terceiro filme de uma trilogia que não entrou em cartaz no Brasil. O primeiro filme é “Yumurta” (Ovo), que passou no Festival de Cannes em 2007 e conta a vida adulta de Yusuf. O segundo é “Sut” (Leite) que foi visto no Festival de Veneza em 2008 e narra a juventude do nosso menino de “Bal ”(Mel). O diretor contou a história de trás para a frente e parece que há uma intencionalidade nisso.
Luiz Carlos Merten que entrevistou Kapanoglu em Berlim, onde “Um doce olhar” ganhou o Urso de Ouro, conta no Estadão que perguntou-lhe se toda a trilogia não seria um sonho do menino Yusuf. Merten diz que o diretor sorriu e confirmou que havia feito “Um doce olhar” e toda a trilogia com essa intenção mas que “pouquíssima gente fazia essa viagem”.
Já que ficamos sabendo disso que tal assistir a “Um doce olhar”totalmente descompromissados com a realidade?
“A vida é sonho” é o titulo de uma peça de Calderon de La Barca.
Pois é. No lusco-fusco da floresta, um menino que tem horror a perder seu pai sonha com a vida. A árvore o envolve com suas raízes imensas e o sustenta para que siga em frente.
Esse menino vai aprender que não se pode agarrar o reflexo da lua na água... Mas que um ser adorado que partiu, continua vivendo no coração daquele que ama.
E, com uma menina maior que ele, aprenderá também que a poesia pode ajudar a entender a vida. Escutou os versos na escola e os repete sussurando:
“Noites azuis de verão,
Pelas veredas caminharei...”





Um comentário:

  1. A indústria da pirataria está evoluindo.
    Nunca imaginei que encontraria este DVD na banquinha da esquina .
    Eu tb estou evoluindo: não assisto mais o filme, sem antes ler a crítica da Eleonora, que me abre os olhos para a beleza mais recôndita.
    Fico triste de pensar que o pai morreu e espero sinceramente que isso não tenha acontecido.
    Mesmo que tenha acontecido, vou fingir que não aconteceu...

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