terça-feira, 17 de agosto de 2010

A Origem





“A Origem”- “Inception”, Estados Unidos/ Reino Unido, 2010

Diretor: Christopher Nolan



Preparem-se para uma viagem vertiginosa.

Um homem é jogado na praia por ondas de um mar espumante. Seu rosto é tenso. Ele parece desmaiar na água e vê um menino e uma menina de costas para ele. Em sonho?

E a partir daí você não vai desgrudar os olhos da tela.

Cansaço? Nem pensar. Porque você vai ter que prestar muita atenção nas próximas duas horas e meia. E, mesmo assim, tem gente que precisa voltar e ver de novo, de tão complexa e intrigante é a trama. Porque tudo é misterioso e as cenas se sucedem com muita rapidez.

Um quebra-cabeças monumental vai ser montado peça por peça.

A sensação de sermos sugados para dentro de uma história é a experiência que fica depois de assistirmos ao filme “A Origem”, “Inception” no original, que pode ser melhor traduzido por “Inserção”.

As sinopses descrevem o personagem Dom Cobbs, vivido por Leonardo Di Caprio, como um ladrão de mentes que é um fugitivo. Ele consegue dormir, entrar no sonho de uma outra pessoa e roubar uma idéia. Um “hacker”mental.

Pois bem. Um novo desafio é apresentado a Cobbs. Um empresário japonês muito poderoso quer que ele implante uma idéia na cabeça de um herdeiro cujo pai está morrendo e é concorrente dele.

Para conseguir isso, algo que parece impossível aos olhos do japonês, Cobbs começa a arregimentar pessoas para ajudá-lo nessa missão (Arthur é Joseph Gordon-Levitt, Ariadne é Ellen Paige, Eames é Tom Hardy e Yusef é Dileep Rao).

E Cobbs parece saber fazer a tal inserção. Vagamente nos damos conta de que ele diz já ter feito isso no passado.Os demônios vão ser enfrentados novamente (Mal, personagem de Marion Cotillard).

E começa uma ação estonteante na qual Cobbs é sempre alvo de perseguidores surgidos de não sei onde.

Efeitos visuais espetaculares desafiam a nossa própria mente e ajudam a criar o estranhamento peculiar à narrativa que nos faz prestar atenção ao irrelevante.

Um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho dentro de um sonho...

Eu diria que não estamos no universo de sonhos que foram descritos por Freud em seu livro “A interpretação dos sonhos” como “os protetores do sono”. Construidos com os “restos do dia” às vezes são lembrados pelo sonhador e podem ajudar em uma terapia psicanalítica através de uma linguagem a ser decifrada pelo paciente e seu terapeuta.

Talvez se pareçam mais com delirios essas cenas que arrastam Cobbs e seu time para quatro diferentes níveis de acontecimentos sonhados em grupo. Tudo sempre muito perigoso...



A melhor imagem visual para o que se passa com Cobbs parece ser o desenho feito pela “arquiteta” Ariadne: um circulo envolvendo outros inúmeros círculos. Um labirinto circular de onde só se sai pulando para outra dimensão, para cair em outro circulo e assim por diante, “ad infinitum”. Seria uma alusão à mitológica Ariadne e seu fio que ajuda o herói a matar o monstro e sair do labirinto vitorioso?

Ou ainda: enormes espelhos face a face multiplicam ao infinito a imagem de Cobbs e Ariadne, até que ela arrebenta um deles e passa através para um novo espaço. É a “Alice” de Lewis Carrol vista por Tim Robbins?

Sim. Porque aqui e ali podemos reconhecer citações de outros filmes e homenagens a outros diretores como Kubrick de “2001- Uma Odisséia no Espaço” (cenas de levitação no hotel sem gravidade como uma nave espacial e a sequência final da viagem no tempo), Orson Wells (o catavento é “Rosebud” do “Cidadão Kane”) ou ainda os filmes de James Bond e “A Ilha”no qual Leonardo Di Caprio foi dirigido pelo mestre Martin Scorcese.

“A Origem” é um filme fascinante e o diretor Christopher Nolan conta que ficou por dez anos escrevendo o roteiro:

“Queria fazer um filme de ação, num mundo reconhecível, mas que pedisse ao público para entrar na viagem, desde o começo”, diz ele.

E essa é a originalidade do roteiro que nos força a seguir os detalhes cada vez mais intrigantes da história na tela. Somos obrigados a acompanhar Cobbs em sua fuga da realidade insuportável. Uma empatia forçada pela narrativa instala-se entre nós e o protagonista surtado.

Porque sabem os estudiosos da mente humana que, na tentativa de fugir de uma realidade dolorosa, a pessoa tenta criar um novo mundo, a neorealidade da loucura. Parece que é isso que acontece aqui porque tudo indica que Cobbs sofreu uma perda de modo terrível e se sente culpado. Seu luto não pode ser vivido porque ele foge da dor através das distrações rocambolescas criadas por sua própria mente.

Mas essa maneira de distrair-se parece tornar-se ainda mais dolorosa que o enfrentamento da verdade. Então, no fim do filme, Cobbs, apesar de quase cair na tentação da roda-viva de suas lembranças martirizantes, volta à vida, permite-se o perdão e o esquecimento.

Se bem que advirto que essa é só uma das muitas maneiras de se entender esse filme. Para cada cabeça uma sentença? Pode ser. Talvez a ambigüidade esteja nos planos do diretor que instiga o espectador a pensar.

Para mim a lição que fica é a de aprendermos que a pior realidade será sempre melhor que o melhor dos sonhos. Porque é acordado que podemos agir, tentando mudar a realidade ou então aceitá-la, quando não tem remédio e partir para a vida, apesar de tudo.

6 comentários:

  1. Eu gostei bastante deste filme. Já tinha achado que o Chris Nolan tinha acertado a mão no ultimo filme do batman e agora pelo visto ele acertou de novo. Sorte da Warner Brothers ( produtora de ambos os filmes ) que esta com um craque em casa ! Sobre as referencias que a voce viu no filme eu adicionaria as referencias que " eu vi " também..." Vanila Sky " do tom cruise e " Sonhos " com Robin Willians...ambos pela viagem pelo mundo dos sonhos...e dai " Jules et Jim " pela mixagem em feita de planos / personagens / histórias paralelas. Bjs

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  2. Eu sp vou ver a foto em 1º lugar, ainda mais q a Eleonora já disse q procura fotos q tem a ver com o clima do filme.
    Nessa, ela acertou em cheio.
    Bem, o filme eu nao assisti, mas digo pela leitura da crítica.
    Achei mto interessante q a Eleonora colocou uma linha entre os parágrafos, pq é um texto difícil de ser lido e as linhas amenizam a dificuldade.
    A Sandy escreveu no Twitter q vai precisar assistir esse filme mais umas 350 vezes pra poder finalmente entender.
    Garanto q se ela lesse esta crítica ela já iria ao cinema com algumas ferramentas na mão.
    Qto a mim, acho q não vou assistir, não, pq ando mto concentrada na política e cheguei a ficar "sonhando" com a Eleonora fazendo uma crítica da programação pela televisão.
    Não é cinema, claro, mas teve uma cena no programa da Dilma, q achei linda e me lembrou de alguns ótimos filmes italianos de safra antiga.
    É qdo a candidata joga um graveto no rio pro cachorrinho ir buscar e qdo ele volta com o graveto na boca, se sacode todo pra tirar a água do corpo.
    Lindo aquilo, coisa de cinema.

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  3. Passei por aqui pra ver se tinha algum comentário.

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  4. A “sentença de minha cabeça” é embarcar na proposta do diretor Nolan, lembrada pvc, pedindo ”...ao público para entrar na viagem, desde o começo” . Embarco c/ Dom Cobb, no mesmo longo voo em cia do empresário que viaja p/ as exéquias do pai e nesse tempo, dorme p/ muitos sonhos, utilizando como personagens as pessoas que estavam nesse mesmo voo.
    Se eu (seramigo) estiver sonhando muito,....me acordem! Bum!!!
    C/ muitas perturbações de Vida, sentimentos de culpa profundos (morte da mulher e ausências prolongadas dos filhos), inadaptabilidade à realidade e ao seu trabalho (tanto que já não consegue imaginar sua Arquitetura, pedindo ajuda ao “talvez” seu lado feminino na figura da “aprendiz de feiticeira”, seu lado que o ajuda nos labirintos da Vida), Cobb, ao dormir no voo, luta c/ todos esses “demônios”, como Eleonora diz. O tempo todo. Os vários “chutes” de retorno dos sonhos nada mais eram que os momentos de vários níveis deles, entre um e outro, num “longo dormir.” Nesses sonhos, tbém uma inaceitação da passagem do tempo (velhice) e preocupação c/ a morte, querendo manter a eterna juventude. Conflitos muitos fortes suficientes p/ sair de uma realidade e embarcar numa outra sonhada ou “alucinada”, acordado. (segue)

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  5. Cobb só desperta do sonho, quase no final do filme, qdo a moça lhe(s) oferece toalha quente chegando ao seu destino; o olhar dele, ao acordar, diferente dos demais alucinados e/assustados durante o filme é altamente revelador. Cobb passa pela alfândega como cidadão absolutamente “limpo” (diferente de seu sonho ou alucinação de “condenado”) e saindo vê os vários passageiros, estes, em especial o empresário herdeiro, absolutamente alheios a ele. O parceiro constante no sonho, significando, quem sabe, um outro lado de Cobb, ainda mais articulado, tentando devolvê-lo à realidade “REAL”.
    Todo o filme, são sonhos ou alucinações acordado, ou mesmo alternâncias desses subterfúgios do (in)consciente, p/ fugir aos demônios da realidade.
    Enfim, Cobb, já muito perturbado, consciência bloqueada, visitando seu subconsciente, enfrentando seus conflitos, é um personagem que ultrapassa uma barreira, vivendo outra realidade, paralela ao REAL, quer seja em sonho, quer seja c/ alucinações. (segue)

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  6. Seu estado é tão extremo que Cobb se vê (acha) proibido de retornar ao seu país (a sua realidade) e pra aliviar a consciência e/ou “pagar seu pecado” inconsciente, projeta a ”inception” que aceita fazer para conseguir voltar à terra natal, ou seja p/ se sentir redimido, aceito pela realidade perdida.
    O filme vale tbém pelas imagens fantásticas (criadas pela mente, sonho ou alucinação), ponto forte do filme, e bem realizadas nas cenas de lutas revelando seus conflitos internos. Nolan, pede “bênção” à ODISSÉIA...2001”, bem mais “limpo” em sua mensagem; acho que ele pensou demais no filme (10 anos) e complicou um pouco. A ILHA DO MEDO é mais direto e fácil de entender.
    Quer simplificar?....embarque na viagem do filme como um grande sonho e deixe-se seduzir pelas imagens, sem se preocupar c/ seu entendimento. Isso vem depois.
    Uma última questão deixada por Nolan: após encontrar os filhos, (retorno à Realidade), Cobb roda novamente o peão, (totem que simbolizava sempre momento de sonho e não realidade), deixando a sugestão de que TALVEZ essa nossa VIDA seja tbém um sonho. Buum....hora de acordar!
    Quem sabe tbém ACORDAR nossa atenção para a “inserção” de IDÉIAS , poderosas como um virus, interferindo sub-liminarmente em nossa autonomia de VIDA, como pessoas em particular e como massas nos movimentos coletivos. P/ que não tenhamos que acordar de pesadelos!!! Porque é acordado que podemos agir, tentando mudar a realidade ou então aceitá-la, quando não tem remédio e partir para a vida, apesar de tudo.”, como finaliza Eleonora.

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