terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Roma




“Roma”- Idem, México, Estados Unidos, 2018
Direção: Alfonso Cuarón

Num preto e branco que tem cinza, nácar e infinitos tons de negro, ladrilhos lavados com água e sabão abrem uma janela de luz no chão, que reflete o céu. Aquele avião, que aparece no espelho d’água, vai passar de tempos em tempos sobre aquela casa de classe média alta no distrito de Roma, Cidade do México.
Mas a janela de água de Cuarón, o diretor, produtor, roteirista, fotógrafo e editor de “Roma”, abre-se também para o seu próprio passado. Voltamos ao início dos anos 70, no México.
E convivemos com uma família: o médico Dr Antonio (Fernando Grediaga), e sua mulher Sofia (Marina de Tevira) tem quatro filhos Tonio, Paco, Sofi e Pepe, o menor, em quem o diretor se projetou, e a avó Teresa.
O casamento vai mal mas as crianças são cuidadas com carinho e doçura por Cleo (Yalitza Patricio, uma novata talentosa), que é uma mexteco, vinda do seu “pueblo”, que também cuida da casa com Adela (Nancy Garcia). As duas são amigas e moram num quarto na edícula. Acima é a lavanderia, com tanques e varais, onde as crianças também vem brincar. E o cachorro Borras late como todos os outros nos outros terraços vizinhos.
Buzinadas marcam a chegada do Ford Galaxy do Dr Antonio, que mal cabe na estreita garagem da casa.
Durante o almoço, o país se introduz com Paco, que conta que viu um menino jogar sacos de água num jeep do exército e morrer com um tiro na cabeça.
“- Que horror ”, diz Cleo que servia a mesa. É a única a se manifestar.
Depois, um longo plano sequência mostra Cleo e Adela correndo pelas ruas, rindo. Vão encontrar os namorados, Ramón e Firmin. Uma dupla vai ao cinema e Cleo e Firmin a um hotelzinho, onde Firmin, nú em pelo, faz uma demonstração de artes marciais. Ela, amorosa, o recebe na cama e engravida sem saber.
Cleo é a personagem central de “Roma”, embora esteja sempre meio de lado e quieta. É doce e ingênua. Ama as crianças da família e é amada por elas. É ela que as leva para a cama cantando no fim do dia e é ela que as acorda, cantando, para não perder a hora da escola. É como se fosse um membro da família.
Entretanto há um México violento nas conversas entre os empregados da fazenda, onde dona Sofia com os filhos e Cleo vão passar o Ano Novo. Na cozinha, falam em voz baixa sobre os que morreram, vítimas dos conflitos sobre terras. E vemos, pela janela da loja de móveis, onde estão Cleo e a avó Teresa, o massacre de Corpus Christi, como depois foi chamado, quando cerca de 120 estudantes foram mortos numa manifestação, pelo exército e as milícias.
Cleo vê com seus próprios olhos assustados, Firmin atirar num homem que entrara correndo dentro da loja. Só então se dá conta de que Firmin era da milícia e entende os treinos de artes marciais.
Cuarón introduz na história um tremor de terra, incêndio na floresta da fazenda, sinistros bichos empalhados nas paredes e a taça quebrada por Cleo. São sinais de que virá?
Não sabemos. Assim como escutamos com surpresa o menino menor, Pepe, falar de suas vidas “quando era velho” para Cleo:
“- Antes de eu nascer, você estava lá também. Eu era piloto de avião e desci de paraquedas. Outa vez eu era marinheiro num navio e não sabia nadar. Morri durante uma tempestade. ”
Reincarnação? Vidas Passadas? Fantasia?
A belíssima cena na praia com ondas ameaçadoras, faz Cleo entrar no mar, sem saber nadar, para resgatar as crianças levadas pela correnteza. Depois ela chora abraçada com elas e confessa uma culpa que estava enterrada em seu coração. Desabafa e pode voltar para casa com o olhar sereno.
Há cumplicidade entre mulheres também. Dona Sofia diz para Cleo:
“- Por mais que falem ao contrário, nós mulheres, sempre acabamos sozinhas...”
No espelho do passado de Alfonso Cuarón, Roma é Amor.
E quem fica assistindo ao filme durante os créditos descobre que a Cleo dele era Libo, a quem dedica o filme.
No final, vemos escrito na tela:
“Shanti, Shanti, Shanti”, uma palavra que vem do hinduísmo que quer dizer paz.
A mensagem é de Cuarón, idealizador desse filme raro, que já ganhou o Leão de Ouro em Veneza, tem três indicações para o Globo de Ouro, melhor filme do ano para a crítica de Nova York e Los Angeles e está na primeira lista de nove filmes selecionados para competir pelo melhor filme estrangeiro.
Muitos prêmios mais virão, com certeza.


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