domingo, 3 de setembro de 2017

Como Nossos Pais


“Como Nossos Pais”, Brasil, 2017
Direção: Laís Bodansky

Naquele almoço de domingo, uma família de classe média senta-se à mesa. A mãe traz direto do fogão a panela com a moqueca cheirosa, alvoroçando a filha Rosa, seu marido Dado, a duas netas e o filho com a nora dela.
“- Você caprichou ein? ” comenta a filha.
“- Para homenagear seu marido que voltou de uma longa viagem de trabalho! ”
“- E você poderia cuidar mais de nossas filhas... vive viajando. Eu não dou conta de tudo! ”, diz Rosa acidamente, voltando-se para o marido.
E o ambiente, naquele agradável pátio florido, começa a descambar para o azedume.
“- Você prefere que ele fique tomando conta de suas filhas? Ele tem um projeto ambiental maravilhoso! Quanto egoísmo...Fique esperta! “ declara a mãe.
E parecia que as coisas não iam acabar bem, quando cai aquele aguaceiro para esfriar os ânimos.
Depois da sobremesa, Rosa avisa que vai embora mas as filhas querem ficar. Ela não deixa.
“- Você é dura com elas...” reclama a avó.
“- E por que será? “ responde Rosa ironicamente. Meu pai nunca foi duro comigo. Ele era um pai maravilhoso!”
E, das duas histórias que a mãe (Clarisse Abujamra) tinha para contar para os filhos naquele domingo, ela só fala a primeira, que vai ao mesmo tempo esclarecer e perturbar ainda mais a relação dela com a filha Rosa (Maria Ribeiro).
Laís Bodansky, 47 anos, dirige e escreve o roteiro com seu ex-marido Luiz Bolognesi e faz um filme brilhante sobre as relações familiares na classe média brasileira urbana. Centra o foco na mãe e na filha e vai explorar um panorama de conflitos femininos, muitos deles geracionais, ou seja, passam de mãe para filha.
No filme, Clarice, a mãe, está doente e, claramente, numa fase em que a boa saúde da filha a incomoda porque ela vive outra sorte de infortúnio e os problemas de Rosa com o marido e as filhas parecem a ela banais e egoístas.
A inveja que permeia a relação mãe/filha foi muito bem explicada num artigo de Contardo Calligaris (Folha de 31 de agosto de 2017) que comentou “Como Nossos Pais” por esse ângulo.
Aliás, pelos contos de fadas, sabemos bem, desde crianças, das relações de inveja mortal das madrastas, mães más que invejam a juventude de Branca de Neve e Cinderela.
Além disso, no filme, Rosa, alheia aos motivos da mãe que enfrenta a morte de perto, não consegue refrear sua hostilidade e faz da mãe a razão de muitos de seus problemas. Existe aqui uma relação complicada que emerge para ser vivida à luz dos acontecimentos da vida das duas.
E Rosa não percebe que padece do mesmo mal que muitas de nós conhecemos: apesar de tudo, somos nossas mães com nossos filhos, seja no avesso, fazendo o que elas não fizeram, seja repetindo a história delas.
No filme, mãe e filha trabalham para sustentar os filhos, já que os maridos de ambas (Paulo Vilhena e Jorge Mautner) se dão ao luxo de realizar seus sonhos, o que não inclui alimentar a família.
No Brasil, quantos lares tem as mulheres como chefe de família? Em classes sociais menos aquinhoadas, o pai já partiu faz tempo. E a mãe arca com tudo. Para essas mulheres, o feminismo não ajudou em nada. Aliás, o feminismo, novo ou velho, engatinha por aqui. Somos um país machista e tristemente, muitas mulheres se comportam como tal.
Mas, voltando a “Como Nossos Pais”, há uma reflexão sobre realização profissional e no casamento, levada a sério por Rosa, que muitas de nós já viveram ou estão vivendo.
Na verdade, há mais perguntas do que respostas prontas nesse campo dos conflitos femininos.
“Como Nossos Pais” foi contemplado com seis Kikitos no Festival de Gramado como melhor filme, direção, roteiro, montagem e interpretações de Maria Ribeiro (Rosa), Paulo Vilhena (Dado) e Clarisse Abujamra (a mãe magnífica).
Laís Bodansky, que assinou a direção de “Bicho de Sete Cabeças” e “As Melhores Coisas do Mundo”, escolhe falar outra vez com sensibilidade sobre os conflitos do ser humano. O que ela faz sempre muito bem.



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