sábado, 21 de janeiro de 2017

A Espera


“A Espera” - “L’Attesa”, Itália, França, 2015
Direção: Piero Messina

As primeiras imagens lembram a morte de Cristo, as dores de sua mãe, o luto que impera na Semana Santa na Sicília, onde a religião é severa, antiga e ligada a ritos pagãos.
Mas existe um outro morto. Pessoas enlutadas cumprimentam a mulher de preto, com o rosto devastado pela dor. Depois, a câmara mostra apenas seus pés ao lado do caixão. Intuímos que ela perdeu alguém muito querido. A igreja, quase vazia, tem dimensões que fazem os seres humanos presentes pequenos demais.
Na casa siciliana há um sino calado e o vento arrasta um colchonete vermelho. Imagem que denuncia algo inevitável: as forças da natureza. Vida e morte.
A personagem de Juliette Binoche, deitada vestida na cama no quarto na obscuridade, tem os olhos abertos e vazios. Sua imobilidade e solidão falam de sentimentos que paralisam.
Quando toca o telefone e Anna (Juliette Binoche, soberba) vai atender, algo se passa com ela. Uma luz a ilumina. Ao invés de contar tudo para Jeanne (Lou de Laâge, bela e sensual), a namorada que vem visitar seu filho Giuseppe e não sabe o que aconteceu, Anna diz que o filho não está mas convida a moça para vir vê-la:
“- Estarei esperando.”
E, no aeroporto, as imagens dos passageiros em silhueta contra o vulcão enorme atrás da parede de vidro, os objetos vistos em transparência pelo raio X da alfândega, tudo remete ao que se esconde, ao que não é visto mas está ali presente.
Por que Anna não conta a verdade para Jeanne? Por que  espera?
Anna estava vazia, sem vida. A morte inesperada do filho querido num acidente deixou-a sem reação. Seus sentimentos são de incompreensão, raiva, abandono, injustiça.
A aparição inesperada de Jeanne traz a esperança de manter o filho vivo mais um pouco. Precisa compartilhar as memórias do que a moça viveu com ele.
Há maldade em Anna? Talvez. Ela se pergunta: por que Giuseppe morreu e Jeanne está viva? E a moça chega radiante de juventude, beleza e pressa para encontrar Giuseppe. Quer agradar Anna que é a mãe do seu amor.
E fica no ar a dúvida. Jeanne é muito ingênua e não compreende o que se passa? Ou é outra que também escolheu a negação?
Jeanne deixa mensagens no celular do namorado mas não tem respostas. Mal sabe ela que o telefone está com Anna que escuta tudo.
O empregado Pietro (Giorgio Colangeli) é para Anna a lembrança da verdade, do que deveria ser dito, da saudável aceitação da morte e do luto.
Mas ela prefere a negação. E traz à vida, fantasmas.
A ela só resta a solidão e talvez a loucura.
O diretor Piero Messina, 35 anos, que foi assistente de Paolo Sorrentino em “A Grande Beleza”, em seu primeiro longa nos deslumbra com o apuro visual de “A Espera”.
É um filme que grita a ausência, a falta, a perda, através de uma interpretação magnífica de Juliette Binoche, que sempre escolhe com muita seriedade os filmes que faz.
Ela e a casa vazia, as palavras que não consegue dizer, a ambiguidade de seu comportamento, são uma aula sobre o luto. Humano penar. Insanidade passageira que pode se tornar uma melancolia doentia.
“A Espera” é um filme quase assustador porque mergulha fundo na alma humana. Imperdível para quem gosta de beleza e mistério.


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