quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Melancolia




“Melancolia”- “Melancholia”, Dinamarca, Suécia, França, Alemanha, 2011
Direção : Lars Von Trier







O décimo quarto filme do talentoso e polêmico diretor dinamarquês, Lars Von Trier, 55 anos, pode ser visto como uma ficção científica, um filme-desastre sobre o fim do mundo ou como um drama psicológico.

No início, antes mesmo do nome do filme e diretor, belíssimas imagens de pesadelo invadem a tela em câmara lenta.

O rosto sombrio e pesado de Kirsten Dunst nos olha sem vida, enquanto pássaros mortos caem do céu, atrás dela.

Começamos a ouvir o prelúdio de Tristão e Isolda, de Richard Wagner, uma das músicas mais românticas e tristes de que se tem notícia.

Um jardim renascentista cerca um relógio de sol de tamanho desproporcional. Uma silhueta de mulher é percebida ao longe, no cenário noturno.

Um planeta negro e outro azul gravitam no espaço interestelar.

Outra mulher (Charlotte Gainsbourg), corre em pânico, com uma criança no colo. Do que ela foge?

Um cavalo negro cai num campo ressecado enquanto Kirsten Dunst está de braços abertos, em meio a uma sinfonia de borboletas e folhas rodopiando.

Na frente de uma mansão escura, estáticos, um menino entre duas mulheres.

Kirsten Dunst solenemente ergue as mãos e observa filamentos que saem dançando de seus dedos.

Uma noiva corre por uma floresta. Seus pés e seu vestido se emaranham em fios cinzentos.

A conjunção fatal dos planetas se aproxima do seu apogeu.

Numa cena que lembra o suicídio de Ofélia em Hamlet, de Shakespeare, a noiva é levada como um corpo morto, pela correnteza de um riacho, com seu buquê nas mãos sobre o peito.

O menino descasca um longo graveto, observado por Kirsten Dunst. Ele olha o céu, buscando os planetas, apreensivo.

O gigante azul engole o planeta menor. Colisão.

Ouve-se um rumor surdo e profundo.

Poeira de planetas preenche o ar na explosão que se segue.

Esse prólogo do filme resume a história do planeta Terra destruído por Melancholia.

O próprio Lars Von Trier diz, em entrevista, que escolheu essa maneira de contar a história porque o importante não é o que acontece, mas sim ver como tudo acontece, não só no mundo externo mas dentro das pessoas.

E esse vai ser o assunto do filme, dividido em duas partes: Justine e Claire, o nome das duas irmãs.

Justine, a noiva relutante, que oscila entre a mania e sinais de uma depressão grave e a irmã Claire, que cuida dela, do marido (Kiefer Shuterland) e do filho. Mais saudável que Justine, Claire vai, aos poucos, trocando de estado mental com a irmã.

Quando a dança da morte dos planetas se impõe e a vida na Terra é ameaçada, Claire entra em pânico porque tem muito a perder e Justine aceita o fim como se fosse uma benção, melancólica mas curada de sua depressão grave.

Em uma entrevista em Cannes, Lars Von Trier falou sobre a possibilidade das duas irmãs serem lados diferentes da mesma pessoa, ora deprimida/maníaca, ora saudável. E acrescenta que suas experiências pessoais o levaram a escrever a história do filme:

“-Meu alter-ego é sempre feminino nos meus filmes. Dessa vez tenho dois, duas mulheres”.

No fim de “Melancholia”, dentro da “caverna mágica” (bela metáfora sobre a sala de cinema), a tela nos mostra a união entre a criança e as duas mulheres, de mãos dadas, enfrentando o desconhecido, a destruição da ordem anterior e a aniquilação da vida.

“Melancholia”, aqui, é o nome de um planeta mas também de um estado de alma.

Lars Von Trier não adota o sentido dado por Freud à melancolia que seria um estado de depressão grave, devido a um luto impossível pelo ser amado e odiado, ao mesmo tempo, por causa do abandono.

Para o diretor e roteirista, a depressão seria o estado doentio que pode até ser tratado com remédios. É Justine na primeira parte do filme. Já a melancolia é para ele um sentimento de vazio, mais existencial, do qual ninguém se cura, porque a vida inclue, necessáriamente, a morte.

Para ele, então, a melancolia “é um tipo de vitamina que todos precisamos”. É Justine banhando-se à luz de “Melancholia”, toda nua sobre o rochedo.

Certamente, pensar na morte é valorizar a vida e procurar viver sem se entregar a defesas incapacitantes. É abrir mão da felicidade maníaca para poder viver momentos felizes. É fugir da depressão mortal e abrir espaço para a tristeza, que pode levar ao pensamento libertador. É aceitar a humanidade em nós.

Lars Von Trier, que não esconde de ninguém que sofreu crises depressivas e tentou refugiar-se no alcoolismo, foi considerado “persona non grata”no festival de Cannes, onde participava da competição, após declarações infelizes e inaceitáveis sobre o nazismo e Hitler.

Desculpou-se no dia seguinte mas o estrago já tinha sido feito. Mas seu filme continuou na competição e Kirsten Dunst foi escolhida como a melhor atriz.

Lars Von Trier, o fundador do movimento Dogma, continua com sua câmara na mão balançando e acompanhando de perto os personagens e suas aflições. Ao mesmo tempo, herdeiro de Bergman e Visconti, deslumbra a todos nós com cenas grandiosas e cenários de arrepiar.

O prelúdio de Wagner vai ser ouvido apenas nos momentos de maior emoção, contrapondo-se ao silêncio musical das outras cenas, o que torna tudo muito mais pungente.

A obra, no caso de Lars Von Trier, fala mais alto e melhor que seu criador.


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